O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

O que impede os diplomatas de pensarem com suas próprias cabeças? - Paulo Roberto de Almeida

 O que impede os diplomatas de pensarem com suas próprias cabeças?

Respondo de maneira imediata: tal de “hierarquia e disciplina” e os equívocos de uma “diplomacia presidencial” mal concebida, seguida de forma submissa pela corporação da diplomacia profissional.
Desde 2006, ou seja, desde sua concepção original, eu afirmei que o BRIC diplomático era uma má ideia para o Brasil e para a sua diplomacia. Essa ideia básica, de simples constatação prima face, está consignada em entrevista que dei a Lourival Sant’Anna, em 9/11/2006, publicada no Estadão em 4/12/2006, e que foi objeto de editorial do jornal no dia seguinte(“Atraso made in Brazil”), muito mal recebido pelo então chanceler Celso Amorim, conforme sua própria declaração a mim pouco tempo depois. Nada preciso dizer do acolhimento generalizado nos meios acadêmicos.
No entanto, essa má ideia de unir o Brasil a duas autocracias e a uma outra democracia de baixa qualidade (como aliás a do Brasil) recebeu a adesão entusiástica da diplomacia profissional, apenas por essa adesão irrefletida à tal de hierarquia e disciplina.
Qualquer estudo técnico isento dos objetivos do Brasil nas áreas comercial, de cooperação ou até de prestígio internacional poderia confirmar que eles poderiam ser alcançados por sua atuação independente nos planos multilateral, regional ou bilateral, sem os incômodos de uma adequação a interesses de outros países sem qualquer convergência de valores, princípios e interesses nacionais próprios ao Brasil.
As evidências dessa minha oposição a uma aliança que eu já achava mal concebida desde o início estão aqui disponíveis:
“1686. “Os BRICs e a economia mundial: Algumas questões de atualidade”, Brasília, 13 novembro 2006, 3 p. Notas a partir de entrevista concedida ao jornalista Lourival Sant’Ana, do jornal O Estado de São Paulo, no Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 2006. Entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo em 04/12/2006, caderno Economia, pág. B7, sob o título “O Bric é só um exercício intelectual”. Postado no Diplomatizzando (14/11/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/11/o-bric-e-economia-mundial-2006-paulo.html).  
Essa entrevista foi objeto de editorial do jornal em 5/12/2006, sob o título “Atraso made in Brazil” (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/06/atraso-made-in-brazil-editorial-o.html), muito mal recebida pelo então chanceler Celso Amorim, como disse pessoalmente a mim, pouco tempo depois.
Continuo achando que a atual postura equivocada adotada pelo governo de Lula 3, em relação à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, deriva desse “pecado original” cometido em 2006.
Transformei essas minhas ideias num livro em formato digital publicado em 2022:
A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira,  Apresentação no blog Diplomatizzando (11/06/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/06/meu-proximo-kindle-sobre-miragem-dos.html); disponível na Amazon.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19/06/2023

domingo, 18 de junho de 2023

Os militares na política, sempre eles. Resenha de Fernando Mello Barreto: Os sucessores do Barão, 1964-1985 - Paulo Roberto de Almeida

 O livro não é tanto sobre os militares, mas sobre a diplomacia da era militar, focando das relações exteriores do Brasil, tal como conduzidas pelos chanceleres do período, dois politicos e quatro diplomatas, por sinal. Como a resenha já não está mais disponível em nenhuma das três revistas nas quais foi originalmente publicada, eu a reposto aqui, para acesso amplo: 

1682. “Sucessores bem-sucedidos? Um balanço realista (e completo) da diplomacia na era militar”, Brasília, 4 novembro 2006, 6 p. Resenha de Fernando de Mello Barreto: Os Sucessores do Barão, 2: relações exteriores do Brasil, 1964-1985 (São Paulo: Paz e Terra, 2006, 519 p.; ISBN: 85-7753-004-3). Revista Política Externa (São Paulo: vol. 15, n. 3, dez. 2006-fev 2007, p. 191-196; ISSN: 1518-6660). Versão resumida publicada, sob o título de “Diplomacia durante a ditadura”, na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: ano 3, nº 29, dezembro 2006, p. 63). Plenarium (Brasília: Câmara dos Deputados; ano V, n. 5, maio 2008, p. 310-315; ISSN: 1981-0865). Relação de Publicados n. 728, 729.



Sucessores bem-sucedidos? 

um balanço realista (e completo) da diplomacia na era militar

 

 

Fernando de Mello Barreto: 

Os Sucessores do Barão2: 1964-1985 - relações exteriores do Brasil

(São Paulo: Paz e Terra, 2006, 519 p.; ISBN: 85-7753-004-3)

 

 

A exemplo do primeiro volume desta obra – que cobria, de fato, o período pós-Barão, ainda que de modo lato: Os Sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1912-1964 (Paz e Terra, 2001) –, Fernando Mello Barreto oferece, no presente livro, uma história das relações internacionais e da política externa do Brasil, em seu sentido mais amplo, cobrindo tanto os episódios diplomáticos, estrito senso, como o quadro mais abrangente da economia e da política mundiais. A perspectiva é linear, método já adotado no volume precedente: seis chanceleres (dois políticos e quatro de carreira) sucederam-se de 1964 a 1985 à frente do Itamaraty, ou seja, durante o regime autoritário, quando cinco generais do Exército e uma junta militar (au complet) ocuparam o poder no Brasil. 

Da intervenção na República Dominicana à Guerra das Malvinas, da recusa do TNP e do Acordo Nuclear com a Alemanha à “pacificação nuclear” com a Argentina, do apoio ao colonialismo português ao reconhecimento dos novos regimes surgidos depois da “revolução dos cravos”, passando pelos tratados de cooperação com os países vizinhos (Bacia do Prata, Amazônia, Itaipu, entre outros), os principais episódios da diplomacia brasileira são tratados de forma minuciosa, fazendo desta obra uma referência indispensável para o conhecimento e o enquadramento cronológico desses anos cruciais de transformações geopolíticas no plano mundial e de grandes mudanças econômicas no próprio Brasil. Um sintético epílogo retraça as mudanças mais relevantes, na fase recente, em relação ao período militar, como por exemplo a aceitação do TNP e a inserção nos mecanismos de controle de tecnologias sensíveis. 

O prefácio de Rubens Ricupero já levanta uma primeira questão, pertinente, quanto ao título desta obra em três volumes, que vai da morte do Barão até a atualidade (estando seu autor ocupado agora na feitura do terceiro). Compreende-se a designação de “sucessores” para aqueles que ocuparam, na primeira metade do século XX, a chefia da chancelaria brasileira, quando a presença de Rio Branco era uma sombra gigantesca a apequenar a obra dos que lhe seguiram imediatamente. Mas, como atribuir a mesma classificação aos condutores das relações exteriores em meados da segunda metade desse século, quando os problemas regionais e internacionais enfrentados pelo Brasil eram bastante diferentes daqueles que tinham mobilizado a atenção do grande chanceler? Recorda Ricupero, a esse propósito, a frase de um humorista argentino sobre “los venidos a más”, como a sugerir que todos os chanceleres, depois do Barão, terão sido meramente “suplementares”. 

A rigor, os “herdeiros involuntários” enfrentaram problemas similares: as relações sempre delicadas com os vizinhos da América do Sul, a começar pela Argentina; a indiferença das grandes potências em face das pretensões do Brasil no sentido de querer ocupar um espaço mais afirmado na cena internacional (ou seja, a busca de um statuspreeminente na Liga das Nações e, depois e ainda hoje, no CSNU); o acesso a tecnologias sensíveis, geralmente cerceado pelas mesmas potências; o aproveitamento dos recursos energéticos no entorno geográfico; a defesa contra choques adversos vindos do cenário internacional (no plano financeiro, no comercial e no do, então indispensável, petróleo); o alinhamento, enfim, com os pequenos (países em desenvolvimento) ou o “desalinhamento” com os grandes, como opções basicamente políticas, quando não de origem econômica e tecnológica. Esses mesmos problemas ocuparam todos e cada um dos “seguidores” do Barão, em intensidade variável segundo as épocas, com destaque para os formidáveis desequilíbrios e as carências temporárias – nossa tradicional “vulnerabilidade externa” – introduzidos a partir de 1929 e, sobretudo, no decurso da Segunda Guerra Mundial. 

Mas, as condições externas, o ambiente regional, as circunstâncias históricas e, sobretudo, a situação econômica e a política doméstica foram fundamentalmente diferentes, para esses “sucessores” do período militar, do que elas tinham sido para os titulares da chancelaria brasileira na primeira metade do século XX. Estes não cabiam nos “sapatos” do Barão, tão impressionante tinha sido a sua presença à frente do Itamaraty entre 1902 e 1912 – e certamente desde antes, na resolução de várias pendências lindeiras –, mas os segundos, constrangidos pela geopolítica algo maniqueísta do período militar, foram, mais do que sucessores, um conjunto heteróclito de herdeiros distantes do Barão do Rio Branco. A sucessão, se o termo se aplica, se justificaria, provavelmente, pelo que Ricupero chama de “paradigma Rio Branco” – uma agenda institucional fixada pelo próprio Itamaraty, raramente deixada, portanto, ao humor mutável de políticos ignorantes em política internacional – e a notável continuidade que isso implicou para a nossa política externa. De fato, o termo sucessores só se compreende nessa perspectiva, a de uma mesma linha de atuação ao longo do tempo, o que nem sempre foi o caso de nossos vizinhos mais voláteis politicamente e, em conseqüência, mais erráticos em suas respectivas diplomacias. 

Lido o prefácio de Ricupero e a introdução do autor – que ressalta os elementos principais da cronologia econômica e política desses anos –, recomenda-se ao leitor saltar ao epílogo, pois ali se faz uma síntese das diferenças e particularidades daquela época em relação às ulteriores, o que permitirá começar a ler os capítulos vinculados a cada chanceler com uma noção do que é permanente e do que foi diferente no tocante aos problemas enfocados, seja no plano sincrônico, seja em perspectiva diacrônica. Permito-me transcrever dois trechos importantes desse epílogo: “Apresentar balanço da política externa executada pelos Sucessores do Barão durante o regime militar brasileiro constitui tarefa complexa, pois a leitura dos fatos ocorridos no período entre 1964 e 1985 não permite julgamentos categóricos, uma vez que não houve uniformidade nas ações diplomáticas, embora tenham se apresentado algumas características constantes. A falta de uniformidade se evidencia quando se compara, por exemplo, de um lado a prioridade dada ao relacionamento com os Estados Unidos durante o governo Castello Branco (especialmente com Juracy Magalhães) e, de outro, a distância entre Washington e Brasília durante os governos de Geisel e Carter. As diferenças aparecem também no relacionamento com Portugal e territórios de expressão portuguesa, bem como na política com relação ao Oriente Médio que passou de eqüidistância para claro apoio a várias das teses árabes e palestinas” (p. 439). Fernando Mello Barreto chama a atenção, logo em seguida, para a constância do binômio “segurança com desenvolvimento”, que seria o mote do governo militar, manifestada na vertente externa pela defesa acirrada da soberania nacional, embora comprometida esta pelas nossas limitadas possibilidades de mudar, de modo sensível, o sistema internacional. 

A transcrição do penúltimo parágrafo oferece um balanço honesto da diplomacia do período militar: “Apesar dos enormes obstáculos econômicos externos que enfrentou a diplomacia, sobretudo no final do período, a política externa do período militar alcançou os objetivos a que se propôs: o Brasil se manteve distante de conflitos internacionais (não enviou tropas ao Vietnã e sua ação militar se limitou à liderança de forças interamericanas na República Dominicana); aproximou-se de seus vizinhos (inclusive a Argentina no último governo do período); assegurou a cooperação amazônica; ampliou as exportações para além de fronteiras ideológicas; neutralizou as ações argentinas contrárias à construção de Itaipu; manteve o fornecimento de petróleo pelos países árabes e resistiu às pressões americanas contrárias ao acordo nuclear com a Alemanha” (p. 495-6). O autor relembra que algumas dessas posturas seriam revistas posteriormente – como a recusa do TNP, a aceitação do sionismo como uma forma de racismo e a resistência soberanista no tratamento das questões ambiental e dos direitos humanos –, objeto de um terceiro volume da obra, que ele fica nos devendo. 

Feito o balanço sumário e incorporada essa perspectiva abrangente da política externa no período militar, cabe agora ao leitor penetrar na leitura detalhada de cada um dos capítulos, que não são numerados nem datados, levando simplesmente os nomes dos titulares da chancelaria. Vasco Leitão da Cunha, da carreira diplomática, inaugura o período, com uma “nova política externa”, na verdade uma volta ao velho alinhamento diplomático com os EUA, política que se acreditava superada a partir da “política externa independente” de Jânio e Jango. Estávamos em plena Guerra Fria e o problema de Cuba dominou as relações interamericanas durante a maior parte da década. Juracy Magalhães, militar e político, foi o segundo chanceler da presidência Castello Branco, tendo ficado tristemente famoso pela frase segundo a qual “o que [era] bom para os EUA, é bom para o Brasil”, o equivalente, como lembra Ricupero, das “relações carnais” que o governo Menem quis ter com os EUA, de uma fidelidade canina ao chamado Ocidente.

O governo Costa e Silva introduz a “diplomacia da prosperidade”, conduzida pelo político e banqueiro Magalhães Pinto. Ocorre, então, uma volta a padrões autônomos de política externa, que, se não chega a ser tão “independente” quanto à do início da década, pratica o “desalinhamento” da recusa ao TNP e o desenvolvimentismo do início da NOEI, a “nova ordem econômica internacional”, que seria mais tarde enterrada por Reagan e Tatcher. A “nuclearização pacífica” do Brasil, prometida por Magalhães Pinto em abril de 1967, logo se chocaria com a realpolitik dos EUA: o Brasil mantinha a posição oficial de que explosões “pacíficas” poderiam ser empregadas em “grandes obras de engenharia, [para] interligar bacias fluviais, abrir canais e portos, consertar enfim a geografia” (p. 128).

Gibson Barboza, diplomata de carreira, foi o chanceler do presidente Médici, na fase mais dura do regime militar, também a de maior crescimento econômico. A despeito do fechamento do governo no binômio “segurança e desenvolvimento” e da disseminação de regimes militares na América Latina, o Itamaraty, paradoxalmente, nunca foi tão livre para conduzir uma diplomacia essencialmente profissionalizada e extremamente ativa, em quase todos os cenários abertos à sua atuação, entre eles o da África. Os EUA continuavam a se opor à política nuclear do Brasil, mas Nixon, de maneira infeliz, proclamou a liderança brasileira na região, o que certamente prejudicou muito os esforços então empreendidos pelo Itamaraty para a integração física do continente. 

Azeredo da Silveira, outro diplomata de carreira, ocupou a chancelaria sob Geisel, o mais desenvolvimentista dos presidentes e o mais interessado em política externa. Todo o governo foi marcado pelo primeiro choque do petróleo, pelo reconhecimento da China e pela guerra civil angolana, temas que mobilizaram intensamente a diplomacia, colocada sob a égide do “pragmatismo responsável”. Silveira presidiu à expansão do serviço exterior e aproximou-o ainda mais dos países em desenvolvimento, mesmo sob críticas internas de setores da direita. Fernando Mello Barreto caracteriza a política externa regional, nessa época, como de “dificuldades platinas e êxito amazônico” (p. 245), em alusão às disputas com a Argentina sobre o aproveitamento dos recursos hidroelétricos do Paraná e à conclusão do Tratado de Cooperação Amazônica. Persistiram os conflitos com os EUA, sobretudo depois da assinatura do acordo nuclear com a Alemanha (1975) e da cessação, por rompimento brasileiro, do acordo militar com os EUA (1977).

Saraiva Guerreiro, também de carreira, foi o último chanceler da era militar, atuando sob o impacto da segunda crise do petróleo e da crise da dívida externa, mas com certa independência, uma vez que o general Figueiredo não se envolvia muito em temas diplomáticos. A política externa foi então considerada como sendo “universalista”, mas o seu principal feito foi mesmo começar o período concluindo um acordo com a Argentina e o Paraguai em torno da questão de Itaipu (1979). Ainda mais surpreendente, foram assinados acordos de cooperação militar e nuclear com o vizinho platino, bases de todo o processo ulterior de cooperação e de integração. Como demonstra Mello Barreto, durante todo o regime militar o PIB brasileiro faria um progresso espetacular, ao passo que o argentino praticamente estagnou. A seção econômica nesse capítulo é a mais longa do livro et pour cause: nunca o Brasil enfrentou tantos problemas como nos anos 1980, com declínio do PIB e aumento da dívida externa. O fim do regime militar e a transição para a democracia no Brasil coincidiu, no plano mundial, com o início do fim do socialismo enquanto regime alternativo ao capitalismo: novos tempos e novas políticas, de que o autor tratará em seu terceiro volume. 

Ricupero sublinha com razão, em seu prefácio, a “solidez do levantamento cuidadoso do encadeamento dos acontecimentos”, a “linguagem clara, direta e sem obscuridades com que a narrativa articula os fatos e decisões mais importantes”, a “rica documentação que ampara e fundamenta cada etapa da construção da trama expositiva, com farta utilização dos mais expressivos e reveladores trechos de discursos e documentos da época, bem como a exaustiva fundamentação do texto em notas de origem ou elucidativas, as quais chegam, em certos capítulos, a mais de 600”. Não se pode deixar de concordar com ele em que se trata de “trabalho pioneiro sobre período histórico ainda próximo, e por isso mesmo, percebido confusamente como magma de lembranças sem forma definida”. Impossível, tampouco, não concluir com Ricupero: “Será, por muito tempo, creio, a obra insubstituível para encetar o estudo de um dos períodos da história da política exterior do Brasil com implicações mais determinantes para a fase que vivemos hoje”. Um importante instrumento de trabalho para os pesquisadores, o índice remissivo, ausente da maior parte dos livros publicadas no Brasil, completa este volume, que passa a figurar em plano elevado na bibliografia especializada. Que venha logo o terceiro volume!

 

Paulo Roberto de Almeida

[Brasília, 4 novembro 2006]

Revista Política Externa (São Paulo: vol. 15, n. 3, dez. 2006-fev 2007, p. 191-196; ISSN: 1518-6660). Versão resumida publicada, sob o título de “Diplomacia durante a ditadura”, na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: ano 3, nº 29, dezembro 2006, p. 63). Plenarium (Brasília: Câmara dos Deputados; ano V, n. 5, maio 2008, p. 310-315; ISSN: 1981-0865).





sábado, 17 de junho de 2023

Os Anos 80: da nova Guerra Fria ao fim da bipolaridade - Paulo Roberto de Almeida (capítulo de livro)


  Um capítulo de livro agregado às plataformas abertas aos estudantes e pesquisadores, já publicado em 1997, mas o capítulo em questão tinha sido revisto em 1999 para uma nova edição, o que nunca ocorreu, como explico abaixo: 

Em meados de junho de 1995, residindo em Paris, recebi convite de amigos, colegas professores na Universidade de Brasília, relacionados abaixo, para oferecer colaboração a um volume que estava sendo preparado para publicação didática, tendo apresentado um primeiro esquema de conformidade ao trabalho n. 481, aqui registrado: 

 

481. “Os Anos Oitenta: transformações no cenário mundial”, Paris, 19 junho 1995, 1 p. Projeto de capítulo em obra coletiva sobre a história das relações internacionais contemporâneas, dirigida pelos Profs. Flávio Sombra Saraiva e Amado Luiz Cervo, do Dep. de História da UnB. Em curso de preparação.

 

Atendi ao convite, oferecendo um texto que passou por diversas revisões, inclusive debate presencial em 1996, já de volta a Brasília, até que o trabalho fosse incorporado ao livro abaixo registrado sob n. 519, publicado em 1997, pela editora Paralelo, ainda assim como algumas imperfeições de revisão sob responsabilidade da editora. Dispus-me a oferecer um texto inteiramente revisto, que não recebeu qualquer novo número de original, preparado em junho de 1999, destinado a ser publicado pela Editora da UnB, o que nunca ocorreu, como está registrado abaixo.

 

519. “Os Anos 80: da nova Guerra Fria ao fim da bipolaridade”, Brasília, 19 de março 1996, 21 p. Texto analítico expositivo e interpretativo sobre as grandes mudanças no cenário internacional nos anos 80, destinado a servir como capítulo em livro de história das relações internacionais. Projeto original: Paris, trabalho nº 413, 19/06/1995; 1ª versão preliminar: Brasília, 21/03/1996; 2ª versão preliminar: 27/03/1996; 3aª versão preliminar: 09/09/1996, 41 p.; 5ª versão preliminar: 04/12/1996, 41 p.; 5ª versão, final: 20/03/1997, 42 p. Publicado em Flávio Sombra Saraiva (org.), Amado Luiz Cervo, Wolfgang Döpke e Paulo Roberto de Almeida, Relações internacionais Contemporâneas: da construção do mundo liberal à globalização, 1815 a nossos dias (Brasília: Paralelo 15, 1997), p. 303-353. Relação de Publicados nº 209. Revisão em 17 de junho de 1999, para segunda edição, sob responsabilidade da Editora da UnB; não publicado.

 

Esse é o texto oferecido neste arquivo, ao qual me permiti agregar o esquema original e uma bibliografia preparada anteriormente cobrindo o mesmo período:

 

175. “Os Anos Oitenta: Transformações no Cenário Mundial”, Genebra, 25 novembro 1989, 6 p. Levantamento bibliográfico e seleção de material (inclusive cronologia retirada de números especiais da Foreign Affairs) sobre a evolução econômica, política e diplomática do cenário mundial na década de 80.

 

Disponível via Academia.edu, link: https://www.academia.edu/103480542/Os_anos_oitenta_da_nova_Guerra_Fria_ao_fim_da_bipolaridade_1999_

e via Research Gate, link: https://www.researchgate.net/publication/371667242_Os_anos_oitenta_da_nova_Guerra_Fria_ao_fim_da_bipolaridade 

 

Capítulo VIII:

Os anos oitenta:

da nova Guerra Fria ao fim da bipolaridade

 

Paulo Roberto de Almeida


Sumário:

1. Dez anos que abalaram o mundo

     O ocaso do socialismo e seu impacto nas relações internacionais

     Fim da Guerra Fria e transformações no cenário internacional

2. Nova Guerra Fria e agonia final do socialismo

     Relações entre as superpotências: o momento unipolar

     O socialismo na contracorrente da História

     Razões da derrocada socialista: irrelevância internacional

     Impossibilidade de reforma e perda de prestígio externo

3. A economia mundial: crise, crescimento e diversificação

     Integração de mercados financeiros e anarquia monetária

     Comércio internacional: crescimento e protecionismo

     Globalização e regionalização: tendências irresistíveis?

     Fragmentação e diversificação do Sul

4. Os problemas globais: a nova agenda internacional

     Novos e velhos problemas: a complexa agenda mundial

     Limites da soberania estatal

5. Relações estratégicas internacionais e conflitos regionais

     Controle de armamentos: contenção nuclear vertical e horizontal

     Conflitos regionais: a disseminação horizontal

     A Ásia e o enigma chinês

     Progressos na busca da segurança coletiva

6. A nova balança do poder mundial: um cenário mutável

     A era do Pacífico?

     A emergência de múltiplas polaridades

     A América Latina e o Brasil no contexto internacional


Charada para Lula na Ucrânia - Silvio Queiroz (CB)

Charada para Lula na Ucrânia

por Silvio Queiroz
Correio Braziliense | Conexão Diplomática
17 de junho de 2023

O convite não tem ainda data nem local, mas já apresenta um punhado de incógnitas para o Planalto e o Itamaraty na questão encarada como chave para a inserção do Brasil na primeira linha da política internacional. O governo da Ucrânia convidou oficialmente o presidente Lula a participar de uma cúpula na qual pretende reunir países de diferentes regiões para discutir sua proposta de solução pacífica para a guerra com a Rússia.

De saída, a ausência do governo russo entre os convidados coloca em questão os impactos práticos potenciais desse encontro. Somada a esse elemento, a pauta assentada sobre a agenda de paz desenhada em Kiev inspira cuidados quanto ao risco de que a presença do presidente sirva apenas para encorpar um evento destinado basicamente a fortalecer a posição do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

O dilema para Lula, o assessor especial Celso Amorim e o chanceler Mauro Vieira é pesar os prós e contras de comparecer ou declinar do convite. A ausência do Brasil em um foro que reúna um número significativo de governos pode resultar na perda de espaço para atuar como interlocutor com trânsito entre ambas as partes em conflito e facilitador de um diálogo direto entre elas.

Desde já, os envolvidos na concepção e no planejamento da política externa se debruçam sobre a charada ucraniana em busca da melhor resposta, do ponto de vista da diplomacia brasileira.

Brics em jogo

Em círculos da base governista, a iniciativa de Zelensky é vista sob a suspeita de configurar uma manobra do eixo EUA-Europa-Otan para abrir uma cunha no Brics. Paralelamente ao gesto de Kiev em direção ao Brasil, a Casa Branca faz movimentos na direção da Índia. Joe Biden deve levar à reunião de cúpula com o premiê Narendra Modi, na semana que entra, a oferta de drones de uso militar produzidos pela indústria bélica americana.

Até o momento, o governo indiano se mantém estritamente neutro na guerra da Ucrânia. Ao contrário do Brasil, que votou a favor de uma resolução pela qual a Assembleia-Geral da ONU condenou a Rússia e exigiu a retirada de suas tropas, a Índia se absteve, acompanhando a posição de China e África do Sul, que completam o Brics.

O quinteto emergente terá em agosto uma reunião de cúpula presencial na África do Sul. Embora estejam no centro da pauta a ação do bloco no continente africano e pedidos de ingresso feitos por cerca de 20 países, a guerra que envolve um dos fundadores terá seguramente lugar central.

Corre por fora

Coincidência ou não, a África faz uma iniciativa paralela na direção de favorecer a abertura de conversações diretas entre Kiev e Moscou. Chefiada pelo presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, uma delegação de sete líderes do continente faz, desde ontem, a ponte entre a capital ucraniana e a cidade russa de São Petersburgo. Lá, tem encontro previsto com o presidente Vladimir Putin, à margem de um fórum econômico multilateral.

Pelo número de assentos que ocupa na ONU -- são 54 -- a África tem sido cortejada em diferentes ocasiões. Entre outros fatores, pela capacidade da União Africana de concatenar a votação em bloco nas decisões mais importantes da Assembleia-Geral. Foi com esse apoio maciço, por exemplo, que o Brasil garantiu, no primeiro período presidencial de Lula, a direção da agência para agricultura e alimentação, a FAO.

Agenda dividida

A Ucrânia dividirá com a questão ambiental, sobretudo as mudanças climáticas, a pauta da próxima investida da diplomacia presidencial de Lula. Na semana que se inicia, ele visitará o papa Francisco e seguirá para Paris, ao encontro do colega Emmanuel Macron. No Vaticano, a guerra deverá ocupar espaço privilegiado, embora o pontífice venha enfatizando sua preocupação com os impactos do aquecimento global, sobretudo para os países mais pobres.

Na França, o presidente brasileiro terá oportunidade para afinar com o anfitrião posições sobre o caminho para abreviar o conflito na Ucrânia. Embora alinhado com os parceiros no eixo EUA-UE-Otan, Macron tem acenado com alguma abertura para iniciativas como a proposta feita pelo presidente chinês, Xi Jinping. Lula, no entanto, terá de gastar as habilidades de negociador em um terreno que tem intersecções com a agenda climática.

O presidente francês está entre os entusiastas do retorno ao Planalto de um governo comprometido com a discussão multilateral sobre o tema e comprometido com o Acordo de Paris sobre o clima, Mas, igualmente, tem sido no âmbito da UE o líder mais firme na exigência de cláusulas ambientais como condição para a ratificação do acordo comercial com o Mercosul.

O tema esteve à mesa durante a visita a Brasília da presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen. Ela ouviu críticas a sanções previstas unilateralmente na legislação da UE, à margem do texto negociado com o bloco sul-americano.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

As corporações em seus quadrados respectivos: militares e diplomatas - Paulo Roberto de Almeida

 Nunca concordei inteiramente com essa ideia de que a guerra é muito importante para ser deixada apenas para os militares. Esse tipo de simplismo repetido quinhentas vezes estes muito errado. Os militares profissionais TÊM de estar necessariamente associados ao processo decisório de qualquer questão externa (por vezes até interna) que envolva a segurança nacional, o território da pátria e a soberania. Ponto.

Por outro lado, eu certamente NÃO concordo com uma frase que pretenderia que a diplomacia é muito importante para ser deixada apenas a diplomatas. Pode até ser, mas em circunstâncias muito específicas, naquelas que envolvem aspectos não diretamente diplomáticos de problemas externos.
Mas CERTAMENTE, a diplomacia é uma coisa muito importante para ser deixada a NÃO DIPLOMATAS.
Do contrário, dá nisso que estamos assistindo por aí: o amadorismo rebaixando as melhores tradições da política externa do Brasil, violando princípios e valores de nossa diplomacia, e rebaixando o conceito do Brasil no mundo, inclusive em contradição com a Carta da ONU e os interesses nacionais, que passam a ser guiados pelos instintos dos mandantes da ocasião e os adeptos de determinadas causas políticas, carregadas de simpatias ideológicas ou de antipatias a determinados países.
Não preciso entrar em detalhes sobre o que está ocorrendo com a nossa política externa, já demolida no governo anterior, e bastante arranhada atualmente, assim como as tribulações da diplomacia profissional, que precisa acomodar preferências pessoais do chefe de plantão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/06/2023

Trabalhos de Paulo Roberto de Almeida mais vistos em Academia.edu, de 17/05 a 16/06/2023

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4402) Discurso de Lula no G7 de Hiroshima, relido e comentado (2023)

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4247) Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação (2022)

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4388) Oportunidades internacionais para o Brasil (2023)

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4399) Relações internacionais, política externa e produção especializada no Brasil, 1945-1985 (2023)

76

78

53

Marxismo e Socialismo (2019)

37

2,829

1,231

Manifesto Globalista (2020)

35

900

174

24) Codex Diplomaticus Brasiliensis: livros de diplomatas brasileiros (2014)

33

3,617

434

A Constituicao Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos

31

5,340

1,284

22) Prata da Casa: os livros dos diplomatas (Edição de Autor, 2014)

31

15,504

742

Falacias Academicas: um livro incompleto (2010)

30

418

154

14) O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (2006)

29

2,224

975

2784) Academia.edu: uma plataforma de informação e colaboração entre acadêmicos (2014)

27

1,316

62

Links para entrevistas no canal YouTube (11/11/2018)

26

320

20

Formacao de uma estrategia diplomatica: Relendo Sun Tzu para fins menos belicosos

26

462

92

Uma carreira na diplomacia para jovens estudantes (2020)

24

477

112

23) Polindo a Prata da Casa: mini-resenhas de livros de diplomatas (2014)

24

2,207

259

 

Guiné Equatorial do ditador amigo do PT aplica chantagem contra o Brasil

 O amigo dos companheiros, que acolheram um país hispanófono na CPLP, aplica golpe contra empresas privadas brasileiras.

Guiné Equatorial retém R$ 750 milhões em bens de quatro empresas privadas brasileiras

'Apreensão preventiva' ocorre cinco anos após incidente diplomático envolvendo o filho do presidente equato-guineense

Por Eliane Oliveira — Brasília
O Globo, 15/06/2023 20h01  Atualizado há 12 horas

Um incidente diplomático envolvendo o filho do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, ocorrido há cinco anos, levou o governo do país da África Central a reter o equivalente a US$ 156 milhões (R$ 750 milhões), valor informado pelo Itamaraty, em bens de quatro empresas privadas brasileiras. A "apreensão preventiva", anunciada na quarta-feira, é vista como uma retaliação por algumas fontes da área diplomática ouvidas pelo GLOBO.

Além de filho do presidente, Teodoro Nguema Obiang Mangue é o vice-presidente de Guiné Equatorial e pivô do impasse. Em setembro de 2018, autoridades brasileiras apreenderam dinheiro em espécie e joias, no aeroporto de Viracopos, em valor estimado em mais de US$ 16 milhões que estavam na bagagem de 11 membros da delegação que acompanhava Mangue em visita ao Brasil. Também houve o sequestro, pelo Poder Judiciário, de automóveis e imóvel na cidade de São Paulo, no âmbito de um inquérito policial, instaurado em março de 2018, que apura eventual crime de lavagem de dinheiro.

A legislação nacional proíbe o ingresso no país de pessoas com dinheiro em espécie acima de US$ 10 mil. Como a visita não era de caráter oficial e Mangue era a única autoridade com imunidade, os bens foram apreendidos.

Para reaver os recursos e as jóias, o Ministério Público da Guiné Equatorial apresentou uma ação por "perdas e danos" à Justiça de seu país. O Judiciário informou que o prejuízo havia sido de cerca de US$ 130 milhões, que teriam de ser indenizados ao governo equato-guineense. Por conta disso, decidiu compensar as perdas com bens das construtoras ARG, LTDA, Zacope e OAS GE.

"Finalmente, depois de cinco anos, a Guiné Equatorial obteve justiça, graças a suas próprias instituições, após o incidente diplomático em Campinas, no Brasil, em 2018", escreveu Mangue em uma rede social, no dia da decisão.

Ele enfatizou que espera que, com a decisão, "saibam medir as consequências dos seus atos", dirigindo-se ao governo brasileiro. Segundo o vice-presidente, "apesar de haver infringido os protocolos internacionais sobre o tratamento de altas personalidades, não quiseram reconhecer seu erro".

Procurado, o Itamaraty informou que a decisão é de primeira instância e destacou ver com preocupação a apreensão dos bens de empresas brasileiras. De acordo com o órgão, houve bloqueio das contas bancárias locais das construtoras e retidos créditos junto ao Tesouro do país, para garantia do pagamento de US$ 156 milhões ao governo da Guiné Equatorial.

"O governo da Guiné Equatorial alega que a medida judicial – que ignora serem os bens confiscados alheios ao Estado brasileiro – seria represália aos desdobramentos dos processos administrativo e criminal conduzidos no Brasil contra o vice-presidente Teodoro Nguema Obiang Mangue", diz um trecho de uma nota do Itamaraty em resposta ao GLOBO. "O governo brasileiro acompanha com preocupação as medidas adotadas pelo Governo da Guiné Equatorial".

Antonio Risério sobre a ideologia identitária: palestra na ABL

Transcrevo, da página do Antonio Risério no Facebook, o texto de sua palestra na Academia Brasileira de Letras, em data recente. Por acaso, seu texto me recordou um antigo artigo que eu fiz em 2004, sobre os perigos da ideologia do afrobrasileirismo, como uma possível forma de Apartheid, este aqui: 

1322. “Rumo a um novo apartheid? Sobre a ideologia afro-brasileira”, Brasília, 29 ago. 2004, 11 p. Ensaio sobre a possibilidade de uma separação “mental” dos grupos raciais no Brasil, com base na promoção das diferenças entre a etnia negra e as demais. Publicado na revista Espaço Acadêmico (a. IV, n. 40, set. 2004). Postado em meu blog Diplomatizzando (2/09/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/09/a-ideologia-do-afrobrasileirismo-base.html). Relação de Publicados n. 489.

Agora, o teor da palestra de Antonio Risério: 

MINHA INTERVENÇÃO/PARTICIPAÇÃO NO EVENTO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS:
Começo com três afirmações claras e diretas que não deixem a menor dúvida sobre o que penso a respeito do identitarismo, essa onda de absolutização de identidades grupais e de sacralização desses mesmos grupos, todos supostamente “oprimidos” pela civilização ocidental e a sociedade capitalista. 
A primeira: raras vezes, na história política e social recente do planeta, um movimento ocidental, partindo de causas fundamentalmente justas, terá se perdido e se pervertido tanto, pelos descaminhos da mentira, da fraude, da trapaça, da ignorância, da violência e do autoritarismo. 
A segunda, que nos toca ainda mais de perto: não teremos como construir um futuro coletivo comum com base no fragmentarismo, na guetificação, no neorracismo e no neossegregacionismo que caracterizam ostensivamente a práxis multicultural-identitarista, hoje ideologia dominante tanto no “establishment” político-acadêmico, quanto no “establishment” midiático-empresarial. Em tela, a negação da nação. Partindo de Hegel, o filósofo esloveno Slavoj Zizek vai ao ponto central. A identificação primária do sujeito é com a comunidade “orgânica” primordial em que nasceu. O sujeito supera este vínculo primário quando se identifica com uma comunidade maior, secundária, “artificial”, “universal”, que é a nação. A nação nasce, portanto, de uma nacionalização do étnico. E o que o multicultural-identitarismo propõe é o percurso inverso: a etnização do nacional. E o modelo aqui são os Estados Unidos, país que nasceu multicultural, onde o Estado-Nação é cada vez mais vivido como mero marco formal para a coexistência de uma multiplicidade de comunidades étnicas, sexuais, de estilo de vida, etc. Para não falar do Canadá, que, antes de ser uma nação, é uma espécie de condomínio, onde, se Québec obtiver a independência, aquilo provavelmente se desintegra. É neste sentido norte-americano que se pretende reordenar o Brasil. Do sociólogo marxista-uspiano Oracy Nogueira, que dizia que os negros deviam se conduzir aqui como uma nação-dentro-da-nação, ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, que hoje diz que o Brasil não passa de uma ficção, um aglomerado de etnias e culturas forçadas a viver juntas, “sob o tacão do Estado”. Neste caso, o conceito de “etnia” teria efeito retroativo, obrigando o Brasil a se rearrumar como consórcio multiétnico – ou, na gíria identitarista já em voga hoje, como um “pluripaís”, do qual o “homem branco” pode muito bem ser eliminado (ou, concedamos, reduzido à insignificância). A terceira afirmação: há uns vinte anos atrás, quando lancei meu primeiro livro de crítica e de alerta a propósito do identitarismo, também o historiador carioca José Roberto Pinto de Góes, num pequeno artigo de jornal, avisava: “o Brasil pode vir a se tornar um país dividido entre negros e brancos, sim, trocando a valorização da mestiçagem pelo orgulho racial. Mas isso só poderá acontecer à custa de muita desinformação sobre o nosso passado”. E sobre o nosso presente, acrescento. A menos que os mestiços brasileiros, que formam a imensa maioria da população do país, se assumam como tais. O que é cada vez mais difícil. No começo deste século, o sociólogo identitarista Antonio Sérgio Guimarães dizia que, pelo simples fato de pretos serem socialmente estigmatizados, mestiços brasileiros jamais se diriam negros. Respondi na época que diriam, sim: desde que houvesse vantagens objetivas – emprego e renda, principalmente –, a “lei de Gerson” iria se impor. E é o que vemos hoje: com patrocínios do poder econômico privado e benesses do poder público, tudo quanto é mestiço corre para se declarar “negro”, passando a viver assim com uma identidade de empréstimo. Discurso induzido e reforçado pela mídia, quando vemos, em novelas da Globo, mestiços quase brancos fazerem discursos inflamados como “negros”. É a cooptação generalizada. Ser mestiço, hoje, não dá camisa a ninguém. O negócio é ser negão, mesmo que a pessoa não tenha uma só gota de sangue negro em suas veias.
Por vários motivos, penso que as coisas vão continuar seguindo esse rumo pelo menos por um bom tempo. Não só porque o identitarismo acha que tem a verdade absoluta, que todos devem se ajoelhar diante de seus dogmas, que é portador do destino histórico da humanidade, como faz uma combinação terrível de ignorância e sectarismo. É um movimento semiletrado, ou produto da “ignorância credenciada”, que é a ignorância que ostenta crachás de pós-graduação, e se mostra absolutamente impermeável ao diálogo, ao debate público. Sim: a postura identitarista, diante de qualquer crítica, é forçar o crítico ao silêncio. É procurar desqualificá-lo, atacá-lo como machista ou supremacista branco, acusá-lo de lutar apenas por seus próprios interesses e privilégios. Afinal, o identitarismo tem a maquete da sociedade perfeita nas mãos e não vai perder tempo discutindo o assunto com quem pensa diferente. Quem pensa diferente, na verdade, sofre de algum insuperável déficit moral e é inimigo da felicidade humana. E o argumento é então substituído pelo insulto, o debate cede lugar a um neomacartismo, com seus cancelamentos e linchamentos virtuais, quando milícias militantes silenciam todo e qualquer dissenso, perseguindo, destruindo reputações e carreiras, etc. Ao lado disso, eles dispõem de um leque de expedientes igualmente ditatoriais, ferramentas de combate disfarçadas de conceitos, todos devidamente copiados da matriz estadunidense e aqui apresentados como coisas originais, a exemplo de “lugar de fala”, “racismo estrutural”, “outras epistemologias”, “apropriação cultural”. Recuso tudo isso, assentando sempre minha posição em solo histórico e socioantropológico e, politicamente, no campo da esquerda democrática, hoje superminoritária, praticamente asfixiada pelo identitarismo hegemônico e acusada de “fazer o jogo da direita”, como nos velhos tempos do stalinismo. Mas o combate é difícil porque hoje, de fato, vivemos, nesse campo, sob a ditadura do pensamento único, principalmente depois que o discurso inicialmente contestador das minorias foi abraçado pelas classes dominantes e dirigentes, entre cujas frações devemos incluir a elite midiática. De modo que há tempos, nos Estados Unidos, e mais recentemente no Brasil, o identitarismo é o discurso do poder (como se vê hoje no novo governo lulopetista), o discurso da burguesia (do Itaú-Unibanco, do Magazine Luíza, da Natura), o discurso da grande mídia, capitaneada pela Rede Globo e pela “Folha de S. Paulo”. Enfim, o identitarismo é o novo cânone. O filósofo Sérgio Paulo Rouanet já na década de 1990 denunciava a projeção do fascismo no identitarismo, e dizia que o discurso contestador era, já naquele final do século passado, o discurso do poder. Era, em suas palavras, “um movimento perfeitamente oficial, com credenciais de segurança em ordem, com carteira de identidade regularmente emitida pelos canais competentes”, embora ainda se considerasse “marginal”, alimentando “a ilusão esplêndida de ser um rebelde contra a ordem constituída”. E Rouanet fazia então a comparação desmoralizante: “Criticar a estética parnasiana era uma posição polêmica em 1922, mas se escutássemos alguém vociferando hoje contra o alexandrino, não teríamos a impressão de estar diante de um rebelde, e sim diante de um retardado mental”. No Brasil, esse discurso começou a tomar assento no aparelho estatal já no governo Sarney. Ampliou seus espaços, consideravelmente, nas gestões de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, está na linha de frente do lulopetismo, do Itaú e da Globo. E conseguiu essa proeza porque jogou na lata de lixo o marxismo clássico e qualquer atenção sociológica para a existência de classes sociais. Com a abolição ideológica das classes sociais e, logo, do antagonismo entre burguesia e proletariado, e mesmo com a colocação em plano secundário das desigualdades sociais, tudo ficou mais fácil. Como vimos numa novela da Globo, uma personagem nascida numa família multimilionária pode ser vista, antes de tudo, como uma pessoa oprimida, pelo fato de ser “trans”. E esta ditadura do pensamento único se desdobra ainda em ditadura linguística. O identitarismo quer forçar (por lei, inclusive) que toda a sociedade fale como ele acha que ela tem de falar. E é também ele que determina o sentido, a semântica das palavras, como o Humpty Dumpty de Lewis Carroll em Through the Looking-Glass. Certo está o filósofo francês Adrien Louis: temos de contestar esta tentativa absurda de querer impor à sociedade uma determinada instrumentalização ideológica da língua. Ignorante e puritana, ainda por cima. Ou seja: o que está em questão, em primeira e última análise, é a liberdade do espírito. Porque o que o identitarismo pretende é sacrificar a palavra livre, “em proveito de um pensamento constantemente monitorado, vigiado”.
Como o ambiente brasileiro é predominantemente semiletrado e tardo-colonizado, copia-se aqui o que se elabora na matriz norte-americana. Assim é que, também entre nós, enquanto o identitarismo “sexual” se abre numa cornucópia de vertentes e nuances, o identitarismo racial se fecha a todas as gradações, como se fôssemos um povo marcado, desde sempre, pela pureza racial. Enquanto o identitarismo “sexual” amplia o leque naquele seu somatório de letrinhas, lbtg-etc.-etc., o identitarismo racial, trazendo para cá a fantasia racista norte-americana, reduz o Brasil a um estatuto de nação bicolor, como se fôssemos um povo nitidamente dividido entre pretos, de um lado, e brancos, de outro. Como se não existissem amarelos entre nós. E pior: como se não existissem mestiços no país. Sim. De uns tempos para cá, salvo as meritórias exceções de praxe, a palavra “mestiço” sumiu do mapa. Desapareceu das salas de aula e de seminários acadêmicos, dos discursos das elites midiática e empresarial, das páginas de jornais, revistas e livros de história, antropologia, sociologia, estética e política que falam do Brasil e das coisas brasileiras. O que significa, muito simplesmente, que os pretensos cronistas, repórteres, estudiosos e “intérpretes” do nosso país há tempo não olham para ele, para as pessoas que circulam em nossos espaços públicos e domésticos, nem para si mesmos. Falam do Brasil como se estivessem falando de outro lugar, desde que, por uma imposição ideológico-empresarial norte-americana, decidiram fechar os olhos à história biológica, social e cultural de nossa gente. Porque é impossível, sob pena de falsificação grosseira, tratar da configuração histórico-social do Brasil sem tratar da mestiçagem. Da grande mestiçagem popular brasileira, ocorrendo inicialmente em nossos primeiros pousos e ranchos, trilhas, feitorias, acampamentos, comunidades pesqueiras, fazendas de gado, plantações de cana ou de fumo, aldeias, póvoas, paróquias nascidas na esteira dos engenhos, quilombos e vilas coloniais. O Brasil é produto de um processo intenso e contínuo de contatos e trocas físicos e culturais. De escambos biológicos e simbólicos. Esta é a nossa realidade biossociocultural. Quem fechar os olhos para isso, não estará falando do Brasil. Com todas as assimetrias e crueldades que marcaram a construção histórica do país, nossas formas de viver, criar, produzir, amar, falar, cantar e pensar são indissociáveis das nossas mestiçagens. No meu livro mais recente, que está para ser lançado ainda este mês, MESTIÇAGEM, IDENTIDADE E LIBERDADE, digo justamente isso: que, a essa altura de nossa história como povo e nação, alguém ainda se sinta na obrigação de reafirmar publicamente que o Brasil é um país mestiço, é a prova mais ostensiva e escandalosa do quanto andamos alienados com relação a nós mesmos. Diante de tudo isso, penso que a solicitação, que hoje se deve fazer a brasileiros e brasileiras, é a seguinte: por favor, se olhem no espelho.