sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

CHINA – ASCENSÃO PACÍFICA E HARMONIOSA (II). Visão histórica - Paulo Pinto (Linkedin)

CHINA – ASCENSÃO PACÍFICA E HARMONIOSA (II). Visão histórica

Paulo Pinto

Embaixador do Brasil aposentado. Percursos diplomáticos diferenciados.

Linkedin, January 16, 2025

https://www.linkedin.com/pulse/china-ascens%C3%A3o-pac%C3%ADfica-e-harmoniosa-ii-vis%C3%A3o-hist%C3%B3rica-paulo-pinto-aicnf/ 

 

Conforme citado na primeira parte do artigo, publicado em 20 de dezembro passado, os dirigentes chineses pretendem resgatar a histórica viagem do Alm. Zheng He, em 1405, ao Sudeste Asiático ou “Nanyang”. Procura-se, então, identificar nas “intenções pacíficas” daquele périplo, exemplo da permanente busca de “harmonia” – em oposição a “hegemonia” – nas relações da China com os vizinhos ao Sul de suas fronteiras.

O Partido Comunista Chinês, portanto, se esforça, tanto no plano interno, quanto no das relações com o exterior, no sentido do convencimento de que, em todos os momentos de emergência do país – há 600 anos, como agora - a China pode ser forte, enquanto não representa ameaça regional ou mundial.

Nessa hipótese, um mega agrupamento a ser formado na Ásia Oriental, dependeria do somatório de interesses compartilhados por diferentes "redes de civilizações asiáticas", formadas por chineses, coreanos, malásios, japoneses e outros, que, gradativamente, negociariam uma agenda comum intrarregional.

Na sequência do exercício de reflexão já proposto, afirma-se que a “ascensão pacífica chinesa” dependeria, também, da capacidade de a ASEAN continuar a ser um foro de agregação, permitindo a aproximação de interesses convergentes de seu quase meio bilhão de habitantes daqueles de mais de 1,2 bilhões da China. Esse processo incluiria uma multiplicidade de interações de caráter político, militar, social e cultural.

Nessa perspectiva, no início da década de 1960, a República Popular da China iniciava processo de radicalização interna, com expressivos reflexos em suas relações com o exterior.

Em contrapartida, a região do Sudeste Asiático começava a apresentar perfil próprio. Era a fase da conquista da independência de nações daquela área, sob o formato de Estados modernos. A Nanyang deixara de ser uma vasta mancha cinzenta, da época áurea do hegemonismo do Império chinês. 

Evoluía, naquele momento, da situação em que se marcava no mapa político regional, com vermelho as colônias britânicas, com verde as francesas e amarelo a holandesa.  Começava a entrar na Era da "Guerra Fria" em que os países seriam definidos, no vermelho ou no azul, em função de seu alinhamento com os objetivos estratégicos globais fosse de Moscou ou de Washington, respectivamente.

Nesse contexto, fundada em 8 de agosto de 1967, com a declaração de Bangkok, a Associação das Nações do Sudeste Asiático – ASEAN - foi o terceiro agrupamento a ser formado no Sudeste Asiático, após a Segunda Guerra, sem ter caráter de aliança militar. Teve como predecessora a Associação do Sudeste Asiático, constituída em 31 de julho de 1961 por Tailândia, Malaya e Filipinas, que não sobreviveu mais de três anos, por causa de questão que colocava em disputa, entre Kuala Lumpur e Manila a soberania sobre a província de Sabah.

Paralelamente, Malaya, Filipinas e Indonésia reuniram-se, sob a denominação de MAPHELINDO, a partir de suas bases étnicas. Devido ao componente racial, que preocupava as demais nações da região, pouco igualmente durou.[1]

Em 1966, os ânimos regionais haviam-se acalmado. A Tailândia desempenhara papel de relevo como mediadora para o término das hostilidades. Cingapura havia-se separado da Federação da Malásia, devido ao que julgava ser excessiva concentração de poder em Kuala Lumpur.

Os dirigentes dos cinco países – Tailândia, Malásia, Singapura, Indonésia e Filipinas – passaram então a sentir necessidade de criar novos vínculos entre si, no âmbito de associação que viesse a contornar problemas gerados tanto pela dinâmica regional, quanto pelo envolvimento das superpotências no Sudeste Asiático, onde agravava-se a Guerra no Vietnã.

Reações Externas ao Surgimento da Associação

No plano externo, quando de sua fundação, a ASEAN foi entendida como a expressão de países que pretendiam apresentar-se ao Ocidente industrializado como área dedicada aos propósitos de uma economia de mercado. Além de não se situarem em região diretamente inserida na fronteira ideológica dos Estados Unidos da América - como acontecia com a Coréia do Sul, Taiwan e o então Vietnam do Sul - Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia não desejavam, tampouco, aparecer como promotoras de bloco militar semelhante à SEATO[2].

Tudo o que pretendiam, em nível de sua inserção nas relações internacionais, era salientar, perante o conturbado panorama político regional da época, sua vocação capitalista e reivindicar, portanto, o apoio da superpotência de igual sistema.

Logo após sua fundação, desenvolvimentos políticos dramáticos passaram a ameaçar o equilíbrio de poder no Sudeste Asiático. Em janeiro de 1968, foi anunciado que as forças britânicas seriam retiradas da região a Leste de Suez, até o final de 1971. Paralelamente, a ofensiva Tet, desencadeada pelos nortes- vietnamitas e "vietcongs" contra as tropas americanas, em fevereiro de 1968, levou a mudança da perspectiva de Washington quanto a seu envolvimento em conflitos asiáticos, com o consequente anúncio da "Doutrina Guam", por Nixon, em julho de 1969, segundo a qual era declarada a intenção dos EUA de, a partir de então, colocar maior ênfase "no emprego de forças locais para o combate em lutas locais".

Em outros desenvolvimentos, o Nono Congresso do Partido Comunista Chinês, em abril de 1969, estabelecia nova fase na política externa da RPC, encerrando o período de xenofobia e de exportação de ideologia que caracterizou a Revolução Cultural. Teve início a "Diplomacia de Ping Pong" que conduziu ao anúncio, em julho de 1971, da visita de Nixon a Pequim, bem como à admissão da República Popular da China nas Nações Unidas, em outubro do mesmo ano[3].

Enquanto tudo isso acontecia, alterava-se, igualmente, o perfil da presença da União Soviética no Sudeste Asiático e Moscou estabelecia relações diplomáticas com Kuala Lumpur, em março de 1967, e com Cingapura, em julho de 1968.

O primeiro deslocamento estratégico da Marinha Soviética na região do Oceano Índico ocorreu em março de 1968.  Em junho de 1969, logo após os choques armados na fronteira com a China, no Rio Ussuri, Brezhnev propôs a criação de um sistema de segurança coletiva na Ásia.

Finalmente, o Japão iniciava, na mesma época, sua expansão econômica no Sudeste Asiático.

A reação inicial chinesa, com respeito à formação da ASEAN, foi de condenação, como aliança de "lacaios dos norte-americanos, formada a pretexto de cooperar economicamente, mas, na verdade, tratando-se de agrupamento militar dirigido especificamente contra a China"[4].

A explicação para tal atitude de Pequim é encontrada no fato de que, então no auge da guerra do Vietnam, os EUA utilizavam-se de bases aéreas na Tailândia e Filipinas, para atacar objetivos no território vietnamita.

O enfoque chinês começou a mudar, contudo, a partir do estabelecimento de nova linha política da ASEAN, decidida durante sua Reunião Extraordinária de Ministros dos Negócios Estrangeiros, na capital da Malásia, em novembro de 1971. A chamada "Declaração de Kuala Lumpur", visava à criação de uma Zona de Paz, Liberdade e Neutralidade no Sudeste Asiático (em sua sigla inglesa ZOPFAN)[5].

"Paz e Neutralidade" vinham ao encontro do interesse chinês, no sentido de constituir oposição ao aumento da presença, tanto dos EUA, quanto da URSS naquela parte do mundo. Assim, a RPC chegou a enviar mensagem congratulatória pela formação da ZOPFAN, com ênfase em sua determinação quanto ao estabelecimento de área de "neutralidade".

Com o término da Guerra do Vietnam, em 1975, melhorou o diálogo entre a China e a Associação.  Assim, dois anos após, Pequim chegou mesmo a expressar seu apoio à iniciativa que estabeleceu vínculos especiais entre a ASEAN e os EUA, Japão, CEE, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Coréia do Sul.

O Processo de Abertura da RPC e sua Influência no Sudeste Asiático

 Existe o consenso de que o processo de abertura da China para o exterior teve início em 1978, quando os dirigentes em Pequim reconheceram a falência do modelo econômico centralmente planificado que o país vinha adotando.

Com o término da Guerra Fria, na década de 1990, criaram-se condições para o ressurgimento de uma antiga moldura político-cultural, que historicamente regularam a convivência entre as nações do Sudeste Asiático com a China.

Observadores da América do Norte, contudo, apontavam, a partir de então, a China como um fator futuro de instabilidade regional, disposta a preencher um vácuo político, resultante do término da confrontação bipolar vigente no período da Guerra Fria.

O grande objetivo chinês no plano internacional, nessa perspectiva, teria de ser o de compactuar com a disciplina que os países ocidentais vinham procurando impor ao mundo, desde a metade do século XIX. Tratar-se-ia “apenas de manter e adquirir territórios, definir e assegurar o círculo da própria soberania e a ordem pública no interior desse círculo, se necessário pela força das armas”.

No mesmo período, no entanto, ideias geradas em centros acadêmicos chineses formulavam novo discurso alternativo às teorias de "power politics", com suas fórmulas de dominação dos fracos pelos fortes, bem como defendiam a tese de que, com sua ascensão econômica e política, a Ásia pudesse resgatar alguns dos enunciados de seus "cinco princípios de coexistência pacífica" ou dos "dez princípios de Bandung", apresentados na década de 1950, segundo os quais é concedida ênfase à criação de "um mundo pluralístico onde todos os países seriam colocados em nível de igualdade".

Novo Paradigma: ASEAN+1

O novo milênio iniciou-se, na Ásia Oriental, com transformações paradigmáticas nas relações entre a China e o Sudeste Asiático. Nesse sentido, as dimensões de segurança, econômica e política foram profundamente afetadas por uma herança cultural comum, de origem chinesa.

Em parte, devido à determinação dos Estados Unidos de agir unilateralmente e pelo emprego da força militar, após os atentados de 11.09.2001, a Ásia Oriental passou a valorizar agenda de segurança própria, com ênfase em acordos intrarregionais, principalmente decorrente de entendimentos entre a China e a ASEAN. Assim, em 19 de agosto de 2003, em Wuyishan, província chinesa de Fujian, a RPC agregou sua assinatura ao Tratado de Amizade e Cooperação, que já incluía os já agora dez países do Sudeste Asiático, integrantes daquela Associação[6].

Ademais, a China lançou as fundações para um novo relacionamento com as nações do Sudeste Asiático[7]. Foi fortalecida, assim, a vertente da cooperação no âmbito da Ásia Oriental, na medida em que se concedia menor ênfase aos vínculos entre as margens asiática e norte-americana do oceano Pacífico. (Este assunto será tratado em maiores detalhes em artigos seguintes).

A China tomou a iniciativa, por exemplo, da proposta de uma Área de Livre Comércio com a ASEAN, com clara motivação política, causando preocupação, junto ao Japão e Estados Unidos, que, desde a fundação da Organização Mundial do Comércio, vinham buscando expandir suas relações comerciais com o resto do mundo através, justamente, de instituições globais, como a OMC.

Pequim, no entanto, preferiu propor a referida área de livre comércio com a ASEAN, em 2001, logo após o ingresso da China na OMC. O “Acordo sobre o Comércio de Bens”, assinado, em novembro de 2004, ao final da X Reunião de Cúpula da ASEAN, representou proposta de um “Framework Agreement on Comprehensive Economic Cooperation” entre a ASEAN e a China tendo sido apenas parte de um maior engajamento da RPC na região.

 Em seguida, foi assinada uma “Parceria Estratégica” com aquela sub-região, que incluiu ampla cooperação, nos setores de segurança e político. A China também firmou um “Tratado de Amizade e Cooperação, a Declaração sobre a Conduta das Partes do Mar do Sul da China”, em 2002, comprometendo-se a agir com cautela quanto às ilhas em disputa.

A RPC anunciou, também, sua disposição de assinar o Protocolo ao “Treaty of the Southeast Asia Nuclear Weapons-Free Zone (SEANFZ)” que as nações do Sudeste Asiático reivindicavam havia tempo. Tal decisão colocaria a China favoravelmente na região, em comparação com a determinação dos EUA de não aceitarem igual compromisso de manter o Sudeste Asiático livre do trânsito de armas nucleares.

Um dos principais traços da política externa da China, naquele momento, foi sua maior aceitação do multilateralismo como instrumento para assegurar crescimento e segurança, aderindo, nessa perspectiva a instituições internacionais e regionais. A RPC passou a participar ativamente de mecanismos institucionais inovadores na Ásia oriental, bem como patrocinou novas alianças na Ásia Central. O “ASEAN Regional Forum”, o “Shanghai Cooperation Organization” [8] e o “Boao Forum” [9] têm atuado como fóruns para ressaltar as preocupações chinesas com seu “Novo Conceito de Segurança”.

Nestas ocasiões, a China tem adotado a prática consagrada pela ASEAN de não identificar “uma terceira parte” como o inimigo. Pelo contrário, procura-se valorizar a ideia de que não se tem em vista um adversário definido. Busca-se, então, resolver problemas comuns de acordo com um “Asian way”, que implica em tomar decisões por consenso, com informalidade e voluntarismo – sempre com um “jeito ASEANista”.

Da mesma forma, Pequim tem também advogado crescente cooperação política, econômica e tecnológica, para fortalecer as relações entre a China e os países ao Sul de suas fronteiras.

Mas, da mesma forma que aconteceu com a ascensão de outras potências, na História recente, iria a emergência da RPC ameaçar sua vizinhança ou causar instabilidade mundial?

 Pequim tem reiterado o discurso de que toda está evolução aconteceria pacificamente e em sintonia com a maior inserção do país na Ásia Oriental, que se beneficiaria, como um todo, a exemplo do acontecido, no século XIV, quando o já citado Alm. Zheng He (vide artigo anterior) difundia a cultura chinesa junto às nações da “Nanyang”.

Seria, assim, inevitável que a “equação 10+3” evoluiria, da soma dos mercados do Sudeste e do Nordeste da Ásia, para mecanismo institucional que permitiria, inicialmente os membros da ASEAN mais a China e, em seguida o Japão e a Coréia do Sul, venham a desenvolver uma “Comunidade da Ásia Oriental”.

Existe, contudo, ampla bibliografia atual a contestar a tese de que estaria em curso um “peaceful rise of China”. Para estes setores de opinião, a emergência econômica e política chinesa teriam, como resultado, por exemplo, intensa disputa por recursos energéticos com os Estados Unidos e Japão. Haveria, também, a concorrência acirrada da RPC, com outros países em desenvolvimento, por investimentos externos. Tendo em conta, ainda, o crescente poderio militar chinês, resultante de seu programa de modernização das forças armadas, seriam inevitáveis conflitos intra e extrarregionais.

Nestas duas partes de reflexão sobre “ascensão pacífica e harmoniosa da China”, procurou-se, então, demonstrar que, no século XV, a China desempenhava papel dominante no Sudeste Asiático e servia como fonte de inspiração para a organização política de nações naquela região. Tal esquema foi desestruturado a partir da chegada dos europeus ao continente asiático, no século XIX, e rompido após a Revolução de 1949 e o início da Guerra Fria.

Com o começo do processo de modernização da RPC, na década de 1970, e o término do período de bipolaridade mundial, na de 1990, criaram-se condições para o ressurgimento, no âmbito das relações entre a China e o Sudeste Asiático, de processo de cooperação, que tivesse como base de sustentação um conjunto de valores culturais chineses compartilhados. Novas modalidades regionais de integração foram criadas, em oposição às estruturas de confrontação herdadas da Guerra Fria.

Recentemente, tem-se verificado que experiência histórica regional, em termos de estender ao máximo o fator estabilizador provocado pelos interesses comerciais entre os países do Sudeste Asiático mais os do Nordeste daquele continente, contribuiu para consolidar vínculos entre os mercados dos dez países membros da ASEAN e os da China, Japão e Coréia do Sul, no processo que vem sendo conhecido de 10+3.

Ademais, este longo período de convivência e laços culturais milenares contribuíram para evitar que a confrontação ideológica da Guerra Fria chegasse a ponto de não reversão, favorecendo também a tendência atual no sentido de criação de uma comunidade da Ásia Oriental. Assim, a moldura de laços políticos ora existentes facilita a identificação de interesses compartilhados por Pequim e capitais do Sudeste Asiático, a serem consolidados em pauta de temas internacionais.

Artigos seguintes farão considerações adicionais sobre o impacto da ascensão chinesa, em outras regiões asiáticas.

 

 

Notas: 

[1] “National University of Singapore”, 1988, pag. 1 e seguintes.

[2] A “Southeast Asia Treaty Organization”(SEATO)  foi fundada, em 1954, logo após a retirada da França do Sudeste Asiático. Com o objetivo de conter “a expansão comunista naquela região e foi integrada pelos Estados Unidos, Austrália, França, Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas e Tailândia”. Com sede em Bangkok, a Organização teve como principal objetivo legitimar a presença militar dos EUA no Vietnam, apesar da oposição francesa e paquistanesa. Foi extinta em 1977.

[3]  A respeito do processo de reaproximação entre a RPC e os EUA, vide “China’s Foreign Relations since 1949”, por Alan Lawrence, Routledge & Kegan Paul. London and Boston 1975. Parte VI. Pag 207 e seguintes.

[4] Sobre a reação chinesa quanto à criação da ASEAN, o ISIS da Malásia publicou diversos estudos, entre eles, na “ASEAN Series”, o intitulado “Southeast Asia as a Nuclear-Weapons-Free-Zone”, por J. Soedjati Djiwandono, em 1986. Pag. 5 a 7.

[5] O texto da Declaração de Kuala Lumpur, em 1971, pode ser encontrado, entre outras publicações, no Anexo “E” de “Understanding ASEAN”, editado por Alison Broinnowski, publicado por “The Macmillan Press Ltd. 1983”.

[6] Além dos cinco países fundadores, já citados, ingressaram na ASEAN: Brunei, em 1984; Vietnã, em 1995; Laos, em 1997; Myammar, em 1997; e Camboja, em 1999.

[7] Vide artigo de Kuik Cheng-Ghwee “Multilaralism in China’s ASEAN Policy: Its Evolution, Characteristics, and Aspirations” em “Contemporary Southeast Asia, 27, nr 1, 2005, pag. 102-22.

[8] A respeito da Organização para a Cooperação de Xangai, vide www.sectsco.org.

[9] A respeito do “Boao Forum for Asia”, vide www.boao.ce.cn/english

 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

A volta da Diplomacia das Canhoneiras? - José Nelson Bessa Maia

A volta da Diplomacia das Canhoneiras?


por José Nelson Bessa Maia, doutor em relações internacionais e ex-secretário de assuntos internacionais do governo do estado do Ceará


O mundo chega ao final do primeiro quartel do século XXI numa situação de fragmentação econômica, com uma velha ordem internacional disfuncional e sérias ameaças geopolíticas. Conflitos civis, guerras de conquista, lutas assimétricas e massacres de populações se tornam episódios corriqueiros e isso não parece mais comover a opinião pública global nem causar repercussão na mídia ou repúdio de autoridades e organismos internacionais.

Nesse contexto ameaçador a volta ao poder de Donald Trump nos EUA introduz um complicador em um sistema internacional já tão abalado e fragilizado. As declarações recentes do presidente eleito americano de anexação do vizinho Canadá, de absorção da Groelândia e da reocupação do Canal do Panamá sem descartar o uso de força militar faz ressurgir uma faceta antiga do imperialismo na forma da chamada “diplomacia das canhoneiras”, baseada na noção da Escola Realista das Relações Internacionais, que prioriza a segurança do Estado-nação e o interesse nacional sobre princípios morais ou legais internacionais.

Em outras palavras, a diplomacia das canhoneiras pode ser entendida como um método de intimidação ou intervenção em assuntos internos de outros países por meio da mobilização de força militar para, sem recorrer à declaração formal de guerra, perseguir objetivos nacionais expansionistas em terceiros países. Tal método serviu tanto à preservação de vantagens quanto à tentativa de evitar perdas no exterior. 

Como exemplos históricos da diplomacia das canhoneiras podem-se citar a abertura forçada do Japão pelo comodoro Matthew Perry dos EUA, entre 1853 e 1854; a crise de Agadir, em 1911, quando a Alemanha enviou navio de guerra para o porto marroquino de Agadir; a Guerra do Ópio na China, em 1840 e 1856; A Questão Christie, entre o Império do Brasil e o Império Britânico, entre 1862 e 1865; a intervenção da França no México em 1861 e a ocupação britânica da ilha brasileira da Trindade em 1895. 

Embora o período clássico da diplomacia das canhoneiras já tenha passado, é inquietante a volta nas declarações públicas de ameaça de uso de força militar como instrumento de coerção na política externa pelo novo governo estadunidense.  Sobretudo se essa ameaça fosse eventualmente empregada para a mudança forçada de governos, como seria no caso da Venezuela e seu contestado regime do presidente Nicolás Maduro. 

Em suma, manifestações como essas do Sr. Trump em prol de anexar territórios de outras nações sob o pretexto de garantir os interesses econômicos e a segurança de seu país devem ser rebatidas com veemência nos fóruns internacionais. A truculência e o desrespeito à soberania dos Estados-nações não podem prevalecer no sistema de governança global. O retrocesso civilizacional na convivência entre os diversos países precisa ser combatido a todo o custo e o diálogo pela paz e a busca da cooperação deve prevalecer nas relações entre Estados e povos. 

 

Quanto tempo de "vida" tem o Secretário de Estado de Trump? Muito, pouco, muito pouco? - Stephen Collinson, Caitlin Hu and Shelby Rose (CNN)

 Os analistas políticos americanos não confiam em que o Secretário de Estado de Trump dure muito tempo:


'When Marco speaks ... toilets flush themselves'
Stephen Collinson, Caitlin Hu and Shelby Rose
CNN Meanwhile in America, Jan 15, 2025

Marco Rubio has the chance to be an excellent secretary of state and his Senate pals are sure to confirm him in the job.

But how long can he last?

Running US diplomacy for Donald Trump is like having a root canal every day. The president-elect's first, first-term Secretary of State Rex Tillerson had a nightmare, which culminated in his calling Trump a “moron” and getting fired by tweet. His successor Mike Pompeo did last three years, but only by downplaying his own power and influence and giving Trump credit for anything that went right.

Rubio’s nomination was greeted with huge relief by US allies and foreign policy professionals in Washington because he’s seen as stable and reasonable. This despite amping up his histrionics to fit his hawkish conservative internationalism within Trump’s “America First” creed. His painful genuflecting before his 2016 primary opponent is typical of the rite of humiliation Trump demands of former foes.

But his best qualities were on display when the Florida senator held court in his confirmation hearing Wednesday, conducting a sweeping global seminar, without notes, and displaying impressive depth. Not only did he know what ASEAN was -- unlike his counterpart for Trump's pick for secretary of defense, Pete Hegseth, who testified on Tuesday -- he offered a intricate analysis of the Southeast Asian grouping’s internal political dynamics and views on Beijing.

Rubio also showcased his intense suspicion of China, describing the rising giant as the most “potent and dangerous near peer adversary this nation has ever confronted.” Despite his long-term hostility towards Vladimir Putin, Rubio argued that Ukraine would be unable to fully repel the Russian invasion and that the war should end, aligning himself with the president-elect. But he reassured foreign policy traditionalists by saying he still supports a law that he helped write that means Trump can’t quit NATO without Senate approval.

After Trump refused to rule out sending troops to take back the Panama Canal, Rubio suggested that the terms under which the US turned over the critical waterway may have been violated by two Chinese ports at its ends. But he stressed Panama’s government was a friend of the United States and that the situation could probably be sorted out. This is an example of how Rubio hopes to leverage Trump’s saber rattling to fashion a cohesive American foreign policy.

Not everyone in the Senate Foreign Relations Committee agrees with Rubio, but senators on both sides were wowed by his expertise. Democratic Sen. Tim Kaine said, “We are used to nominees who know a lot about a couple of things or sometimes who know very little about virtually everything.”

Rubio is taking a big risk in leaving the Senate’s clubby confines for Trump’s three-ring circus. The fault lines of an eventual schism with the new president are already evident. While he wants to crack down on China, the president-elect seems to be itching to do deals with leader Xi Jinping. Rubio is a long-time proponent of human rights, a universal value for which his new boss has little time. Trump has also boxed Rubio in by appointing a slew of envoys who will bite chunks out of his portfolio. Turf wars also rage between the State Department and the White House. But it’s all magnified ten-fold under Trump.

And sooner or later, Trump sours on everyone. While Rubio travels the world, MAGA loyalists will be trashing him to the president and reminding Trump of their “small hands” showdown during the 2016 campaign. This is where Rubio’s relationship with new national security adviser Mike Waltz, a Florida House member, who is said to be close to the Florida senator, will be especially critical.

Rubio knows the drill. He repeatedly stressed Wednesday that Trump will be making foreign policy and he’ll just be implementing it, showing how Cabinet members must minimize their own clout to keep the president-elect sweet.

It’s no secret Rubio still pines to be president. So he must stay in Trump’s favor and build bonds with the MAGA base so he can run as his heir. He could then leave Foggy Bottom to launch a GOP primary campaign in 2027, in a crowded field that may include Vice President-elect JD Vance, Florida Gov. Ron DeSantis and even Trump’s son Don Jr.

In 2015, Dan Gelber, a former Florida House Democratic minority leader, told CNN about a warning he gave to his party when the young Rubio was the speaker of the state’s legislature. “When Marco Rubio speaks, young women swoon, old women faint and toilets flush themselves,” he said. “This guy is really good. Marco is instinctive. He is also very, very disciplined.”

Soon-to-be-Secretary of State Rubio will need all those skills to keep his political career alive.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O Brasil e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia (2022) - Paulo Roberto de Almeida

 Nos primeiros meses de 2022, ou seja, pouco tempo depois de iniciada a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, eu fui convidado para explicitar meu pensamento e minha análise sobre a questão. Com a guerra se aproximando do seu terceiro ano, indo para o quarto, talvez se deve rememorar o que eu escrevi em maio de 2024.

4152. “O Brasil e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia”, Brasília, 11 maio 2022, 16 p. Texto de apoio a palestra no encerramento da Semana de Ciências Sociais do Mackenzie, sobre o tema da “Guerra na Ucrânia e suas implicações para o Brasil” (13/05/2022). Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/78954459/OBrasileaguerradeagressãodaRússiacontraaUcrânia2022) e no blog Diplomatizzando (13/05/2022: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/05/guerra-na-ucrania-e-suas-implicacoes.html). Divulgado igualmente na página do Centro de Liberdade Econômica das Faculdades Mackenzie (link: https://www.mackenzie.br/liberdade-economica/artigos-e-videos/artigos/arquivo/n/a/i/o-brasil-e-a-guerra-de-agressao-da-russia-contra-a-ucrania). vídeo da palestra no canal YouTube do Mackenzie (link: https://www.youtube.com/watch?v=7jQtR277iDc). Relação de Publicados n. 1452.


O Brasil e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

Texto de apoio a palestra no encerramento da Semana de Ciências Sociais do Mackenzie, sobre o tema da “Guerra na Ucrânia e suas implicações para o Brasil” (13/05/2022)

 

 

Introdução: o panorama mundial nas primeiras décadas do século XXI

(…)

As grandes rupturas nos equilíbrios internacionais e os novos arranjos pós-Ucrânia

(…)

O Brasil, o direito internacional e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia

(…)

O Brasil e o processo multilateral em torno do conflito na Ucrânia

(…)

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4152: 11 maio 2022, 16 p.; revisão 13/05/2022

Disponibilizado na versão original na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/78954459/O_Brasil_e_a_guerra_de_agressão_da_Rússia_contra_a_Ucrânia_2022_) e divulgado no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/05/o-brasil-e-guerra-de-agressao-da-russia.html).


Prêmio ABRE da melhor tese europeia sobre o Brasil - ABRE

 Prêmio ABRE da melhor tese 2025

A sua tese foi defendida entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2024?
Leia o regulamento a seguir e participe! As inscrições para a edição 2025 do prêmio vão até 15 de fevereiro de 2025.

Está aberta a chamada para inscrições no “Prêmio ABRE da melhor tese europeia sobre o Brasil”.

Regulamento
Artigo primeiro – Título, periodicidade, objetivos, objeto e admissibilidade
A Associação de Brasilianistas na Europa (ABRE) oferece anualmente o “Prêmio ABRE da melhor tese europeia sobre o Brasil” que tem por objetivo premiar a melhor tese de doutorado sobre o Brasil em ciências humanas e sociais realizada em uma instituição universitária europeia. A finalidade do prêmio é estimular a pesquisa, e o conhecimento do Brasil na Europa, colaborando, ao mesmo tempo, para a divulgação das pesquisas europeias sobre o país.
São admitidas teses em todas as disciplinas das Humanidades (literatura, linguística, tradução, cinema, teatro, filosofia, visualidades, comunicação, música etc.) e das Ciências Sociais (sociologia, geografia, urbanismo, história, ciência política, relações internacionais, antropologia, direito etc.), desde que o trabalho enfoque de modo central o Brasil, em suas múltiplas dimensões societais, históricas, artísticas etc. O júri é soberano para decidir sobre o eventual não enquadramento de uma tese nesses critérios.
Podem se candidatar recém-doutores que tenham defendido sua tese em uma universidade europeia entre 1° de janeiro e 31 de dezembro do ano anterior. São admissíveis as candidaturas nas quais a tese tenha sido inscrita e defendida em uma universidade europeia e teses em cotutela em que uma das universidades envolvidas seja europeia. Estudantes que tenham feito estágios doutorais em universidades europeias, mas cuja inscrição tenha sido feita em universidades não-europeias, onde defenderam sua tese, não são admissíveis.
Os trabalhos concorrentes poderão estar escritos em qualquer língua oficial de um país europeu.
O prêmio anual será oferecido desde que ao menos uma das candidaturas responda às datas de defesa e a critérios de qualidade sobre os quais o júri é soberano, além dos critérios de exigência indicados acima, e desde que a documentação necessária seja enviada à ABRE nos devidos prazos.
Artigo segundo – Composição do dossiê e calendário do concurso
O prazo para o envio das candidatura é: 15 de fevereiro, às 21h (horário de Lisboa).
Os interessados devem encaminhar os documentos listados abaixo para o endereço eletrônico abre.concurso@gmail.com.

Documentos:

– Texto completo da tese em versão PDF;
– Texto completo da tese em versão PDF sem marcas de identificação de autoria (nome, filiação, universidade de origem, agradecimentos etc.)
– Resumo da tese em português e na língua da tese, em no máximo 5 páginas cada, indicando 3 palavras-chave e a área na qual a tese se enquadra, se nas Humanidades ou nas Ciências Sociais;
– Resumo estendido da tese em português, perfazendo um total de 10 a 20 páginas;
– CV de quem se candidata de no máximo 3 páginas;
– Cópia do diploma ou documento administrativo comprovando a defesa da tese;
– Cópia de um documento de identidade válido;
– Coordenadas completas (endereço, e-mail e telefone).
Antes do final de fevereiro, a lista de teses selecionadas a concorrer ao prêmio (segundo os critérios indicados no Artigo primeiro) será publicada no site web da ABRE (http://abre.eu), e cada participante será informado individualmente dessa seleção.
O comitê executivo da ABRE dará conhecimento público da decisão do júri do concurso durante o Congresso da ABRE em Salamanca (16-19 setembro 2025). O resultado do concurso será publicado, na mesma época, no site da Associação.
Artigo terceiro – O júri do concurso
O júri será composto pelos membros do comitê executivo da ABRE, que realizarão a avaliação a partir dos pareceres do comitê científico, composto por colegas de reconhecida capacidade intelectual. Cada tese será enviada pelos membros da ABRE a 2 pareceristas ad hoc que receberão a solicitação de avaliar anonimamente em função das candidaturas apresentadas (línguas das teses submetidas e especialidades temáticas e/ou disciplinares).
A composição do júri será publicada no site web da ABRE.
A atribuição do prêmio é fruto da decisão final dos membros do comitê executivo da ABRE a partir dos pareceres recebidos. Os membros do júri se reservam o direito de dobrar o prêmio, de dividi-lo entre 2 candidaturas, ou de não oferecer prêmio algum se considerarem que as teses submetidas ao concurso não correspondem aos seus critérios de exigência. O júri pode, ainda, atribuir menções especiais.
Artigo quarto – O prêmio
O valor do prêmio é de 1.500 € e pretende ser um auxílio à publicação da tese vencedora.
Em princípio, serão concedidos 2 prêmios, um relativo à área de Humanidades e outro à área de Ciências Sociais, descritas anteriormente.
Os trabalhos escolhidos não podem estar publicados sob a forma de livro no momento da premiação.
Em caso de publicação, o logo da ABRE deverá figurar na contracapa do livro, além de uma referência explícita ao recebimento do Prêmio anual ABRE de melhor tese europeia sobre o Brasil.
Quem vencer o prêmio se compromete a mencioná-lo em seu curriculum vitae e nas comunicações e artigos ligados à sua respectiva tese.
Nos anos em que houver o congresso da ABRE, a entrega do prêmio será feita durante o evento. Nos anos em que este não ocorrer, a Associação se reserva o direito de decidir em que circunstâncias esse será entregue, dentro do calendário indicado no artigo segundo.
Artigo quinto – Disposições gerais
As dúvidas e os casos omissos serão resolvidos pelo comitê executivo da ABRE.
O regulamento do prêmio pode ser alterado por iniciativa do comitê executivo da ABRE. As alterações que vierem a ser produzidas no regulamento durante o período que medeia entre o termo do prazo para apresentação dos trabalhos a um concurso e a decisão final do júri não poderão ser aplicadas a essa edição do prêmio.

ABRE - Associação de Brasilianistas na Europa · Emil Holms Kanal 6 · Kopenhagen 2300 · Denmark

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

IBGE: decisões Marcio Pochmann provocam saída de diretores (O Globo)

 Diretores do IBGE entregam cargos insatisfeitos com Pochmann: entenda a crise no instituto

Criação de fundação, mudança de local de trabalho e até cobrança a sindicato foram decididas sem consulta ao Conselho Diretor, apontam críticos, que se queixam de falta de interlocução

Por Mayra Castro e Cássia Almeida

O Globo, 14/01/2025 

 

Após Elizabeth Hypolito e João Hallak Neto, diretora e diretor-adjunto de Pesquisas do IBGE, deixarem seus cargos na última semana, o colunista do GLOBO Lauro Jardim informou ontem que, até o fim do mês, devem sair Ivone Batista e Patrícia Costa, diretora e diretora-adjunta de Geociências. Fontes indicam que faltaria apenas a designação dos substitutos para a saída das diretoras.

Em reunião dos diretores que pediram exoneração com os coordenadores para explicar a decisão, na semana passada, a falta de interlocução com a presidência do órgão, nas mãos do economista Marcio Pochmann, seria o principal motivo para o afastamento. A criação da Fundação IBGE+ nem chegou a passar pelo Conselho Diretor.

Os afastamentos acontecem em meio a uma crise interna do órgão oficial de estatística. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (Assibge), em nota, disse que, embora os diretores tenham optado por não expor publicamente o que os levaram a essas decisões, a entrega dos cargos “mostra o agravamento da crise no IBGE”, e que eles teriam entregado seus cargos por um “desgaste” com a gestão atual.


Clima tenso

Para Paulo Lindesay, diretor da executiva nacional da Assibge, o clima no ambiente de trabalho está tenso desde que algumas mudanças foram anunciadas, como a transferência dos servidores que trabalhavam no Centro do Rio de Janeiro para o Horto Florestal, local considerado pelos servidores como de difícil acesso, e a criação da Fundação IBGE+:

— A gente entende essa fundação como uma forma de fragilizar o próprio IBGE. A argumentação foi que o instituto não teria um orçamento suficiente para gerir seu próprio plano de trabalho, mas o certo seria o presidente lutar para o governo federal colocar mais recursos, e não criar uma outra fundação para captar dinheiro público e privado.

Na reunião dos diretores com os coordenadores, segundo fontes, outro fator citado teria sido a decisão da direção de cobrar aluguel do sindicato pela sala que eles ocupam em um prédio da Avenida Chile (Centro do Rio), onde funciona boa parte dos núcleos do IBGE. A medida teria sido tomada logo após a audiência pública na Câmara dos Deputados com a participação do Sindicato para debater a Fundação IBGE+.

Em carta aberta divulgada ontem, o sindicato alerta que “decisões recentes da atual direção do IBGE colocam em risco a soberania geoestatística brasileira”, referindo-se à Fundação IBGE+.

“Essa medida foi implementada sem consulta aos quadros técnicos, à comunidade científica e à sociedade civil, configurando um precedente perigoso para a interferência de interesses privados no sistema geoestatístico nacional.”

Segundo fontes do instituto, havia a impressão de que o Conselho Diretor não era considerado. As deliberações que deveriam sair das reuniões eram publicadas quase que imediatamente após o fim da reunião, dizem essas fontes.

Outra questão é o uso da intranet do instituto. Antes usada apenas para troca de dados técnicos, agora está mais voltada para propaganda institucional da presidência, dizem fontes próximas ao caso.

A notícia da saída dos núcleos do instituto do prédio da Avenida Chile foi dada ao Conselho Diretor no mesmo dia no qual o aviso ao locador foi feito.

A ex-presidente do IBGE Wasmália Bivar chamou atenção para o fato de os diretores terem sido escolhidos pelo próprio presidente atual:

— Eu imagino que uma ação coletiva dos diretores da casa saindo é uma manifestação de insatisfação com a gestão. Da mesma maneira como, até agora, o presidente continua tendo dificuldades de ouvir os técnicos, isso também deve ter chegado na direção. Eu, pelo menos, não acredito que o IBGE precisa da Fundação IBGE+. Ele precisa de outras coisas — afirmou.

O IBGE publicou nota em seu site divulgando que o servidor Gustavo Junger da Silva irá substituir Elizabeth Hypolito, e que Vladimir Gonçalves Miranda vai assumir o cargo de João Hallak Neto.

O IBGE, procurado, não respondeu sobre a saída dos diretores.


'Sucesso fiscal e político de Milei na Argentina coloca desafios importantes para o Brasil' - Rubens Barbosa (Estadão)

O Estado de S. Paulo, 7 de janeiro de 2025

https://click.jornal.estadao.com.br/?qs=6b7c71bc9e984005f634baf92e2ce99c9777853655fe5bded7a122c4e92accf694609c61280fe35144195830c82f3a13ede61781c098f1652717f0e3a598006d


 

Admirável mundo novo - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Admirável mundo novo

Estão governo e empresas brasileiras conscientes das mudanças e preparados para defender os interesses nacionais neste novo cenário mundial?

 

Opinião:  Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 24/12/2024


No meio de grandes transformações na economia e na ordem internacional, estamos entrando numa nova etapa histórica pela interação de diversos fatores de grande intensidade.

Em primeiro lugar, a supremacia ocidental econômica, financeira e militar dos últimos 200 anos está sendo questionada e, na visão de muitos, está sendo reduzida. O mundo começa a se dividir em um grupo de nações ocidentais (sem definição geográfica) – EUA, Europa, Japão, Austrália e outras – e, de outro, um crescente grupo de nações, liderado pela China, tendo como base o Brics, formado por dez países, com 13 nações convidadas como associadas e mais de uma dezena pedindo para integrá-lo. A influência dos EUA, como a nação mais poderosa do mundo, parece estar em declínio, como se vê na tentativa de conter o conflito no Oriente Médio.

Em segundo lugar, o rápido avanço das tecnologias em várias áreas – inteligência artificial, computação, biotecnologia –, o mais profundo da história da humanidade (maior, talvez, que a invenção da roda, que a revolução industrial e mesmo que a arma nuclear), sobretudo pela possibilidade de a inteligência artificial tomar decisões independentemente da ação humana, com profundas consequências políticas e econômicas globais.

Em terceiro lugar, as mudanças climáticas produzidas pela ação humana estão na raiz de uma crescente crise ecológica, com desastres em todos os continentes (furacões e inundações, queimadas, chuvas e secas) causando destruição e morte, além do crescimento do nível dos oceanos em razão do aquecimento global, ameaçando aumentar o número de refugiados.

Em quarto lugar, as instituições multilaterais criadas depois do fim da guerra, em 1945, para a preservação da paz e da segurança mundiais, não são mais capazes de responder a todos esses desafios por não mais serem representativas da nova geopolítica e da nova geoeconomia global. A Cúpula do Futuro, reunião convocada pelo secretário-geral da ONU, em setembro passado em Nova York, para examinar como poderia ser a governança num mundo multipolar em tempos de grandes mudanças e desafios para a humanidade, terminou esvaziada, sem qualquer perspectiva para indicar caminhos de uma nova governança global. As guerras na Ucrânia e no Oriente Médio em crescente tensão, pela invasão do Líbano e da Síria pelo exército israelense, com a possibilidade de escalada, continuarão a ter impacto na economia e na política global. Caso o conflito se estenda com um eventual ataque de Israel contra o Irã, com o apoio dos EUA, a situação poderá sair do controle, com a possível interferência de potências antiocidentais ao lado do Irã.

Um quinto fator poderia ser acrescentado. Um livro recente – A guerra por Outros Meios (War by Other Means, Harvard Press) – capta as mudanças na formulação e na execução das políticas internas e externas dos países. Um dos aspectos novos examinados é o uso de instrumentos econômicos e comerciais como um meio de alcançar objetivos geopolíticos. A relação entre poder econômico e geopolítica passa a ser fundamental no mundo atual. Nesse sentido, tornam-se elementos básicos a performance macroeconômica do país, a evolução da política econômica internacional e os instrumentos utilizados na busca dos objetivos geopolíticos.

A geoeconomia passou a ser um elemento crítico quando se analisa o papel de cada país neste novo mundo. A geoeconomia focaliza o uso da força por meio de instrumentos econômicos e comerciais para promover e defender os interesses nacionais, para produzir resultados geopolíticos favoráveis e efeitos positivos sobre os objetivos geopolíticos. As restrições à venda de chips para a China, a proibição de compra de roteadores chineses pelos EUA, as medidas protecionistas comerciais da União Europeia, com a desculpa de evitar o desmatamento de florestas, as políticas restritivas minerais da China e o congelamento unilateral de reservas de terceiros países são alguns exemplos da utilização de medidas econômicas como armas, criando verdadeiras guerras por outros meios.

No contexto da geoeconomia, a defesa da segurança nacional passa a ser frequentemente utilizada na ação política nos EUA, na China e em outros países. Utilizado de forma crescente como justificativa de medidas econômicas e comerciais, “o papel da segurança nacional na política e estratégia de comércio e investimento está aumentando em toda parte. Há mudanças na maneira como as pessoas estão abordando a questão da política comercial, a política econômica internacional e isso é verdade nas economias de mercado do mundo todo”, como reconheceu alto funcionário norte-americano. As prioridades econômicas e as novas preocupações com a segurança nacional (que pode incluir tudo) se fundem e tornam superados os conceitos de liberalismo e livre mercado.

Essas são as novas realidades globais. Os países terão de se ajustar para conseguir defender com êxito seus próprios interesses, mas, em primeiro lugar, terão de definir seus objetivos estratégicos, fortalecer os fundamentos de sua economia e ter uma clara visão de seus interesses de médio e longo prazos.

Estão governo e empresas brasileiras conscientes dessas mudanças e preparados para defender os interesses nacionais neste novo cenário?

 

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

 

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/admiravel-mundo-novo/

Vamos discutir o Brasil - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 O embaixador Rubens Barbosa lamdnta a falta de espaço na sociedade e nas esferas políticas para um debate aprofundado sobre os problemas nacionais e sua possível solução. PRA



Vamos discutir o Brasil

É quase inexistente hoje o pensamento sobre o Brasil como país, e não como palco de disputas ideológicas e partidárias

Opinião: Rubens Barbosa 

O Estado de S. Paulo, 14/01/2025

“Tinha razão aquele velho brasileiro que, escandalizado com a futilidade dos nossos debates políticos, lembrava a conveniência de, ao lado do Congresso Nacional, organizar-se uma comissão permanente de brasileiros de boa vontade, sem outra preocupação que a prosperidade e a grandeza da Pátria, para o fim de estudar e resolver os grandes problemas políticos de nossa terra. O Congresso ficaria para as parolagens inúteis, para os bate-bocas apaixonados, para as exibições teatrais (...).” Nada mais atual do que o comentário publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 23 de novembro de 1935.

Nos dias que correm, a divisão e a polarização da sociedade brasileira dificultam e influenciam a discussão e o debate sobre os múltiplos aspectos das questões nacionais. O foco de debate reproduzido pela mídia tradicional e pela mídia social reflete aspectos importantes da economia, da política, das questões sociais, das questões identitárias, as reformas estruturais, a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, as questões ambientais e de mudança de clima, a violência e a corrupção. São raramente analisados os impactos relacionados com o cenário global (guerras, nacionalismo, protecionismo, geoeconomia e uso da força, inovação, inteligência artificial, entre outras) sobre a economia e a política nacionais.

Discute-se tudo, mas pouco ou quase nada sobre o Brasil. É quase inexistente hoje o pensamento sobre o Brasil como país, e não como palco de disputas ideológicas e partidárias. A ausência de lideranças no governo, no Legislativo, no Judiciário, na classe política, nos setores industriais e agrícolas contribui para a discussão fatiada, sem a preocupação mais geral de pensar o Brasil em primeiro lugar, em um mundo em grandes transformações, e sem reconhecer as mudanças ocorridas nas últimas décadas no País e no seu entorno geográfico (América Latina e do Sul), relevantes para uma análise objetiva. Está mudando a economia global, a ordem internacional, a geopolítica, o meio ambiente e a mudança de clima, a inovação tecnológica se acelerou e a inteligência artificial criou desafios na área civil e militar, a geoeconomia e a segurança nacional são as forças do momento. Qual o impacto dessas transformações sobre o Brasil? Quais as decisões estratégicas, internas e externas, que terão de ser adotadas para o Brasil responder a esses desafios? Como tentar reduzir as vulnerabilidades e aproveitar as oportunidades que se oferecem na nova ordem econômica e mundial? Como enfrentar as novas e as tradicionais ameaças à soberania, ao desenvolvimento e à segurança do País?

A radicalização da política interna, na minha visão, torna difícil, neste momento, a discussão sobre um projeto para o Brasil. Na impossibilidade de se chegar a um acordo em torno de um projeto nacional por diferenças ideológicas e político-partidárias, torna-se necessário preencher essa grave lacuna do ponto de vista estratégico. Não existe nenhum documento oficial (e poucos de origem na academia) que pensem o Brasil no contexto global e que tenha sido discutido com a sociedade civil.

Chegou a hora de começar a discutir o Brasil e tentar colocar os interesses nacionais permanentes acima de visões setoriais, como fazem todos os principais países do mundo, com uma visão de médio e longo prazo. O documento Uma Estratégia para o Brasil – O Lugar do Brasil no Mundo, preparado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), procura contribuir para um debate que está atrasado, mas que se faz necessário (interessenacional.com.br). Não se trata de um documento elaborado a partir das políticas do governo de turno nem com viés ideológico ou partidário. Necessariamente genérico, sempre com uma visão estratégica e não conjuntural, o trabalho trata dos objetivos nacionais, do lugar do Brasil no mundo, sinaliza as prioridades e vulnerabilidades de uma potência de médio porte emergente que tem um peso no cenário internacional como oitava economia global, com um território continental e mais de 210 milhões de habitantes. O documento vai além da Estratégia Nacional de Defesa e da Política Nacional de Defesa, produzidos pelo Ministério da Defesa, que refletem posições nacionais, mas de um ponto de vista setorial.

Durante o ano de 2025, serão promovidos encontros virtuais e presencias para discutir o trabalho e suscitar o debate sobre uma estratégia para o Brasil, do ponto de vista interno e externo, com uma visão de médio e longo prazo. Com isso, se pretende começar a focalizar o Brasil em primeiro lugar, em um novo mundo, em complemento ao debate interno conjuntural de todos os problemas políticos, econômicos e sociais nacionais.

O Irice, com o apoio do Portal Interesse Nacional, organizará uma série de encontros para sensibilizar a sociedade civil para esse debate. Serão buscadas parcerias com as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa, da Câmara e do Senado, com os partidos políticos, com instituições civis e militares, públicas ou privadas, empresariais e acadêmicas, além de formadores de opinião na mídia social que possam se interessar.

Vamos discutir o Brasil acima de interesses ideológicos e partidários.

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/vamos-discutir-o-brasil/

Meus julgamentos “civilizatórios” - Paulo Roberto de Almeida

Meus julgamentos “civilizatórios”

Paulo Roberto de Almeida


Por que uma nação tão inovadora precisava se entregar a um completo imbecil como seu dirigente máximo? Foram os caipiras do interior que ajudaram nessa “inovação”.

Por que uma civilização tão sofisticada, retrasada uma vez por um imperador idiota, precisava recair novamente sob o domínio de um novo imperador, que vai acarretar uma nova estagnação? Aqui talvez seja o simples resultado do carisma burocrático do partido leninista.

O leninismo - que existe na direita também - é a combinação do cientificismo messiânico do marxismo europeu com o voluntarismo ousado do taylorismo americano. 

Lênin era um gênio na política e uma cavalgadura na economia, ao ignorar a força dos mercados, ou do simples cálculo econômico: conseguiu fazer um elefante voar durante 70 anos, com base no escravismo stalinista, até que ele desabou estrepitosamente no fracasso, não por falta de mísseis, mas de meias de nylon.

Putin quer fazer o elefante reviver outra vez, mas não vai conseguir. 

Trump é um Putin, mas bem mais idiota, que vai fazer a América retroceder. 

Xi é um imperador que não presta muita atenção ao que lhe dizem os seus melhores mandarins do PCC. 

Uma pena!

Por que três grandes “civilizações” precisam se estiolar assim de modo tão ridículo?

Por vezes, não são tanto as “forças profundas da História” que movem, ou desmovem, as civilizações, mas fatores contingentes do itinerário civilizatório que impulsionam as paixões e interesses dos humanos em pequenos ou grandes impasses societais.

Preciso revisar o meu Toynbee…

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 14/01/2025

Complemento: 

Nesta terceira década do século XXI, quase um século depois que Toynbee começou suas reflexões históricas – num momento ainda de primazia europeia sobre o mundo, mas já no começo de um declínio muito pouco spengleriano – existem três grandes impérios e um meio império, justamente o europeu.

O americano ainda é o hegemônico, e mais preeminente, no plano militar, econômico, tecnológico e cultural, mas já batendo pino. O russo é puramente bélico, apoiado em grandes recursos naturais, quando o que conta são recursos humanos, e ele está perdendo, natural e insanamente, como ocorre com certos imperadores. O chinês é o mais sofisticado de todos, e está destinado a ser dominante economicamente pelo resto do século XXI, mas sua civilização não é exportável, como a americana o é.

O meio império europeu é ainda o mais charmoso dos três, o mais agradável culturalmente e gastronomicamente, mas os europeus estão cansados, se abrigaram durante muito tempo sob o guarda-chuvas bélico americano, mas não trabalham tanto quanto os chineses e não inovam como os americanos (com muitos cérebros importados do resto do mundo), por isso estão numa longa estagnação.

Aquilo que os americanos chamam de ROW, Rest of the World, não conta muito. A Índia, por exemplo, anunciada como a próxima grande potência, é um caos há 3 mil anos e deve continuar um caos pelos próximos 500 anos, com suas muitas castas. O Sul Global não existe, mas mesmo se existisse, seria uma bagunça, como é, de fato. O Brasil é inovador e atraente, mas acaba importando o que há de mais nocivo na "civilização" americana: o armamentismo, as drogas, a vulgaridade e a obesidade. 

Parafraseando Mário de Andrade, "progredir, vamos progredir um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade."

Desculpem as reflexões da madrugada...


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...