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quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Cúpula do Mercosul no RJ: resumo da presidência brasileira; discurso do chanceler Mauro Vieira

 Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 571

6 de dezembro de 2023

 

Discurso do Ministro Mauro Vieira na Sessão de Estados Partes da Reunião do Conselho do Mercado Comum

MERCOSUL – Presidência ‘pro tempore’ do Brasil 2023

 

Senhoras e senhores,

É com grande satisfação que lhes dou as boas-vindas a este incrível edifício, instalado na Baía da Guanabara. Esperamos que este cenário nos traga inspiração, para que hoje e amanhã possamos discutir os avanços que logramos em nosso bloco, com o árduo trabalho ao longo das últimas décadas. Vamos também tratar dos próximos passos, para continuar a aprofundar a integração entre nossos países.

Em primeiro lugar, nesta sessão de Estados Partes, tenho a satisfação de registrar a aprovação, por parte do Brasil, do Protocolo de Adesão da Bolívia ao MERCOSUL. Ao longo da Presidência ‘Pro Tempore’ brasileira, demos continuidade às discussões de caráter técnico sobre a agenda de incorporação de normas por parte da Bolívia. Esse trabalho servirá de base para a integração progressiva do governo boliviano aos foros do MERCOSUL de participação restrita aos Estados Partes. Aproveito para assegurar que a Bolívia pode contar com o apoio do governo brasileiro ao longo desse processo.

A expansão do nosso bloco, que, devo recordar, ainda depende da aprovação do Protocolo de Adesão pelo Legislativo boliviano, é sinal de que estamos avançando na direção certa. Estamos avançando na construção de um grupo em que cada vez mais países se unem para aprofundar as relações comerciais e para torná-las mais previsíveis, baseadas em regras claras, com benefícios palpáveis para seus povos.

Senhoras e senhores,

Tivemos um semestre de trabalho intenso, em que produzimos importantes resultados para o bloco. Nesta Presidência ‘Pro Tempore’ brasileira, o MERCOSUL negociou e adotou documento com recomendações sobre Conduta Empresarial Responsável.

Comércio e sustentabilidade compõem, sem dúvida, outro tema de grande importância e transversalidade no bloco. Durante a PPTB, acordou-se prorrogar, por mais um ano, a duração do trabalho do Grupo Ad Hoc sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável, mantendo o seu mandato original.

Gostaria de destacar, também, a assinatura do Memorando de Entendimento entre o MERCOSUL e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Como membro fundador de ambas as organizações, é uma satisfação especial para o Brasil que esse memorando seja assinado durante a presidência brasileira do MERCOSUL. Agradeço a presença e o apoio do Secretário Executivo da CPLP, Zacarias da Costa.

Saúdo, igualmente, a presença do Secretário-Geral Mariano Jabonero, para a assinatura do memorando de entendimento entre o MERCOSUL e a Organização dos Estados lbero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Esse documento também tem foco em temas de cooperação e demonstra a importância do MERCOSUL como plataforma para a articulação conjunta de iniciativas extrarregionais.

Senhoras e senhores,

Em linha com nosso compromisso com o fortalecimento institucional do MERCOSUL, é com grande satisfação que ressalto que o governo brasileiro efetuou pagamentos referentes às suas obrigações financeiras com diversos órgãos do bloco, incluindo a Secretaria do MERCOSUL e o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos, o IPPDH.

Pagamos também quase cem milhões de dólares ao Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL, o FOCEM, que tem uma agenda de impacto concreto na vida das populações. Caberá agora ao Brasil apresentar novos projetos. Conforme os critérios que já anunciamos, deveremos priorizar aqueles que tragam benefícios diretos para municípios a até 150 km da fronteira com os demais sócios do MERCOSUL.

Adicionalmente, encaminhamos os pagamentos para resolver as pendências financeiras do Brasil com o Instituto Social e o Tribunal Permanente de Revisão. Buscamos, com isso, contribuir para que esses órgãos possam ter suas capacidades renovadas para o bom desempenho de suas atividades e possam assim seguir apoiando nossos países. Valorizamos o trabalho desses órgãos na troca de experiências e na cooperação em programas para melhoria de políticas públicas e da qualidade de vida das nossas populações.

Em particular, no que se refere ao Instituto Social, esperamos que as próximas presidências de turno possam orientar discussões participativas e abrangentes para a definição de novas atividades e linhas de trabalho que poderão ser financiadas com as contribuições pagas pelo Brasil.

Recordo, também, que, no primeiro mandato do Presidente Lula, foram assinados os acordos comerciais do MERCOSUL com os países da Comunidade Andina. Foi graças a esses instrumentos, em complemento aos acordos firmados nos anos 90, com o Chile e a Bolívia, que a América do Sul pôde se constituir, desde 2019, uma área de livre comércio de fato. Nossa tarefa agora é buscar formas de aperfeiçoar e aprofundar esses instrumentos.

Nesse espírito, durante a PPTB, procuramos impulsionar os Acordos de Complementação Econômica com o Chile, a Colômbia e o Peru. Procuramos dinamizar a agenda comercial com esses países. Com o Chile, renovamos o regime de drawback por mais sete anos, e avançamos significativamente na atualização do regime de origem do Acordo, com a perspectiva de sua conclusão em curto prazo. Saliento, ainda, a realização da primeira reunião da Comissão Administradora do Acordo de Livre Comércio entre o Brasil e o Chile, em novembro. Na ocasião, tratou-se dos benefícios gerados por esse instrumento aos cidadãos de ambos os países, como a gratuidade do roaming e a adoção do mecanismo de pre-listing para produtos agropecuários.

Com a Colômbia, deu-se seguimento aos trabalhos relativos ao regime de solução de controvérsias do ACE-72 e à atualização de sua nomenclatura tarifária. Com o Peru, consideramos que há espaço para discutir e explorar alternativas em acesso a mercado para produtos agrícolas, zonas francas, facilitação do comércio e encadeamentos produtivos, incluindo micro, pequenas e médias empresas. Também demos um passo relevante com o Equador. Avançamos nas discussões sobre os termos de referência para a negociação de um novo Acordo de Complementação Econômica, com vistas a promover maiores encadeamentos produtivos, inclusive no setor automotivo.

Outra tônica da nossa presidência residiu na reaproximação com a América Central e o Caribe, a nova fronteira para acordos comerciais do MERCOSUL na região. Nesse sentido, retomamos os contatos com Cuba para a reativação do ACE-62, cuja Comissão Administradora se reuniu pela última vez em 2015. Com El Salvador, avançamos na definição de termos de referência para negociar um acordo comercial.

Com a República Dominicana, avançamos nos trabalhos que permitirão, no curto prazo, o lançamento de negociações de um acordo comercial substantivo e mutuamente benéfico. Visamos, com isso, elevar o patamar político e econômico das nossas relações com o país.

 Por fim, no que diz respeito às relações bloco-a-bloco, nossa presidência manteve contatos com o Chile sobre a possibilidade de retomar as discussões com a Aliança do Pacífico, tendo presente os compromissos estabelecidos no Plano de Ação de Puerto Vallarta, de 2018, e a proposta de criar uma Comissão Conjunta para Fortalecer o Comércio entre os dois blocos.

Na agenda de negociações comerciais extrarregionais vemos claramente o vigor renovado do MERCOSUL. Durante a Presidência ‘Pro Tempore’ do Brasil, tivemos um semestre muito intenso de negociações com diversos parceiros comerciais, em diferentes regiões do mundo.

Em todas essas tratativas comerciais, o MERCOSUL atuou buscando resultados equilibrados, que criassem oportunidades econômicas de benefício para todos, ao mesmo tempo em que preservassem o necessário espaço regulatório dos Estados-membros. Trata-se de uma abordagem de negociação comercial sintonizada com os desafios do mundo atual, cujo contexto é inédito: estamos diante de tensões geopolíticas e geoeconômicas transformadoras, vivenciamos uma crise climática severa e estamos apenas saindo da experiência devastadora de uma pandemia.

Esse complexo cenário mundial tem demonstrado a importância da integração das cadeias regionais de valor. Nesse contexto, os acordos comerciais assumem importância renovada. Durante a nossa presidência ‘Pro Tempore’, procuramos alinhar a atuação do MERCOSUL nas negociações extrarregionais a essas preocupações e interesses.

Avalio que fomos bem-sucedidos nesse objetivo.

Durante esta Cúpula, estamos assinando o acordo de livre comércio entre MERCOSUL e Singapura. Trata-se do primeiro instrumento dessa natureza que o bloco assina desde 2011, quando concluímos a negociação com a Palestina.

O acordo MERCOSUL-Singapura é crucial por diversas razões. Em primeiro lugar, representa uma importante abertura para o mercado asiático, tanto para nossas exportações como sobretudo para a ampliação de investimentos de lado a lado. Este acordo é um acordo no qual o comércio de serviços e o intercâmbio de investimentos possuem um papel central. E é natural que assim seja: em 2022, conforme a UNCTAD, Singapura foi o 3º principal destino de investimentos estrangeiros no mundo, enquanto o Brasil esteve na 5ª posição. Singapura foi o 11º principal emissor de investimentos no mundo.

O acordo com Singapura abre importantes oportunidades comerciais para nossos produtos. Além disso, cabe mencionar que as disciplinas sobre investimentos estão amparadas no modelo brasileiro de acordos de cooperação e facilitação de investimento – o ACFI –, modelo que estimula o aumento de investimentos sem deixar de respeitar a capacidade regulatória dos Estados. O acordo com Singapura também salvaguarda espaços importantes de políticas públicas, como no capítulo de compras governamentais, no qual preservamos a capacidade de utilizar importantes ferramentas que permitem ao Estado alavancar programas de desenvolvimento econômico e tecnológico nacional.

Por todos esses motivos, a assinatura do acordo MERCOSUL-Singapura é um importante avanço para o bloco e um marco na nossa agenda extrarregional.

Ao chegar ao final desta presidência brasileira, podemos dizer também que fizemos importantes avanços nas negociações do Acordo de Associação entre o MERCOSUL e a União Europeia.

Para o MERCOSUL, o Acordo de Associação com a União Europeia possui uma dimensão estratégica inequívoca. Com esse instrumento, estamos reforçando a identidade do nosso bloco como um ator econômico global.

O Acordo será um ponto de inflexão não apenas na relação birregional como também na dinâmica econômica das duas regiões. Estamos lançando as bases de uma integração de cadeias produtivas nos dois lados, e nos dois sentidos. Há ganhos a serem obtidos pelas economias do MERCOSUL no mercado europeu, tanto para ampliar as exportações, como também para aquisição de tecnologias que deverão aprimorar a nossa competitividade.

Também tivemos presente a necessidade de adaptar nossas economias ao novo contexto introduzido pelo Acordo. A abertura comercial promovida pelo Acordo MERCOSUL-União Europeia foi concebida e negociada para dar a nossos atores econômicos o tempo necessário para preparar-se. Especialmente na etapa negociadora mais recente, tivemos o cuidado de ampliar as salvaguardas para a implementação dos compromissos assumidos no Acordo.

Nossa expectativa é de poder assinar o Acordo de Associação muito em breve.

Finalmente, gostaria de registrar que durante a Presidência ‘Pro Tempore’ avançamos também em nossas tratativas com a EFTA, bloco integrado por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Esperamos poder concluir essa negociação durante a presidência paraguaia do MERCOSUL.

Concluo minhas palavras nesta nossa primeira sessão de encontro, com a constatação de que tivemos um semestre produtivo de trabalho em muitas frentes. Buscamos focar no objetivo central de promover a integração entre nossos países e nossos povos, nas mais diversas dimensões. Registro, aqui, minha expectativa de que, no próximo semestre, sob a Presidência ‘Pro Tempore’ do Paraguai, possamos continuar a desenvolver este importante trabalho, em benefício de nossas populações. Estejam certos de que o governo brasileiro continuará engajado nesse sentido.

Muito obrigado.

 

 

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/discurso-do-ministro-mauro-vieira-na-sessao-de-estados-partes-da-reuniao-do-conselho-do-mercado-comum 

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Stanley E. Hilton: Brazil and the Soviet Challenge, 1917–1947 (Texas University Press, 1991)

Brazil and the Soviet Challenge, 1917–1947 

Paperback – Illustrated, June 1, 1991

Between 1918 and 1961, Brazil and the USSR maintained formal diplomatic ties for only thirty-one months, at the end of World War II. Yet, despite the official distance, the USSR is the only external actor whose behavior, real or imagined, influenced the structure of the Brazilian state in the twentieth century. In Brazil and the Soviet Challenge, 1917–1947, Stanley Hilton provides the first analysis in any language of Brazilian policy toward the Soviet Union during this period.

Drawing on American, British, and German diplomatic archives and unprecedented access to official and private Brazilian records, Hilton elucidates the connection between the Brazilian elite’s perception of a communist threat and the creation of the authoritarian Estado Novo (1937–1945), the forerunner of the post-1964 national security state. He shows how the 1935 communist revolt, prepared by Comintern agents, was a pivotal event in Brazilian history, making prophets of conservative alarmists and generating irresistible pressure for an authoritarian government to contain the Soviet threat. He details the Brazilian government’s secret cooperation with the Gestapo during the 1930s and its concomitant efforts to forge an anti-Soviet front in the Southern Cone. And he uncovers an unexplored aspect of Brazil’s national security policy, namely, the attempt to build counterintelligence capabilities not only within Brazil but also in neighboring countries.

While the history of the Brazilian communist movement has been extensively studied, this is the first work to explore how images of the Soviet Union and its policies influenced the Brazilian foreign policy elite. It will be important reading for all students of twentieth-century political history.


  • Publisher ‏ : ‎ University of Texas Press; Illustrated edition (June 1, 1991)
  • Language ‏ : ‎ English
  • Paperback ‏ : ‎ 303 pages
  • ISBN-10 ‏ : ‎ 1477303553
  • ISBN-13 ‏ : ‎ 978-1477303559
Sample in Kindle: https://www.amazon.com/Brazil-Soviet-Challenge-1917-1947-Stanley/dp/1477303553/ref=sr_1_1?crid=AR6Z5ULWD330&keywords=Stanley+Hilton%2C+Brazil+and+Soviet+Challenge&qid=1701852215&s=books&sprefix=stanley+hilton%2C+brazil+and+soviet+challenge%2Cstripbooks-intl-ship%2C212&sr=1-1&asin=B00EENJMUI&revisionId=d3e70431&format=1&depth=2

Livro “Engenheiro Fantasma” é o Grande Vencedor do Prêmio Jabuti 2023 - Câmara Brasileira do Livro

 Livro “Engenheiro Fantasma” é o Grande Vencedor do Prêmio Jabuti 2023


Obra do poeta Fabrício Corsaletti foi publicada pela Companhia das Letras

 

A 65ª edição do Prêmio Jabuti, a mais aguardada cerimônia de premiação do livro brasileiro, ocorreu esta noite, dia 5 de dezembro, no Theatro Municipal de São Paulo. 

Promovida pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a cerimônia consagrou "Engenheiro Fantasma", de Fabrício Corsaletti, como o Livro do Ano de 2023. Este ano, o prêmio teve 4.245 obras inscritas, distribuídas em 21 categorias nos eixos de Literatura, Não Ficção, Produção Editorial e Inovação. Confira aqui a lista completa dos vencedores. 

Além de ser contemplado com a estatueta dourada, Fabrício Corsaletti receberá o valor de R$ 70 mil e, de forma inédita, uma viagem para a próxima Feira do Livro de Frankfurt, com uma agenda especial elaborada pela CBL para reuniões com editores, agentes literários e outros escritores do mundo todo. A ideia é apoiar a internacionalização do autor e da sua obra.

Outra novidade da premiação em 2023 é a nova categoria, Escritor Estreante, voltada ao escritor ou escritora que tenha publicado sua primeira obra em língua portuguesa no Brasil, no período entre 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2022. Neste ano o vencedor foi Paulo Fehlauer, com a obra “Extremo Oeste”, publicado pela editora Cepe. 

Desde 1958, o Prêmio Jabuti é um patrimônio cultural do país, reconhecendo e promovendo a rica produção literária nacional. A premiação valoriza todos os aspectos do setor editorial, dialogando com diversos públicos e adaptando-se às transformações sociais.

Sandra Annenberg e Ernesto Paglia, renomados jornalistas, foram os mestres de cerimônias. Sandra Annenberg, destacada por sua atuação como apresentadora e repórter, e Ernesto Paglia, conhecido por sua cobertura de eventos nacionais e internacionais, trouxeram sua experiência e carisma para a cerimônia.

A premiação também contou com duas obras com autores em memória. São elas “A notável história do homem – listrado”, de Fayga Ostrower, na categoria Ilustração, e "Educação Natural : textos póstumos e inéditos”, de João Gilberto Noll, na categoria Conto. 

Homenagem do Ano

Pedro Bandeira foi homenageado como Personalidade Literária de 2023. Uma cena especial do espetáculo "O Fantástico Mistério de Feiurinha", baseado no livro do autor, foi apresentada durante a cerimônia.

“É um prazer fazer parte do povo do livro, que sempre está olhando para o futuro. Quero dividir esse prêmio com todos os meus colegas, inclusive aqueles que já se foram. Por Monteiro Lobato, Tatiana Belinky, Ganymédes José, Stella Carr, Edy Lima e Odete Barros Mott. Depois de Ruth Rocha, tenho a grande honra de receber essa homenagem. Nós, autores de literatura infantil, estamos lutando para ter mais bons leitores adultos. Faremos uma geração de leitores poderosa e informada. Viva os leitores de literatura infantil”, disse.

Sevani Matos, presidente da CBL, expressou seu entusiasmo: “O Prêmio Jabuti desempenha um papel fundamental na promoção da pluralidade e diversidade da literatura brasileira, ajudando a construir um país de leitores ao celebrar a riqueza da produção literária nacional e incentivando a leitura. Fico feliz em anunciar que o Jabuti é conhecido por 45,1% dos leitores compradores de livros, de acordo com nova pesquisa encomendada pela CBL e realizada Nielsen Book, que será divulgada na quinta-feira, dia 7 de dezembro, pelos canais oficiais da CBL”, contou. 

Hubert Alquéres, curador do Prêmio, conta sobre a importância da premiação.  “Essa noite foi uma celebração  aos autores, leitores e profissionais do livro por tudo o que fazem pela cultura e a educação no Brasil”. E completou: “Estamos vivenciando  uma era de grandes transformações, sobretudo na forma como nos relacionamos socialmente e nos comunicamos. E a organização do Jabuti, ao longo dos anos, tem buscado estar alinhada aos valores da nossa cultura e aos nossos avanços como sociedade. Agradeço a toda equipe que trabalhou para colocar em pé mais uma edição do maior prêmio do Livro Brasileiro.”

A cerimônia, transmitida ao vivo pelo segundo ano consecutivo no TikTok @premiojabuti e no canal do YouTube da CBL, está disponível no link.

Sobre o Autor do Livro do Ano 2023

Fabrício Corsaletti, nascido em Santo Anastácio, São Paulo, em 1978, e residente na capital desde 1997, é o autor de "Engenheiro Fantasma", destacando-se no cenário literário brasileiro. Com mais de vinte livros publicados, incluindo "Esquimó", "Perambule" e "Poemas com macarrão", Corsaletti é agora reconhecido pelo Prêmio Jabuti.

Sinopse de “Engenheiro Fantasma”

Na obra vencedora da premiação, Fabrício Corsaletti se imagina na pele de Bob Dylan numa suposta temporada passada na Argentina.

Apaixonados, engraçados, melancólicos, filosóficos e delirantes, os 56 sonetos deste Engenheiro fantasma configuram uma experiência singular no panorama da poesia brasileira. Neles, Fabrício Corsaletti veste a máscara de Bob Dylan e narra uma temporada de exílio voluntário que o genial letrista norte-americano teria supostamente vivido em Buenos Aires em algum período não-especificado deste século.

Bairros, bares, cafés, lojas, museus e uma profusão de personagens surgem e desaparecem como num truque de mágica ao longo dos 784 versos talhados com precisão de mestre. Há referências, claro, à poesia do compositor de "All Along the Watchtower", mas menos do que se poderia supor. O que ocorre, de fato, é uma surpreendente mescla da voz dos dois poetas, gerando uma terceira – a que registra essas aventuras portenhas desde já inesquecíveis.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Baixa adesão em plebiscito deixa Maduro em desconforto - O Estado de S. Paulo

 Baixa adesão em plebiscito deixa Maduro em desconforto: ‘Ele perdeu base de apoio’, diz analista Controvérsias sobre participação na votação indica que apoio ao ditador pode ser baixo apesar de artimanhas para demonstrar força popular 


 O plebiscito deste domingo, 3, na Venezuela, sobre a anexação do Essequibo — território da Guiana contestado por Caracas desde o século 19 — evidenciou a dificuldade da ditadura Nicolás Maduro em mobilizar a base chavista. 

 O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou depois de um atraso de quase 24 horas uma participação de 50%, sem explicar se esses números correspondem ao número de eleitores ou de votos dados a cada uma das cinco perguntas do plebiscito. À confusão e à demora no anúncio da participação na votação, se somam indícios de que a adesão foi, na realidade, muito mais baixa. Registros de mídias digitais independentes, imagens realizadas por eleitores em todo o país e até boletins nas televisões estatais refletiram outra cara da votação: centros de votação vazios, ruas silenciosas e pouca mobilização. Participação em xeque 

Nas últimas votações do país, boicotadas pela maior parte da oposição, a participação foi de 46% na última eleição presidencial, em 2018, quando Maduro se reelegeu mediante acusações de fraude e de 30% na disputa para a a Assembleia Nacional em 2020, durante a pandemia. 

 A votação da primária opositora, realizada em outubro e que não contou com o apoio do CNE, teve 2,3 milhões de votos, pouco mais de 10% do que seria o total de eleitores aptos a votar. Para Maduro, era importante mostrar uma mobilização maior. “Há um contraste entre uma cifra que pressupõe muita gente nas ruas do país e as imagens que publicaram-se depois”, disse ao Estadão a analista política venezuelana e especialista em assuntos eleitorais Eglée González-Lobato. 

 Em meio a retórica belicosa e nacionalista, Maduro usou o plebiscito para medir a adesão da base chavista à ditadura. No poder há 10 anos, o chavista tem usado diversos meios para fraudar o sistema eleitoral venezuelano, da inabilitação de opositores à cassação de mandatos, passando pela vinculação de distribuição de auxílio à população mais pobre a votos no regime. Promessa de eleições livres As eleições de 2024 ocorrerão num contexto ligeiramente distinto, já que Maduro comprometeu-se com os EUA a realizar eleições livres em troca do alívio de sanções. 

Ainda há muito ceticismo entre analistas venezuelanos sobre o compromisso do ditador, já que Maria Corina Machado, escolhida pela oposição para desafiá-lo não está autorizada no momento a participar da disputa. De todo modo, diante da mobilização opositora nas primárias, que foram invalidadas pelo regime, Maduro se viu diante da necessidade de dar uma resposta política à coesão dos rivais. Segundo o cientista político venezuelano Jesús Castellanos Vásquez, as falhas na mobilização e no controle social implementados pelo chavismo para a votação do domingo colocam Maduro é uma posição desconfortável. lo? 

“[Maduro] sabe que pode contar com as instituições estatais, incluindo a administração eleitoral e o TSJ, mas ontem ficou claro que ele perdeu uma parte importante de sua base de apoio”, disse Castellanos em entrevista ao Estadão. “O principal objetivo do regime de Maduro é preparar as condições para a eleição presidencial de 2024, seja tentando se reconectar com sua base, o que parece complicado pelos níveis de frustração e insatisfação, e/ou fechando ainda mais as possibilidades de participação da oposição democrática.” 

 De acordo com Eglée González-Lobato, o resultado do plebiscito aumenta o descontento dentro do chavismo com a figura de Maduro, em um período complexo pré-eleitoral no qual ambos lados querem de alguma forma a mudança. Para ela, o plebiscito buscava ser um teste para a adesão ao chavismo, sem concorrência e sem representação da oposição, e mesmo assim acabou tendo um resultado bastante modesto. “Como realizar uma campanha de sucesso, tentando sair do beco sem saída em que se encontra, representando mais do mesmo?”, questionou. Batalha pela eleição de 2024 Segundo Castellanos, a oposição terá uma tarefa titânica, pois as condições eleitorais podem se tornar ainda mais limitadas com o aumento da repressão do governo a figuras importantes para o processo, mas a votação também indica que Maduro não é unânime dentro do regime. “Esse plebiscito é uma demonstração não apenas do apoio que existe à figura do Maria Corina Machado como uma possibilidade de mudança, mas também da dissociação do regime de Maduro”, disse. 

 Já Eglée González Lobato acredita que o plebiscito abre caminho para uma pressão política interna e externa para que Maduro organize de fato uma transição. “Há que se criar um caminho para gerar a confiança para começar a falar de condições políticas para debater se a eleição de 2024″, disse. A especialista acredita que isso implicaria no “avanço na transição justa, que poderia inclusive significar um compartilhamento do poder com alguns membros ou grupos da oposição moderada” para encontrar uma saída comum para a sociedade venezuelana.  


A ameaça venezuelana - Editorial, O Estado de S. Paulo

A ameaça venezuelana

Editorial, O Estado de S. Paulo (05/12/2023)

Lula deveria usar sua proximidade com Nicolás Maduro para convencê-lo a não agredir a Guiana

Regimes ditatoriais são ávidos em explorar paixões nacionalistas como meio de sobreviver, em especial quando desafiados pelos desastres que engendraram. Não é diferente na Venezuela de Nicolás Maduro. Ao iniciar a construção de uma segunda base militar na fronteira leste e conduzir, no último domingo, a farsa de um plebiscito sobre a anexação de 70% do território da Guiana, o autocrata bolivariano deslanchou a primeira ameaça bélica na América do Sul desde 1991. Do episódio, salta à vista a inação do Brasil. Em vez de advertir claramente o vizinho sobre os riscos de uma aventura regional desestabilizadora, o presidente Lula da Silva limitou-se a dizer que a América Latina “não precisa de confusão”.

Não se trata de “confusão”, e sim de ameaça explícita de agressão à Guiana por parte da Venezuela, que inventou uma consulta popular obviamente fajuta para revestir de legitimidade sua reivindicação territorial. Como já fez no caso do ataque injustificado da Rússia contra a Ucrânia, Lula da Silva tratou a ameaçadora Venezuela e a ameaçada Guiana como se fossem igualmente responsáveis pela “confusão”. Segundo o presidente brasileiro, é preciso que “o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e da Guiana”. Ora, só há falta de bom senso de um lado, o da Venezuela do “companheiro” Nicolás Maduro.

Não há dúvidas sobre as más intenções do ditador venezuelano, que aceitou a realização de uma eleição presidencial aberta e monitorada em 2024 em troca da suspensão temporária de sanções pelos Estados Unidos. Nada indica que cumprirá esse acordo, celebrado em Barbados em outubro passado, dadas as travas de seu regime às candidaturas da oposição.

Nessa lógica, insuflar o nacionalismo, ao resgatar uma causa apoiada também por alguns de seus detratores, parece uma jogada característica de quem precisa recuperar a popularidade em meio à crise generalizada no país.

A Venezuela reivindica há dois séculos a soberania sobre Essequibo, uma faixa de 160 quilômetros quadrados no oeste da Guiana. Desdenha de arbitragens e acordos anteriores e, agora, de recentes orientações da Corte Internacional de Justiça. Não se pode abstrair o fato de a controvérsia ter sido pinçada por Maduro quando a Guiana se vê catapultada economicamente pela exploração petrolífera na região em disputa – e desguarnecida de força de defesa. Tampouco é possível ignorar o fato de o Brasil estar, literalmente, no meio do vespeiro. Porta de fuga de venezuelanos desesperançados, Roraima faz fronteira com ambos os países.

A circunstância geográfica, por si só, exige do Brasil uma posição neutra, equilibrada e ativa na busca de uma solução diplomática. Lula da Silva deveria usar sua condição de “companheiro” de Maduro para convencê-lo a desarmar os ânimos. A cada dia de imobilismo e de miopia diante dos arroubos de Maduro, porém, a Guiana se verá empurrada a buscar proteção militar nos EUA. A escalada é preocupante e requer do Estado brasileiro o dever estratégico nacional e regional de levar a Venezuela a manter a paz, o maior capital geopolítico da América do Sul.

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Grato a Augusto de Franco pela transcrição.


Nossos boizinhos espalhados não são culpados pelas emissões de carbono, diz novo estudo (Folha de S. Paulo)

 Emissão de gases pela pecuária é menor que o divulgado, diz estudo

Folha de S. Paulo, 5/12/2023

Há problemas, mas os diversos sistemas devem ser avaliados de formas diferentes

É o que mostram estudos de cientistas e de universidades que se debruçam sobre o tema. Esses relatórios influenciaram a elaboração de políticas, principalmente na União Europeia, tiveram ampla divulgação e moldam o comportamento de parte dos consumidores.

Como essas ações afetam diretamente os pecuaristas das Américas, o IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura) desenvolveu uma agenda para avaliar problemas sensíveis entre pecuária e meio ambiente.

Nem tudo está resolvido e ainda há muito para ser feito, mas os métodos de aferição da emissão provocada pela pecuária estão equivocados, segundo estudo do cientista Ernesto Viglizzo.

Denominado "Pecuária Bovina e Mudanças Climáticas nas Américas", o estudo foi apresentado no domingo (3) na Casa da Agricultura Sustentável, espaço montado pelo IICA na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Para Viglizzo, pesquisador sobre pecuária e mudanças climáticas, os estudos que definem a participação da pecuária na emissão de gás carbônico estão, na verdade, atribuindo ao setor emissões de outras atividades que vêm no pós-porteira, como transporte, processo industrial e distribuição.

Na avaliação dele, apenas as emissões relacionadas às atividades de produção da pecuária deveriam ser computadas para ela.

Manuel Otero, diretor-geral do IICA e que participou da apresentação do estudo, afirmou que a pecuária vem passando por importantes avanços na busca de redução dos impactos no solo, na conservação de água e na queda das emissões de carbono. "Temos que demonstrar isso nos foros internacionais, e é o que estamos fazendo", afirmou.

Para Viglizzo, se fossem computadas ao gado apenas as suas emissões biogênicas (o metano e o óxido nitroso, produtos da fermentação entérica), a emissão global de carbono ficaria abaixo de 5%.

O cientista afirma que os métodos de avaliação atuais permitem determinar os produtores que geram créditos de carbono, os que são neutros e os que emitem. É preciso valorizar os primeiros, que são parte da solução, afirma. Ele propõe que o crédito capturado na pecuária se transforme em uma commodity comercial.

A aferição da pecuária não deveria ser por tonelada de carne produzida por hectare, mas por balanço de carbono gerado na terra utilizada, segundo o cientista.

Renata Miranda, secretária de Inovação do Ministério da Agricultura brasileiro, que também participou das discussões na apresentação do estudo em Dubai, diz que não se pode fazer uma comparação da produção pecuária intensiva, como a da Europa, de onde surgem os estudos, com a extensiva, como a do Brasil.

Na pecuária intensiva do hemisfério Norte, há uma concentração de animais e, consequentemente, uma emissão maior de gás carbônico por hectare.

Na extensiva, há vários fatores que vão equilibrando o sistema e capturando carbono por meio da própria pastagem e da integração de culturas como lavoura, floresta e pecuária. Não faz sentido contabilizar o sistema de pecuária europeu com o nosso, afirma a secretária.

Para Viglizzo, não se trata de isentar a pecuária de seus efeitos negativos, mas outros setores sociais e econômicos geram impactos negativos ainda maiores sem uma compensação produtiva. A pecuária é chave para regiões pouco desenvolvidas, gera renda para os produtores e é uma fonte de alimentação.

Mas nem tudo está resolvido. Miranda diz que ainda há muito para ser feito para que a pecuária reduza o efeito estufa. É necessária uma eficiência produtiva. O Brasil, maior exportador mundial de carne bovina, tem poucos animais por hectare.

É preciso melhorar a pastagem e aprimorar a genética dos animais. Com isso, haverá uma redução de animais e uma produção maior de carne. Essa eficiência produtiva gera uma maior eficiência climática, afirma.

É preciso acelerar o processo de engorda e de diminuição do gado no pasto. Ganham os produtores, que terão menos gastos, e o clima, devido à emissão menor de carbono.

A União Europeia faz ameaças de restrições e penalização comercial, mas as Américas são um conjunto heterogêneo de países, os quais implementam sistemas diferentes de produção de carne bovina.

O estudo de Viglizzo mostra que a pecuária extensiva pode capturar de 0,25 a 0,63 tonelada de carbono por hectare por ano. Já a pecuária intensiva, um método muito utilizado no hemisfério Norte, tem um balanço negativo de até 6,5 toneladas de carbono por hectare. Segundo o estudo, cada sistema deve ser olhado de uma maneira.

Essas diferenças de sistemas devem ser levadas em consideração no momento da aplicação de penalizações ou restrições comerciais. Nas duas últimas décadas, vários estudos acadêmicos e científicos se tornaram eco do impacto supostamente negativo da pecuária, mas essa visão omite seletivamente a consideração de outros papéis e funções sociais que os sistemas de produção bovina desempenham no meio ambiente e nos ecossistemas, afirma o pesquisador.

Quanto ao desmatamento de florestas nativas, existe uma correlação entre pecuária e desmatamento no Brasil, no Paraguai e na Colômbia. Em alguns países, porém, o desmatamento está associado a outras atividades, inclusive à produção de soja, aponta o estudo.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/vaivem/2023/12/emissao-de-gases-pela-pecuaria-e-menor-que-o-divulgado-diz-estudo.shtml

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

O despreparo de todas as partes na questão do conflito Venezuela-Guiana - G1, Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão sobre o conflito da atualidade na América do Sul.

Primeiro a notícia:

 O regime de Nicolás Maduro anunciou que 95% dos eleitores venezuelanos aprovaram em plebiscito a criação de um novo estado na região de Essequibo, território da Guiana rico em petróleo e reivindicado por Caracas desde 1841. O presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, disse que a diplomacia será sua “primeira linha de defesa” e que trabalha para garantir a integridade de suas fronteiras. Em Dubai, o presidente Lula disse esperar “bom senso” dos colegas da Venezuela e da Guiana. “O que a América do Sul não está precisando é de confusão. Não se pode ficar pensando em briga. Espero que o bom senso prevaleça, do lado da Venezuela e do lada Guiana”, disse. Embora não acredite num enfrentamento, o Brasil reforçou a presença militar na fronteira com os dois países. (g1)”

Agora meu comentário (PRA):

O Essequibo NUNCA pertenceu juridicamente à República da Venezuela independente. No período colonial foi vagamente associado à antiga Capitania da Venezuela. A ocupação holandesa e sua posterior cessão ao Reino Unido mudaram a geografia política e humana da área desde o século XVIII.

O colonialismo e o imperialismo europeus criaram novas realidades não só nas Américas, desde os “descobrimentos”, mas assim o fizeram também em todas as demais partes do munfo desde essa época. Criaram novas realidades humanas, sociais e políticas, assim como fizeram todis os antigos impérios, na Ásia, no Oriete Médio e na própria Europa, com o império romano, por exemplo.

Pretender erradicar as transformações ocorridas, por vezes por meio de grandes violências contra autóctones (muitas vezes também imigrantes ou conquistadores) representaria exercer ainda maior violência sobre essas novas realidades criadas em processos seculares de invasão e dominação.

Volto a dizer: a Venezuela independente desde o inicio do século XIX NUNCA exerceu dominio legal e reconhecido sobre o território do Essequibo. O Reino Unido usurpou território que não era seu? Certamente, mas o mesmo ocorreu antes com HOLANDESES e os próprios ESPANHOIS.

Pergunto: Até quando a ditadura venezuelana vai criar um problema para dla mesma, para os guianenses, para o Brasil (que detinha parte desse território) por questões mal resolvidas de sua própria história e de suas ambições atuais?

Paulo Roberto de Almeida 

domingo, 3 de dezembro de 2023

Itamaraty, cultura, intelectuais, Alberto da Costa e Silva: os textos mais acessados em Academia.edu - Paulo Roberto de Almeida

 Esta semana foi dedicada aos intelectuais do e no Itamaraty, e ao grande Alberto da Costa e Silva. 

Trabalhos mais acessados: 

 

Diplomacia e Cultura - Alberto da Costa e Silva (2001)

99

78

Intelectuais na cultura e na diplomacia, no mundo e no Brasil

82

62

Guiana: postagens no blog Diplomatizzando (2015-2023)

66

53

1424) Políticas de integração regional no governo Lula (2005)

44

28

O Itamaraty na Cultura Brasileira (2001)

43

37

14) O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (2006)

43

36

Manifesto Globalista (2020)

39

35

Falacias Academicas: um livro incompleto (2010)

36

31

2784) Academia.edu: uma plataforma de informação e colaboração entre acadêmicos (2014)

35

30

 

O conflito Venezuela-Guiana, o Direito Internacional e a diplomacia do Brasil - Ricardo Seitenfus

O conflito Venezuela-Guiana, o Direito Internacional e a diplomacia do Brasil

Ricardo Seitenfus

PRA: Ricardo Seitenfus, historiador aposentado da Universidade Federal de Santa Maria (RS), me envia suas observações sobre o conflito nas fronteiras do Brasil, prestadas à BBC Brasil e ao O Globo, mas transcritas apenas parcialmente: 


"A consulta aos eleitores venezuelanos tem dois objetivos internos. Por um lado demonstrar uma união nacional por um Essequibo venezuelano e por outro, que esta união seja personalizada pela figura de Maduro.
Do ponto de vista externo se trata de demonstrar que Caracas não aceita o histórico statu quo e indica que outras ações virão.
Maduro pretende se perpetuar no poder e como está correndo riscos com uma possível derrota em 2024, tenta reverter a situação em seu favor identificando um inimigo externo. Estratégia conhecida que foi utilizada, por exemplo, pelos generais argentinos quando decidiram invadir as Malvinas/Falkland.
O que Maduro fará com uma vitória que se apresenta como acachapante ? A propósito, essa consulta abriga um aspecto ubuesco na medida em que quem deveria ser consultado são os habitantes de Essequibo ou os guianeses e não os venezuelanos. Uma demonstração da singularidade das ditaduras latino-americanas e de seus potentados tão bem descritos por Gabriel Garcia Márquez.
Caso Maduro decida colocar em marcha a vontade venezuelana que sairá da consulta ele tem 2 caminhos. Por um lado prosseguir o diálogo político sob os auspícios das Nações Unidas como previsto no Acordo de Genebra de 1966. Penso que Maduro terá dificuldades de desconhecer o resultado da consulta e portanto ele deverá inovar. Como? Esse e o segundo caminho: uma operação militar de invasão do Essequibo.
Por evidente será um passeio militar. Contudo serão inúmeras as reações negativas internacionais. Os Estados Unidos - por razões estratégicas, econômicas e jurídicas - não permanecerão inertes. Assim como o Reino Unido que possui laços, afinidades e responsabilidades históricas com a Guyana.
Enfim, a posição brasileira deve ser de rechaço a qualquer operação violenta. Aqui devemos lembrar ao Governo atual que embora ele possa ter simpatias ou antipatias ideológicas, estamos frente a possibilidade de ruptura de princípios jurídicos, diplomáticos e históricos - o respeito aos tratados fronteiriços - e que nada e ninguém pode colocar em questão. 
Seria abrir a Caixa de Pandora para aventuras que a região e muito especialmente o Brasil sempre souberam evitar.
Quanto melhor for o resultado para Maduro pior será para ele no plano internacional pois ele será obrigado a agir. Ora a ação se for além de uma provável pressão sobre a Guiana, provocará reações contrárias de muitos governos. A começar pelos USA, GB, Colômbia e Brasil.
Está previsto no Acordo de Genebra de 1966 (Reino Unido, Venezuela e Guiana) que serão as Nações Unidas através da CIJ a resolver o suposto litígio.
Portanto a Venezuela NÃO pode não reconhecer a jurisdição da Corte.
Ela acatou a jurisdição em 1966 e agora em razão de uma possível derrota jurídica não respeitar a Corte.
A decisão da CIJ não é simbólica! Ela será o sustentáculo do Direito para a ação política e talvez caso necessário militar dos países aliados da Guiana, leia-se USA e Reino Unido (2 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU).

Duas observações finais:
A. O Brasil não deveria somente propugnar uma solução pacífica mas também denunciar a ilegalidade da « consulta » deste domingo.
B. Caso insista em uma solução de força a margem do Direito, Nicolas Maduro poderá vir a ser o futuro Leopoldo Galtieri o ditador militar argentino que não somente perdeu os anéis - as Malvinas/Falkland - mas também perdeu os dedos - o poder."

Alberto da Costa e Silva ingressou no Itamaraty, para vingar-se de Rio Branco, que vetava os feios no serviço diplomático - Alvaro Costa e Silva (FSP)

No país dos macaquitos e dos barões

Alberto da Costa e Silva foi diplomata para desforrar-se de Rio Branco, que barrava os feios


Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Folha de S. Paulo, 1/12/2023

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-costa-e-silva/2023/12/no-pais-dos-macaquitos-e-dos-baroes.shtml

No seu livro "Balão Cativo", Pedro Nava conta que nos tempos de Rio Branco não havia concurso para ingressar na "carrière". Era ele próprio, o barão, quem dava a palavra final na escolha dos futuros diplomatas, em geral pessoas de família influente e bem-apresentadas. O poeta Antônio Francisco da Costa e Silva, apesar de candidato dos mais qualificados, não deu nem para a saída.

 Na descrição de Nava, a face de Da Costa e Silva "parecia um bolo de miolo de pão com os furos dos olhos, das ventas e da boca". Depois de almoçar com Rio Branco, ele ouviu a sentença antes da sobremesa: "Até gosto dos seus versos e aprecio seu talento. Contra sua pretensão o que está é seu físico. Eu só deixo entrar na carreira homens de talento que sejam também belos homens. A diplomacia exige isso. Desejo-lhe boa sorte em tudo. Agora, no Itamaraty, não! O senhor aqui não entra".

O historiador e africanista Alberto da Costa e Silva, filho do poeta tão rudemente preterido, tornou-se diplomata para tirar uma desforra do barão. Numa entrevista, ele me contou mais detalhes da história familiar: "Nascido no Piauí, meu pai era um mestiço indefinido. Rio Branco primeiro o elogiou, o considerou inteligente, preparado ao extremo, bom conversador em francês, conhecedor de inglês, alemão e espanhol. Depois foi cruel, ao dizer na cara de meu pai que ele era feio e que, lá fora, já chamavam o Brasil de país dos macaquitos".

Alberto morreu no domingo (26), aos 92 anos. Ainda me lembro da sua voz emocionada ao relatar o episódio. Perguntei se Da Costa e Silva era realmente feio. "Ele tinha mãos bonitas. De perfil, era um homem passável".

Com sua produção historiográfica, Alberto da Costa e Silva explicou, como ninguém antes dele, a importância da África e da diáspora africana para que possamos entender um certo país do outro lado do Atlântico, que continua tão exclusivista como nos tempos do barão.

Expulsão de palestinos não foi planejada por Israel - Leonardo Avritzer (FSP)

 Réplica: Expulsão de palestinos não foi planejada por Israel

Artigo de professora da USP apresenta narrativa unilateral, ignora evidências e apaga papel de britânicos e países árabes

FSP, 2.dez.2023 às 23h00

Leonardo Avritzer

Professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG


[RESUMO] Em resposta a artigo que sustenta que a expulsão de palestinos de suas terras em 1948 foi um objetivo deliberado do então recém-criado Estado de Israel, pesquisador escreve que a autora, Arlene Clemesha, seleciona unilateralmente episódios do período, ignora o papel da rejeição do plano de partilha da ONU por árabes e busca atribuir ao establishment sionista todos os eventos relacionados à Nakba, constituindo uma má historiografia que não dá conta da complexidade do êxodo palestino.

O artigo "Historiadores veem expulsão de palestinos em 1948", de Arlene Clemesha, professora de história árabe da USP, publicado na Ilustríssima no último domingo, tem a Nakba, ou a "catástrofe", como temática. A autora defende uma visão bastante nítida, mas equivocada dos acontecimentos que fizeram com que 750 mil palestinos se tornassem refugiados ao final da guerra de 1948.

Segundo Clemesha, existe uma Nakba contínua e "o processo de expulsão, que teve seu auge naquele 1948, continua até hoje". O argumento é que se estabeleceram consensos a respeito do problema dos refugiados palestinos: o primeiro deles é que a velha historiografia israelense não retratou o episódio adequadamente ao argumentar que a guerra de 1948 foi uma guerra de defesa e que os palestinos teriam fugido a mando de seus líderes.

Concordo integralmente com a autora. Daí a centralidade da obra do historiador israelense Benny Morris na revisão da historiografia israelense clássica.

O segundo consenso, muito mais frágil e polêmico, é que Morris não teria ido suficientemente longe em sua crítica à historiografia israelense tradicional, "uma vez que reconhecia a expulsão, mas negava a motivação". A partir daí, Clemesha cita equivocadamente ou, no mínimo, unilateralmente os episódios que levaram ao problema dos refugiados palestinos.

Para a historiadora, o objetivo israelense em 1948 foi, desde o início, a expulsão dos palestinos da região que veio a se tornar o Estado de Israel. 

Clemesha menciona apenas secundariamente a rejeição da partilha por árabes e palestinos, mas, ao que parece, não estabelece qualquer relação entre a não aceitação da partilha do território do mandato britânico na Palestina, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em novembro de 1947, e os acontecimentos de 1948.

Neste artigo, apresentarei três críticas ao texto publicado nesta Folha. Em primeiro lugar, não há como discutir Nakba e 1948 sem abordar a rejeição de palestinos e países árabes da resolução de partilha.

Em segundo lugar, a discussão realizada pela autora sobre o êxodo palestino de Haifa vai completamente contra a historiografia estabelecida. Esse é um dos casos em que há provas contundentes, a partir de fontes independentes, de que houve tentativas tanto dos israelenses quanto dos britânicos de convencer a população palestina a não deixar a cidade.

Não se trata de um assunto menor, uma vez que aproximadamente 75 mil palestinos deixaram Haifa em 1948, pelo menos 10% do número total de refugiados.

Por fim, a tentativa de atribuir ao establishment sionista — especialmente a Haganá, a entidade que se tornaria a IDF (Forças de Defesa de Israel) depois de maio de 1948 — todos os episódios relacionados ao êxodo palestino parece constituir uma má historiografia, cujo objetivo aparenta ser o de colocar todos os israelenses em um mesmo plano, sem diferenciar as nuances políticas que foram e continuam sendo fundamentais para entender o conflito com os palestinos.

Neste artigo, utilizarei em parte a mesma bibliografia de Clemesha, atribuindo peso diferente às obras dos autores elencados acima.

Comecemos pelos acontecimentos de 1948, gestados em novembro de 1947. 

A resolução 181 da Assembleia Geral da ONU, de 29 de novembro de 1947, encontrou a oposição dos países árabes ao longo de todo o processo de discussão da partilha. O comitê designado pela ONU que trabalhou entre maio e agosto de 1947 recomendou, por maioria, a divisão do território da Palestina.

No dia 30 de novembro, às 8h, ou seja, poucas horas depois da votação da ONU, dois ataques foram realizados contra ônibus israelenses na planície costeira (Morris, 1948, p. 76). Poucos dias depois, a Liga Árabe, então constituída por Arábia Saudita, Egito, Iêmen, Iraque, Líbano, Síria e Transjordânia, rejeitou a partilha (Ben-Dror, 2007).

Nesse ponto, o trecho do artigo da autora que resgata um acontecimento controverso em Haifa em 30 de dezembro daquele ano está equivocado em identificá-lo como o primeiro ato de violência depois da partilha. 

Está errada também a própria descrição do evento, na qual a autora ignora um massacre de trabalhadores judeus no episódio da refinaria de Haifa, como ficou conhecido. Não houve êxodo palestino após o episódio relatado pela autora.

Assim, a rejeição da partilha pela Liga Árabe e pelos líderes palestinos jogou a questão das fronteiras políticas dos dois Estados para o campo militar, decisão pela qual o líder palestino Mahmoud Abbas expressou arrependimento mais de 60 anos depois.

A guerra de 1948 teve duas fases: a primeira, de novembro de 1947 até a retirada dos britânicos da região, em 14 de maio de 1948; a segunda, posterior a essa data, contou com o envolvimento dos exércitos egípcio, jordaniano, sírio e libanês.

Na primeira fase, conhecida como uma guerra civil, o padrão fundamental foi o mesmo: tanto os judeus-israelenses quanto os palestinos tentaram homogeneizar etnicamente as áreas que lhes haviam sido concedidas pela partilha das Nações Unidas. Até mesmo os britânicos atuaram na mesma direção, cedendo fortes e postos militares para cada um dos dois grupos, conforme as indicações da partilha (Morris, 2008, p. 76-80).

Porém, à medida que 14 de maio de 1948, data marcada para a retirada dos britânicos da região, se aproximava, começaram a surgir movimentos de ambas as partes, sobretudo nas cidades mais populosas e com populações mistas. Entre essas cidades, se destaca Haifa, sede da central sindical israelense, a Histadrut, e na qual emergiram alianças entre árabes. Em diversas oportunidades, foram criadas na cidade associações entre árabes e judeus, até mesmo durante o atual conflito em Gaza.

Diferentemente do que alega Clemesha, os eventos que marcaram o primeiro êxodo palestino em uma grande cidade durante a guerra de 1948 ocorreram em 21 e 22 de abril daquele ano, portanto, ao final da primeira fase da guerra civil. Os choques militares entre israelenses e palestinos em Haifa aconteceram a partir de uma reorganização da posição das tropas britânicas na cidade naqueles dias.

De acordo com Morris, o então comandante britânico em Haifa, Hugh Stockwell, chamou israelenses e palestinos às 10h do dia 21 em seu escritório e pediu que ambos os lados evitassem conflitos (1987, p. 75). As hostilidades começaram quando a Haganá tomou alguns alvos militares na região central da cidade.

Stockwell convocou uma reunião na prefeitura de Haifa às 16h de 22 de abril de 1948. Essa reunião, decisiva para o começo do êxodo palestino, tem diversas versões: segundo Morris, Stockwell pediu moderação, o que foi aceito pela delegação da Haganá presente, e propôs um armistício.

No entanto, depois da derrota militar sofrida pelos palestinos no dia anterior, a delegação palestina afirmou "que eles não estavam em posição de assinar um armistício; que eles não tinham controle sobre as forças militares árabes... Então eles apresentaram a alternativa da população árabe deixar a cidade" (Stockwell, citado em Morris, 1987, p. 82).

De acordo com relatos dos observadores britânicos, houve a tentativa por parte dos judeus de pedir aos palestinos que não se retirassem: "Os judeus estão fazendo um grande esforço para prevenir uma evacuação em massa, mas os seus esforços estão tendo pouco efeito" (Stockwell, citado em Morris, 1987, p. 82).

Walid Khalidi, em um artigo que permaneceu obscuro por muito tempo, oferece uma interpretação muito menos favorável, mas que não conseguiu se firmar na literatura especializada sobre o assunto. Para o historiador, Haifa seria a primeira etapa de implementação do chamado Plano Dalet ou Plano D, tido como um plano da Haganá para a retirada dos palestinos da área costeira — a única evidência apresentada por Khalidi (2008).

Diversos problemas parecem permear a visão do historiador, que tem constituído objeto de discussão ao longo das últimas décadas. 

Em primeiro lugar, a negação da neutralidade dos britânicos na guerra de 1948: as evidências apontam que eles, de fato, obedeceram à orientação do gabinete do então primeiro-ministro britânico, Clement Attlee, de reforçar a divisão territorial.

Ainda que os britânicos não fossem neutros, como argumenta Khalidi, isso não significa que o relato de Stockwell para Londres (o chamado Relatório Stockwell, escrito em 24 de abril de 1948) não fosse fiel aos acontecimentos, uma vez que ele não tinha qualquer motivo para não relatar os dados corretamente.

Assim, temos um primeiro caso de êxodo palestino absolutamente nuançado em relação aos argumentos daqueles que supõem que houve um plano preconcebido de expulsão da população palestina. Além de Haifa, os resultados foram controversos em outras cidades: em Tiberíades, não houve expulsão de palestinos; em Acre, os palestinos permaneceram na cidade; em Safed, depois de um ataque do Palmach, a então força de elite da Haganá, os palestinos saíram da cidade. Houve expulsão em Lod.

Desse modo, temos uma série de situações ligadas às decisões de um conjunto variado de atores: a não aceitação da partilha, algumas derrotas militares dos palestinos e as relações entre árabes e judeus, ou entre palestinos e israelenses, em cada um dos momentos da guerra civil que se estendeu de novembro de 1947 a maio de 1948.

O ponto importante, que procuro deixar nítido aqui, é que houve, sim, um êxodo da população palestina de algumas cidades, mas esse êxodo, que gerou o problema dos refugiados palestinos, não foi planejado e não foi resultado de uma concepção política da liderança sionista. 

Pelo contrário, é decorrente da militarização provocada pela rejeição da partilha e pelas ações de três atores diferentes: os israelenses, os palestinos e os demais países árabes.

No que diz respeito ao papel dos demais países árabes, em especial a atual Jordânia, que tinha o melhor exército, treinado pelos britânicos durante a Segunda Guerra Mundial, Clemesha parece ter uma posição contraditória. 

Em seu artigo, ela afirma: "A monarquia hachemita tinha o maior exército árabe da época e, na avaliação de Walid Khalidi, não fosse por ela e pela participação do Egito, os palestinos teriam perdido todas as suas terras em 1948".

Algumas correções são necessárias. A Transjordânia ocupou as terras destinadas ao Estado palestino pela resolução de partilha da ONU, e, em dezembro de 1948, na Conferência de Jericó, foi votada a anexação do território palestino ao Reino Hachemita da Transjordânia. A partir de então, todos os prefeitos das cidades palestinas foram nomeados pelo rei Abdullah, e Jerusalém foi designada capital alternativa do reino hachemita.

A Jordânia reconheceu o direito do povo palestino ao território da Cisjordânia em 31 de julho de 1988, apenas cinco anos antes de Israel fazê-lo através das cartas de reconhecimento mútuo que precederam os Tratados de Oslo. Assim, não é possível eximir a Jordânia, como tampouco é possível eximir o Egito, de responsabilidade na gestação do problema palestino tal como ele se expressa nos tempos atuais.

Os palestinos se tornaram refugiados em regiões originalmente reservadas para um Estado palestino pela ONU, em parte devido a projetos alternativos de ocupação e gestão de Jerusalém, especialmente pela Jordânia, em parte pelo resultado de um conflito armado no qual alguns grupos defenderam sua expulsão.

Surpreendentemente, a autora deixa de mencionar que o êxodo palestino levou a fortes protestos dos partidos de esquerda em Israel, especialmente pelo Mapam, que tinha vínculos com a ex-União Soviética, cujos apoio e influência em Israel em 1948 têm sido intensamente subestimados pela literatura (sobre o partido, consultar "Freud no Kibutz", de Guido Liebermann).

O Mapam protestou contra a expulsão de palestinos de Lod e chamou uma reunião ministerial sobre o assunto (Segev, 2019). Em algumas oportunidades, até mesmo o então primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion, afirmou que suas ordens foram desrespeitadas na expulsão de palestinos de Lod (Segev, 2019, p. 450), ainda que ele tenha tido posições ambíguas em relação ao problema ao longo do ano de 1948.

Portanto, quando falamos do êxodo e do problema dos refugiados palestinos em 1948, estamos diante de um fenômeno muito mais complexo do que sugere o artigo de Arlene Clemesha. 

Termino esta crítica parafraseando o final do seu artigo, quando a autora afirma que "somente o reconhecimento dos sofrimentos mútuos [...] poderá gerar a reparação e os elos necessários para uma vida em comum". Para isso, é necessário que as narrativas não sejam unilaterais.

OBRAS PARA APROFUNDAR O DEBATE

"The Birth of the Palestinian Refugee Problem, 1947-1949" (1988; Cambridge University Press), de Benny Morris

"1948: a History of the First Arab-Israeli War" (Yale University Press, 2009), de Benny Morris

"Why Did the Palestinians Leave, Revisited" (Journal of Palestine Studies, 2005), de Walid Khalid

"The Fall of Haifa Revisited" (Journal of Palestine Studies, 2008), de Walid Khalidi

"The Arab Struggle Against Partition: The International Arena of Summer 1947" (Middle Eastern Studies, 2007), de Elad Ben-Dror

"A State at Any Cost: the Life of David Ben Gurion" (Farrar, Straus and Giroux, 2019), de Tom Negev

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/12/replica-expulsao-de-palestinos-em-1948-nao-foi-planejada-por-israel.shtml