sábado, 16 de novembro de 2024

O que as escolhas de Trump indicam a respeito de como será sua presidência (The Economist)

O que as escolhas de Trump indicam a respeito de como será sua presidência

THE ECONOMIST, 15nov24

 

O que as escolhas de Trump indicam a respeito de como será sua presidência

Lealdade, competência e apetite pelo disruptivo estão entre as características que ele está procurando

Por The Economist

 

Depois que Donald Trump venceu a eleição presidencial em 2016 — quando era um ex-astro da televisão em vez de um ex-presidente — ele administrou a transição da Casa Branca como se estivesse encenando seu reality show, “O Aprendiz”. Aspirantes a membros do gabinete chegaram à torre que leva seu nome em Nova York e passaram pelas câmeras de TV. Essa série foi prolongada, com a participação de celebridades, incluindo Kanye West. Desta vez, Trump está dirigindo um show mais intimista, deliberando em sua propriedade em Mar-a-Lago, longe das câmeras, e emitindo seus vereditos de contratação nas redes sociais em um ritmo muito mais rápido. Infelizmente, os resultados dificilmente são igualmente insensatos.

As escolhas mais alarmantes ocorreram em um período de 24 horas. Em 12 de novembro, Trump anunciou que Pete Hegseth, uma personalidade da Fox News que serviu na Guarda Nacional, seria secretário de defesa. Hegseth é um dos poucos que defendeu a declaração de Trump de que havia “pessoas boas em ambos os lados” dos protestos contra um comício de supremacistas brancos em Charlottesville, Virgínia, em 2017. Ele está preocupado com o flagelo da lacração no exército, mas não tem experiência no governo.

Trump também anunciou que a diretora de inteligência nacional seria Tulsi Gabbard, uma democrata que se tornou republicana e é ligada em conspirações, um espírito tão livre que conheceu Bashar al-Assad, o ditador assassino da Síria, e o declarou “não inimigo dos Estados Unidos”. Pior, ele decidiu que Matt Gaetz, um congressista extravagante da Flórida, seria seu procurador-geral. O FBI, sobre o qual o procurador-geral tem controle de supervisão, investigou alegações de que Gaetz traficava sexualmente uma menor. Não foram apresentadas acusações, mas Gaetz mais tarde enfrentou uma investigação pelo Comitê de Ética da Câmara (ele nega qualquer irregularidade). Ele é ultraleal e, no ano passado, prometeu que, se o FBI e outras agências “não se curvassem”, elas deveriam ser abolidas ou perder seu financiamento.

Todos esses são cargos importantes pelos quais Trump sentiu que havia sido traído anteriormente. Seus antigos procuradores-gerais agiram com muita independência e muito pouco como seu consigliere; altos funcionários da inteligência atraíram a fúria dele por investigar suas ligações com a Rússia; seus antigos secretários de defesa e generais do alto escalão rejeitaram suas ideias. Com essas seleções, Trump indica que não planeja tolerar tal dissidência desta vez. Aqueles suspeitos de deslealdade (ou neoconservadorismo disfarçado) não são bem-vindos. Escolhas tão bizarras podem enfrentar dificuldade para serem confirmadas pelo Senado, mesmo com uma maioria republicana. Talvez seja esse o ponto. Quatro senadores republicanos desertores seriam suficientes para rejeitá-los, mas bloquear todas as três escolhas seria um gesto atipicamente desafiador.

As outras nomeações de Trump — em departamentos pelos quais ele talvez não se sinta pessoalmente injustiçado — são mais convencionais. Marco Rubio, um senador da Flórida, é sua escolha para ser secretário de Estado. Esta seria uma escolha encorajadora para os aliados dos EUA: Rubio copatrocinou um projeto de lei para dificultar que o presidente retire os Estados Unidos da Otan. Como o Partido Republicano se moveu em uma direção diferente, ele também o fez, abraçando o trumpismo e mantendo alguns de seus antigos instintos. Ele fez declarações de apoio à Ucrânia (mas votou contra o projeto de lei mais recente para armá-la, citando a necessidade de priorizar a segurança da fronteira). Rubio, filho de imigrantes cubanos, tem um anticomunismo hereditário que foi redirecionado para a China.

Outras nomeações de política externa têm visões e credenciais semelhantes. Mike Waltz, um ex-congressista da Flórida, será conselheiro de segurança nacional. Como Rubio, ele fica do lado dos “priorizadores” na Magalândia, como J.D. Vance, o novo vice-presidente, que argumenta que levar a ameaça chinesa a sério requer reduzir os compromissos com a segurança europeia e com a Ucrânia. Elise Stefanik, a escolha para ser embaixadora nas Nações Unidas (a sexta mulher consecutiva a ocupar esse cargo), é uma congressista de Nova York que se destacou como uma das fãs mais entusiasmadas de Trump na Câmara. Ela é mais conhecida por obliterar presidentes de faculdades em audiências envolvendo casos de antissemitismo nos campi. Este parece ser um currículo sólido para alguém representar no fórum multilateral de maior destaque do mundo um governo que desconfia do multilateralismo.

E então há as nomeações mais estranhas — para departamentos que ainda não existem. Trump anunciou que escolheria Elon Musk, o homem mais rico do mundo, para comandar uma nova comissão com Vivek Ramaswamy, um empreendedor e ex-adversário republicano nas primárias, para reduzir o desperdício governamental e cortar a burocracia. Este é um objetivo digno, mas, como acontece frequentemente com Musk, é difícil saber se devemos levá-lo ao pé da letra. Trump o está chamando de Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), em homenagem à sua criptomoeda preferida, que começou como uma piada. No entanto, seus objetivos são grandiosos: Musk pediu US$ 2 trilhões em cortes nos gastos federais (quase um terço do orçamento), o que é impossível de conciliar com a promessa de campanha de Trump de não tocar na Previdência Social ou no Medicare nem aumentar a idade de aposentadoria.

Mesmo antes do Congresso aplicar seus freios e contrapesos, está claro que este gabinete será muito diferente do anterior de Trump. Em Trump Um, Mike Pence, o ex-vice-presidente, ajudou a preencher o primeiro gabinete com republicanos reaganistas. Eles disputavam influência com acólitos do movimento Maga, que zombavam da fé conservadora no governo limitado, internacionalismo robusto e livre comércio. As frentes dessa luta frequentemente se confundiam, e cada lado reivindicava algumas vitórias. Um ex-assessor de Trump disse que o presidente eleito era um moderado em seu próprio movimento Maga. Desta vez, os crentes mais zelosos estão em vantagem. 

 

Trump 2.0 promete um choque econômico global - Otaviano Canuto

Trump 2.0 promete um choque econômico global

Otaviano Canuto

Center for Macroeconomic Development, November 7, 2024

Se republicano sobrepujar limites legais do mercado internacional e implementar algo próximo do que prometeu, economia global sofrerá fortes impactos


A vitória eleitoral de Trump foi completa. Além do colégio eleitoral e dos votos absolutos, seu partido retomou o senado e deve manter a maioria de deputados na câmara. A execução de sua agenda, portanto, não precisará ficar limitada ao que pode fazer com medidas executivas, ganhando força para também incorporar o legislativo quando este for necessário.

Ao longo de sua campanha, Trump aludiu a vários caminhos nos quais poderia colocar sua agenda de política econômica. Espera-se que tire o pé no pedal na agenda de descarbonização presente na política econômica americana, algo que, pelo peso e tamanho da economia do país, terá impacto global. Também se espera o retorno da inclinação desfavorável à imigração na gestão pública que marcou seu primeiro mandato.

Dúvidas e apreensões estão também dirigidas a suas promessas de uso novamente de políticas comerciais sob a forma de tarifas sobre importações, em escala e abrangência geográfica e setorial maiores do que foi em seu mandato anterior. Caso isto se cumpra em intensidade próxima ao que aludiu durante a campanha, pode-se contar com algum grau e intensidade de choque sobre o país e a economia global.

Dentre outras medidas de política comercial, Trump já mencionou duas possíveis: uma tarifa de 60% sobre as importações chinesas e uma tarifa universal de 10-20% sobre todas as importações. Ao longo da campanha mencionou outras de tamanhos variados sobre produtos de outros países. Até ameaçou estabelecer tarifas de 100% sobre países que ameacem abandonar o dólar americano como moeda global de escolha.

Enquanto a administração democrata perseguiu uma “redução de risco” na exposição à economia chinesa – alegando razões de segurança nacional, mediante políticas de proteção, bloqueio de acesso à tecnologia e subsídios à produção local em semicondutores e energia limpa – pode-se dizer que os anúncios de Trump apontam na direção da busca de um “descolamento ou dissociação” total entre as duas economias.

Como em todas as políticas mercantilistas, baseadas na crença de que o adversário perde e a produção local ganha, há sempre uma subestimação dos impactos negativos sobre todos os lados, inclusive terceiros países. Como abordamos aqui em 2020, as tarifas de Trump contra a China em seu governo anterior acabaram impactando negativamente o próprio emprego manufatureiro dos EUA, para não falar da agricultura perdida para o Brasil no mercado chinês.

Para aqueles que acham que terceiros países podem se beneficiar como “conectores” entre EUA e China –como México, Vietnã, Malásia e outros têm feito desde a guerra no primeiro mandato de Trump– cumpre observar que um “descolamento” perseguido pela administração dos EUA não vai deixar tais conexões intocadas.

Trump já comparou guerras comerciais a lutas de boxe. Cabe observar que a elevação do custo de vida para os cidadãos norte-americanos como resultado das tarifas será parte do impacto sofrido pelo lado que golpeia no caso. Não por acaso, Kamala Harris chamou a proposta tarifária de Trump de imposto sobre os consumidores dos EUA”.

Tarifas são um imposto sobre importações. Trump disse que o imposto será pago por estrangeiros, ou seja, que estes absorveriam o impacto sem repasse a preços. Mas isso significaria a ausência do efeito de substituição de importações por produção local.

O resultado mais provável será a elevação de preços domésticos. Alguns alegam que os efeitos inflacionários das tarifas de Trump em seu primeiro governo foram mínimos. Contudo, as novas propostas de Trump se aplicariam a uma parcela muito maior das compras externas. O impacto nos preços será muito maior do que o relativamente modesto “protecionismo inicial” do primeiro mandato de Trump.

Cabe observar que um imposto sobre importações é, também, um imposto sobre exportações, pelo fato de que em parte as tarifas viram um custo para os exportadores que dependem de insumos importáveis. Isso necessariamente tornará tais exportações menos competitivas. Assim, as tarifas elevadas pré-anunciadas por Trump tenderão a expandir indústrias de substituição de importações menos competitivas, mas contrair as exportadoras altamente competitivas. A retaliação estrangeira contra as exportações dos EUA agravaria esse dano. Assistiu-se a tais efeitos durante a elevação de barreiras comerciais por Trump em seu primeiro mandato.

Onde resta pouca dúvida é quanto ao efeito recessivo para a economia global, particularmente com as prováveis respostas retaliatórias dos demais países. Passando por uma desaceleração chinesa, mas também em outros países. Na reunião anual do FMI em Washington, D.C., em outubro, Christine Lagarde, chefe do Banco Central Europeu, disse que novas barreiras comerciais poderiam renovar as pressões inflacionárias mundiais e reduzir o PIB global em até 9%, em seu cenário mais grave.

Uma segunda área onde Trump já deu sinais é a tributária e fiscal. No campo fiscal, o déficit público nos EUA tende a se elevar substancialmente. Isto também tende a trazer impactos macroeconômicos em escala global.

Trump mostrou inclinação para tornar permanentes todos os cortes aprovados pelo Congresso em 2017, o que será facilitado pela vitória republicana no senado e na câmara de deputados. Naquele ano os cortes nas taxas de imposto de renda corporativo foram permanentes, ao passo que os cortes nos impostos de renda individual e de herança deveriam expirar no final de 2025. Trump quer torná-los todos permanentes, além de acrescentar outros itens – como gorjetas. Trump falou em recomposição de arrecadação tributária via tarifas, mas ninguém estima ser isso possível.

No lado das despesas, mesmo cortando a despesa prevista nas leis dos semicondutores e da energia limpa (“Chips Act” e “Inflation Reduction Act – IRA ”), cortes substanciais não serão possíveis sem encolher gastos sociais, como o “Medicare”. Analistas projetam que as propostas de Trump aumentarão a dívida federal. O Comitê para um Orçamento Responsável, apartidário, estima que os planos de Trump podem adicionar US$ 7,5 trilhões.

Muitos economistas e investidores destacam um risco de um longo período de taxas de juros mais altas nos EUA. Temem que não apenas novas tarifas, mas também déficits americanos maiores, possam aumentar a pressão inflacionária dos EUA, levando o Federal Reserve a estender seu período de política monetária mais rígida.

E o Brasil? Mais imediatamente, a eleição de Trump já está trazendo impacto sobre o Brasil mediante os canais de transmissão monetária e cambial. A valorização do dólar em relação às demais moedas que já acompanhou as pesquisas eleitorais favoráveis a ele também atingiu o real. Ontem, no primeiro dia após as eleições, a desvalorização do real foi acentuada, mesmo tendo revertido até o final do dia.

O que se pode depreender para o futuro é a uma perspectiva de juros mais altos nos EUA, empinando sua curva temporal, acompanhando não só a perspectiva de inflação mais alta nos EUA, mas também de déficits públicos maiores. Mais do que nunca, aumentará a demanda de que o governo brasileiro dê sinais mais firmes de redução de seu desequilíbrio fiscal no futuro próximo, de modo a evitar que o prêmio de risco-país intensifique o efeito da valorização do dólar e das taxas de juros longas mais altas nos EUA sobre a taxa de câmbio e a inflação no Brasil.

Na área comercial, é possível até que o deslocamento de demanda agrícola chinesa dos EUA para o Brasil que ocorreu durante a guerra comercial EUA-China no primeiro governo Trump – deslocamento não revertido posteriormente – possa receber impulso adicional em novas rodadas de retaliação chinesa na guerra comercial.

O comercio bilateral Brasil-EUA evoluiu, no passado recente, de déficits do primeiro para saldos próximos de zero. A subida nas exportações agrícolas brasileiras – carne, açúcar, óleos e gorduras – e a redução nas compras brasileiras de combustíveis fósseis ajudaram naquela direção, enquanto o déficit brasileiro bilateral nas manufaturas cresceu nos últimos anos.

Há sensibilidade, por outro lado, quanto às exportações brasileiras de produtos metalúrgicos. Deve-se ter em vista as demandas por fabricantes de aço dos EUA de que tarifas sejam impostas sobre as exportações brasileiras de aço.

O Brasil não aparenta estar no foco da política comercial de Trump, como China e os “países conectores”. Mas vale notar que em uma entrevista em abril para a revista Time, Trump se referiu ao Brasil como “um país dê tarifas muito altas”. O não-alinhamento geopolítico brasileiro e as seguidas referências à substituição do dólar, porém, podem vir a aproximá-lo daquele foco.

Em resumo, as políticas comercial e fiscal no governo Trump 2.0 podem trazer choques macroeconômicos para a economia global e o Brasil. A possibilidade de desaceleração no crescimento econômico chinês, como consequência da política comercial Trump 2.0, pode vir a ser também um canal de transmissão sobre a economia brasileira através de suas exportações de commodities para aquele país.

No lado fiscal, há menor impedimento para o governo Trump 2.0. Já quanto as tarifas, há quem – como John H. Welch, CEO da Research for Emerging Markets Inc– destaque limites legais que dificultariam o cumprimento das promessas significativas feitas por Trump durante a campanha. Caso este venha a de fato a sobrepujar tais limites e implementar algo próximo do que prometeu, a economia global e o Brasil enfrentarão um verdadeiro choque macroeconômico.

 

Otaviano Canuto, 68 anos, é integrante-sênior do Policy Center for the New South, integrante-sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor-executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID.

 

Planejando o futuro do Brasil: uma mania recorrente - Paulo Roberto de Almeida

Planejando o futuro do Brasil: uma mania recorrente

Paulo Roberto de Almeida

Considerações a respeito no mais uma consulta dos planejadores governamentais brasileiros; um dos países mais planejados do mundo.

 

        Com a possível exceção da antiga União Soviética e talvez da França, o Brasil deve ser o país mais adepto do planejamento para o seu sucesso futuro, uma mania que não nos larga desde o início da era Vargas, no entre guerras, antes mesmo que Stefan Zweig vaticinasse que não escaparíamos da fatalidade de ser o país do futuro. Com efeito, datam dos anos 1930 os primeiros esforços no sentido de planejar nossas atividades econômicas, sob o estrito controle governamental, como registrei em estudos históricos sobre os experimentos de planejamento efetuados até o início do século XXI. Alguns dos trabalhos mais representativos podem ser conferidos aqui: 


        1) The Brazilian Experience of Economic Planning: Historical Synthesis (available: https://www.academia.edu/125577856/1277_The_Brazilian_Experience_of_Economic_Planning_Historical_Synthesis_2004_); 

        2) “Planejamento Econômico no Brasil: uma visão de longo prazo, 1934-2006”, in: João Paulo Peixoto (org.): Governando o Governo: modernização da administração pública no Brasil (São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 71-106; disponível na plataforma Academia.edu, link: https://www.academia.edu/49126593/1637_Planejamento_Economico_no_Brasil_uma_visao_de_longo_prazo_Book_2006_);

        3) “Intervencionismo governamental: na ótica de Von Mises e na prática brasileira”, Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento (Brasília: Assecor; vol. 2, n. 2, 2012, p. 211-222); disponível na Academia.edu (link: https://www.academia.edu/125577116/2423_Intervencionismo_governamental_na_%C3%B3tica_de_Von_Mises_e_na_pr%C3%A1tica_brasileira_2012_).

 

    Ao longo dos anos, nas últimas décadas, tenho recebido muitos convites para participar da elaboração ou responder a questionários sobre exercícios de planejamento indicativo para o Brasil, geralmente discorrendo sobre metas em 10, 15 ou 30 anos mais à frente, envolvendo tanto questões propriamente domésticas quando os desafios dos ambientes regional e internacional. Nas duas últimas semanas foram pelo menos três pedidos dessa ordem, aos quais respondi não apenas clicando nas respostas simples a questões pré-formatadas, mas também elaborando comentários ou justificativas a algumas das questões abertas. Um desses exercícios foi feito especificamente na área de relações internacionais e de política externa do Brasil; nele, uma das questões me solicitava indicar “as três maiores prioridades do Brasil na política internacional”. Elaborei mais ou menos detalhadamente, sobre os três aspectos seguintes: 

        1) Capturar mercados, investimentos, know-how, capacitação do capital humano para sustentar uma taxa dinâmica de crescimento econômico, atendendo a critérios de inserção na economia mundial, maior participação de empresas brasileiras e das estrangeiras já instaladas ou investindo no Brasil nas cadeias mundiais de valor e assegurar a maior diversificação possíveis das relações comerciais e econômicas em geral, pela via de acordos bilaterais, plurilaterais (com o Mercosul) ou até por medidas unilaterais de abertura econômica e de liberalização comercial.

        2) Assegurar a manutenção dos padrões básicos que sempre caracterizaram as principais diretrizes da política externa do Brasil e de sua diplomacia profissional, quais sejam, os valores e princípios básicos que guiam nossas relações internacionais (e que estão inscritos no Artigo 4 da CF-1988), assim como preservar a total autonomia de nossa capacidade de decisão com respeito aos interesses nacionais e objetivos prioritários do país, que compreende, entre outros, o desenvolvimento autônomo do país, a absoluta neutralidade em relação aos conflitos interimperiais em curso e vindouros, com imparcialidade em relação a blocos políticos ou militares de caráter divisivo, resguardando nosso pertencimento ao mundo ocidental, orientado pela democracia, direitos humanos e absoluto respeito ao Direito Internacional e compromissos externos; essa autonomia tem sido normalmente preservado, mas no governo Bolsonaro e nos governos lulopetistas (ainda em vigor) registrou-se certo alinhamento com interesses que não são os nossos.

        3) Sendo um país relativamente excêntrico nas relações internacionais, distante dos principais pontos de fratura geopolítica mundial, o Brasil deve concentrar-se no seu entorno regional natural, que é a América do Sul, envidando esforços para fazer do continente uma zona de paz e de cooperação, dotado de governos democráticos, convergentes com nossos interesses (até constitucionalizados) de integração regional, abrindo caminho, até voluntariamente e unilateralmente, para a constituição de um grande espaço econômico integrado na região, uma seja, uma zona de livre comércio robusta, com plena liberalização de bens e serviços, objetivos tendentes a um ideal próximo de um mercado comum, mas SEM os incômodos burocráticos de uma união aduaneira, e menos ainda, no horizonte previsível, com o sonho distante de um acordo comum. Uma zona de livre comércio sul-americana pode ser constituída até sem custosas negociações entre os países da região, bastando que o Brasil se dispusesse, como principal economia regional, a se abrir unilateralmente aos produtos e serviços de todos os vizinhos sul-americanos.

 

    Um exercício mais recente, bem mais elaborado e detalhado, a despeito de conter questões pré-formatadas e quase totalmente previsíveis nos desenvolvimentos esperados – o que redundou em uma abundância de respostas positivas aos argumentos –, permitiu uma elaboração pessoal igualmente mais abrangente, seja concordando ou discordando das afirmações propostas. Tendo em vista o interesse bem concreto das questões sobre alguns dos problemas mais cruciais das insuficientes brasileiras em matéria de desenvolvimento social ou econômico, acredito ser útil usar esse exercício proposto por órgão governamental da área para discorrer sobre eles, pois que representam desafios de enorme importância para o futuro do Brasil (colocado, aliás, num horizonte de mais de duas décadas). Vou reproduzir livremente algumas das questões apresentadas, transcrevendo a seguir minhas próprias respostas a elas, sendo que as justificativas eram opcionais, mas resolvi expor meu posicionamento sobre os problemas focados em cada questão.


Ler a íntegra deste trabalho no seguinte link: 

https://www.academia.edu/125587010/4786_Planejando_o_futuro_do_Brasil_uma_mania_recorrente_2024_


sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Acordo Mercosul-UE: enterrado por mais alguns anos. Vai ser difícil retomar a liberalização nos próximos anos

 Adeus, firewell, auf wiedersehn, adiós, adieu au traité Mercosud-UE:


https://www.lemonde.fr/economie/article/2024/11/15/michel-barnier-reaffirme-son-opposition-au-traite-de-libre-echange-du-mercosur-avant-des-mobilisations-agricoles_6395228_3234.html

Michel Barnier réaffirme son opposition au traité de libre-échange du Mercosur, avant des mobilisations agricoles
A l’occasion du G20 qui se tient à partir de lundi à Rio de Janeiro, la FNSEA et les Jeunes Agriculteurs ont appelé à une mobilisation pour s’opposer au traité de libre-échange entre l’Union européenne et des pays sud-américains.
Le Monde avec AFP, 16/11/2024, 14h37

Quelques jours avant une mobilisation nationale des agriculteurs, prévue pour lundi 18 novembre, le premier ministre, Michel Barnier, a de nouveau marqué son opposition vendredi au traité de libre-échange entre l’Union européenne et le Mercosur. « Il faut le refuser », a-t-il notamment lancé sur France Bleu, affichant son « inquiétude de voir un traité de libre-échange provoquer la destruction de pans entiers de notre agriculture ».
Ce texte, qui serait l’accord le plus important conclu par l’Union européenne, vise à faciliter les échanges commerciaux entre l’Europe et l’Amérique du Sud en supprimant progressivement la quasi-totalité des droits de douane appliqués aux échanges entre les deux blocs.
« Des dizaines de milliers de tonnes de bœuf rentreront avec des conditions d’élevage qui ne sont pas du tout les mêmes que celles que nous imposons à nos propres agriculteurs au titre de la santé publique », a déploré vendredi l’ancien ministre de l’agriculture, qui y voit une « concurrence déloyale ». A la veille d’un déplacement d’Emmanuel Macron en Amérique latine, où il sera notamment question de ce traité de libre-échange, Michel Barnier estime que « ni le président de la République ni le premier ministre que je suis n’accepterons cet accord en l’état actuel des choses ». « Le Mercosur, en l’état, n’est pas un traité qui est acceptable », avait réaffirmé à la mi-octobre Emmanuel Macron.
Des mobilisations dans les Bouches-du-Rhône
Cette interview de M. Barnier a lieu trois jours avant une mobilisation des agriculteurs à l’appel de l’alliance syndicale majoritaire de la FNSEA et des Jeunes Agriculteurs à partir de lundi, au moment où les membres du G20 se réuniront à Rio de Janeiro. Mais dès vendredi des paysans ont manifesté dans les Bouches-du-Rhône. A Tarascon, une trentaine d’agriculteurs, arrivés vers 6 h 30, ont déversé des déchets d’exploitations (fumier, bâches plastiques, etc.) à l’aide d’engins agricoles devant le centre des impôts, dont la plaque avait été recouverte d’un drapeau brésilien, sur lequel était inscrit « ambassade du Brésil ».
« Notre mobilisation s’inscrit en préambule du G20 qui se tient au Brésil pour dire notre opposition à un accord avec le Mercosur. Cet accord ferait entrer sur le territoire des produits qui sont interdits chez nous depuis des années », a expliqué à l’Agence France-Presse (AFP) Romain Blanchard, président de la FDSEA (syndicat majoritaire) des Bouches-du-Rhône.
« Ils veulent nous envoyer leurs déchets, on leur envoie les nôtres ! », a-t-il ajouté. A une vingtaine de kilomètres de là, à Châteaurenard, des agriculteurs de la FDSEA et des Jeunes Agriculteurs ont muré à l’aide de parpaings et de ciment l’accès du public au centre des impôts, avant de déverser en fin de matinée du lisier devant le bâtiment. « Le droit de manifestation existe, dans le respect des personnes, des biens privés, mais je suis aux côtés des agriculteurs », a fait savoir Michel Barnier au micro de France Bleu.
Le Monde avec AFP

Cuba: da vanguarda na AL, e no mundo, para o atraso absoluto sob a ditadura castrista - Marcelo Aleixo e Gustavo Bezerra

 Reproduzo as glosas feitas sobre Cuba por Marcelo Aleixo, que agradeceu a deferência. Ele as fez com base apenas em dados factuais. Cuba tinha desigualdade de renda? Teve ditadura? Sim, como muitos outros paises na América Latina, mas estava muito à frente dis demais pauses, e não apenas devido à “dominação imperialista” americana. Muito tinha sido feito pelos próprios cubanos. O socialismo simplesmente estrangulou o desenvolvimento cubano e levou a ilha para o mais abjeto subdesenvolvimento. 

Agreguei igualmente as observações de Gustavo Bezerra, pois elas são absolutamente relevantes sobre a realidade cubana antes que o castrismo destruísse o país. PRA


GLOSAS POR MARCELO ALEIXO:

Eu citei alguns dados de Cuba antes de 1959, e de fato era um país mais industrializado do que hoje. Busquei mais informações sobre a história econômica cubana em um texto do Dr Mario Guerreiro, professor da UFRJ, para ilustrar melhor o que era Cuba antes da revolução: foi a primeira nação da América Latina (AL) que utilizou máquinas e barcos à vapor, isso em 1829, foi a terceira a ter uma ferrovia, em 1937, a primeira a usar éter medicinal em 1847. A primeira demonstração mundial de uma indústria elétrica foi em Hanana no ano de 1877, mesma cidade onde em 1900 viu o primeiro bonde elétrico e rodou o primeiro automóvel da AL. Em 1881 um cubano foi o primeiro médico do mundo a descobrir o tratamento para febre amarela, e em 1889 Cuba instalou o primeiro sistema elétrico de iluminação pública de toda AL. Havana também foi onde teve a primeirta ligação telefônica direta, sem a necessidade do apoio de uma telefonista central, isso em 1906. Um ano depois esta cidade teve o primeiro aparelho de raio-x da AL. O primeiro voo da AL foi em 19/05/1913, realizado pelos cubanos Agustin Parla e Rosillo Domingo, entre Cuba e Key West. Em 1954, Cuba tinha uma cabeça de gado por pessoa. O país ocupava a terceira posição na AL no consumo de carne per capita, perdendo apenas para Uruguai e Argentina. O Hotel Riviera em Havana foi o primeiro do mundo a ter ar-condicionado, em 1951. O Focsa em Havana foi o primeiro prédio do mundo construído em concreto armado, em 1952. Em 1958, Cuba foi o país da AL com maior número de automóveis: 160.000, ou 1 para cada 38 habitantes, e o que tinha mais eletrodomésticos. O país com o maior número de km de ferrovias por sua área territorial e o segundo no número total de aparelhos de rádio. Em 1958, apesar da sua pequena extensão e com apenas 6,5 milhões de habitantes, Cuba era a 29ª economia do mundo. A produtividade da cana de açúcar era de 55 ton/ha, mais do que o dobro da produtividade no Brasil, que era de 22 ton/ha. A produtividade no Brasil atualmente é cerca de 70 ton/ha, mais do que o dobro da produtividade de Cuba, ceca de 30 ton/ha. Em 1959 a renda per capita em Cuba era a segunda maior da AL, hoje é a segunda menor.

A ilha mostrava evolução no pensamento, na cultura e na liberdade das pessoas em relação aos outros países. Cuba foi uma das primeiras nações a se preocupar com o trato de animais, abolindo as touradas ainda no século XVIII. O primeiro país da AL a conceder o divórcio a casais em conflito, em 1918. O primeiro da AL a ganhar um campeonato mundial de xadrez foi o cubano José Raúl Capablanca, o primeiro campeão mundial de xadrez nascido em um país subdesenvolvido, sendo que ele venceu todos os campeonatos mundiais de 1921-1927. Cuba foi o segundo país no mundo a abrir uma estação de rádio e o primeiro país do mundo a transmitir um concerto de música e apresentar uma notícia pelo rádio, em 1922. Esther Perea de la Torre foi a primeira locutora de rádio do mundo, uma cubana. Em 1928 havia 61 estações de rádio em Cuba, ocupando o quarto lugar no mundo, perdendo apenas para os EUA, Canadá e União Soviética. Cuba foi o primeiro no mundo em número de estações por população e área territorial. Cuba decretou, pela primeira vez na AL, a jornada de trabalho de 8 horas, o salário mínimo e a autonomia universitária, isso em 1937. Em 1940 foi o primeiro país da AL a ter um presidente de pele negra, eleito por sufrágio universal, por maioria absoluta, isso quando a maioria da população era branca, e 68 anos antes disso ocorrer nos EUA. Em 1940 Cuba adotou a mais avançada Constituição de todas as Constituições do mundo. Foi o primeiro país da AL a conceder o direito de voto às mulheres, igualdade de direitos entre os sexos e etnias, bem como o direito das mulheres trabalharem, e foi onde surgiu o primeiro movimento feminista da AL, 36 anos antes da Espanha, esta que só concedeu às mulheres espanholas o direito de voto, a posse de seus filhos, e o poder tirar passaporte e ter o direito de abrir uma conta bancária sem autorização do marido, em 1976. Ernesto Lecuona foi um cubano que se tornou o primeiro diretor musical latino-americano de uma produção cinematográfica mundial e também o primeiro a receber indicação para o Oscar norte-americano, isso em 1942. Cuba foi o segundo país do mundo a emitir uma transmissão pela TV, em 1950. Era comum estrelas de TV de toda a América irem para havana, onde havia mais chances que em seus países para atuarem em canais de televisão. Em 1958, Cuba foi o segundo país do mundo a emitir uma transmissão de TV a cores. Em 1959, Havana era a cidade do mundo com o maior número de salas de cinema: 358, mais que Nova York e que Paris, segundo e terceiro neste ranking, respectivamente.

Em 1955 Cuba foi o segundo país na AL com a menor taxa de mortalidade infantil: 33,4 por mil nascimentos. Em 1956 a ONU reconheceu Cuba como o segundo país na AL com as menores taxas de analfabetismo, apenas 23,6%. As taxas do Haiti eram de 90%; e Espanha, El Salvador, Bolívia, Venezuela, Brasil, Peru, Guatemala e República Dominicana, 50%. Em 1957 a ONU reconheceu Cuba como o melhor país da AL em número de médicos per capita, 1 para 957 habitantes, com o maior percentual de casas com energia elétrica, depois do Uruguai; e com o maior número de calorias 2870 ingeridas per capita.

Mas, Cuba não apresentava só números e informações positivas, e tinha seus problemas como todos os países do mundo. Lá havia muita pobreza, que era dominante na área agrícola de produção do seu famoso tabaco e da cana-de-açucar. O que seria de Cuba hoje sem a revolução nós não sabemos, mas os números mostram que houve grande piora nas condições socioeconômicas da ilha.


REGISTRO DE GUSTAVO BEZERRA: 

Outros fatos geralmente esquecidos pelos adoradores da ditadura cubana: em 1958, Cuba tinha um nível de desenvolvimento comparável ao da Espanha, sua antiga metrópole, e quase igual ao da Itália. A ilha importava migrantes da Europa, ao invés de exportar refugiados, como é hoje. Em nível de desenvolvimento econômico e social, estava atrás apenas, na AL, de Uruguai e Venezuela (outro país que foi destruído pelo delírio socialista) e na frente de Coreia do Sul e Cingapura, países em que poderia ter se transformado, se não fosse o totalitarismo castrista. É importante frisar também que Cuba, de 1940 a 1952, foi uma democracia, assim como a ex-Tchecoslováquia antes do comunismo. Inclusive, o 1o governo de Fulgêncio Batista promulgou uma Constituição democrática (a de 1940) e tinha 2 ministros comunistas (antes de os comunistas se bandearem para o lado da ditadura dos Castro). Castro, aliás, enganou a todos, inclusive os EUA, que acreditaram no começo, ingenuamente, que ele era um líder democrata e até mesmo anticomunista. Tudo isso foi convenientemente "apagado" da história oficial do país pelo regime totalitário e seus propagandistas.

O novo chefe da política externa dos EUA - Rubens Barbosa (Interesse Nacional)

 O novo chefe da política externa dos EUA

Rubens Barbosa

Editorial, revista Interesse Nacional, 15/11/2024

Senador pela Flórida e futuro Secretário de Estado, Marco Rubio tem uma visão mais aberta para a integração dos EUA no mundo. Próximo a Bolsonaro, ele tem claro viés ideológico contra a esquerda da América Latina, o que vai criar um desafio para o governo brasileiro

O senador Marco Rubio, indicado para liderar a política externa do segundo governo de Donald Trump (foto: Instagram/marcorubio)

As escolhas feitas por Donald Trump para integrar o ministério do seu segundo governo nos Estados Unidos mostram um alinhamento e a promessa de fidelidade total a tudo o que o presidente-eleito prometeu na campanha eleitoral.

Elon Musk vai dirigir o Departamento da Eficiência, que pretende rever o sistema burocrático de Washington, inclusive com a ideia de terminar o Ministério da Educação, cujas funções e funcionários seriam devolvidos aos Estados. 

No USTR, responsável pela política comercial do país, está cotado o fiel seguidor de Trump Robert Lighthizer, que deverá executar duras políticas contra a China na área internacional e no comércio exterior, esticando a corda o máximo possível e com tensões crescentes entre os dois países nas áreas econômica, comercial e tecnológica. 

O preenchimento do Ministério da Defesa com Pete Hegseth, apresentador da Fox News chocou o establishment militar, e o deputado Matt Gaetz para a Justiça, surpreendeu o meio jurídico. 

‘A indicação de Marco Rubio mostra certa contradição com o isolacionismo de Trump, visto que ele tem uma visão mais aberta para a integração dos EUA no mundo’

A indicação de Marco Rubio mostra certa contradição com o isolacionismo de Trump, visto que o senador pela Flórida e futuro Secretário de Estado tem uma visão mais aberta para a integração dos EUA no mundo. Vamos ver se ele vai prevalecer ou se Trump vai dar o tom da política no Departamento de Estado

Marco Rubio é filho de cubanos que saíram de Cuba com a chegada de Fidel Castro. Radical de direita com voo próprio, tem grande interesse por política externa, defende uma atitude dura dos EUA contra a China e carta branca para Israel. 

Será o primeiro Secretário de Estado de origem latina com claro viés ideológico contra a esquerda na região. Rubio vê o mundo por lentes ideológicas e certamente vai ter uma postura dura e firme em relação aos governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua.

‘Trump continuará a ignorar a América Latina, mas a indicação de Rubio colocará o Departamento de Estado no centro das decisões sobre a região‘

Trump continuará a ignorar a América Latina, mas a indicação de Rubio colocará o Departamento de Estado no centro das decisões sobre a região e trará um renovado interesse do governo norte-americano pelas questões latino-americanas. Ausente nos debates eleitorais da campanha presidencial, a América Latina só apareceu nas questões dos imigrantes e do tráfico de drogas. 

Marco Rubio estará diretamente envolvido nas crises globais com a China, com a Guerra da Ucrânia e em Gaza, mas introduzirá uma prioridade nova na política externa dos EUA: América Latina. 

Favorável à manutenção das sanções econômicas contra Cuba e contra a Venezuela e Nicarágua, linha dura na questão da imigração, Marco Rubio inaugurará uma política ativa contra os governos de esquerda na região. Por outro lado, o presidente da Argentina, alinhado com Trump, será um dos privilegiados interlocutores, no outro espectro ideológico na região.

‘O governo Lula deve ter ficado muito preocupado com a confirmação de Rubio como ministro do exterior de Trump. Não são poucas as críticas do Senador à política do governo Lula em relação à Venezuela nos últimos anos’

O governo Lula deve ter ficado muito preocupado com a confirmação de Rubio como ministro do exterior de Trump. Não são poucas as críticas do Senador à política do governo Lula em relação à Venezuela nos últimos anos, em especial durante o processo eleitoral que reconduziu Maduro à Presidência venezuelana. 

Dada a declaração de Trump de que a Venezuela é um caos e que o povo está sofrendo e por isso o seu governo está examinando várias opções, inclusive a intervenção militar, Rubio certamente não se colocará contra essa possibilidade, que dificilmente ocorrerá. Por outro lado, o Trem de Aragua, organização criminosa ativa no tráfico de drogas e de pessoas para os EUA, deverá ser incluída como organização terrorista estrangeira.

A proximidade do Brasil em relação à China, a eventual entrada do Brasil na Nova Rota da Seda, e a presença no Brics também foram alvo de críticas trumpistas. Se Rubio decidir interferir nesses temas, colocará um grande desafio à política externa de Lula.

‘Rubio adotou um tom elogioso a Bolsonaro, e parlamentares brasileiros articulam nos EUA com a direita americana para pressionar instituições brasileiras’

Mais recentemente, Rubio adotou um tom bastante elogioso a Jair Bolsonaro e a Eduardo Bolsonaro, mantendo reuniões e conversando sobre a situação política no Brasil. Parlamentares brasileiros articulam nos EUA com a direita americana para pressionar instituições brasileiras. 

Ao mesmo tempo, cresceram as críticas ao governo brasileiro, depois da suspensão da plataforma X, em agosto passado. Mencionando expressamente o presidente Lula, Rubio afirmou que “a decisão sob o governo petista, levanta sérias preocupações sobre a liberdade de expressão no Brasil. E a mais recente manobra do juiz Alexandre de Morais para minar as liberdades básicas. O Brasil deve retificar esse movimento autoritário”.

As declarações de Lula sobre a ameaça de Trump à democracia e a percepção de nazista e fascista vão ser lembradas a Rubio pelos bolsonaristas, envenenando ainda mais a relação bilateral com o governo Lula.

A atitude de cautela quanto ao futuro da relação bilateral defendida por fontes do Planalto é correta, mas não parece ser possível comparar o início do governo de George W. Bush em 2002 com o começo do governo Trump. 

Distante dos fatos, o assessor internacional do presidente Lula disse que “a relação de Lula e Bush vai inspirar o diálogo com Trump”. Isso dificilmente ocorrerá. Os tempos são outros, as circunstâncias são outras e, sobretudo, não havia em 2002 a divisão ideológica que existe hoje. O diálogo será difícil, se acontecer. Não será surpresa se o relacionamento de Lula com Milei – que inexiste – for o mesmo de Lula com Trump.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Cuba: a falácia do embargo como produtor da miséria da ilha: Paulo Roberto de Almeida e Marcelo Aleixo

 Uma postagem feita na minha página no Facebook sobre a penúria de Cuba em matéria petrolífera – essencial para a geração de energia e para transportes –, agora reduzida apenas a pequenos fornecimentos do México, recebeu alguns comentários nas antípodas. Um dos grandes comentários, merece ser promovido abaixo, por ser significativo dos problemas estruturais cubanos, que NÃO TÊM NADA a ver com o embargo americano.

Cumprimento seu autor, Marcelo Aleixo, que conhece o que comenta. Acrescento apenas uma coisa: dizer que Cuba é "membro da OMC desde 1995" não traduz toda a realidade. Cuba é membro original do GATT-1947, abrigou a famosa conferência da ONU sobre comércio, emprego e desenvolvimento, em 1947-48 (que criou a primeira Organização Internacional do Comércio, o terceiro pé de Bretton Woods, mas que não foi aprovada na época) e continuou no GATT nas décadas seguintes, mesmo se tornando comunista em 1961.

Ou seja, o embargo é uma piada, pois Cuba pode comerciais com TODOS os demais membros da ONU, do GATT e da OMC, que SEMPRE VOTAM CONTRA o embargo, todos eles, pois todo mundo é contra a aplicação extra-nacional e unilateral de leis inernas. Cuba é POBRE pelo socialismo, não por causa do embargo, e só sobreviveu graças ao "mensalão" soviético, e depois graças aos petrodólares chavistas.

PRA.

This year Cuba’s oil imports have collapsed.
Source: Economist



Marcelo Aleixo:
É incrível a imaginação (ou a falta dela) de alguns para tentar justificar o injustificável, e buscam com ilógica achar um culpado dos problemas cubanos. Vemos isso quando resumem os problemas de Cuba ao embargo.
Antes da revolução de 1959, Cuba era um dos países mais ricos da América latina, e quando Fidel morreu era um dos mais pobres, com uma taxa de pobreza de 90%. Antes, estava em quinto no ranking de renda per capita, terceiro na expectativa de vida, com taxa de alfabetização de 76%, a quarta mais alta da América Latina, sendo que o Brasil só foi alcançar esse índice em 1980. Cuba ocupava a 11ª posição no mundo em número de médicos per capita. Hoje a ilha tem que importar cerca de 75% da comida que sua população consome, incluindo açúcar. Com o salário médio de Cuba gasta-se mais de 70% só com alimentação. Segundo dados do IBGE, as famílias com rendimento do salário médio brasileiro gastam cerca de 20% com alimentos. Cuba tem um salário mínimo de US$9. Foi Castro que iniciou o processo para eliminar a classe média e alta da sociedade, principalmente através de duas reformas agrárias. A segunda, mais radical que a primeira, incluiu a nacionalização das empresas americanas e a erradicação da propriedade privada sobre os meios de produção.
Logo depois da revolução os americanos reconheceram Fidel Castro como o novo líder daquela ilha, tanto que o revolucionário foi recebido por Richard Nixon nos EUA, até colocou flores no túmulo de George Washington em sessão solene, com direito à foto oficial apertando a mão do vice-presidente americano. Ou seja, não houve naquele momento uma questão de defender democracia ou alguma ideologia na ilha. Porém, em fevereiro de 1960 Cuba e União Soviética assinam um acordo comercial para a URSS comprar produtos cubanos e abastecer Cuba com petróleo bruto. O governo dos EUA determinou que empresas de petróleo americanas em Cuba parassem de refinar o petróleo soviético. Cuba então nacionalizou as refinarias americanas e desapropriou todas as propriedades dos EUA dentro da ilha, sem pagar por indenizações, e passou a discriminar as importações de produtos norte-americanos, dando motivos aos EUA declararem embargos, que contou com apoio da OEA e sem oposição da OMC.
Era uma questão comercial e de geopolítica, nada a ver com ideologia. Hoje alguns dizem que o atraso da ilha é por causa do embargo, não contam a história mais completa, e omitem que a limitação de comércio da ilha é apenas parcialmente com os EUA. Os cubanos podem fazer, e de fato o fazem, comércio internacional com muitos países, além do país ser membro da OMC desde 1995. Cuba importa cerca de 6% do PIB, índice próximo do que - na história recente - o Brasil tem comprado do exterior, país este que nem tem embargo algum. E, por vezes, esses mesmos que defendem o fim dos embargos contra Cuba, também defendem o protecionismo insano brasileiro, para manter o status quo. Ora, segundo essa lógica deles, se Cuba é um país atrasado por causa das sanções, que a levaram a tão baixo comex, então o Brasil é um país atrasado por proposições como as deles mesmos, que restringem o comex brasileiro. Mas, sabemos, lógica não é o forte deles.
Como disse Diogo Costa: "Antes de 1959, o problema de Cuba era a presença de relações econômicas com os Estados Unidos. Depois o problema se tornou a ausência de relações econômicas com os Estados Unidos". A sanção americana é obscena, como o despotismo do governo cubano também é, mas o embargo não é a raiz da pobreza cubana. Os cubanos, por exemplo, já compram vários produtos dos EUA, podem comprar outros produtos americanos pelo México, como podem comprar carros do Japão, eletrodomésticos da Alemanha, brinquedos da China, ou cosméticos e até implementos agrícolas do Brasil.
Por que não compram? Porque não têm como pagar. Não é um problema contábil ou monetário, pois o governo cubano emite moeda sem lastro nem vergonha, coisa que muitos dos mesmos que defendem o protecionismo brasileiro e o fim do embargo também defendem. O que falta é oferta. Cuba oferece poucas coisas de valor para o resto do mundo. Cuba é pobre porque o trabalho dos cubanos não é produtivo. Os pequenos produtores da ilha, que supostamente se beneficiaram das reformas agrárias, não têm liberdades. O Estado cubano lhes diz o que produzir, a que preço, e eles não podem sequer matar uma vaca da propriedade. Isso daria até 25 anos de prisão se desrespeitado. Pode-se fazer uma analogia entre o que ocorre em Cuba com o que aconteceu na Europa da Inquisição: toda pessoa que discorda do estabelecido pelo governo é reprimida, a casa é tomada e outras pessoas entram. O difícil para os socinhas e comunas conceberem é que produtividade é coisa de empresário capitalista. É o capital que deixa o trabalho mais produtivo. E é pelo empreendedorismo que uma sociedade descobre e realiza o melhor emprego para o capital e o trabalho.
Mesmo quando o governo cubano permitiu um pouco de empreendedorismo, restringiu a entrada de capital. Raúl Castro fez a concessão de quase 170.000 lotes de terra não cultivada para agricultores privados. Só que faltam ferramentas e máquinas para trabalhar a terra. A importação de bens de capital é restrita pelo governo de Cuba. Faltam caminhões para transportar alimentos. Os poucos que existem estão velhos e passam grande parte do tempo sendo consertados. Em 2009, centenas de toneladas de tomate apodreceram na ilha por falta de transporte, por causa destes fatores de controles excessivos e insano planejamento central da economia.
O modelo econômico cubano reside no fato de que, apesar de funcionar sob diretrizes socialistas e autossuficientes (segundo o governo local), depende quase exclusivamente, desde 1959, do que outros governos (vários capitalistas) podem ajudar. Segundo o economista cubano Carmelo Mesa Lago, Cuba recebeu mais ajuda da União Soviética e de outros países do que qualquer outro país da América Latina: US$ 65 bilhões em 30 anos.
E se mesmo com todas essas informações alguém ainda queira insistir que atualmente os problemas de Cuba são derivados dos embargos, exclusivamente ou não, devo lembrar também que os revolucionários não só deram motivos para as sanções, como também assim queriam, conforme foi declarado por Che Guevara no discurso de Argel, após repetir diversas vezes que o objetivo era “cortar todos os laços de Cuba com o capital internacional”, considerando isso um dos principais objetivos da revolução de 1959.

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