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sexta-feira, 14 de maio de 2021

Brasil não fecha acordo do spray nasal em Israel; dados têm sigilo até 2036 - Jamil Chade (UOL)

 Brasil não fecha acordo do spray nasal em Israel; dados têm sigilo até 2036

Jamil Chade
Colunista do UOL
14/05/2021 04h00

RESUMO DA NOTÍCIA
-Em resposta ao PSOL, Itamaraty admitiu que proposta de carta de intenções não foi fechada durante visita de Ernesto Araújo para Israel
-Telegramas diplomáticos sobre viagem foram classificados como confidenciais e serão acessíveis apenas no ano de 2026 ou mesmo 2036
-Custo da viagem foi de mais de R$ 88 mil, sem contar o avião da FAB que levou a comitiva
-Ministério da Saúde não deu respostas sobre o motivo da falta de um acordo
-Proposta de carta de intenções com outro instituto israelense tampouco foi concluída

O Itamaraty admite que a viagem do ex-chanceler Ernesto Araújo para Israel, em meio à pandemia, não resultou na assinatura de um acordo por escrito de cooperação com o hospital Ichilov para o desenvolvimento ou importação de um tratamento contra a covid-19 conhecido como spray nasal.

Tampouco houve a assinatura de um convênio final com outra entidade israelense, o Instituto Weizmann, responsável por diversas pesquisas no campo da pandemia. O governo brasileiro ainda decidiu classificar os telegramas diplomáticos entre Brasília e Tel Aviv como reservado ou secretos, impedindo alguns deles de serem consultados pelos próximos 15 anos.

Na prática, as informações completas sobre a viagem da delegação brasileira, que foi alvo de polêmica, serão conhecidas apenas em 2036.

As revelações fazem parte de uma resposta de mais de 40 páginas submetida pelo novo chanceler Carlos França à bancada do PSOL na Câmara, no dia 7 de maio. Os deputados tinham solicitado explicações sobre a viagem de uma delegação do governo brasileiro para Israel, na primeira semana de março.

Além de Ernesto Araújo, que chegou a levar um pito público durante a viagem por não usar máscara, o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) transportou para Israel o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o deputado Helio Lopes (PSL-RJ), o assessor especial Filipe Martins, e o então secretário de Comunicações, Fabio Wajngarten, além de diplomatas.

Da área técnica, a delegação contava com apenas dois representantes: Hélio Angotti Neto, do Ministério da Saúde, e Marco Morales, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

No total, o custo da missão foi de mais de R$ 88 mil, sem contar o transporte no avião da FAB e a parcela de gastos arcada pelo governo de Israel.

Antes da missão, Eduardo Bolsonaro e outros membros do governo justificaram a ida para Israel por conta, entre outros fatores, de uma perspectiva de cooperação no desenvolvimento de um spray que ajudaria a combater a covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro também usou sua live nas redes sociais para tocar no assunto. O produto teria tido bons resultados contra a covid-19. Mas tinha sido testado em apenas 30 pessoas.

Ao escrever para os deputados do PSOL, o chanceler Carlos França confirmou que houve reunião com a direção do hospital Ichilov, responsável pelo desenvolvimento do spray, oficialmente denominado de EXO-CD24.

No encontro, foi acordado um programa de cooperação "com vistas à participação do Brasil no desenvolvimento conjunto do produto (fase 2 e 3 de estudos), caso a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa autorizem ensaios clínicos no país".

"Foi proposto que o Brasil integrasse a fase 2 do desenvolvimento do medicando EXO-CD24", fazendo parte de pool internacional", explicou o chanceler.

Mas, na mesma resposta, o Itamaraty também afirma que a cooperação em relação ao spray nasal não se concretizou por meio de um documento, apesar de a delegação ter preparado em inglês e português um modelo de carta de intenções que foi levada para Israel.

"No que diz respeito à carta de intenções entre o Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Saúde e OBCTCCD24 LTDA [empresa que desenvolve o produto] sobre cooperação em relação ao spray nasal EXO-CD24, cujo objetivo seria consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com aquela empresa, o projeto da carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociações internacionais", diz o texto assinado por França.

Aos deputados, o chanceler submeteu a proposta de texto do acordo. Ela traz as assinaturas de Ernesto Araújo e da parte israelense, mas a do Ministério da Saúde está ausente.

Procurada, a pasta hoje comandada por Marcelo Queiroga não explicou o motivo de o texto não ter sido assinado, mesmo com um representante do Ministério da Saúde na delegação em Israel. Seus assistentes chegaram a pedir à reportagem mais tempo para que a informação pudesse ser buscada pela pasta. Mas não deram mais retorno.

Ainda nas respostas dadas aos parlamentares, o ministro França insistiu que a viagem "não deve ser reduzida às iniciativas de cooperação no domínio da Saúde, muito menos às tratativas para potencial desenvolvimento do spray nasal".

Procurada, a embaixada de Israel no Brasil explicou que "o trabalho da delegação brasileira que foi a Israel foi muito frutífero e positivo". "Muitas discussões estão sendo feitas. Os hospitais Hadassah e Ichilov estão em contato com o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil", disse.

"Uma série de acompanhamentos por videoconferência sobre o assunto está em andamento", completou.

No hospital Ichilov, a coluna tentou em diversas ocasiões contato com os responsáveis pelo projeto após a viagem de Araújo. Mas os pedidos de informação não foram atendidos.

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, "em 9/3/2021, a delegação brasileira que foi a Israel reuniu-se com o diretor do Hospital lchilov/Sourasky, Dr. Ronni Gamzu, e com o chefe do Centro de Pesquisa Médica daquela instituição, Dr. Nadar Arber, e com representantes da empresa OBTCD24. O lchilov é o maior hospital de Tel Aviv, responsável pelo desenvolvimento do spray nasal EXO-CD24, para fins de tratamento da COVID-19".

Mas a chancelaria confirma que o acordo não foi concluído. "Carta de intenções sobre cooperação em relação ao ''spray" nasal "EXO-CD24" foi rubricada pelo então Ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, com o objetivo de consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com a empresa OBCTCD-24", disse.

"O projeto de carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não se chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociação internacional", disse.

"O projeto de carta de intenção, apenas rubricado, não continha elementos juridicamente vinculantes, nem previsão de gravames financeiros ou obrigações de qualquer espécie para as partes participantes naquela etapa das tratativas", apontou.

Ausência de assinatura de acordo com instituto
Esse não foi o único assunto que não resultou num acordo por escrito. Diferentemente do que o site do governo dá a entender, o Itamaraty declarou em sua carta aos deputados que "não há registro da assinatura de instrumento com o Instituto Weizmann, apesar da propositura do Ministério da Ciência e Tecnologia". Ou seja, a intenção do governo era de ter um convênio assinado.

O Instituto é um dos maiores centros de pesquisa do mundo. De acordo com a resposta da chancelaria, houve despachos telegráficos sobre o tema. No entanto, assim como todos os demais telegramas solicitados, os parlamentares apenas receberam o trecho em que diz que os documentos foram classificados como sigilosos ou secretos.

Segundo o Itamaraty, quatro telegramas diplomáticos se referem à cooperação com o Instituto Weizmann. Mas toda a informação está embargada por anos.

No texto da explicação assinado pelo chanceler Carlos França, ele confirma, porém, que houve um encontro com o presidente do Instituto Weizmann, Alan Chen, durante o qual foi debatido intercâmbio de acadêmicos e que, no curto prazo, "acordou-se que a prioridade da parceira será a cooperação em temas ligados à pandemia".

Ao terminar a viagem, num comunicado de imprensa, o governo anunciou que a delegação de autoridades brasileiras "firmou cooperação, de curto prazo, com o Instituto Weizmann, para pesquisas de combate à covid. A longo prazo, foi estabelecida cooperação em outras áreas, entre elas, a bioeconomia."

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, no dia 7 de março, a delegação liderada pelo então Ministro das Relações Exteriores, com a participação de Secretários do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI) e do Ministério da Saúde (MS), "manteve produtiva reunião com o presidente do Instituto Weizmann, Dr. Alon Chen". "O Weizmann é um dos dez maiores institutos de pesquisa do mundo, que dispõe de 65 linhas de pesquisa sobre o COVID-19, incluindo desenvolvimento de vacinas", diz a chancelaria.

"Ao final do encontro, decidiu-se pela adoção simbólica, por consenso e sem assinatura, de um plano de trabalho entre o MCTI e o Instituto Weizmann", completou.

Telegramas em sigilo até o ano de 2036
Os deputados ainda solicitaram que todos os telegramas diplomáticos sobre a viagem fossem disponibilizados. Mas o Itamaraty enviou 28 Termos de Classificação de Informação, no qual apontava como todos os documentos passaram a ser impedidos de ter seus conteúdos revelados.

Alguns deles estão sob sigilo até 2026, enquanto outros até o ano 2036. O Itamaraty ainda colocou tarjas negras para impedir que se saiba até mesmo o motivo pelo qual os telegramas foram classificados como secretos

Viagem estava em discussão havia um ano
Entre as diversas respostas, o Itamaraty ainda indicou que a viagem era um tema que há meses vinha sendo tratado. O primeiro convite partiu do governo de Israel, ainda em maio de 2020 e, naquele momento, não tinha como principal objetivo buscar soluções para a pandemia, mas a manutenção e aprofundamento do laço preferencial com Israel. A pandemia, porém, foi adiando a possibilidade de uma viagem.

Segundo o governo, foi o "agravamento dos efeitos da pandemia e o surgimento de variantes do novo coronavírus no mundo" que deram um "sentido de urgência" à ideia de uma missão até Israel.

Entre as metas estava "conhecer in loco os notáveis resultados obtidos por Israel no combate à pandemia". Além da "premência de colher frutos, sobre tudo em termos de cooperação técnica e científica, da parceira estratégica entre Brasil e Israel".

Nas declarações emitidas ao final da viagem, porém, os dois governos deixaram claro que a questão da pandemia não era o único assunto. Naquele momento, o então chanceler deu apoio aos israelenses em suas críticas contra a decisão da procuradoria do Tribunal Penal Internacional de abrir investigações contra membros do governo de Israel por suas ações contra palestinos.

Na resposta aos deputados, porém, o Itamaraty adota uma postura mais equilibrada e diz respeitar a independência da corte, em Haia.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/14/brasil-nao-fecha-acordo-do-spray-nasal-em-israel-dados-tem-sigilo-ate-2036.htm

Itamaraty cogita designar a nova provável presidente da Funag: embaixadora Marcia Loureiro

 Novo chanceler de Bolsonaro pretende substituir presidente da Funag por uma mulher, encerrando era do olavismo


Substituto de Ernesto Araújo quer que a instituição volte a ser um espaço de debates para diplomatas; no ano passado, alunos do ideólogo fizeram palestras contra uso de máscaras e comparando distanciamento social a stalinismo

Eliane Oliveira
O Globo, 13/05/2021 - 20:28 / Atualizado em 13/05/2021 - 22:11

BRASÍLIA - O chanceler Carlos França pretende trocar, até julho, o comando da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), braço de estudos e debates do Itamaraty que, segundo queixas de colegas e críticos do governo, acabou se transformando em reduto de olavistas e influenciadores digitais de extrema direita durante a pandemia de coronavírus. O nome mais cotado para assumir a presidência da instituição no lugar de Roberto Goidanich é o da embaixadora Márcia Loureiro, do consulado do Brasil em Los Angeles.

Segundo uma fonte do governo, a presença de Goidanich à frente da Funag se tornou insustentável. O atual presidente da fundação foi colocado no cargo pelo ex-chanceler Ernesto Araújo, que deixou a chefia do Itamaraty no final de março.

Já Márcia Loureiro foi assessora internacional do Ministério da Justiça, na gestão de Alexandre de Moraes, hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). É tida por pessoas com as quais trabalhou como "uma colega séria e respeitada".

De acordo com outro integrante do governo ouvido pelo GLOBO, França quer que a Funag volte a ser um fórum de debate de diplomatas. Tradicionalmente, a presidência do órgão, que cumpre o papel de "think tank governamental", era ocupada por um diplomata avançado na carreira, e Goidanich é ministro de segunda classe, posto anterior ao de embaixador. Com a mudança, espera-se que o órgão deixe de ser um palco para a promoção de transmissões no YouTube e eventos ministrados por expoentes do bolsonarismo.

Na gestão de Ernesto Araújo, a Funag deu espaço a blogueiros, militantes e colunistas a favor do governo federal, acusados de promover ideias anticientíficas e de teor doutrinário e ideológico em seminários. No ano passado, houve uma palestra denominada "A nocividade do uso de máscaras", que acabou sendo removida pelo YouTube por disseminar informações falsas. Em outras conferências, palestrantes compararam medidas de distanciamento social aos gulags de Stálin.

A troca de comando na Funag é mais um movimento de Carlos França no sentido de marcar diferenças em relação ao seu antecessor. 

No primeiro evento público do qual participou como chanceler, em uma audiência na Câmara, França disse que Filipe Martins, assessor internacional do Planalto e expoente do olavismo no governo, é subordinado ao almirante Flavio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência. Com isso, deixou claro aos parlamentares que Martins não tem mais a mesma influência de antes sobre o Itamaraty.

Em alguns exemplos de mudanças já vistas na gestão de França, o novo chanceler, ao contrário de Ernesto, tem boas relações com o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, com quem conversa com frequência. Apesar da clara postura anti-Pequim de Jair Bolsonaro, que põe em risco especialmente o abastecimento de insumos para vacinas contra a Covid-19 no Brasil, França mantém tom amigável ao falar sobre o país asiático e costuma apagar incêndios para não afetar o humor dos chineses.

Em relação ao regime venezuelano de Nicolás Maduro, não houve mudança na política externa brasileira por enquanto. França, porém, não chama o chavista de narcoditador, como fazia Ernesto, embora continue defendendo uma negociação entre Maduro e oposição para que "haja eleições livres e a volta da democracia", conforme resumiu uma fonte.

https://oglobo.globo.com/mundo/novo-chanceler-de-bolsonaro-pretende-substituir-presidente-da-funag-por-uma-mulher-encerrando-era-do-olavismo-25016671

A correspondência intelectual de Celso Furtado, por Rosa Freire d’Aguiar (BBC)

Correspondência intelectual de Celso Furtado nesta matéria da BBC, sobre o livro organizado por Rosa Freire d’Aguiar. 

Como diplomata, tendo também vivido, em etapa anterior ,um exílio voluntário durante a ditadura militar, mas dispondo felizmente de passaporte, constrange-me especialmente transcrever este trecho de suas palavras na entrevista:

“"As cartas do exílio são muito pungentes, dolorosas de ler. Expõem os dramas vividos pelos exilados. Seus problemas eram incontáveis: de saúde, financeiros, familiares... As embaixadas, por sua vez, dificultavam ao máximo suas vidas: negavam vistos, não concediam passaportes, entre outras pequenas maldades".”

Como as ditaduras, os regimes intolerantes, em geral, podem ser tão crueis com os seres humanos, os concidadãos? 

Durante a ditadura, o Itamaraty colaborou sim com o regime. Sabemos do colaboracionismo da maior parte dos franceses durante a ocupação nazista do país: por mais que existam “explicações”, ou justificativas, é sempre vergonhoso reconhecer. 

Saber que as ditaduras militares do Cone Sul cooperaram entre si na repressão a seus próprios nacionais, em alguns casos levando-os à morte, é algo pungente de descobrir, quando alguém se torna, como no meu caso, membro da corporação, depois de ter enfrentado o exílio, ainda que voluntário (era aquilo ou expor-se a uma possível prisão). 

O Itamaraty teve sua cota de colaboracionistas, alguns entusiastas da ditadura por obsessiva ideologia anticomunista, outros por oportunismo dos mais abjeto, outros simplesmente por falta de coragem. Tentei fazer a minha parte durante a ditadura, antes e depois de me tornar diplomata, o que um dia relatarei.

Paulo Roberto de Almeida

Cinquenta e cinco anos de História do Brasil em 300 cartas: a correspondência do economista Celso Furtado

  • André Bernardo
  • Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Entrevista sobre questões de meio ambiente e sobre a Amazônia - Paulo Roberto de Almeida (Radio Sputnik)

 3911. “Entrevista sobre questões de meio ambiente e sobre a Amazônia”, Brasília, 13 maio 2021, 7 p. Entrevista gravada, concedida à Radio Sputnik, em torno das declarações do enviado especial para Meio Ambiente do governo americano John Kerry. Enviada ao jornalista Arnaldo Risemberg, via WhatsApp. Colocado no SoundCloud, com a seguinte chamada: ‘Diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida analisa as declarações de John Kerry, enviado especial do presidente Joe Biden para o Clima, convocando o governo brasileiro para uma discussão conjunta em torno da preservação da Amazônia.’Entrevista com Paulo Roberto de Almeida By Sputnik Brasil; (link: https://soundcloud.com/sputnikbrasil/entrevista-com-paulo-roberto-de-almeida).

Matéria escrita neste link:  br.sputniknews.com: https://br.sputniknews.com/opiniao/2021051317517034-se-brasil-mantivesse-politica-ambiental-nao-haveria-pressao-dos-eua-opina-especialista/


Entrevista sobre Amazônia para a Radio Sputnik

  

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoresponder a questões de jornalistafinalidadedivulgação de áudio gravado] 

 

Introdução: 

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM O DIPLOMATA E PROFESSOR PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Amigos da Rádio Sputnik, ao participar de audiência com o Comitê de Relações Exteriores do Congresso dos Estados Unidos, o enviado especial do presidente Joe Biden para o clima, John Kerry, declarou que é preciso discutir com o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe de governo a questão da preservação da Amazônia porque, do contrário e de acordo com suas palavras, “a floresta vai desaparecer.”

Sobre estes assunto, vamos conversar com o diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, Professor de Economia Política nos Programas e Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), ex-professor do Instituto Rio Branco e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais dentre vários outros títulos.  

 

Boa tarde, prezado professor Paulo Roberto de Almeida. É um imenso prazer recebê-lo no programa da Rádio Sputnik.

Professor Paulo Roberto de Almeida, como o Sr., experiente diplomata, professor responsável pela formação de diplomatas, analisa estas palavras de John Kerry?

1) O Sr. entende que os Estados Unidos estão exercendo pressão sobre o Brasil na questão ambiental? E se a estão exercendo, quais são os objetivos do governo Biden?

2) O que o governo do Brasil pode fazer para se livrar destas pressões?

3) O Sr. acredita que, após a recente Cúpula do Clima conduzida e recepcionada pelo presidente dos Estados Unidos, o governo do Brasil mudará sua postura em relação à política ambiental? O presidente Jair Bolsonaro assumiu o compromisso internacional de controlar o desmatamento ilegal até 2030.

4) Do ponto de vista da preservação ambiental interna e das Relações Internacionais qual deve ser a postura correta do governo brasileiro, Professor Paulo Roberto de Almeida?

5) A questão ambiental tornou-se o norte das Relações Internacionais, Professor Paulo Roberto de Almeida?

Professor Paulo Roberto de Almeida, muito obrigado por esta entrevista para a Rádio Sputnik Brasil.

 

Link: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/enviado-de-biden-diz-que-precisa-discutir-com-brasil-para-amazonia-nao-desaparecer.shtml

 

 

Respostas de Paulo Roberto de Almeida: 

1) O Sr. entende que os Estados Unidos estão exercendo pressão sobre o Brasil na questão ambiental? E se a estão exercendo, quais são os objetivos do governo Biden?

PRA: Sim, inquestionavelmente o governo do presidente Joe Biden está exercendo uma clara pressão sobre o governo do presidente Bolsonaro, e não se trata de uma pressão do tipo egoísta, para atender a interesses próprios do governo americano ou dos Estados Unidos enquanto país ou enquanto economia, visando qualquer resultado ou vantagem bilateral, no caso unilateral, para os Estados Unidos, advinda dessa pressão visando conquistar qualquer benefício exclusivo e em benefício dos Estados Unidos. 

Trata-se de uma postura que pode ser enquadrada na categoria dos bens comuns, a defesa do meio ambiente, uma política com respeito às mudanças climáticas, a busca por um tipo de crescimento sustentável que desde muitos anos integra o que se chama de agenda global da comunidade internacional. Essa consciência emergiu nos anos 1980, no processo preparatório da Segunda Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a primeira tinha sido realizada em Estocolmo em 1972, quando os temas ainda tinham um tratamento preliminar e muito incipiente; foi quando a primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland apresentou o seu relatório Nosso Futuro Comum, Our Common Future, que tive a oportunidade de ler ainda em 1987 em Genebra, em meados daquele ano. 

Em 1992 se realizou no Rio de Janeiro essa Conferência, com a participação praticamente universal dos membros da ONU, quando o Brasil acolheu mais de cem chefes de Estado que vieram para os compromissos finais; eu estive no Rio, como um dos diplomatas brasileiros encarregados de acompanhar um chefe de Estado. Essa conferência representou um marco nos compromissos internacionais, de cada um dos países, com obrigações diferenciadas para países avançados e em desenvolvimento, e criou, se se pode dizer, um novo clima na consciência universal quanto à responsabilidade humana, social, nacional, no campo das mudanças climáticas; o conceito de sustentabilidade passou a ser, a partir de então a palavra-chave nos esforços feitos a partir de então para enfrentar os desafios lançados ao mundo. 

Nestas últimas três décadas, com altos e baixo, avanços e recuos, avançou-se bastante não apenas na consciência dos efeitos dramáticos das mudanças climáticas e das pressões sobre os ambientes naturais, mas igualmente no conhecimento científico a respeito da natureza dessas pressões e dos esforços concertados que se deveria fazer para enfrentá-los ou pelo menos contorná-los, notadamente por meio das Conferências das Partes, que se reúnem regularmente com o apoio de uma comunidade inteira de pesquisadores e especialistas, e a participação de representantes diplomáticos e responsáveis setoriais de cada um dos países.

O que os Estados Unidos do governo Biden está fazendo desde que assumiu, em janeiro último, nada mais é, portanto, do que traduzir na prática os compromissos assumidos pelo país no contextos dos inúmeros acordos concluídos desde então, notadamente o Acordo de Paris de 2015, sobre mudanças climáticas, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas nessa área, com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa a partir de 2020. Assinado pelo presidente Obama, esse tratado foi “desassinado”, digamos assim, pelo presidente Donald Trump, assim que assumiu em 2017, derrogando, portanto, às obrigações assumidas pelos Estados Unidos naquela ocasião. O presidente Biden está honrando as obrigações assumidas pelo seu ex-chefe, e fazendo a sua parte no contexto de uma assunção de responsabilidades globais em face do problema, como um dos maiores países emissores de gases de efeito estufa. Não se pode dizer, portanto, que as pressões exercidas agora pelo governo Biden sobre o Brasil se devam a qualquer objetivo nacional, unilateral, mas à consciência de que todos os países têm uma responsabilidade pelo nosso futuro comum. 

No caso do Brasil, justamente, o maior peso das emissões de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global se deve ao desmatamento, à destruição da floresta amazônica, o maior repositório mundial de reservas naturais do planeta, responsável em grande medida por equilíbrios, ou desequilíbrios climáticos que afetam todo o planeta. Essa preocupação dos Estados Unidos é igualmente partilhada pela maior parte dos países que assumiram de boa fé suas obrigações no contexto da sustentabilidade planetária. 

 

2) O que o governo do Brasil pode fazer para se livrar destas pressões?

PRA: Vamos deixar bastante claro uma coisa. O Brasil tinha deixado de ser, desde muito tempo, uma espécie de “vilão ambiental”, o que talvez tenha sido o caso dos argumentos defendidos em prol do nosso desenvolvimento industrial por ocasião da primeira conferência, a de Estocolmo em 1972, e por isso vinha sendo apontado como um mau exemplo na questão da sustentabilidade. Desde os anos 1980 mudamos radicalmente nossa postura, e na segunda conferência, a Rio-92, assumimos plenamente nossa parte de responsabilidade na correção dos desequilíbrios apontados, sob a forma de esforços nacionais ambiciosos na contenção do desmatamento e de outras formas de degradação dos recursos naturais. Nosso conceito se elevou enormemente no cenário internacional, e por ocasião da assinatura do Tratado de Paris o Brasil era reconhecido como um país líder no tratamento da questão do meio ambiente e do desenvolvimento. Não havia, portanto, nenhuma pressão indevida, unilateral ou multilateral, contra o Brasil no cenário internacional, ao contrário, éramos considerados um protagonista chave na conciliação dos interesses de economias avançadas e países em desenvolvimento no trato da questão. 

O que houve, nos Estados Unidos do governo Trump, e no Brasil do governo Bolsonaro, não apenas um recuo em relação aos compromissos assumidos solenemente ao abrigos dos instrumentos anteriormente acordados, mas uma negação em toda linha da agenda da sustentabilidade e da ação em torno da mudança climática, uma espécie de negacionismo político sem apoio em qualquer evidência científica quanto a esses desafios. As pressões agora advindas do governo Biden – mas elas já existiam anteriormente por parte de países europeus e de ONGs ambientalistas – devem, portanto, ser colocadas nesse contexto das preocupações legítimas da comunidade internacional com a postura do governo Bolsonaro. 

Não tem nada a ver com esses fantasmas da “internacionalização da Amazônia” e outras bobagens do gênero – cobiça de multinacionais sobre supostos recursos fabulosos existentes naquela região – e sim com uma preocupação legítima quanto ao papel que a Amazônia exerce nos equilíbrios ambientais globais. Em outros termos: se o Brasil tivesse dado continuidade às políticas ambientalistas e preservacionistas implementadas desde o governo Collor, passando por Fernando Henrique Cardoso e os governos do PT, inclusive o de Michel Temer, não haveria nenhuma pressão sobre o Brasil, qualquer que fosse o governo.

 

3) O Sr. acredita que, após a recente Cúpula do Clima conduzida e recepcionada pelo presidente dos Estados Unidos, o governo do Brasil mudará sua postura em relação à política ambiental? O presidente Jair Bolsonaro assumiu o compromisso internacional de controlar o desmatamento ilegal até 2030.

PRA: A Cúpula do Clima, uma iniciativa unilateral dos Estados Unidos e pessoal do presidente Joe Biden, que é um ambientalista e um multilateralista – totalmente diferente, portanto, do seu predecessor – se dá num contexto muito importante: a volta do seu país ao Acordo de Paris e a busca de novos compromissos ambiciosos em favor de seus objetivos, até de ampliá-los ou de acelerar sua implementação. O discurso do presidente Bolsonaro não corresponde, manifestamente, ao que ele próprio pensa a respeito do assunto, mas sim ele procedeu a uma leitura burocrática, e pouco convincente, de um texto preparado pelo pessoal competente do Itamaraty, mas sem qualquer intenção de cumprir o que prometia. Aliás, o controle do desmatamento ilegal até 2030 já era um compromisso assumido anteriormente, apenas reafirmado agora, mas no mesmo dia o presidente fez exatamente aquilo que disse que não faria, ou seja, retirou recursos dos mecanismos de controle e de repressão às práticas ilegais de desmatamento na Amazônia. Ou seja, compromisso zero com o seus discurso. O que leva a crer que a postura não mudou, apenas o discurso mudou na superfície.

 

4) Do ponto de vista da preservação ambiental interna e das Relações Internacionais qual deve ser a postura correta do governo brasileiro, Professor Paulo Roberto de Almeida?

PRA: A resposta é muito simples, em teoria, ainda que complicada na prática. Seguir o consenso científico em torno das razões das mudanças climáticas, elevar o grau de consciência a respeito da importância da Amazônia para a nossa própria economia, e não apenas para o agronegócio, atentar para os efeitos dramáticos do desmatamento e da degradação ambiental para nosso abastecimento em água e até alimentar. Nós já tínhamos enveredado por esse caminho, teria bastado dar continuidade aos esforços feitos desde os anos 1990. O que o governo Bolsonaro fez nessa área não foi apenas um crime contra nós mesmos, mas um atentado contra nossos vizinhos e toda a comunidade internacional, que tem o direito legítimo de questionar nossa responsabilidade sobre recursos naturais que podem até ser juridicamente nossos, situados sob nossa soberania nacional, mas que moralmente e politicamente também dizem respeito ao resto da Humanidade. 

 

5) A questão ambiental tornou-se o norte das Relações Internacionais, Professor Paulo Roberto de Almeida?

PRA: Eu não diria o norte, pois questões de paz e segurança internacional, de desenvolvimento, de pobreza, de imigração por causa de guerras e da miséria, da fome, da criminalidade transnacional – lavagem de dinheiro, tráficos de toda sorte – continuam a preocupar os países e os organismos internacionais, mas sem dúvida que desequilíbrios ambientais, desastres naturais cada vez mais frequentes, dado o assalto das comunidades humanas aos recursos naturais, assim como as pandemias causadas por essa invasão da natureza e a captura de espécies animais aparecem como um dos problemas globais, ao lado dos grandes espaços relativamente indevassados nos mares e nos espaços supra terrestres. Cada vez mais o tema ocupa diplomatas, especialistas, cientistas e líderes políticos. A questão ambiental, está aí para permanecer pelo futuro previsível.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3911, 13 de maio de 2021

Colocado no SoundCloud, com a seguinte chamada: ‘Diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida analisa as declarações de John Kerry, enviado especial do presidente Joe Biden para o Clima, convocando o governo brasileiro para uma discussão conjunta em torno da preservação da Amazônia.’Entrevista com Paulo Roberto de Almeida By Sputnik Brasil; (link: https://soundcloud.com/sputnikbrasil/entrevista-com-paulo-roberto-de-almeida).

 

 

Matéria da imprensa: 

Enviado de Biden diz que precisa dialogar com Brasil para Amazônia não desaparecer 

Em audiência no Congresso americano, John Kerry considerou positivas as conversas iniciais 

Folha de S. Paulo, 12.mai.2021 às 17h33 

Em audiência no Comitê de Relações Exteriores do Congresso americano, o enviado de Joe Biden para o clima, John Kerry, disse nesta quarta-feira (12) que, se não discutir a preservação da Amazônia com o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), "a floresta vai desaparecer".

"Estamos dispostos a conversar com eles, não com tapa-olhos, mas sabendo onde já estivemos", afirmou o ex-secretário de Estado americano, que chamou de positivas as conversas, iniciadas semanas atrás. "Esperamos que a intenção possa ser traduzida em ação efetiva e verificável."

John Kerry, enviado dos EUA para o clima
John Kerry, enviado dos EUA para o clima - Brendan Smialowski-22.abr.21/AFP

Kerry reconheceu que o Brasil vinha diminuindo os níveis de desmatamento entre 2004 e 2012 e disse que o país estava "fazendo progressos". Mas pontuou que as proteções ao ambiente foram revertidas sob o que chamou de "regime Bolsonaro" —o termo "regime" é usualmente aplicado a ditaduras e governos autoritários.

Sobre o avanço das negociações com o governo brasileiro, o ex-secretário de Estado durante a administração de Barack Obama afirmou que o objetivo americano é conseguir montar uma nova estrutura de fiscalização das ações na floresta em que todos "possam confiar". "Tivemos essa conversa. Eles dizem que estão comprometidos em aumentar o orçamento e montar uma nova estrutura."

Um dia depois de prometer mais verba para fiscalização na Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada por Biden, em abril, Bolsonaro oficializou um corte de recursos para a área relacionada a mudanças do clima, controle de incêndios florestais e fomento a projetos de conservação do meio ambiente.

Em seu discurso no encontro virtual, o líder brasileiro afirmou ter determinado a duplicação dos recursos destinados a ações de fiscalização ambiental. De acordo com interlocutores de Bolsonaro, estimava-se que o aumento de recursos para a fiscalização ambiental ficasse em torno de R$ 115 milhões.

No entanto, o Orçamento de 2021 sancionado por ele não incluiu o incremento prometido e ainda cortou quase R$ 240 milhões da pasta do Meio Ambiente. Há duas semanas, o governo americano questionou o Brasil sobre o corte de recursos e, durante reunião com os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Carlos França (Relações Exteriores), no dia 30, Kerry mostrou preocupação com as notícias sobre a diminuição do orçamento e quis saber o que havia acontecido.

Segundo relatos à Folha, os brasileiros argumentaram que a tesourada tinha sido inevitável porque a cúpula ocorrera às vésperas da sanção do Orçamento de 2021 e não houvera tempo hábil para evitá-la. Salles e França, porém, argumentaram que uma recomposição orçamentária do Ministério do Meio Ambiente deve ocorrer em breve.

No Congresso americano, o enviado de Biden citou a preocupação com pesquisas científicas que dizem que a Amazônia já libera mais carbono do que consome e que há risco de que ela deixe de ser uma floresta tropical. "Precisamos resolver isso."

Questionado pela deputada Susan Wild, democrata da Pensilvânia, se os EUA estavam negociando diretamente com indígenas brasileiros, além de com o governo, Kerry disse que ainda não houve encontros diretos, mas que representantes deles estão sendo consultados pelos americanos.

"As preocupações deles são primordiais. Eles têm muita voz e precisam ser ouvidos", afirmou.

 

 

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