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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Inéditos de José Guilherme Merquior: amostras da ‘máquina de pensar’ - Paulo Roberto de Almeida (Seminário Merquior 80 anos)

Minha colaboração ao Seminário Internacional José Guilherme Merquior, 80 anos:

 4038. “Inéditos de José Guilherme Merquior: amostras da ‘máquina de pensar’”, Brasília, 7 dezembro 2021, 19 p. Apresentação sumária dos textos inéditos ou pouco conhecidos de José Guilherme Merquior: prefácio às edições brasileiras dos Estudos Políticos de Raymond Aron (1980) e do Dicionário Crítico da Revolução Francesa, de François Furet e Mouna Ozouf (1988), e conferências feitas na Universidade de Harvard, El Otro Occidente (1988) e no Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain, “Brésil: cent ans de bilan historique” (1990). Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/63761861/4038_Ineditos_de_Jose_Guilherme_Merquior_amostras_da_maquina_de_pensar_2021_).


Inéditos de José Guilherme Merquior: amostras da ‘máquina de pensar’

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata; IHG-DF; Ibmec-Brasília

Colaboração preparada para o:

Seminário Internacional José Guilherme Merquior: 80 anos

Painel “Inéditos de José Guilherme Merquior” (10/12/2021, 16hs)

  

Sumário

Introdução: os quase inéditos de Merquior, dois prefácios e duas conferências

Raymond Aron: o mestre incomparável da sociologia histórica

Um outro Ocidente: a filosofia da história vista da América Latina

A Revolução francesa ainda não terminou: pelo menos não na academia

Um balanço em claro e escuro da incompleta construção republicana

Depois de San Tiago Dantas, provavelmente o maior intelectual brasileiro do século XX

 

 

Introdução: os quase inéditos de Merquior, dois prefácios e duas conferências

Foi o ex-ministro da Educação, editor e seu colega na Academia Brasileira de Letras, Eduardo Portella, que designou José Guilherme Merquior como “mais fascinante máquina de pensar do Brasil pós-modernista: irreverente, agudo, sábio.” As provas desse verdadeiro veredito estão refletidas em dezenas de obras publicadas, mas também em um sem-número de escritos que ainda não vieram a lume, ou que passaram quase despercebidos, por terem sido publicados em obras de terceiros ou por terem sido recolhidos em veículos de menor circulação. Estão nesse caso várias conferências feitas a públicos diversos, assim como ensaios preparados especialmente para livros traduzidos e publicados no Brasil. 

Como antecipei em uma nota introdutória a esta apresentação sobre alguns dos textos relativamente inéditos ou pouco conhecidos do grande intelectual brasileiro falecido prematuramente em 1991 – “Jose Guilherme Merquior: textos inéditos ou pouco conhecidos” (Brasília, 2 dezembro 2021, 7 p.; disponível na plataforma Academia.edu, link: https://www.academia.edu/63037269/4034_Jose_Guilherme_Merquior_textos_relativamente_ineditos_ou_pouco_conhecidos_2021_); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/12/jose-guilherme-merquior-80-anos-6.html) –, pretendo cumprir com o prometido ao abordar, com maior grau de detalhe, alguns dos trabalhos que ele produziu, mas que não integraram, na forma como foram produzidos, seus próprios livros individuais. José Guilherme Merquior, ademais de sua imensa bibliografia, possui um volume ainda não catalogado de manuscritos e inéditos que estão sendo progressivamente disponibilizados graças ao labor conjunto do organizador de várias de suas reedições, o professor João Cézar de Castro Rocha, e do editor encarregado pela família de publicar ou republicar o seu espólio, Edson Filho, da É Realizações Editora. 

Já discorri, de modo amplo, sobre grande parte da obra publicada de Merquior no terreno da sociologia política, notadamente no posfácio à reedição da edição brasileira de Foucault, incorporada sob o título de “José Guilherme Merquior: o esgrimista liberal”, in: José Guilherme Merquior, Foucault, ou o niilismo de cátedra (nova edição: São Paulo: É Realizações, 2021, p. 251-320), o que me dispensa de novamente abordar aqui a riqueza totalizante da sua produção intelectual, pelo menos nessa área especializada de sua imensa contribuição à crítica das ideias e doutrinas políticas. Pretendo, portanto, nesta nova nota, tratar de alguns trabalhos pouco conhecidos de José Guilherme Merquior, ou talvez até relativamente inéditos, no sentido em que eles não foram recolhidos, na forma em que foram apresentados por ele uma primeira ou uma única vez, nos livros editados comercialmente, inclusive porque foram publicados em obras de terceiros. 

Vou deixar de lado, no momento, alguns desses inéditos, inclusive porque tomei a iniciativa, quando do transcurso de seus 80 anos, em abril de 2021, de incorporá-los numa brochura que preparei naquela ocasião – José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro (Brasília, 19 de abril de 2021, 187 p.; disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46954903/Jose_Guilherme_Merquior_um_Intelectual_Brasileiro_2021_) –, e que são, linearmente, o seu discurso de posse como orador da turma do Instituto Rio Branco (dezembro de 1963), sua tese apresentada no I Curso de Altos Estudos no Instituto Rio Branco, “O problema da legitimidade em política internacional (1978)”, ambos recolhidos no volume preparado pelo Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty: Celso Lafer et alii, José Guilherme Merquior, diplomata (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, respectivamente p. 39-45 e 47-80), ademais do ofício que ele redigiu quando era secretário da embaixada do Brasil em Bonn, em 1973, sobre os grandes desafios da Guerra Fria num momento de tensões entre as grandes potências: “O sistema internacional e a Europa Ocidental”, este sim verdadeiramente inédito.

Naquela oportunidade, tentei imaginar, o que ele poderia ter ainda produzido, na fase mais produtiva de uma vida toda ela dedicada às leituras, aos estudos, às reflexões e à escrita, se não tivesse falecido prematuramente em 1991, logo depois da última palestra apresentada nesta nota, e antes que fosse publicado, pela editora Twayne, de Boston, seu primeiro livro póstumo: Liberalism Old and New. De fato, Merquior produziu, num curto espaço de trinta anos, um volume prodigioso de trabalhos de alta qualidade, ademais de um número talvez ainda não catalogado devidamente de artigos de jornal no contexto de debates que ele empreendeu com todo tipo de “parceiros” (inclusive marxistas) ou “adversários” (mas todos involuntários, pois ele não concebia dessa maneira). Pode-se imaginar o que ele teria ainda produzido nos trinta anos seguintes ao seu infeliz passamento, naquela que teria sido, provavelmente, a fase mais fecunda e mais produtiva de uma vida toda ela dedicada à leitura, às reflexões e à escritura, ou seja, tudo aquilo que perdemos, como comunidade acadêmica, e a própria nação brasileira, privados de seu imenso conhecimento altamente sofisticado.

Divulguei, ao longo dos primeiros meses de 2021, uma série de postagens no blog Diplomatizzando discorrendo sobre aspectos diversos da produção intelectual já conhecida de José Guilherme Merquior. Vou, portanto, limitar-me, nesta nota expositiva, a apresentar alguns poucos trabalhos menos conhecidos de Merquior, inseridos como prefácios ou palestras nas publicações que indico a seguir: 

1) “Ciência e consciência da política em Raymond Aron”, um longo prefácio (30 p.) que ele preparou para a edição brasileira da obra de Raymond Aron: Études politiques (Paris: Gallimard, 1972), que foi publicado em tradução de Sérgio Bath (já tradutor de várias outras obras de Aron, entre elas o Paz e Guerra entre as Nações), com apresentação de Rolf Kuntz, sendo que Merquior parafraseia o capítulo introdutório do próprio Aron: “Ciência e consciência da sociedade”: Raymond Aron, Estudos Políticos (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 9-39);

2) “El Outro Occidente (um poco de filosofia de la historia desde Latinoamerica”), uma conferência feita em espanhol, quando ele era embaixador do Brasil no México, no Departamento de Línguas e Literatura Românicas da Universidade de Harvard, em setembro de 1988, publicada depois nos Cuadernos Americanos da Universidade Nacional do México (UNAM, n. 13, jan.-fev.1989, p. 19-23); 

3) “O repensamento da Revolução”, o longo (40 p.) e erudito prefácio que ele preparou, no México, entre dezembro de 1988 e janeiro de 1989, para a edição brasileira do Dicionário Crítico da Revolução Francesa de François Furet e Mona Ozouf (Paris: Flammarion, 1988), publicado nesse mesmo ano pela Nova Fronteira; p. xvii-lvii).

4) “Brésil: cent ans de bilan historique”, a palestra efetuada em Paris, quando ele já ocupava a representação do Brasil junto à Unesco, em dezembro de 1990, depois publicada nos Cahiers du Brésil Contemporain (Paris: Centre d’Études sur le Brésil Contemporain, n. 16, 1990, p. 5-22) e que eu reproduzi fac-similarmente na minha brochura de abril, José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro.

 

(...)


Íntegra do texto neste link: 


https://www.academia.edu/63761861/4038_Ineditos_de_Jose_Guilherme_Merquior_amostras_da_maquina_de_pensar_2021_ 


A visão chinesa sobre o multilateralismo seletivo dos EUA - Duan Fengyuan (CGTN)

 World 

CGTN, 10:11, 10-Dec-2021

U.S. alliance system: True or selective multilateralism?
By Duan Fengyuan

"It is our true policy to steer clear of a permanent alliance with any portion of the foreign world," first U.S. President George Washington said in his farewell presidential address in September 1796.

Two centuries later, since the new U.S. administration took office, Washington is vowing to return to multilateralism after four years of "America First" policies under former President Donald Trump.

However, the facts show differently. Take mechanisms such as the AUKUS, the Quadrilateral Security Dialogue (the Quad), the Five Eyes alliance and the Group of Seven (G7).

AUKUS challenges international rules

In mid-September, the United States, Britain, and Australia announced a trilateral security partnership dubbed AUKUS to "deepen diplomatic, security and defense cooperation" in the Indo-Pacific region.

Under the AUKUS deal, Australia would obtain eight state-of-the-art nuclear-powered submarines capable of stealthy, long-range missions. It also provides for sharing cyber and artificial intelligence, quantum technologies and unspecified undersea capabilities.

The action angered France immediately. In 2016, Australia signed an AUD$90-billion ($65.4 billion) deal with the French majority state-owned Naval Group to purchase 12 conventional diesel-electric submarines in Canberra's biggest defense agreement. That has been canceled as a result of the nuclear-powered submarines plan.

Meanwhile, the newly established trilateral security partnership has sparked fierce criticism and widespread concerns over the impact it will have on regional security in the Asia-Pacific and global non-proliferation.

Screenshot from the website of the White House

Under the United Nations Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, Australia is prohibited from manufacturing or acquiring nuclear weapons. However, Australia signed a formal agreement with the U.S. and the UK  last month to allow the sharing of highly classified nuclear technology – the first time that nuclear-powered technology between the U.S. and the UK is being shared with another country.

"The so-called security relationship is a very negative mechanism for regional countries, as well as for U.S. partners and allies," Teng Jianqun, director of the Arms Control and International Security Research Center of the China Institute of International Studies, told CGTN.

He also said the mechanism challenges the non-proliferation policy recognized by the international community and acquiring a nuclear-powered submarine will enable Australia to be more ambitious in regional affairs. "The Australian government will possibly send the submarines to some sensitive areas such as the South China Sea," Teng said.

Quad hypes up the 'China threat'

The Quad, an informal security grouping of the U.S., Japan, Australia and India, is another example that fits into the notion of multilateralism while it is actually an exclusive club.

The dialogue was initiated in 2007 by Japan, and after a long-time hiatus, the Quad reconvened in 2017 when the U.S. proposed the so-called Indo-Pacific strategy on East Asia cooperation.

President Joe Biden (C) walks to the Quad summit with Australian Prime Minister Scott Morrison (1st L), Indian Prime Minister Narendra Modi (2nd L) and Japanese Prime Minister Yoshihide Suga, in the East Room of the White House in Washington, D.C., the U.S., September 24, 2021. /CFP

In March, the leaders of the Quad held their first summit that ended with a statement in which China was not mentioned, but it contained a number of phrases specifically directed at China. For example, the Quad countries said they "will strive for an Indo-Pacific region unconstrained by coercion."

In September, during the first face-to-face summit of the Quad nations, the countries focused on topics including vaccines, climate, cooperation on technology and space without mentioning the words "China" or "Beijing" but China was "the subtext of most of the group's agenda," the Washington Post reported. 

Beijing has denounced the attempts by the Quad to hype up the "China threat" saying the four-member bloc was going against the global trends of peace and cooperation and was bound to fail.

Five Eyes alliance seeks only its own interests

Going back further, the Five Eyes alliance, an intelligence alliance comprising Australia, Canada, New Zealand, the United Kingdom and the United States, grew out of the aftermath of World War II and continued through the Cold War.

The alliance countries have long been engaged in large-scale cyber theft, surveillance and attacks, and obliged technology companies to insert "backdoors" in encrypted applications.

Edward Snowden, a former intelligence officer who served in the CIA and NSA for nearly a decade as a subject matter expert on technology and cybersecurity, speaks from Russia for an interview during the annual Web Summit technology conference in Lisbon, November 4, 2019. /CFP

In June 2013, top-secret documents of the U.S. National Security Agency (NSA) program PRISM leaked by former NSA contractor Edward Snowden showed that the NSA was gathering nearly 5 billion mobile phone records per day.

In October the same year, the German government said Chancellor Angela Merkel's phone may have been bugged by U.S. intelligence. WikiLeaks disclosed in 2015 that the NSA had spied on French presidents Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy and Francois Hollande.

In May 2021, media outlets exposed another scandal of the U.S. monitoring its European allies, reporting that the NSA spied on text messages and phone conversations of leaders from Germany, France, Norway, Sweden, etc. from 2012 to 2014 by tapping into Danish information cables.

G7 creates divisions

Meanwhile, there is little mutual trust within the U.S. alliance system, and bedfellows have different dreams. The G7, an inter-governmental political forum consisting of Canada, France, Germany, Italy, Japan, the United Kingdom and the United States, is typical.

In August 2019, the G7 summit was held in France. Trump said before the summit that the U.S. will tax French wines if France levies a digital tax on U.S. internet technology companies such as Google, Facebook and Apple. For his part, Donald Tusk, then president of the European Council, said the EU will "respond in kind" if Washington imposes tariffs on France.

Reuters listed a series of controversial issues before the summit: Trump's dissatisfaction with France's passage of the bill to levy the digital services tax in July; the U.S. dismissal of other members' efforts to address climate change; the U.S. and European differences on whether to readmit Russia back to the G7; European powers' efforts to ease the tensions between the U.S. and Iran.

Former U.S. President Donald Trump (R) is surrounded by other G7 leaders during a meeting of the G7 Summit in La Malbaie, Quebec, Canada, June 9, 2018. /VCG

U.S.-centered system not true multilateralism

"This is our time. A moment for transformation. An era to re-ignite multilateralism. An age of possibilities," said United Nations Secretary-General Antonio Guterres in his keynote address to the 76th session of the United Nations General Assembly.

Facing two major challenges – climate change and the COVID-19 pandemic, the world needs to uphold multilateralism more than ever. But what kind of multilateralism should the international community adhere to?

China has reiterated its position on "true multilateralism," saying that all countries should refrain from pursuing unilateralism and hegemonism and should not use multilateralism as a pretext to form small circles or stir up ideological confrontation.

The real definition of multilateralism is respecting the UN Charter, promoting the democratization of international relations, and not playing with group politics or selective multilateralism, Chinese State Councilor and Foreign Minister Wang Yi has emphasized.

"The world's problems are far too urgent to leave to empty posturing and to measures that are a mere token of what is needed to achieve stated ends," said Jeffrey D. Sachs, director of the Center for Sustainable Development at Columbia University and president of the UN Sustainable Development Solutions Network.

The professor wrote in an article "We don't need the G7" that criticized the group's goals on issues such as the global distribution of vaccines and climate change as meager.

"Over the years, multilateralism seems to have become a political cliche and even a political ploy which deviated from its original purpose. There emerged various forms of 'pseudo-multilateralism'," said Yuan Sha, assistant research fellow at the Department of American Studies, in an article on the CGTN website.


Seminário Merquior: programação do dia 10/12

 10 de dezembro, 10h, Merquior, pensador (II)

Crise da cultura – Kaio Felipe (IESP-UERJ)

Lírica moderna – Adriano Lima Drummond (UESPI) 

Formalismo – José Luís Jobim (UFF / UERJ)

 

10 de dezembro 12h

Merquior e o universo hispano-americano

Merquior e Octavio Paz – Christopher Domínguez Michael (Letras Libres / Colegio Nacional de México)

O outro Ocidente: o caso brasileiro – Cláudio Ribeiro (UFG)

 

10 de dezembro, 14h

Merquior e a literatura brasileira

História da Literatura – Regina Lúcia de Faria (UFRRJ)

Poesia – Antonio Carlos Secchin (UFRJ / Academia Brasileira de Letras)

Crítica – Peron Rios (Colégio de Aplicação da UFPE)

 

16h

Inéditos de José Guilherme Merquior

Manuela Carneiro da Cunha (Universidade de Chicago / Universidade de São Paulo)

Paulo Roberto de Almeida (IHG-DF / Ibmec-DF)

 

18h

Mesa de encerramento: Depoimentos

Edson Filho (É Realizações)

Manuela Carneiro da Cunha (Universidade de Chicago / Universidade de São Paulo)

Christopher Domínguez Michael (Letras Libres / Colegio Nacional de México)

Heloisa Vilhena de Araujo (Itamaraty)

Julia Merquior 

A desimportância da cúpula da democracia - Paulo Roberto de Almeida e Mariana Sanches (BBC-Brasil)

 Transcrevo novamente postagem de 3 dias atrás:


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O que o Brasil fará, ou falará, na Cúpula da Democracia? (e isso tem alguma importância?) - Mariana Sanches (BBC-Brasil, Washington)

Essa cúpula não tem NENHUMA IMPORTÂNCIA, a não ser demonstrar, mais uma vez, a atual postura do governo americano: não apenas o distanciamento em relação a duas outras grandes potências mundiais – China e Rússia – como uma tentativa de liderança de supostos aliados para tentar conter esses supostos adversários. Daí o boicote ao convite para participar da "cúpula da democracia" – o que parece normal, mas a China já respondeu com o seu documento "democrático" –, mas também o boicote dos EUA em participar dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Beijing, em 2022, o que parece pueril, e até inútil.

Infelizmente, o mundo continuará perdendo tempo com bobagens desse tipo, em lugar de uma real coordenação de esforços em temas que são realmente relevantes: paz, segurança, bem-estar e prosperidade dos países menos desenvolvidos...

PAULO ROBERTO DE Almeida 


O que dirá Bolsonaro em cúpula pró-democracia de Biden
c - @mariana_sanches
Da BBC News Brasil em Washington
7/12/2021

A menos de um mês do primeiro aniversário da invasão do Congresso dos Estados Unidos de 6 de janeiro de 2020, os americanos serão os anfitriões de um encontro de líderes de 110 países cujo o tema principal é a democracia.

O evento tem um duplo caráter. Primeiro, quer mostrar que os EUA continuam se considerando um farol para o mundo democrático, a despeito das cenas protagonizadas por apoiadores do então presidente Donald Trump que tentaram interromper a certificação do democrata Joe Biden como novo presidente dos EUA.

Segundo, quer tentar fomentar compromissos de aliados em relação à democracia - em baixa ao redor do mundo - e se aproximar de alguns países, ao mesmo tempo em que fustiga outros, especialmente as nações autocráticas China e Rússia.

"Biden identificou um declínio na percepção das pessoas em relação à democracia como um regime que pode entregar soluções para a vida delas, especialmente na economia, na pandemia", afirmou à BBC News Brasil o ex-subsecretário do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental Thomas Shannon, que comandou a embaixada no Brasil entre 2010 e 2013.

Shannon nota, no entanto, que a motivação para o encontro não se limita a esse diagnóstico global. "Não é só isso. A cúpula serve para refletir a mudança no cenário internacional de que o governo fala, mas também para pensar o que está acontecendo dentro do próprio Estados Unidos. E de certa forma o governo está projetando suas preocupações com a própria política americana em um ambiente global", afirma Shannon, relembrando o ataque ao Congresso.

Nesse cenário, um dos convidados para o evento se prepara para fazer uma defesa que toca, ao menos indiretamente, no trauma dos anfitriões. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, deve usar o espaço como uma oportunidade para defender a liberdade de expressão de modo absoluto, especialmente nas redes sociais.

O tema ganhou força como uma bandeira do governo brasileiro justamente depois que o então presidente americano Donald Trump acabou banido permanentemente ou suspenso por longo período das redes sociais, na esteira da invasão do Capitólio.

As plataformas consideraram que, naquele dia 6 de janeiro, em vez de ordenar que seus seguidores interrompessem qualquer ato de violência, Trump encorajou a ação deles contra o Capitólio ao insistir, sem provas, no discurso de que a eleição presidencial havia sido fraudada.

De dentro da Casa Branca, enquanto as cenas de depredação do Congresso corriam o mundo em tempo real, Trump dizia que "estas são as coisas e eventos que acontecem quando uma sagrada e esmagadora vitória eleitoral é arrancada tão sem cerimônias e de modo cruel de grandes patriotas que foram mal e injustamente tratados por tanto tempo".

O banimento das redes lhe tirou seu gigantesco megafone político: Trump falava diretamente a quase 90 milhões de seguidores apenas no Twitter e usava as redes não apenas para campanha, como para governar.

Com estilo, estratégia e pendor ideológico semelhantes aos de Trump, Bolsonaro tomou o episódio vivido pelo americano como lição e, no Brasil, tentou mudar o marco regulatório da internet.

Domesticamente, decisões do Supremo Tribunal Federal também têm imposto derrota a seus apoiadores, como o criador da página Terça Livre, Allan do Santos, que teve a página extinta por divulgar notícias falsas.

O próprio Bolsonaro teve uma live derrubada das plataformas depois de associar, erradamente, a vacina de Covid-19 e a ocorrência de Aids. Para tentar evitar ser alvo do que aconteceu a Trump, em setembro, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória (MP) que vedava que empresas como Google, Facebook e Twitter deletassem contas ou conteúdos que espalhem desinformação na internet, inclusive sobre o processo eleitoral. A MP acabou devolvida ao Planalto pelo Senado e perdeu validade.

Mas isso não diminuiu o interesse de Bolsonaro no tema. Seus auxiliares mantêm estreita relação com aliados de Trump, como Jason Miller, que dirige uma rede social que promete ser espaço livre para o discurso da direita global. Bolsonaro levou o assunto ao plenário da ONU, em setembro, e agora deverá novamente fazer uma defesa internacional do caso nos EUA - sem, no entanto, fazer qualquer menção ao nome de Trump ou a seu caso específico.

O que mais Bolsonaro dirá?
Apesar disso, e do histórico de declarações de Bolsonaro, que um embaixador brasileiro classificou reservadamente como "incompatíveis com o posto de chefe de Estado", existe a expectativa no Itamaraty de que Bolsonaro não atraia polêmicas para si mesmo.

Isso porque o presidente moderou o tom sobre as eleições brasileiras recentemente. Se em agosto passado, durante visita de enviados do mandatário americano Biden a Brasília, Bolsonaro fez afirmações públicas de que o sistema eleitoral brasileiro não seria seguro, em novembro, afirmou que esse "é um assunto encerrado. Passamos a acreditar no voto eletrônico".

Além disso, de acordo com a percepção dos diplomatas brasileiros, a pauta da democracia não parece estar na ordem do dia da campanha eleitoral do presidente, que concorre à reeleição em 2022, e por isso mesmo teria baixo potencial de ser explorado em redes.

Essa será a segunda cúpula proposta por Biden a que Bolsonaro participa. Na primeira, sobre o clima, sua participação foi considerada moderada. Agora, o Itamaraty aposta que ele tenderá a seguir mais o roteiro montado pelos diplomatas do que fez no discurso nas Nações Unidas, em setembro, um evento caro a seus seguidores.

O presidente brasileiro terá apenas 3 minutos para falar, em uma mensagem previamente gravada - portanto, sem chance de improvisos. De acordo com pessoas que viram o rascunho do discurso, ele dirá que o Brasil é uma "democracia plena" em todos os aspectos, com eleições livres, independência entre Poderes e imprensa atuante.

Não deverá haver pressão dos americanos por qualquer tipo de compromisso específico do Brasil.

"Será uma discussão muito franca sobre alguns dos desafios que enfrentamos. Aqui nos Estados Unidos temos nossos próprios desafios à democracia, e queremos olhar para o trabalho e fazer compromissos sobre o caminho a seguir. Acho que é uma oportunidade para o Brasil. As instituições brasileiras enfrentaram desafios ao longo do tempo e demonstraram sua robustez. Mas acho que sempre podemos ter uma conversa sobre como cada uma de nossas democracias pode ser melhor", afirmou Juan Gonzalez, chefe da Casa Branca para Assuntos de América Latina, sobre o encontro.

Embora fale em conversa franca, diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o formato virtual da Cúpula deve permitir pouca ou nenhuma interação entre os líderes e, portanto, ter poucos efeitos práticos.

Há a previsão de uma discussão virtual em tempo real, mas a participação dos líderes é voluntária e há dúvidas sobre como essa reunião transcorreria. Bolsonaro não deve participar dessa parte da cúpula.

É também improvável que, com mais de uma centena de países participantes, o evento termine com alguma lista de compromissos democráticos que todos os líderes aceitem assumir.

"Infelizmente, a cúpula parece estar se transformando em nada mais do que uma boa oportunidade para posar para fotografia. Não vejo uma agenda profunda em jogo aqui. Lamentavelmente, acho que se fosse um formato presencial, haveria uma chance de as delegações se verem forçadas a reuniões paralelas das quais poderiam sair questões mais relevantes", afirma Ryan Berg, especialista em América Latina do centro de estudos Center for Strategic and International Studies, em Washington.

Por que o Brasil foi convidado?
A lista de mais de cem convidados dos americanos também foi alvo de discussões e controvérsias. Em um gesto interpretado por Pequim como provocação, Biden convidou Taiwan para o encontro, que a China não reconhece como independente. Há alguns dias, a diplomacia chinesa lançou um documento intitulado "China: uma democracia que funciona", na qual defende que o país é mais democrático que os Estados Unidos por responder melhor aos desejos de seu povo.

Para a audiência americana, o convite ao Brasil foi incluído como polêmico. A ABC News escreveu que "algumas escolhas controversas do governo, devido aos flertes com o autoritarismo - ou pelo menos ao distanciamento de valores democráticos - incluem Brasil, Índia, Filipinas, Polônia e Sérvia".

Questionado sobre o tema, Gonzalez defendeu a presença brasileira na lista de Biden. "Acho que o Brasil definitivamente precisa ter um assento à mesa porque, se você olhar para a trajetória da democracia brasileira, acho que as instituições democráticas brasileiras têm muito a ensinar ao mundo sobre a democracia", afirmou o assessor da Casa Branca.

Para o embaixador Sérgio Amaral, que comandou a embaixada brasileira em Washington entre 2016 e 2019 e é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), diplomaticamente falando, nem os EUA poderiam recusar um convite ao Brasil, nem o Brasil poderia negar sua participação.

Para ele, "apesar de todas as ameaças às instituições, elas seguem resistindo, temos uma imprensa atuante e teremos, ao que tudo indica, eleições livres no ano que vem", o que credenciaria o Brasil como democracia plena.

Segundo Amaral, há "uma postura mais esclarecida do chanceler (Carlos) França, em relação aos anos de trevas do período anterior (de Ernesto Araújo). O problema não é o que o Brasil está dizendo, porque isso sem dúvida melhorou, mas o que o Brasil está fazendo".

Ele cita especificamente o descompasso entre as promessas ambientais brasileiras na recente Conferência do Clima, a COP-26, e os números de desmatamentos divulgados pelo Brasil dias após o evento que mostravam o pior acumulado em 12 meses na devastação florestal no governo Bolsonaro.

A BBC News Brasil apurou que os americanos, que demonstraram entusiasmo público com o Brasil na COP-26, fizeram perguntas sobre os dados de desmatamento após a divulgação e demonstraram desconforto.

"É constrangedor para o Brasil ter esses números aparecendo. Eles os esconderam durante a COP? Suponho que o Brasil não esteja feliz com o fato de ter andado mais um pouco para trás na Amazônia. Não me soa estranho que o governo não venha (a público) dizer: 'Oh, as coisas estão terríveis'. Os governos normalmente não fazem isso. Mas o fato é que os números estão aí e esse vai continuar a ser um problema do Brasil com os Estados Unidos e a Europa", afirma o embaixador americano Melvyn Levtisky, que comandou a embaixada dos EUA no Brasil entre 1994 e 1998 e hoje é professor de relações internacionais na Universidade de Michigan.

Prioridade no governo Biden, a questão climática deve ser apenas lateralmente tratada no encontro sobre a democracia, que acontece nos dia 9 e 10 de dezembro. A pauta ambiental foi assunto central na primeira cúpula organizada pela gestão, em abril.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59555926


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Morte do ex-presidente João Goulart completa 45 anos - Entrevista concedida por Paulo Roberto de Almeida (Agência Radio Web)

O jornalista da Agência Radio Web, Diego Cigales, me pegou de surpresa, para falar, de improviso, sobre a trajetória política do ex-presidente João Goulart.

Paulo Roberto de Almeida

Morte do ex-presidente João Goulart completa 45 anos

Agência Radio Web
Entrevista 

A edição de número 28 do Estação História recorda o presidente do Brasil entre os anos de 1961 e 1964. No dia 6 de dezembro de 2021 completaram-se 45 anos da morte de João Goulart.

O escritor e diplomata Paulo Roberto Almeida repassou, em entrevista ao Estação História, momentos destacados da trajetória do ex-presidente brasileiro. Almeida também é professor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) e de Economia Política, Políticas Públicas e Política Internacional do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), além de ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI).


quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A Democracia que Queremos – Como Controlar o Poder (duas afirmações impossíveis) - Insper-SP

Essas coisas impossíveis...

Para discutir as perspectivas da democracia brasileira, o Insper, em parceria com o PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais, promove o ciclo de debates A Democracia que Queremos.

A série reúne acadêmicos, políticos e personalidades públicas para uma reflexão sobre o atual sistema democrático brasileiro, seus pontos fortes e fragilidades, e alternativas para o seu aperfeiçoamento.

O terceiro e último encontro será no dia 14 de dezembro, no auditório do Insper, com vagas limitadas para ser assistido presencialmente. O evento também terá transmissão no canal da escola pelo YouTube e redes sociais.

Participe!

Informações

Data: 14/12/2021 

Horário: 14h00 

Local: Auditório Steffi e Max Perlman 

Entrada: Rua Quatá, 300 - Vila Olímpia. CEP: 04546-042 São Paulo – SP 

Estacionamento: Netpark - Entrada pela Rua Uberabinha, s/no. 

Programação

Abertura

Diego Werneck, professor do Insper e co-diretor da Seção Brasileira da International Society of Public Law (ICON-S)

A saúde na representação política

Lucas Novaes, cientista político, professor do Insper

Regulando a liberdade de expressão

Ivar Hartmann, professor do Insper e coordenador executivo da Revista Direitos Fundamentais e Justiça (Qualis A2)

Quem vigia os vigias?

Sandro Cabral, professor e coordenador do Mestrado em Políticas Públicas do Insper

Debate
Participação de Aline Midlej, jornalista e apresentadora da Globo News, e Eugênio Bucci, jornalista, professor da Universidade de São Paulo, colunista do jornal Estadão

Bate-papo com Carla Camurati, cineasta, diretora do longa-metragem Oito Presidentes | 1 Juramento – a história de um tempo presente

Moderação

André Lahóz Mendonça de Barros, coordenador executivo de Marketing e Conhecimento do Insper, e Luis Villaça Meyer, coordenador executivo do PNBE e presidente do Instituto Cordial.


A diplomacia brasileira da independência: webinar com Carlos Henrique Cardim, Paulo Roberto de Almeida e José Theodoro Menck (IHG-DF)

 Terei o prazer de dialogar com meu colega e caro amigo embaixador Carlos Henrique Cardim, ademais do vice-presidente do IHG-DF José Theodoro Menck, em mais um evento da série sobre o bicentenário do Instituto Histórico e Geográfico do DF, do qual sou editor de publicações.

Independência em perspectiva: a diplomacia


Elaborei recentemente um ensaio sobre a diplomacia da independência: “A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências”, que serviu de base a uma Aula Magna na Universidade Federal Fluminense, com uma apresentação em Power Point voltada para a bibliografia pertinente.

Disponível na plataforma Academia.edu

link: https://www.academia.edu/62641768/4018_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_heranças_e_permanencias_2021_

 anunciado no blog Diplomatizzando 

link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/11/a-diplomacia-brasileira-da_28.html


Bolsonaro está sem sorte no plano da política externa: sua diplomacia está em frangalhos (a despeito do Itamaraty) - matérias de imprensa

 


Bastidores: Alemanha se soma à França como dor de cabeça para diplomacia bolsonarista

Diplomatas preveem tensão com novo novo governo alemão e reclamam de embaixador em Brasília
 
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
08 de dezembro de 2021 | 15h00

BRASÍLIA - A França, de Emmanuel Macron, não está mais sozinha. Com a posse do novo chanceler Olaf Scholz nesta quarta-feira, 8, a Alemanha se junta à condição de alvo internacional da ira bolsonarista. O motivo da insatisfação contra Paris, que agora já se estende a Berlim, é o tom das cobranças europeias ao governo Jair Bolsonaro, por causa da destruição ambiental na Amazônia.

Em Brasília e em Berlim, a expectativa diplomática é que o novo governo alemão aumente a pressão sobre Bolsonaro. Ouvidos reservadamente pelo Estadão, embaixadores dos dois países dizem que a situação tende a "piorar".

A maior economia europeia vai ser governada por uma coalização à esquerda, se comparada com a da democrata-cristã Angela Merkel, que ficou 16 anos no poder como chanceler. O bloco que compõe o governo é formado por social-democratas, liberais e verdes. A coalizão foi apelidada de "semáforo", pela ordem das cores dos partidos - vermelho, amarelo e verde. Olaf Scholz já compunha a gestão de Merkel como vice-chanceler e ministro das Finanças.

Um problema foi acrescido após a COP 26, em Glasgow, na Escócia. A delegação brasileira chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, deixou de apresentar os dados mais recentes de desmatamento na Amazônia, um recorde de 13 mil km² devastados, e assegurou que o cenário seria positivo. Nos bastidores, diplomatas brasileiros reconhecem que a credibilidade foi prejudicada e que seus pares estrangeiros saíram com a percepção de que foram enganados.

Berlim, assim como parte das capitais da União Europeia, entende que a confiança em Bolsonaro foi perdida. Não por outro motivo, o embaixador alemão em Brasília, Heiko Thoms, disse ao Estadão que os compromissos anunciados pelo Brasil na Cúpula do Clima eram só palavras e manifestou descrédito na capacidade de o governo cumprir a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2028. Ele negou a possibilidade de o país retomar contribuições ao Fundo Amazônia.

O embaixador e sua equipe têm manifestado em conversas preocupações com direitos humanos, ameaças à liberdade de imprensa e às instituições democráticas e com o desmantelamento de órgãos ambientais brasileiros. Para eles, o governo Bolsonaro não percebeu que a pauta climática virou preocupação de toda a sociedade alemã e se vê refletida no espectro político mais amplo, à exceção da extrema-direita. As eleições internas ocorreram meses após enchentes históricas que provocaram quase 200 mortes na Alemanha.

O tom mais duro do diplomata alemão acendeu o sinal amarelo no Itamaraty. Dois embaixadores ligados à cúpula do Ministério das Relações Exteriores (MRE) manifestaram restrições ao novo comportamento de Thoms. Por enquanto, as respostas públicas serão dadas por ministros do primeiro escalão bolsonarista, como virou costume.

Um diplomata ligado à área econômica disse que o embaixador alemão vestiu a camisa do novo governo antecipadamente para "mostrar serviço" a Berlim, deixando em segundo plano relações de mais longo prazo que norteiam as duas diplomacias. O outro, responsável pela agenda de meio ambiente, afirmou que as críticas de Thoms eram uma atitude inadequada diplomaticamente e que ele deveria optar por canais formais junto ao MRE. "Imagine se nosso embaixador em Berlim (Roberto Jaguaribe) comentasse assuntos domésticos deles… Não cabe", protestou.

Apesar das reclamações com a eloquência de Thoms, o tom deve escalar alguns níveis acima, e o embaixador certamente tem respaldo superior.  A nova ministra das Relações Exteriores será a advogada Annalena Baerbock, de 40 anos, ex-candidata a chanceler e uma das líderes do Partido Verde. Ela é uma política ecologista, ex-atleta e crítica do presidente Bolsonaro, favorável a movimentos de pressão global sobre a Amazônia, que podem impactar o comércio.

Outro líder do partido, Robert Habeck, vai chefiar o novo ministério do Clima e da Economia. Também ficaram com os verdes as pastas de Agricultura e do Meio Ambiente.

Do outro lado da fronteira, a França vai passar por eleições nacionais no ano que vem, depois de os verdes assumirem mais protagonismo nas municipais de 2020, o que joga pressão para a reeleição de Macron como presidente. Os franceses também irão assumir a presidência de turno do Conselho da União Europeia, o que pode deixar ainda mais longe progressos no acordo comercial com o Mercosul.

Posse de Scholz encerra Era Merkel
A posse do líder social-democrata Olaf Scholz nesta quarta-feira, 8, pôs fim a um dos capítulos mais importantes da história contemporânea da Alemanha: os 16 anos de Angela Merkel como dirigente da maior economia da zona do euro. Primeira mulher a governar o país, Merkel deixou o cargo após 5.860 dias, apenas nove a menos do que seu mentor, o ex-chanceler Helmut Kohl.

Aos 63 anos, Scholz foi escolhido como novo chanceler pelo Parlamento alemão nesta quarta, após conquistar 395 votos dos 736 possíveis na atual composição do Bundestag. A eleição era certa após a coligação com os Verdes (que conquistaram 118 cadeiras na eleição de setembro) e com os liberais (92 cadeiras) ser anunciada na terça-feira, 7.

Scholz respondeu "sim" à presidente do Parlamento, Bärbel Bas, ao ser questionado se aceitava o resultado da votação, e recebeu  o documento que oficializa sua nomeação e marca o início de seu mandato do presidente Frank-Walter Steinmeier. Ele prestou juramento, ao lado dos seus ministros, diante dos deputados e leu o artigo 56 da Lei Fundamental, no qual promete "dedicar suas forças ao bem do povo alemão".

Merkel também esteve presente na votação e recebeu muitos aplausos em sua despedida. Nas últimas semanas, a agora ex-chanceler recebeu várias homenagens, reconhecendo importantes avanços de seu governo e o papel central que desempenhou como liderança na União Europeia.

"Angela Merkel foi uma chanceler que teve êxito", elogiou Scholz recentemente, ao homenagear uma governante que "permaneceu fiel a ela mesma durante 16 anos marcados por várias mudanças"./ Com informações da AFP

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,bastidores-alemanha-se-soma-a-franca-como-dor-de-cabeca-para-diplomacia-bolsonarista,70003920390


"Brasil deve esperar cobranças mais duras da Alemanha", diz professor da Universidade de Berlim

Novo governo alemão promete mais proteção ao clima. Má notícia para Bolsonaro, avalia professor Sérgio Costa

Cristiane Ramalho DW
08 de Dezembro de 2021 às 13:35

Professor da Universidade Livre de Berlim, e observador da política alemã há mais de 20 anos, o sociólogo Sérgio Costa aposta que a mudança de governo na Alemanha terá impacto direto sobre o Brasil, tanto nas relações diplomáticas quanto comerciais: "O Brasil deve ganhar mais espaço na agenda política alemã - mas com sinal negativo. Não como aliado de primeira instância, mas como um dos governos com os quais é difícil trabalhar."

Três ministérios que interessam diretamente ao Brasil passarão para as mãos do Partido Verde: Economia e Clima; Meio Ambiente; e Relações Exteriores. O novo governo promete uma política externa voltada para a defesa do meio ambiente e das minorias. A pressão sobre o governo brasileiro vai aumentar: "Haverá um endurecimento nas relações", avalia Costa.

O novo enfoque no combate às mudanças climáticas pode levar, por exemplo, a restrições à importação de produtos que contribuam para o aumento do efeito estufa, como a carne e a soja - inclusive do Brasil.

Em relação ao acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), as perspectivas também não são boas. "As coordenadas já não são favoráveis, e agora pode ter uma reviravolta", diz Costa. Pelo menos, enquanto o atual governo estiver no poder: "O grande fantasma para o acordo entre a UE e o Mercosul se chama Bolsonaro."

Já o Ministério para a Cooperação e Desenvolvimento, responsável pelo Fundo Amazônia, ficará com os social-democratas do SPD – o que também deve evidenciar ainda mais as diferenças em relação ao governo Bolsonaro, segundo o professor.

Também diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos, em Berlim, Costa lembra que SPD, verdes e liberais se comprometeram ainda a apoiar os movimentos sociais "que defendem a democracia" e a "fortalecer as lutas contra populistas e autocratas" na América Latina e Caribe. O que pode ser uma boa notícia para organizações que trabalham com os mesmos valores na região.

Com 20 livros publicados como autor ou coeditor, o sociólogo diz que não só a Alemanha vai mudar, mas também a União Europeia - que passará a ter papel mais pronunciado na proteção do clima e do meio ambiente: "Esta passa a ser uma agenda europeia."

Nesta quarta-feira, o Parlamento alemão confirmou o nome de Olaf Scholz como novo chanceler federal, colocando fim à era Merkel. É a primeira vez que o país sera governado por numa coalizão formada por social-democratas, verdes e liberais.

DW Brasil: Como o Brasil será visto pela nova coalizão de governo nessa era pós-Merkel que se inicia?

Sérgio Costa: O Brasil deve ganhar mais espaço na agenda política alemã – mas com sinal negativo. Não como um aliado de primeira instância, mas como um dos governos com os quais é difícil trabalhar.

Com a nova coalizão, teremos partidos que são muito mais programáticos do que a CDU (União Democrata Cristã, de Angela Merkel) – especialmente o Partido Verde. Devemos esperar, portanto, mudanças tanto nas relações diplomáticas quanto nas relações comerciais entre o Brasil e a Alemanha.

O ministério das Relações Exteriores – uma pasta que interessa diretamente ao Brasil – ficou justamente com o Partido Verde. Haverá um endurecimento nas relações bilaterais?

Com a copresidente do Partido Verde (Annalena Baerbock) à frente do Ministério das Relações Exteriores, haverá uma linha geral de política externa que enfatize o multilateralismo, e o fortalecimento dos direitos humanos e de minorias, tais como indígenas, negros, mulheres e LGBTQ, e uma posição muito clara em relação a temas de meio ambiente e clima, no sentido da mudança climática.

E o Partido Verde não estará sozinho. Esses itens são uma pauta importante também para os social-democratas e os liberais. Em todos esses campos, haverá realmente um endurecimento nas relações com o Brasil.

Os verdes vão assumir ainda dois ministérios que também dizem respeito ao Brasil: o de Meio Ambiente e o superministério de Economia e Clima. Como isso deve afetar as relações entre o governo alemão e o governo Bolsonaro, em meio a recordes de desmatamento na Amazônia?

É de se esperar cobranças mais duras do governo brasileiro. Com o novo enfoque no clima pode haver, por exemplo, mais controle sobre as emissões de gases do efeito estufa na cadeia produtiva – o que pode levar a restrições na importação de produtos do Brasil, como a carne, e também a própria soja, na medida em que fique configurada a correlação entre o desmatamento e a expansão da soja.

Mesmo que o governo brasileiro tente negar, essa relação é óbvia. Tudo vai depender da capacidade do partido Verde de impor os seus valores na disputa interna de poder entre os diferentes ministérios. [Continua após o vídeo.]

O Partido Liberal Democrático, que assumirá a pasta das Finanças no novo governo, não poderá frear essa pressão em nome dos interesses comerciais da Alemanha – que tem no Brasil seu maior parceiro na América do Sul?

Nós vamos ver um jogo de forças. O novo ministro das Finanças, Christian Lindner, é a favor da liberdade completa da economia. E o partido liberal é, por definição, muito favorável aos atores econômicos. Em que medida esses interesses poderão ser contrariados para atender aos interesses do respeito ao meio ambiente e das minorias, e à contenção da mudança climática, para que lado vai pender a balança entre essas duas forças, é algo que ainda está em aberto.

Mas os liberais ratificaram, no acordo de coalizão, a proposta de fortalecimento das sociedades na luta contra o populismo, os movimentos autoritários e as ditaduras na América Latina. Nesse aspecto, pelo menos, eles não estão afinados?

Com certeza. Ainda que possa haver diferenças em relação à economia, no que diz respeito à proteção da democracia e das liberdades individuais, como na manifestação da sexualidade, o Partido Liberal é tão rigoroso e intransigente quanto os social-democratas e os verdes.

Nesse sentido, eles têm nos liberais um aliado muito forte. E a parte que se refere à América Latina e ao Caribe diz claramente que uma das prioridades é apoiar os movimentos sociais que defendem a democracia, e fortalecer as lutas contra populistas ou autocratas nessa região. Isso indica que o novo governo irá incentivar movimentos que trabalhem com os mesmos valores que ele, buscando alianças. E isso pode ter consequências, obviamente, em relação ao Brasil. Sob esse ponto de vista, pode ser esperar uma clareza maior do que nos governos comandados por Merkel.

::Análise | O fim da Era Merkel e a volta da centro-esquerda ao poder na Alemanha: e agora?::

O acordo de coalizão condiciona o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia a compromissos vinculantes nas áreas de meio ambiente e direitos humanos. Haverá impacto sobre a ratificação desse acordo?

Sim, as coordenadas já não são favoráveis, e agora pode haver uma reviravolta. Não existe a menor dúvida de que o grande fantasma – mesmo que não seja mencionado o nome dele – para o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul se chama Bolsonaro.

O medo do que Bolsonaro significa em termos de clima, direitos humanos e democracia é que impede esse acordo de já estar completamente consolidado e assinado. É de se esperar que a nova coalizão seja ainda mais intransigente na exigência de compromissos com relação à proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. Não só a Alemanha vai mudar, como a UE deve ter um papel mais pronunciado em relação à proteção do clima e ao meio ambiente. Com a influência da Alemanha, essa passa a ser uma agenda europeia.

O Ministério para Cooperação e Desenvolvimento, responsável pelo Fundo Amazônia, vai passar para as mãos dos social-democratas. As diferenças em relação ao governo Bolsonaro devem se aprofundar ainda mais?

Sem dúvida. Simbolicamente, esse é um ministério muito importante. Ele tem capilaridade e penetração social, e atinge desde instituições de caridade até ONGs, inclusive na região Amazônica. Nele se define qual o desenvolvimento que se quer promover e cofinanciar.

E é claramente o desenvolvimento sustentável, não só socialmente, mas também ambientalmente. A discussão sobre o Fundo Amazônia estava nas mãos do partido CSU (União Social Cristã, conservadora), que detinha o ministério, e endureceu a relação a ponto de cortar esses recursos.

Duas pautas frequentes das negociações com o Brasil eram a proteção do meio ambiente e de minorias - sobretudo da população indígena. Mas sempre houve um cuidado de não provocar rupturas. Sob a regência do partido social-democrata essas exigências devem ser ainda mais enfáticas, com programas de cooperação e transferência de recursos sendo usados para pressionar o governo brasileiro.

Um novo governo na Alemanha seria capaz de influenciar, de alguma forma, as eleições no Brasil em 2022, levando em conta a antiga relação entre os social-democratas, que estarão no poder, e Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje desponta como favorito?

Não acredito que a política externa possa ter uma importância tão grande nas eleições do Brasil, um país continental onde os eleitores se preocupam pouco com a política externa. Nas últimas eleições, a Venezuela ganhou importância. Mas era muito mais porque as pessoas temiam que o Brasil se tornasse uma Venezuela.

Episódios recentes, porém, dão uma boa medida das relações entre Brasil e Alemanha hoje. Por exemplo, a liderança de um partido de extrema-direita, a AfD, foi recebida no Brasil por Bolsonaro. Este é um partido marginal na política alemã. Nenhum ator democrático aceita qualquer cooperação com a AfD na Alemanha e na Europa.

Ao mesmo tempo, Lula foi recebido pelo futuro chanceler federal (Olaf Scholz) quando veio à Europa. Isso tem uma importância simbólica. Pode ressaltar as diferenças entre Lula e Bolsonaro, que nunca conseguiu ter receptividade na Europa - a não ser da extrema direita. E pode até ter algum impacto para um eleitorado mais escolarizado e atento. Mas a influência disso na eleição será muito pequena.

SAIBA MAIS: Encontro de Bolsonaro com extremista alemã expõe "articulação global da extrema direita"

Bolsonaro também não foi recebido por Angela Merkel – que, por sua vez, nunca visitou o Brasil durante o  governo dele. Esse distanciamento tende a piorar?

O Brasil, do ponto de vista da política exterior, ficou completamente isolado, sobretudo depois da derrota do Trump (Donald Trump, ex-presidente americano), que não foi reeleito. Seus parceiros internacionais são hoje países sem grande expressão. Ninguém quer se aproximar do Brasil na arena internacional. Não é, obviamente, pelo país, nem pela sociedade, nem pela sua potencialidade econômica e social. É pelo governo que ele tem. Há um distanciamento claro do governo Bolsonaro.

Os diplomatas, inclusive embaixadores brasileiros no exterior, estão isolados, porque nenhum país democrático quer cooperar estreitamente com o Brasil. O governo da Merkel não foi diferente. Colocou o Brasil na geladeira.

Apesar do histórico de relações bastante intensas, não só econômicas, mas também políticas e diplomáticas, essa cooperação estratégica perdeu a importância nos últimos anos. O que pode acontecer agora, com a nova coalizão, é que esse distanciamento passe a ser ativo. Não como no governo Merkel, que evitou as relações com o Brasil. Com a nova coalizão, pode haver uma cobrança de fato em relação ao Brasil.

https://www.brasildefato.com.br/2021/12/08/brasil-deve-esperar-cobrancas-mais-duras-da-alemanha-diz-professor-da-universidade-de-berlim