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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 16 de maio de 2021

Mini-reflexão sobre a miséria que ainda nos aguarda - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre a miséria que ainda nos aguarda

Paulo Roberto de Almeida

Aos que esperam algum tournant decisivo nesta semana que já foi identificada como o “ponto alto” da CPI da Pandemia, eu diria que cabe baixar a bola e apenas aguardar mais do mesmo. E o que é “mais do mesmo”?

Desculpem o longo parágrafo explicativo seguinte, mas ele tem a pretensão de resumir nossa trajetória declinante desde a segunda metade da ditadura militar até o ponto mais baixo desse itinerário decadente a que fomos conduzidos sob a presidência de um inepto perverso, que desde o início de 2019 aprofunda a decrepitude na qual vivemos atualmente.

Trata-se do prolongamento de um imenso, delongado, doloroso e angustiante processo agônico de declínio estrutural a que o Brasil foi levado desde a última fase do regime militar, no qual navegamos a esmo durante os 20 anos seguintes (1983-2003), com os altos e baixos de um mar encapelado no Brasil e no exterior — crises da dívida externa, “moratória soberana”, Constituinte utópica e auto-destrutiva, aceleração inflacionária, seis trocas de moedas e estabilização parcial, crises financeiras externas aumentando nossa fragilidade macroeconômica — e com algumas ilusões de crescimento não sustentado nas quase duas décadas seguintes, que também corresponderam a certa perda na qualidade das políticas públicas (macroeconômicas e setoriais), a uma tentativa de assalto monopólico ao poder por uma organização criminosa travestida de partido político, que conduziu um imenso exercício de cleptocracia improvisada e à criação da maior recessão de nossa história econômica, e que nos levou, finalmente, aos braços de uma extrema-direita a mais estúpida que é possível contemplar no cenário político mundial contemporâneo.

Esta semana de 18 a 22 de maio de 2021 será uma espécie de “ponto ótimo da crise” na trajetória da CPI que deveria ser do “fim do mundo”, mas que representará apenas a continuidade da descida ao fundo do poço; nossas “elites políticas” ainda não cessaram de perpetrar seu horrível trabalho de aprofundar nosso declínio, e eu explico porque.

Assim que saiu a decisão de Lewandowski a pedido da AGU em favor do Sargento Tainha da Saúde, eu já tinha alertado: Pazuello recebeu o direito de mentir sobre o capitão e de colocar toda culpa em terceiros, o que inevitavelmente recairá no primeiro. Fecha-se a quadratura do círculo. Depois, cabe aos senadores tocar o barco. Como estamos no Brasil, lamento dizer o seguinte: quanto mais se conseguir provar a incapacidade de Bolsonaro seguir sendo presidente, mais o Centrão se esforçará para mantê-lo no poder. 

É isso, ou a mobilização da sociedade, o que não ocorrerá pois convém tanto às ditas esquerdas, PT em primeiro lugar, manter a bipolaridade e que Bolsonaro seja o candidato que chega sangrando em outubro de 2022, quanto também interessa ao genocida no poder que Lula seja seu adversário naquela data, numa espécie de aposta extrema e desesperada para que o cenário divisivo de 2018 se repita. 

Não sei se vocês já perceberam, mas os brasileiros se encontram numa situação que tem uma expressão no léxico do desespero: “abraço de afogados”. É a isso que o nosso miserável sistema político e essa nossa formidável mediocridade das elites nos levou: a continuar cavando a fétida fossa da desesperança, para chegar a lugar nenhum, a não ser o prolongamento de nossa decadência como nação. É esse o espetáculo que vamos infelizmente oferecer ao mundo no bicentenário de nossa emergência como Estado independente: será um triste espetáculo posso assegurar.

No plano da conjuntura imediata, pode-se parafrasear um dos  títulos de Gabriel Garcia Marquez: El Capitán no Tiene Quienes le Oigan. Com 500 mil mortos a caminho, falta completa de vacinas, uma CPI no lombo e assessores aloprados que não apenas não conseguem defendê-lo, mas que vão conseguir enterrá-lo um pouco mais, o dito capitão não tem a menor chance de chegar “vivo”, politicamente, até outubro de 2022. 

Quero virar jacaré se ele conseguir manter-se no cargo, dispondo de apenas 15% de apoio “popular” até lá. Mas isso não importa. O que importa é que NADA estará resolvido até lá e qualquer que seja o resultado da contenda eleitoral: se o chefe mafioso (mas inteligente e perspicaz) das esquerdas, se o capitão inepto e destrambelhado (como reação à volta do lulopetismo), seja ainda um tertius ainda indefinido que se apresentará claudicante depois do engalfinhamento patético que ocorrerá nas forças ditas “centristas” (um saco de gatos onde figuram os mesmos politicos corruptos do Centrão e alguns oportunistas de ocasião).

Qualquer que seja o resultado do pleito presidencial, o país continuará dividido e acrimonioso, confuso e perdido quanto ao seu futuro — pois que o processo eleitoral NÃO consistirá de discussões em torno de programas de governo e sim em uma lamentável troca de acusações recíprocas — e a sociedade persistirá nesse esquartejamento de impulsos contraditórios entre populismos de direita e de esquerda, sem qualquer possibilidade de que um projeto de reformas estruturais seja proposto e levado adiante por algum pequeno grupo com pretensões a estadistas.

Termino constatando justamente isto: o Brasil atual — mas isso vale para toda a nossa “herança” da ditadura militar — parece uma nação incapaz de produzir o seu pequeno lote de estadistas capazes de elevar o nível do debate político e de oferecer caminhos de escape do atual (mas já longo e delongado) processo de decadência estrutural. Um dia, longínquo por certo, conseguiremos sair do presente e continuado atoleiro para superarmos progressivamente (mas com dificuldades) nossas grandes tragédias permanentes e algumas conjunturais: a não educação da maior parte da população, os baixíssimos níveis de produtividade do capital humano (que é uma consequência do primeiro fator), a imensa corrupção dos estamentos políticos (derivado do patrimonialismo nunca vencido), a instabilidade jurídica criada pelo mandarinato da alta magistratura (em parte medíocre e também corrupta), ademais do caráter predatório de nossas elites (de quaisquer tipos e setores, novas ou velhas, estatais ou privadas).

Lamento ter ocupado a atenção dos poucos que me leem com um texto essencialmente pessimista, como este, mas é porque ele foi feito para meu próprio “esclarecimento”, que não é nenhum Aufklarung em direção de um projeto utópico de futuro, mas uma simples síntese de minha desesperança atual: não, não espero nada da conjuntura imediata — ou seja, da CPI da Pandemia e seus efeitos subsequentes — ou do médio prazo de nossa trajetória político-eleitoral de 2022, pois que considero que continuares nas névoas e brumas de um itinerário largamente indefinido, e incerto. 

Continuaremos nos arrastando penosamente em direção a esse futuro incerto, com alguns poucos progressos aqui e ali, pois como dizia Mário de Andrade cem anos atrás: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.

Sorry pela “fatalidade” sociológica.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 16/05/2021



Uma vida através dos livros: 1949 - Paulo Roberto de Almeida

Uma vida através dos livros

Paulo Roberto de Almeida

1949

Nasci na quase exata metade do século XX, no final de 1949, que corresponde, no teatro geopolítico do mundo, ao segundo ou terceiro ano da Guerra Fria, um período na história das relações internacionais que marcaria o primeiro meio século de minha vida, e que, de certa forma, determinaria o que eu seria na fase madura, o que eu escolheria como  ocupação, o que eu teria no centro de minhas reflexões e escritos durante boa parte de minhas atividades profissionais, na diplomacia, e intelectuais, nas diversas academias a que fui ligado. Digo que determinaria parte de minha vida, não que eu tenha tido qualquer coisa a ver com a Guerra Fria – ou sequer tivesse consciência de sua existência, nos meus primeiros anos –, mas é que minha atenção foi chamada para essa grande divisão do mundo já na primeira adolescência, entre 12 e 13 anos, e isso ficou marcado em minha mente, como relatarei mais adiante, na altura do início dos anos 1960: a possibilidade de um conflito nuclear, com aquela imagem de uma nuvem em formato de champignon, era por demais impactante para quem se tornou curioso acerca das coisas do mundo, ainda que isso estivesse muito distante, do Brasil e da vida de uma família de classe média baixa num país recém saído de sua condição de economia essencialmente agrícola. 

Não que eu soubesse, ou adivinhasse tudo isso, obviamente, naquele momento inaugural de minha vida. Todo o meu relato é retrospectivo e introspectivo: ele visa capturar cada ano de minha trajetória pessoal profissional e intelectual, introduzindo, no decorrer de cada um dos anos desse itinerário, os livros, a produção intelectual, os grandes fatos do Brasil e do mundo, paralelamente a uma breve descrição do que acontecia comigo, com minha família, no meio social no qual nos inseríamos e nos desenvolvíamos. 

(2020)

Que livros eu reteria desse ano de 1949, que não foi exatamente um ano completo, pois me “pertenceu” apenas pelas suas seis semanas finais?

Sem consultar a “bibliografia”, ou a relação das obras produzidas nesse ano, apenas dois me veem à cabeça, numa lembrança talvez cronologicamente incorreta: a obra de sociologia política de Vitor Nunes da Silva Leal, Coronelismo, enxada e voto, que se tornou clássico sobre os estudos de estrutura política e eleitoral do Brasil — tendo seu autor sido alçado à condição de ministro do STF, apenas para ser cassado pela ditadura militar —, e o texto, praticamente um panfleto, de Albert Einstein sobre o socialismo, no qual o grande físico nobelizado 30 anos antes expressava sua admiração e simpatia por esse modo de organização politica, econômica e social, revelando tanto empatia pelo regime que havia derrotado o nazifascismo (que havia eliminado brutalmente seis milhões de judeus como ele), quanto ingenuidade a respeito dessa forma moderna de escravidão, um sistema brutal de “exploração do homem pelo homem”, sem qualquer resquício de espírito democrático. Einstein não teve oportunidade de se manifestar sobre o relatório de Krushev sobre os crimes de Stalin, pois que morreu em abril de 1955, e o relatório só foi revelado pelo New York Times em meados do ano seguinte.

Falarei sobre outros livros do ano de meu nascimento no momento oportuno, mas cabe registrar que nesse ano de 1949 a Guerra Fria já estava bem “instalada”: a União Soviética conseguiu, graças aos esforços do seu antigo chefe da NKVD, Beria (ele seria assassinado depois por Krushev), explodir o seu primeiro artefato nuclear, rompendo o monopólio americano nessa área, que durava desde 1945, quando duas bombas atômicas foram explodidas em Hiroshima e Nagasaki. No mesmo ano, uma corte americana condenou à morte Julius e Ethel Rosemberg, por espionagem atômica em favor da URSS, deslanchando, junto com a vitória de Mao Tsetung na guerra civil chinesa, em outubro, o macartismo nos EUA.

De certa forma, sou um “filho” da Guerra Fria, pois que minhas primeiras leituras políticas, anos mais tarde, seriam os exemplares fartamente distribuidos pelo governo americano (traduzidos para o Português graças aos cuidados “editoriais” da CIA) da revista Seleções da Reader’s Digest, o periódico simbolo desses anos de emergência do conflito bipolar. Minha educação política se deu nesse contexto, mas a Revolução cubana e o golpe militar de 1964 me levaram rapidamente para o lado exatamente oposto. Mas essa é uma história que eu contarei no ano apropriado...

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 15/05/2021


Livros publicados no ano de 1949: 

George Orwell: 1984 (Nineteen Eighty-Four)

C. W. Ceram: Deuses, túmulos e sábios: a história da arqueologia

Victor Nunes Leal: Coronelismo, Enxada e Voto

Fernand Braudel: La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II

Ludwig von Mises: Human Action: A Treatise on Economics

José Honório Rodrigues: Teoria da História do Brasil

 

Uma vida através dos livros, 1: Introdução - Paulo Roberto de Almeida

 Projeto de livro: Paulo Roberto de Almeida

De um século a outro: dos livros para o mundo (uma trajetória intelectual)

Prefácio

Trata-se de um olhar retrospectivo sobre uma trajetória de vida, valendo-se da produção intelectual presente e divulgada a cada um dos anos sucessivamente desde meu nascimento, paralelamente a um esforço de reflexão sobre os grandes eventos e processos históricos daquele ano, no Brasil e no mundo. Sendo retrospectivo, esse olhar pode beneficiar-se do chamado hindsight, ou seja, a perfeita consciência do que veio depois, para iluminar, com dotes de aparente racionalidade e quase perfeita seleção dos fatos, um relato que deveria ser bem mais caótico e incerto, como se apresenta, na verdade e realmente, cada um dos nossos “encontros” com o mundo, a maior parte deles envolta em brumas e incertezas sobre o que poderia sobrevir na sequência e sobre quais seriam nossas ações em face dessas dúvidas e angústias. 

Não existe, nesse tipo de literatura memorialística, nenhuma receita para evitar o conhecimento a posteriori e a organização com aparência de “limpa” e bem apresentada que daí decorre no relato, o que não é o caso de diários transcritos fielmente segundo o registro sincrônico dos eventos e processos. Não é contudo o meu caso: nunca mantive “diários”, no sentido estrito do termo, ou seja, anotações regulares e datadas, respeitando a simultaneidade dos fatos e seguindo a flecha do tempo. Nunca tive disposição para isso, inclusive porque nunca me julguei ator ou protagonista de quaisquer eventos que ocuparam uma vida relativamente, ou intensamente, introspectiva, dedicada, na maior parte do tempo, à leitura (de tudo o que se apresentasse), à observação atenta da vida circundante e daquela trazida pelos meios de comunicação, seguida por uma reflexão sobre alguns desses fatos ou leituras, para eventualmente se concluir por algum texto escrito em qualquer suporte que estivesse à mão: folhas esparsas, cadernos e cadernetas de notas, agendas anuais e, chegado o momento, máquina de escrever e, finalmente, o computador pessoal (desktop ou laptop, tablet, celular, o que estivesse à mão), com seus inevitáveis prolongamentos nos sites pessoais, nos blogs e demais ferramentas de comunicação social.

Digo que nunca mantive diários, no sentido do relato cronológico memorialístico individual, mas nunca deixei de anotar minhas leituras e observações sobre as coisas dignas de registro, mas que tanto poderiam pertencer à “história imediata”, quanto ao universo do passado mais remoto, sem qualquer conexão com minha própria travessia no túnel do tempo. A partir de um certo momento, sempre carreguei comigo uma caneta e uma pequena agenda ou caderneta de notas — do tipo Moleskine, por vezes mais de uma, a média no bolso do paletó ou na pasta de trabalho, uma pequena no bolso da camisa —, sendo que no período propriamente universitário eu mantinha cadernos pautados para anotações em bibliotecas, em salas de aulas ou palestras. As anotações eram geralmente datadas, mas nada tinham a ver com o conceito de diário, pois podia tratar-se de uma simples resenha de livro, da transcrição de trechos de leituras diversas ou das palavras de alguém, sobre assuntos os mais diversos, da mais remota antiguidade ao futuro previsível ou sugerido. 

Este é, precisamente, o sentido e o estilo que vou adotar aqui, um relato livre, com retorno ordenado ao passado, desde o ano de meu nascimento, entremeado de digressões para a frente e para trás, para melhor encadear e contextualizar os fatos, eventos e processo sobre os quais discorrerei ao longo das últimas décadas. Ao empreender a tarefa, prometo ser tão fiel quanto possível aos fatos, na visão rankeana não de todo superada na historiografia consagrada — wie es Eigentlich gewesen —, o que também deve me manter afastado de qualquer tentação de organizar o passado segundo a perspectiva do presente. 

Sempre tive certo fascínio por máquinas do tempo e outras aventuras do gênero e lembro-me, por exemplo, do prazer com que devorei alguns romances do gênero, inclusive os que vão nas duas direções da flecha do tempo. Cheguei a escrever alguns trabalhos com o título “de volta para o futuro” — quando da implosão e queda final do socialismo real, mais ou menos coincidente com a trilogia filmográfica de Bob Zemeckis — e não resisti à curiosidade de ler o romance distópico de Edward Bellamy — que retirei da Library of Congress, minha sempre sonhada residência virtual —, Looking Backward, 2000-1887

Este livro é uma espécie de máquina do tempo, mas tão metódica e sistemática quanto possível, marcando cada uma das etapas de minha vida com registros de livros memoráveis publicados a cada ano — vários dos quais só vim a conhecer ex-post, et pour cause — e registrando os grandes eventos que preencheram cada ano calendário.

Como escrevi, nunca me julguei suficientemente importante para manter um diário: nascido numa família muito modesta, para não dizer pobre, e de pais dotados de primário incompleto, só vim a ter contato direto e pessoal com os livros, de forma interativa, na tardia idade de sete anos, que foi quando aprendi a ler no primeiro ano da escola primária, mas desde então nunca parei de devorar livros, de todos os tipos. Tampouco posso dizer que eu fui um “espectador engajado” — à la manière de Raymond Aron —, pois minha participação em alguns dos eventos aqui relatados foi propriamente marginal, senão inexistente de todo. Mas fui um atento observador, do que e do que não vi, do que recolhi como relatos, nos livros, na mídia, nas palestras de atores ou historiadores. 

Posso dizer que fui um privilegiado: vindo de um lar quase totalmente desprovido de material de leitura, mergulhei a fundo no papel impresso e nas informações audiovisuais assim que foi possível — e isso demorou, pois além de um precário rádio, nunca conheci televisão ou telefone próprios até bem entrada a adolescência; antes disso eram desenhos na televisão do vizinho — e converti esse hábito, numa verdadeira mania, praticamente uma obsessão irremediável. Não posso dizer que eu esteja lendo o tempo todo — pois sempre tem o momento do banho diário e as poucas horas de sono —, mas a informação e a reflexão estão sendo praticadas em tempo integral, precedendo a escrita, também sempre constante: nulla dies sine linea

À parte ser um privilegiado neste pouco secreto hábito da leitura e da escrita, o que a minha vida tem de extraordinário, que merece ser registrada numa nova obra, em acréscimo às duas dúzias de livros que produzi desde os anos 1990? Nada, absolutamente nada, ou quase nada, a não ser ter sido um diplomata médio, cumpridor razoável de meus deveres — um pouco rebelde, eu sei, nunca respeitador dos sacrossantos princípios da hierarquia e da disciplina — e um professor também médio, com alguma produtividade talvez acima da média.

A razão que me impeliu a oferecer este testemunho aos mais jovens foi justamente a oportunidade que tive na vida de ter sido um precoce mochileiro nas estradas da vida, de ter podido viver em muitos países diferentes uns dos outros — do subdesenvolvimento ao bem-estar, do socialismo surreal ao capitalismo ideal, num extremo a outro do planeta —, de ter tido a sorte e o imenso prazer de encontrar uma querida alma gêmea, minha doce (por vezes brava) Carmen Lícia, ainda mais leitora e muito mais nômade do que eu e, finalmente, de ter tido a possibilidade de transmitir aos mais jovens essas múltiplas experiências, nos escritos, nas aulas, nas palestras, nas conversas.

Eis justamente o sentido deste livro: ele oferece um testemunho, sobre sete décadas de vida agitada neste nosso planetinha redondo, e sobre alguns ensinamentos que é possível retirar dessa vida pacata, voltada para os livros, mas com alguns episódios relevantes, e que podem servir como matéria de reflexão, em segunda mão, aos jovens que comigo partilham do privilégio de servir ao país no serviço diplomático, a outros jovens que se iniciam numa carreira acadêmica, e a todos aqueles que amam livros e que adoram viajar pelo mundo, para aprender coisas novas, algumas boas, outras nem tanto, mas que todas elas compõem uma vida venturosa, aventureira, com muitas surpresas e descobertas ao longo desta trajetória intelectual e prática. 

Eu não teria chegado tão longe, e nunca teria feito tudo o que fiz, se não fosse por Carmen Lícia e seus dotes de grande leitora, infatigável viajante, mãe exemplar, companheira de todas as horas, intelectual muito mais organizada do que eu sou, muito mais inteligente e sensata, carinhosa e tolerante com meus mergulhos nas leituras e escritos. A ela, assim como a nossos dois filhos, Pedro Paulo e Maira, e nossos netos — Gabriel, Rafael e Yasmin — é dedicado este livro, que também lhe pertence, a partir do início de minha vida profissional.

(2020)

sábado, 15 de maio de 2021

Os Coletes Amarelos da França pedem a demissão do presidente Macron e dizem que terão candidato(a) nas eleições de 2022

Pronto, mais um país europeu que afunda, estilo Itália, Grécia, Grã-Bretanha, quem mais? A França merece esse tipo de coisa? Se formos observar pelo recente manifesto de militares da ativa e aposentados que pediram o fim do governo Macron, a interrupção da islamização do país, sob risco de GOLPE MILITAR, parece que sim: a França recua, e se desintegra politicamente.

O que diria o General De Gaulle desse "chienlit"? Ele que tinha "une certaine idée de la France"?

A França já não é mais o que era...

Paulo Roberto de Almeida



Ce courrier fut envoyé, en recommandé le 1er MARS 2019, à quatre destinataires, dont 

Emmanuel Macron.

Nous avons fait la grande erreur de ne pas le rendre public... Ce fût comme signer notre arrêt de mort social.

Le voici, en intégralité. 9 pages (14/16 minutes de lecture, en pièce jointe, vous trouverez notre programme et le communiqué du 10 Mai 2021).

 

 Aucun texte alternatif pour cette image

Lettre ouverte à Emmanuel Macron, A Mr Henri De Castrie, Et à Mr Emmanuel Fievet.

Macron,

par la présente, au regard de la situation nationale et européenne, et au nom du bon sens je vous demande de démissionner de votre fonction de chef de l’État Français.

Par ailleurs, j’ai le plus grand honneur et le plus grand bonheur de vous faire part, conformément au code électoral Républicain et à ses protocoles, que, je reste principalement habité d’une beauté lumineuse, et, ne ressentant qu’une seule faim, celle d’une sagesse sans fin, ce, afin d’anéantir absolument toutes forces ténébreuses sclérosant toutes formes d’esprit universel ; je parle de ces nouvelles « valeurs morales » qui vont complètement et totalement à l’encontre de toute forme d’intérêt et de progrès commun, pouvant être partagé et utilisé par l’ensemble de l’humanité.

C’est afin d’entamer, sans soif ni faim aucune, ce combat sans fin, que je n’ai d’autre choix que celui de vous annoncer ma candidature à la prochaine élection de la Présidence de la République tout comme j’avais essayé de le faire le 12/03/2017. Ladite élection, en principe, devrait avoir lieu... Au printemps 2022... Au plus tard...!

A Présent je vais développer quatre points.

Le premier point concerne le service militaire. La Loi du 28 octobre 1997 a mis fin à ce dernier. Ainsi les hommes Français nés après le 31 Décembre 1978 n’avaient plus obligation de le faire... Vous êtes né le 21 Décembre 1977... Pourquoi ne l’avez-vous pas effectué? Pour quel motif vous n’avez pas servi la Nation? De plus, le code électoral Républicain (Loi L-O-127 et L-45) impose d’avoir satisfait aux obligations du Service National pour pouvoir, pour avoir le droit, simplement le droit, d’être candidat à une élection. Deux questions me viennent immédiatement en tête, Macron. Premièrement, est-ce pour raison de santé que vous n’avez pas servi la France dans le cadre du service militaire? Deuxièmement, comment est-il possible que vous ayez pu être candidats à la dernière élection Présidentielle sans avoir satisfait aux obligations militaires? Les réponses à ses deux questions, vous les devez au Peuple de France.

Le deuxième point:

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Le 21/04/2016, soit UN AN, un an AVANT LA DERNIÈRE ÉLECTION PRÉSIDENTIELLE, j’ ai écrit un long courrier officiel à Mr le Procureur de la République de Marseille ainsi qu’au Grand Maître du Grand Orient de France (à l’époque j’étais Franc-Maçon, au courant de certaines connaissances occultes), en conclusion il y avait:

“je soutiens totalement Mr le Président de la République (Votre prédécesseur, Mr le Président de la République François Hollande...), qui n ’a eu que six mois en 2012 pour penser à la tête de l ’état. Je n ’ai jamais vu un homme prendre autant de coups tout en ayant l’air de rien, je l’admire triplement, pour sa solidité, pour son courage, mais surtout pour son altruisme et son dévouement à la patrie. Il y aura son bulletin dans mon enveloppe l ’année prochaine. Pas besoin de vous préciser que nous pouvons devenir un pays de « winner ’s» si au deuxième tour l’année prochaine nous avons un duel « François - François » ou « François - Alain ou un autre ponte de droite »... en revanche si nous avons un petit « Emmanuel - Marine » avec une large et remarquable victoire d'Emmanuel... on ne sera plus qu’un peuple de collabos... ”

C’était un an avant votre élection, Macron.

Par la suite, au courant de certaines dispositions de plusieurs candidats (Mme Le Pen, Mr Fillon et vous...), j’avais essayé de candidater à ladite élection afin de me positionner en “lanceur d’alerte.

Je ne souhaitais pas particulièrement être élu, simplement je souhaitais avoir un petit espace médiatique afin d’Alerter le Peuple de France. Pour cela, conformément au code électoral, j’avais écrit au Chef de l’Etat et au Conseil Constitutionnel un courrier recommandé pour les informer de ma candidature comme le veut le protocole. Comptant sur ma communauté d’origine pour avoir quelques parrainages, j’avais aussi écrit en Corse, à la Collectivité Territoriale. Les trois courriers A/R furent envoyés le 13/03/2017 par le bureau de poste Marseille-vieux port. Devant arriver le mardi 14 ou le mercredi 15/03/2017, cela me laissait 2 à 3 jours avant la date butoir du vendredi 17/03/2017, 18h, où les 500 parrainages d’élus doivent être déposés par les candidats au Conseil Constitutionnel. 2 à 3 jours, c’était largement suffisant pour alerter le Peuple de France via les Médias. Pas un, ni deux, les trois, les trois courriers A/R ont mis... une semaine pour arriver à destination!!!! Et forcément la date butoir fut dépassée. C’est avec l’intime conviction que, derrière cette “ lenteur postale”, ce phénoménal ralentissement administratif, il y a la DGSI. C’est une atteinte majeure à la démocratie Française.

Aussi, demandant l’accès aux fichiers et dossiers classés “Secret Défense” où mon nom ressort, ceci afin de vous destituer, car j’ai la certitude du caractère caduc et invalide de la dernière élection Présidentielle.

Le troisième point concerne votre désastreuse politique.

En moins de deux ans, vous avez créé plus d’impôts et de taxes qu’il en fût créé depuis 2007. A côté de ça, environ 70% de vos appuis, de vos fragiles appuis, c’est à dire vos proches collaborateurs et vos ministres vous ont lâché. Ce “phénomène” signifie tout simplement que vous n’êtes pas à votre place, Macron. Vous n’êtes pas un “leader”. Il ne vous reste plus que Mrs Castaner et Philippe... Pour combien de temps encore? Quand à la carte de magicien “Grand Débat National” que vous avez sorti de votre manche, ce n’est qu’une vulgaire opération de propagande électorale, qui ne vous coûte pas un centime, 100% au frais du contribuable, en vue des prochaines Européennes, dans l’espoir de dépasser les 5%, seuil que vous n’atteindrez pas! La France, que vous avez transformée en Sous-France, n’est pas un peuple d’Abrutis ni un troupeau de moutons ou de caniches.

Le quatrième et dernier point s’adresse à vos Chefs, Macron, à Mr Henri De Castrie, Président du Club Bilderberg, et Mr Emmanuel Fievet, PDG de la Banque Rothschild, et à travers eux, aux 140 dirigeants du Club Bilderberg, ainsi qu’à leurs nombreux subordonnés de part le monde:

 

Messieurs, c’est en “imaginant” que vous êtes tous initiés à l’art Royal qu’est censé être la Franc-Maçonnerie, c’est à dire que vous êtes tous “enfants de la veuve” et “apôtres de St Jean”, que, par le biais de ce courrier adressé à la personne qui occupe momentanément la fonction de chef d’Etat Français, je me permets, humblement, d'essayer de vous interpeller.

La première chose que je souhaite vous dire, c’est que dans le cas de figure où, parmi vous, se cachent certaines personnes qui ont financé et/où commandité des actes terroristes, actes dont est frappé l’ensemble de l’humanité depuis la fin de la guerre froide, si c’est le cas, je vous invite vivement à vous désolidariser d’eux et à les montrer du doigt afin que ses derniers soient traduits en Justice.

Deuxièmement, en tant que Franc-Maçons, vous ne pouvez ignorer les paroles du Christ retranscrites par Saint-Jean l’Evangéliste: “...Les biens du Monde ont une légitime destinée Universelle... Aimez vous les uns et les autres comme moi, fils de Dieu, je vous ai tous aimés.". Aussi, dans cette perspective, Nous, Gilets Jaunes Européens, nous vous invitons à vous asseoir à la table, à la grande table de l’humanisme, du partage et du progrès Universel.

Nous vous demandons d’effacer et d’éteindre toutes les dettes... sur terre. Toutes dettes contractées par des particuliers et/où des professionnels publics où privé.

Nous vous demandons aussi de créer un impôt Universel sur toutes transactions boursières sur terre, quel que soit le marché, ceci afin de financer le fonctionnement des Etats - Nations de l’ensemble du Monde, et de financer le RIUCH (Revenu Inconditionnel Universel de Condition Humaine), afin que

chacun sur Terre puisse Respirer, Boire et Manger, Éliminer et se Mouvoir, se reposer et dormir tranquille, se laver, éviter tous dangers, communiquer et agir selon ses croyances en respectant le vieil adage “La Liberté des Uns s’arrête où commence celle des autres..s’occuper, travailler et se réaliser, se recréer et se divertir, et Apprendre... Apprendre sans cesse, de tous, de tout le monde, des uns et des autres, de l’Etranger et du Familier.

Certes, les nombre de chiffres avant la virgule de vos comptes en banque risque de diminuer, mais cette disposition ne sera que transitoire, soyez-en sûrs. En effet, si PAUVRETÉ et MISÈRE sont éradiquées de la planète, certes, cela demande dans un premier temps un très gros investissement, mais, par la suite, peu de temps après, automatiquement, les productions et les plus-values seront, sur l’ensemble de la terre multipliées par un coefficient important, et, la croissance Mondiale économique universelle sera colossale.

Ainsi, vous obtiendrez un solide retour sur investissement. Actuellement, la fortune monétaire mondiale s’élevait en 2016 à 317 000 milliards de dollars (institut de recherche du Crédit Suisse (CSRI) 2016), 41 200 dollars par habitant de la terre, et augmente chaque année de 3 à 5%. Nous sommes 7 700 000 000 hommes sur terre. Chaque jour, sur terre, sur l’ensemble des places boursières, se sont 4000 milliard de dollars qui sont échangés. oui 4000 milliards minimum;

Sans Misère sur Terre, immanquablement la croissance Universelle sera de 15/20% annuels, c’est un axiome.

En aucun cas et à aucun moment vous ne perdrez de votre pouvoir et vos trains de vie resteront, quoi qu’il arrive, inchangés. Mais, les 7 700 000 000 de femmes d’enfants et hommes que nous sommes avons besoin de vous, vraiment.

Venez vous positionner à nos côtés, nous Gilets Jaunes d’Europe et du Monde, MAINTENANT, ainsi, vous gagnerez, chacun d’entre vous, une gloire lumineuse et universelle sur terre et aux cieux, à l’orient eternel, accompagnée de l’estime et la reconnaissance quasi éternelle de l’ensemble de l’humanité. Nous vous invitons, nous gilets jaunes, à écrire la plus belle page de toute l’histoire de l’humanité.

Bien entendu, cela va de soi, nous vous demandons tous de lâcher Macron, et

de nous laisser le destituer. Humblement, chacun d’entre nous vous demande de totalement l’abandonner. En effet, dans votre monde très fermé, il fait... tâche d’huile répugnante. Il est beau-père, père par alliance d’enfants. plus âgés que lui. Il est l’opposé du leadership. Enfin bref, laissez-le tomber, il ne peut que vous nuire. Laissez-le se faire lyncher, se faire découenner, par l’ensemble de la presse et des médias internationaux qu’il croit tenir dans sa main . »

Quand à vous Macron, vous pouvez me faire arrêter, me faire descendre où bien m’interner, mais sachez que, pour l’ensemble des peuples d’Europe et du Monde, vous incarnez l’opposé de l’humilité et vous ne savez pas apprendre de vos erreurs, donc vous les reproduisez sans cesse, ce qui est, complètement antagoniste avec votre fonction.

Vous n’êtes qu’un “Robin des bois” à l’envers!!! C'est pourquoi, comme vous l'a suggéré monsieur le Président de la République Nicolas Sarkozy, conformément aux besoins de la France, conformément aux désirs du peuple français je vous demande par la présente de démissionner et, très vite de vous faire oublier.

En effet vous n'êtes qu'un outrage Macron, un outrage à la France, un outrage à l' Europe et à toute la communauté internationale, vous n'êtes qu'un outrage au genre humain et à la vie.

Salutations distinguées,

 

Fait, le 1er Mars 2019, à Paris, par : Sébastien Peretti De Belgamor

 

https://www.linkedin.com/pulse/un-gilet-jaune-écrit-à-emmanuel-macron-le-1er-mars-sébastien/?published=t

 

https://www.linkedin.com/pulse/communiqué-flavo-gilet-jaune-10-mai-2021-peretti-de-belgamor/?published=t

 

https://www.facebook.com/FlavoGiletsJaunespolitique

 

www.linkedin.com/in/sébastien-peretti-180021 Modifier le contenu

 

Responsable de l’Association Flavo-Politique.

 

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Depois do Mensalão e do Petrolão, chegamos ao Bolsolão - Revista Crusoé

 A imaginação dos políticos brasileiros para a corrupção não tem limites. Depois do Mensalão e do Petrolão do PT, que incidiam basicamente sobre contratos de empresas estatais com empresas privadas, agora se chegou ao esquemão de desvio de recursos orçamentários para atender aos mesmos fins: o apetite insaciável de políticos corruptos sobre recursos públicos; é o chamado Bolsolão, a mega-operação de desvio de nacos do orçamento para obter o apoio desses sangessugas a um governo que já se rendeu ao inevitável: quer ter sucesso em suas medidas mequetrefes?, pague, e em moeda sonante.

O Mensalão foi o esquema improvisado pelo “cardeal Richelieu” do PT, José Dirceu, depois que o seu chefe não quis se dobrar à cupidez dos políticos do MDB e de outros partidecos pelos despojos da coisa pública. Sem ainda muita experiência no comando da coisa pública, os neobolcheviques do outrora “partido da ética na política” adaptaram os seus antigos esquemas de prefeituras de interior — roubos nos transportes públicos, coleta de lixo, merenda escolar e outras pequenas coisas — para o nível federal, usando recursos de publicidade para pagar mesadas aos políticos indicados, em alguns casos bancadas inteiras, como foi o caso do PTB de Roberto Jafferson. Acabou no que sabemos: Lula incorporou o MDB ao governo e pode governar tranquilo sem medo de impeachment e outras preocupações. Como a cupidez cresce no processo, deu no que deu. Foi abortado o esquema de roubos no varejo.

Passou-se então ao megaesquema do Petrolão, que era coisa mais ambiciosa, depois que os petralhas descobriram a verdadeira “caverna de Ali-Babá” que era a Petrobras, a riquissima estatal manipulando milhões e não apenas centenas de milhares, como no Mensalão. Como sempre acontece, um pequeno incidente revela o esquema e a coisa vem abaixo. O reinado da organização criminosa confundida com partido político veio abaixo não apenas pelo Petrolão — teve também a incapacidade econômica de Madame Pasadena e sua falta de jeito político para lidar com um megacorrupto na presidência da CD —, mas o Petrolão consolidou na imaginação da classe média a certeza de que o PT era o diabo da corrupção, e aí o mundo veio abaixo a partir de 2013 e 2014, abrindo-se as portas para a ascensão dos milicianos.

O Bolsolão é um esquema mais engenhoso pois que se aproveita do roubo legalizado que se chama “emendas parlamentares” — tornadas obrigatórias pelo mesmo bandido que derrubou o reino corrupto dos petistas — para assaltar “legalmente” os cofres públicos, com os mesmo objetivos de sempre: comprar apoio de parlamentares corruptos. Mas ele avança sobre o orçamento público, ou seja, está no coração da governabilidade, que já não existe mais no desgoverno do capitão.

Se o Brasil fosse um país normal, seria fácil determinar crimes de responsabilidade do chefe do Executivo e de seus ministros, assim como violação das regras de despesas públicas por todos os envolvidos no esquema, e um expedito processo de impeachment e prisão para todos eles. Só que o Bolsolão foi construído com os chefes das duas casas do Legislativo, os responsáveis por tocar para a frente as acusações sobre as dezenas de outros crimes já cometidos pelo chefe do Executivo, sua família e milícias associadas. Difícil dizer agora se esses CRIMES serão punidos, mas fica o relato da revista Crusoé sobre como as falcatruas foram fabricadas e perpetradas. 

Confesso sentir um desalento pela repetição infinita de casos de corrupção abjeta que encontra-se profundamente impregnada no estamento político de nosso país: a vergonha não parece ter fim. É a cloaca da tropa de meliantes que manda no Brasil: os pobres pagam, e morrem, pois os mesmos meliantes que conquistaram o poder na revelação de crimes antigos praticam novos crimes com requintes de crueldade; exibem desprezo pela vida humana e pela situação geral da população pagadora. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 16/05/2021



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TEXTO COMPLETO da reportagem:

O Mensalão de Bolsonaro: as provas

Revista Crusoé, 14/05/2921

Embora já tivesse uma longa carreira como deputado, Jair Bolsonaro elegeu-se presidente prometendo combater os velhos hábitos da política. O discurso não durou muito. Tão logo assumiu o Palácio do Planalto, ele começou a se render ao que há de pior em Brasília. Aos primeiros sinais de que era preciso compor com uma parcela do Congresso Nacional, ele piscou e logo fechou uma aliança com o fisiológico Centrão. Desde então, começou a pagar o preço para ter uma base parlamentar capaz de lhe dar sustentação mínima na Câmara e no Senado. No ano passado, quando estava em vias de sacramentar a aliança, veio a abertura dos cofres. E não apenas pelas vias tradicionais. Para dissimular a distribuição de dinheiro público para os aliados mais fiéis, o governo criou um duto diferente: uma espécie de orçamento paralelo em que bilhões de reais são destinados a alguns ministérios e gastos, por debaixo dos panos, de acordo com o interesse de parlamentares escolhidos a dedo pelo Planalto.

A lógica é a mesma dos escândalos que emergiram nos governos anteriores: usar dinheiro público para garantir o apoio de congressistas. Era assim no mensalão, o esquema descoberto no primeiro mandato de Lula, e era assim no petrolão, em que contratos gigantescos da Petrobras se convertiam em propinas para políticos aliados do governo. A diferença é que, agora, sob Bolsonaro, a coisa se dá com recursos do orçamento, usando de subterfúgios para maquiar a distribuição. A partir do instante em que o Planalto se viu na necessidade de construir uma base no Congresso – e foi então apresentado à fatura que seria preciso pagar –, coube à Secretaria de Governo, então comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos, hoje chefe da Casa Civil, a tarefa de organizar a partilha. A ideia foi gestada a partir de uma parceria do palácio com o Congresso. Para o modelo dar certo, foi preciso criar a figura das “emendas de relator”, em que um pedaço dos gastos anuais do governo tem necessariamente que ser aplicado de acordo com a indicação do parlamentar escolhido para ser o relator do orçamento federal, normalmente um aliado do governo. Só no passado, esse naco foi de 20 bilhões de reais.

Estava pavimentado, assim, o caminho para que as verbas fossem distribuídas de acordo com a conveniência do próprio governo e seus aliados preferenciais no parlamento. Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, só o Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, recebeu 3 bilhões de reais. A dinheirama passou a ser gasta pela pasta de acordo com uma planilha elaborada pelo Planalto na qual deputados e senadores foram agraciados, na medida de sua importância e de sua lealdade ao governo, com valores que eles próprios podiam dizer onde deveriam ser alocados. Uma vez listados como “beneficiários”, bastava que eles enviassem ao ministério uma comunicação apontando onde queriam que o dinheiro fosse parar. A partilha teve seu auge no processo que elegeu Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, ambos candidatos apoiados pelo Planalto, para as presidências das duas casas do Congresso. “É um mensalão disfarçado de emendas parlamentares. Compra explícita de apoio político”, diz Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, que monitora os gastos públicos.

Estava pavimentado, assim, o caminho para que as verbas fossem distribuídas de acordo com a conveniência do próprio governo e seus aliados preferenciais no parlamento. Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, só o Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, recebeu 3 bilhões de reais. A dinheirama passou a ser gasta pela pasta de acordo com uma planilha elaborada pelo Planalto na qual deputados e senadores foram agraciados, na medida de sua importância e de sua lealdade ao governo, com valores que eles próprios podiam dizer onde deveriam ser alocados. Uma vez listados como “beneficiários”, bastava que eles enviassem ao ministério uma comunicação apontando onde queriam que o dinheiro fosse parar. A partilha teve seu auge no processo que elegeu Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, ambos candidatos apoiados pelo Planalto, para as presidências das duas casas do Congresso. “É um mensalão disfarçado de emendas parlamentares. Compra explícita de apoio político”, diz Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, que monitora os gastos públicos.

Como o mundo é pequeno, o dinheiro foi parar no círculo íntimo do senador. Do ano passado para cá, pelo menos 10 milhões de reais foram usados para comprar máquinas e caminhões em uma concessionária local chamada HGV Veículos. O dono da empresa, Hugo Bezerra Gurgel Neto, é amigo do peito de um dos filhos do senador, o deputado estadual Antônio Coelho. Desde novembro, 19 contratos já foram fechados pela Codevasf com a HGV. Procurado, o empresário admitiu a existência dos negócios com a companhia, mas ao ser indagado sobre como conseguiu os contratos desligou o telefone e não atendeu mais. Há relações comerciais com mais gente próxima da família do líder do governo. Sem licitação, a companhia comprou por 205 mil reais uma van da empresa Mavel Máquinas e Veículos, que tem como sócio Caio Bezerra de Souza Coelho, irmão do senador. Os dados registrados nos sistemas da Codevasf, aos quais Crusoé teve acesso, mostram que o veículo foi pago com recursos destinados pelo próprio Fernando Bezerra Coelho.

Outra pessoa próxima da família que tem conseguido fechar contratos com a Codevasf é Marco Antonio Coelho Carvalho, procurador da prefeitura de Juazeiro, cidade vizinha a Petrolina que também é historicamente dominada pelo clã. A Tratormaster Tratores, Máquinas, Peças e Serviços, da qual Marco Antonio é sócio, recebeu 1,5 milhão vendendo retroescavadeiras para a Codevasf, também sem licitação. Há, ainda, outra empresa ligada à família do líder do governo que recebeu uma pequena fortuna a partir dos recursos do orçamento paralelo – nesse caso, não pela venda de máquinas, mas por serviços de pavimentação. A Liga Engenharia, cujo dono é cunhado de um sobrinho do senador, recebeu pelo menos 28 milhões nos últimos seis meses da Codevasf e do DNOCS, o Departamento Nacional de Obras contra a Seca, que igualmente levou um pedaço importante da bolada.

O ‘amigo’ do presidente

O multimilionário Vittorio Medioli, prefeito da cidade mineira de Betim pelo PSD, fez questão de ir a Brasília cumprimentar o “amigo” Jair Bolsonaro logo depois de sua eleição, em 2018. “Encontros como esse são importantes para contribuir para o crescimento do Brasil e de Betim”, escreveu Medioli nas redes sociais, debaixo de uma foto descontraída ao lado de Bolsonaro. Desde a liberação dos recursos do orçamento paralelo, a Deva Veículos, uma das várias empresas de propriedade do prefeito, tem fechado seguidos contratos com a Codevasf que já somam 64 milhões de reais. O mecanismo funciona de maneira semelhante aos casos de Fernando Bezerra: parlamentares aliados do governo mandam o dinheiro para a companhia e definem o bem ou serviço que deve ser pago com ele. Somente o senador Carlos Viana, do PSD, mesmo partido de Vittorio Medioli, destinou 32 milhões de reais ao braço mineiro da Codevasf a partir do orçamento paralelo. Uma parte desse valor já se transformou em compras na empresa do prefeito. Em 12 de março deste ano, a Codevasf adquiriu 32 caminhões coletores de lixo junto à Deva. Cada unidade saiu por 294,5 mil reais (ao todo, foram gastos 9,4 milhões). Há indícios de que o valor pago está acima do preço normal — em dezembro do ano passado, a mesma Deva vendeu um caminhão semelhante, e com potência até maior, por 30 mil reais a menos.

Há mais negócios envolvendo a família Medioli. Dois sobrinhos do prefeito de Betim aparecem como donos da LLM Locação de Veículos, que recebeu 633,5 mil da Codevasf. A firma faz parte do conglomerado do qual o prefeito é proprietário. O dinheiro repassado à LLM saiu de dois repasses feitos à companhia a pedido do senador goiano Vanderlan Cardoso, que também é do PSD. Procurada, a prefeitura de Betim afirmou, curiosamente, que não pode responder por assuntos privados de Medioli. Já a Deva Veículos e a LLM Locação de Veículos disseram que todas as transações com a Codevasf se deram “dentro das normas da legislação vigente”. Em resposta conjunta, as empresas disseram que não tinham conhecimento da origem dos recursos e que tiveram “margem de lucro inferior a 5%”. Crusoé indagou se Medioli tratou pessoalmente dos contratos com a Codevasf e se em algum momento ele conversou sobre o assunto com o “amigo” Bolsonaro, mas não houve resposta para essas perguntas. Ao todo, a Deva venceu cinco concorrências para a venda de 245 caminhões e tratores para Codevasf. Até agora, segundo a própria empresa, 15 foram entregues.

O operador de Ciro e as ‘consultorias’

Davidson Tolentino é um conhecido operador do Progressistas, novo nome do antigo PP, o partido que é esteio do Centrão. Sempre que a legenda consegue do presidente de turno aval para aboletar seus homens em ministérios ou estatais, Tolentino está de prontidão, não importa a área. Já ocupou posições importantes em órgãos tão díspares quanto a CBTU, a estatal federal de trens urbanos, e o Ministério da Saúde, quando a pasta era comandada por Ricardo Barros, no governo de Michel Temer. Quase sempre, é colocado bem próximo dos departamentos que envolvem contratos e verbas. Tolentino é homem de Ciro Nogueira, o presidente do partido, e seu nome já esteve muitas vezes atrelado a suspeitas de cobrança de propina. No Ministério da Saúde, como publicou Crusoé ainda em 2018, ele foi apontado como o responsável por procurar, em nome do PP, empresários que tinham faturas a receber na pasta. Segundo Tolentino, se quisessem receber, os empresários teriam de fazer um “alinhamento financeiro” com o partido. Uma clara figura de linguagem para não ter que pronunciar a palavra “propina”.

Pouco antes, o mesmo Davidson Tolentino havia aparecido como personagem central de um depoimento prestado à Operação Lava Jato por um ex-assessor de Ciro Nogueira. À Polícia Federal, o ex-assessor contou que ele e Tolentino eram responsáveis por recolher e armazenar em um apartamento no Itaim Bibi, em São Paulo, volumes de dinheiro em espécie cujo destinatário era o senador. Ele afirmou que, a certa altura, chegou a haver no bunker uma quantia estimada em 5 milhões de reais. Após tamanha exposição, Tolentino submergiu. Voltou à cena em julho do ano passado, quando foi nomeado para o pomposo cargo de diretor de revitalização da Codevasf, que virou um tamborete para distribuir verbas federais a aliados do governo. Na mesma toada da “revitalização” da companhia, o operador de Ciro e do Centrão passou a assinar polpudos contratos com dinheiro proveniente do orçamento paralelo, muitos deles de consultoria – só para esse tipo de serviço, a Codevasf tem hoje contratos ativos da ordem de 40 milhões de reais. Um desses contratos foi assinado por Tolentino em 28 de janeiro deste ano com a Agrar Consultoria e Estudos Técnicos. O valor: 11 milhões de reais.

A Agrar tem como sócio Pedro Luiz Aleixo Lustosa de Andrade, denunciado pelo Ministério Público Federal por participar do esquema de desvio de dinheiro público no governo de Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro. Segundo os procuradores, Pedro Lustosa integrava uma organização criminosa que fraudou licitações e formou cartel na reforma do Maracanã e no PAC das favelas – à época, ele era executivo da Metrópolis Projetos Urbanos. A Crusoé, o consultor negou haver qualquer irregularidade no contrato fechado com a Codevasf e disse ter “zero relação política” com Ciro Nogueira e com Davidson Tolentino. “Quem está cuidando desse contrato é meu sócio. Eu não sou a pessoa mais adequada para responder”, afirmou. O contrato é destinado à prestação de consultoria ambiental para empreendimentos da Codevasf.

Cadê o dinheiro?

Gameleira de Goiás é uma típica cidadezinha de interior. Com 3,8 mil habitantes, está localizada a pouco mais de 200 quilômetros de Brasília, mas parece perdida no tempo e no espaço. A pequena sede do município se esparrama ao longo de uma única avenida, ao redor da qual se concentram pequenas casas térreas e o modesto comércio local. A cidade tem uma única escola. Em 8 de dezembro do ano passado, Gameleira foi indicada como destino de nada menos que 20 milhões de reais. Dinheiro do orçamento paralelo do Ministério do Desenvolvimento Regional. Curiosamente, quem fez a indicação foi Márcio Bittar, um senador do MDB do Acre que, à primeira vista, não tem relação nenhuma com o município. Bittar é da cozinha do Planalto e goza de ótima relação com o presidente da República. No Congresso, ele tem ocupado postos-chave. Foi relator da chamada PEC emergencial e, mais recentemente, da proposta orçamentária para este ano – o que significa que, em 2021, será ele o responsável por coordenar o destino das gordas “emendas de relator”, estimadas em 18 bilhões de reais.

Dos recursos remetidos a Gameleira de Goiás que aparece na planilha secreta do Planalto, equivalente a 13 vezes a arrecadação anual de impostos do município, mais da metade já consta no sistema oficial do governo federal como paga. Só que, na prática, não há qualquer sinal de benfeitoria na cidade com esses recursos. Nesta semana, foi até Gameleira à procura de uma resposta para o mistério. No papel, embora seja suficiente para reformar a cidade inteira, o dinheiro deveria ser gasto com asfaltamento e recapeamento de ruas. Só que, até hoje, não há qualquer obra na cidade. No departamento de licitações da prefeitura, um dos dois funcionários que davam expediente na tarde de quarta-feira, 13, disse nunca nem ter ouvido falar do repasse. “São 20 milhões? É dinheiro que não acaba mais. Daria para revolucionar (a cidade)”, surpreendeu-se.

Os moradores dizem nem lembrar da última vez que foi feita uma obra em Gameleira. O prefeito, Wilson Tavares, do Democratas, disse não conhecer o senador Márcio Bittar, mas demonstrou estar ciente da transferência de recursos. “A gente não fica sabendo. Como é uma emenda extraorçamentária, eu não sei quem colocou pra mim”, disse. À diferença do que mostram os sistemas oficiais, o prefeito afirma que não recebeu até hoje nenhum repasse. Indagado se 20 milhões de reais não seria um valor alto demais para gastar com asfaltamento e recapeamento de ruas da minúscula cidade, o prefeito se apressou em dizer que tem mais planos para a cifra. “Eu preciso fazer calçada, reformar praças, preciso fazer um estádio, ponte”, afirmou. tentou falar com o senador Márcio Bittar. Ele até respondeu a uma primeira mensagem, mas depois de perguntar e ser informado sobre qual era o assunto , sumiu.

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Sobre políticas de governo e políticas de Estado: um debate sempre atual - Paulo Roberto de Almeida, Meira Penna

 Uma questão ainda atual, ou seja, a confusão entre políticas de Estado, de governo e de partido, quando não de um homem só, geralmente megalomaníaco. Depois que publiquei essa nota (em 2009), o embaixador Meira Penna escreveu-me dizendo que não concordava com minhas críticas ao Itamaraty, feitas paralelamente numa lista de debates. Coloquei a postagem dele ao final, e minha resposta logo em seguida...

Paulo Roberto de Almeida 

15/05/2021


2026. “Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias”, Brasília, 11 julho 2009, 3 p. Exatamente o que diz o título. Postado no blog Diplomatizzando (12.07.2009; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2009/07/1218-sobre-politicas-de-estado-e.html). Revisto ligeiramente e adaptado para publicação no Instituto Millenium (13.08.2009; link: http://www.imil.org.br/artigos/sobre-politicas-de-governo-e-politicas-de-estado-distincoes-necessarias/). Relação de Publicados n. 914.


Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11/07/2009

 

Saber se uma determinada política seguida por um governo específico, num dado momento da trajetória política de um país, corresponde a uma expressão da chamada “vontade nacional” – ou seja, se ela corresponde ao que normalmente se designa como política de Estado – ou se ela, alternativamente, expressa tão somente a vontade passageira de um governo ocasional, numa conjuntura precisa, geralmente breve ou temporária, da vida política desse mesmo país não é, certamente, uma questão trivial, pois esse conhecimento envolve usualmente a consideração de certo número de elementos objetivos que podem entrar na categoria dos sistêmicos, ou estruturais, ou também na classe dos passageiros, ou circunstanciais.

Muitos pretendem que toda e qualquer política de governo é uma política de Estado, já que um governo, que ocupa o poder num Estado democrático – isto é, emergindo de eleições competitivas num ambiente aberto aos talentos políticos – é sempre a expressão da vontade nacional, expressa na escolha regular daqueles que serão os encarregados de formular essas políticas setoriais. Os que assim pensam consideram bizantina a distinção, mas estes são geralmente pessoas do próprio governo, eventualmente até funcionários do Estado que pretendem se identificar com o governo de passagem. O que se argumenta é que, na medida em que suas propostas políticas já foram “aprovadas” previamente no escrutínio eleitoral, elas correspondem, portanto, aos desejos da maioria da população, sendo em conseqüência “nacionais”, ou “de Estado”.

Não é bem assim, pois raramente, numa competição eleitoral, o debate pré-votação desce aos detalhes e minudências das políticas setoriais e a todos os contornos e implicações dos problemas que podem surgir na administração corrente do Estado após a posse do grupo vencedor. Campanhas eleitorais são sempre superficiais, por mais debates que se possam fazer, e os candidatos procuram simplificar ainda mais os problemas em confronto, adotando slogans redutores, e fazendo outras tantas simplificações em relação às posições dos seus adversários. Por outro lado, as promessas são sempre genéricas, sem muita quantificação – diretamente quanto às metas ou sua expressão orçamentária – e sobretudo sem precisão quanto aos meios e seus efeitos no cenário econômico ou social. Todos prometem empregos, distribuição de renda, crescimento e desenvolvimento, defesa dos interesses nacionais, resgate da dignidade e da cidadania e outras maravilhas do gênero.  Em outros termos, raramente a eleição de um movimento ou partido político ao poder executivo lhe dá plena legitimidade para implementar políticas de governo como se fossem políticas de Estado, que por sua própria definição possuem um caráter mais permanente, ou sistêmico, do que escolhas de ocasião ou medidas conjunturais para responder a desafios do momento.

Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política-parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais.

Políticas de Estado, por sua vez, são aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado, justamente, e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade. 

Se quisermos ficar apenas com um exemplo, no âmbito da diplomacia, pode-se utilizar esta distinção. Política de Estado é a decisão de engajar um processo de integração regional, a assinatura de um tratado de livre comércio, a conclusão de um acordo de cooperação científica e tecnológica numa determinada área e coisas do gênero. Política de governo seria a definição de alíquotas tarifárias para um setor determinado, a exclusão de produtos ou ramos econômicos do alcance do tratado de livre comércio, ou a assinatura de um protocolo complementar definindo modalidades para a cooperação científica e tecnológica na área já contemplada no acordo. Creio que tanto o escopo das políticas, como os procedimentos observados em cada caso podem ser facilmente distinguidos quando se considera cada um dos conjuntos de medidas em função das características definidas nos dois parágrafos precedentes.

Por isso, não se pode pretender que as políticas de Estado possam ser adotadas apenas pelo ministro da área, ou mesmo pelo presidente, ao sabor de uma sugestão de um assessor, pois raramente o trabalho técnico terá sido exaustivo ou aprofundado o suficiente para justificar legitimamente essa designação. Isso se reflete, aliás, na própria estrutura do Estado, quando se pensa em como são formuladas e implementadas essas políticas de Estado.

Pense-se, por exemplo, em políticas de defesa, de relações exteriores, de economia e finanças – em seus aspectos mais conceituais do que operacionais – de meio ambiente ou de educação e tecnologia: elas geralmente envolvem um corpo de funcionários especializados, dedicados profissionalmente ao estudo, acompanhamento e formulação das grandes orientações das políticas vinculadas às suas respectivas áreas. Ou considere-se, então, medidas de natureza conjuntural, ou voltadas para uma clientela mais restrita, quando não ações de caráter mais reativo ou operacional do que propriamente sistêmicas ou estruturais: estas podem ser ditas de governo, aquelas não. 

Portanto, quando alguém disser que está seguindo políticas de Estado, pare um pouco e examine os procedimentos, a cadeia decisória, as implicações para o país e constate se isso é verdade, ou se a tal política corresponde apenas e tão somente a uma iniciativa individual do chefe de Estado ou do ministro que assim se expressou. Nem todo presidente se dedica apenas a políticas de Estado, e nem toda política de Estado é necessariamente formulada pelo presidente ou decidida apenas no âmbito do Executivo. Como dizem os americanos: think again, ou seja, espere um pouco e reconsidere o problema...

 

Brasília, 11 de julho de 2009

 

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DEBATE: 

 

On 30/07/2009, at 20:56, José Osvaldo de Meira Penna wrote:

 

Caro Paulo Roberto,

Talvez V. tenha motivos para sua crítica do Itamaraty, que acho injusta. Eu, pessoalmente, também não concordo com as iniciativas do Amorim mas a subserviência ao poder é o que se deve esperar de um órgão do governo. Nunca foi minha impressão depois de meio século de carreira que o Itamaraty seja uma Casa feudal. Uma carreira cujos membros são selecionados por concurso não pode ser feudal, eis que o feudalismo se define como essencialmente hereditário. Curiosamente, o que me parece feudal é o sistema que o barão do Rio Branco usava para, pessoalmente, escolher as pessoas que julgava dignas de entrar na Casa. Repito que não aprecio a atual diplomacia petista mas acho que acusações injustas enfraquecem a causa.

Um abraço do Meira Penna

 

------------------

Caro Embaixador Meira Penna,

       

       O Itamaraty é um órgão de Estado, não de governo. Embora deva obediência ao governo do momento, seus métodos, práticas, processos decisórios deveriam enquadrar-se em praticas de Estado, não de governo.

       Tracei as distinções necessárias num recente artigo meu, não publicado, mas disponível num dos meus blogs:

 

       Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias, Brasília, 11 julho 2009, 3 p. Exatamente o que diz o título. Postado no blog Diplomatizzando (12.07.2009; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2009/07/1218-sobre-politicas-de-estado-e.html).


 

       Diplomatas que se consideram servidores do Estado, e não apenas do governo, poderiam evitar ser subservientes a ponto de virem a público defenderem posições com as quais eles estão em desacordo, sabem que estão em desacordo, e tem vergonha de defender, mas o fazem por subserviência ao governo, ou ao chefe de plantão.

       

       O feudalismo não tem tanto a ver com hereditariedade, quanto com o sentido da hierarquia servil, a vinculação do servo ao seu amo, e a prestação de serviços a este, e ao que vier em seu lugar, hereditário ou não. O temor reverencial à autoridade é notorio no Itamaraty, e poucos diplomatas ousam contestar o chefe, mesmo quando este está notoriamente errado, mal informado, deliberadamente equivocado. Isso é feudalismo e nao um ambiente democrático.

       O Barao do Rio Branco era, literalmente, um barao feudal, decidia sozinho, sem qualquer concurso, quem podia ou nao ser diplomata. Isso é feudalismo. Alem de tudo era misogino, como muitos o foram na carreira, até os anos 1960, pelo menos.

       Independemente de ser de esquerda, ou de direita, o Itamaraty é, sempre foi, continua e continuará sendo, eminentemente feudal.

       Isto não é uma acusacao injusta, é uma simples constatacao, que qualquer antropólogo poderia fazer, se acompanhasse de perto os rituais do Itamaraty.

       Passado este governo, que transformou o Itamaraty numa monarquia absoluta, ele continuará a ser feudal...

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Paulo Roberto de Almeida

pralmeida@mac.com  www.pralmeida.org  

http://diplomatizzando.blogspot.com/

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Diversidade e discriminação no Itamaraty - Programa Renascença (Instituto Diplomacia para Democracia)

Diversidade e discriminação no Itamaraty 

Programa Renascença

Programado para 18 de mai. de 2021, 18:00hs

Canal YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=OZFyYNVPQNw

 


Diplomacia para Democracia 

 

A falta de diversidade no Itamaraty e como isso interfere nas relações internacionais é o tema do debate comandado por Frederico Rios C. dos Santos (USP), curador e mediador do Diplomacia para Democracia. 

 

Para falar sobre o assunto estão: 

Ana Magnólia Mendes (UnB), 

Olívia Pasqualeto (FGV-SP), 

e o diplomata Paulo Roberto de Almeida.

 

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:

 

ALMEIDA, P. R. O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021. Brasília: Diplomatizzando, 2021, 114 p.; disponível em formato Kindle na Amazon.com.br


 

CANIATO, A. M. P.; LIMA, E. C. Assédio moral nas organizações de trabalho: perversão e sofrimento. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 11, n. 2, São Paulo, dez. 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?.... Acesso em: 08 fev. 2021. 

 

MENDES, A. M.; DUARTE, F. S. Riscos psicossociais relacionados ao trabalho no Itamaraty: análise clínica do prazer e do sofrimento no trabalho. Relatório de Pesquisa, mar. 2017. Disponível em: https://www.sinditamaraty.org.br/imag... . Acesso em: 08 fev. 2021. 


 

NETO, M. J. S. Assédio moral e atuação do Ministério Público do Trabalho. Revista de Informação Legislativa, a. 42, n. 167, jul./set. 2005. Disponível em: http://profmanoeljorge.com.br/wp-cont.... Acesso em: 08 fev. 2021


 

Para assistir ao debate, clique neste link: 

https://www.youtube.com/watch?v=OZFyYNVPQNw

 

 

Bolsonarismo: inimigo e DESTRUIDOR da Educação - Fernando Luiz Abrucio (Valor, 14/05/2021)

 Reproduzo da melhor forma possível, como recebi: 



O Brasil vai sair destes quatro anos de horrores em todos os setores como uma terra arrasada...

Paulo Roberto de Almeida