terça-feira, 10 de agosto de 2010

Custo Brasil - mais um exemplo: bancos publicos

Quem diz não sou eu, mas o presidente do Cade.
Acho até que ele foi leniente. Os bancos públicos não são ruins apenas porque distorcem as regras do jogo, concedem subsídios a quem não merece, mas também porque eles impedem a formação de um mercado de capitais digno desse nome.
Eles se prestam a manipulações políticas, servem a fins indevidos, podem (e o fazem) produzir déficit público, enfim, todo tipo de desvio de funções e distorsões econômicas.
Bancos públicos deveriam simplesmente acabar, pois existem outros instrumentos orçamentários, devidamente controlados pelo parlamento, que podem cumprir algumas de suas funções. As demais podem ficar com um sistema bancário aberto, concorrencial, homogêneo e funcionando com regras estáveis e uniformes.
Banco público serve a fins que não são econômicos, nem aliás sociais, apenas políticos.
Paulo Roberto de Almeida

Presidente do Cade critica área econômica
Julianna Sofia
Folha de S. Paulo, Terça-feira, 10 de agosto de 2010

Prestes a deixar o comando do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o presidente da autarquia, Arthur Badin, irritou o Ministério da Fazenda ao criticar a política adotada pelo governo de lançar mão dos bancos públicos para pressionar a redução de juros no mercado financeiro.
No último dia 4, Badin aproveitou os holofotes no julgamento da compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil para atacar o papel dos bancos públicos na gestão petista.
Badin citou declarações do presidente do Banco Central, Henrique Meirellles, de que os bancos públicos não devem ser instrumentos para influenciar ou determinar precificação dos juros.
E acrescentou: De fato, agora são minhas palavras, me parece que, além de ser má política pública, violaria o princípio constitucional de exercício de atividade econômica diretamente.
E foi além. Disse que qualquer subsídio concedido aos consumidores pelo acionista controlador de um banco (leia-se o Tesouro Nacional) implica prejuízo não apenas aos acionistas privados como também ao mercado.
Ao longo das críticas, condenou a política de crédito rural do Banco do Brasil, por não mostrar de forma clara o impacto dos subsídios na contabilidade pública. Classificou de ineficientes tais subsídios, além do potencial de distorcer o mercado.

DECRETO
Os bancos públicos cumprem um papel importante na recuperação econômica, tem, tiveram e terão um papel importante, mas é preciso tomar cuidado, para que, a pretexto de aumentar a competição, não se atinja o contrário no longo prazo, com precificação irracional dos juros. Já se foi o tempo em que se acreditava possível reduzir o preço das coisas por decreto.
Procurado pela Folha, Badin informou que não iria comentar o assunto.
Não foi a primeira vez que ele se manifestou contra a atuação dos bancos públicos na redução dos juros por gerar desequilíbrios na concorrência do setor. No início do ano, Badin fez as primeiras críticas, o que gerou desconforto na equipe econômica.
Assessores do ministro Guido Mantega consideraram que o ataque agora foi acintoso.
O desempenho dos bancos federais na ampliação do crédito, na redução de juros e na conquista de fatias do mercado é monitorado de perto por Mantega, que se vangloria dos resultados obtidos nos últimos anos.

BELIGERÂNCIA
A Folha ouviu de um integrante do secretariado de Mantega o comentário de que a iniciativa de Badin não passou de uma tentativa de se apresentar como bastião da resistência contra setores do governo.
Se, antes, a Fazenda torcia o nariz para a possibilidade de recondução de Badin ao cargo de presidente do Cade, agora, opõe-se frontalmente.
Badin, porém, já declarou que, por motivos pessoais, não pretende permanecer mais dois anos no cargo.
Será a primeira vez nos últimos 14 anos que um presidente do conselho não será reconduzido.

A novela do Mercosul - Rubens Barbosa

A saga do Mercosul
Rubens Barbosa
O Globo - O Estado de S.Paulo, 10.08.2010

A 29° Reunião do Conselho do Mercosul, realizada em San Juan, na Argentina, no início de agosto, ocorreu em um momento particularmente delicado para os países da América do Sul.

A temperatura entre a Colômbia e a Venezuela, em consequência das acusações do ex-presidente Alvaro Uribe sobre a presença das Farc em território venezuelano, subiu a um ponto crítico com mobilização de tropas na fronteira.

Enquanto os problemas institucionais do Mercosul persistem e a desintegração regional se amplia com a crise entre Colômbia e Venezuela, o governo brasileiro parece estar mais preocupado com o conflito no Oriente Médio e em como encontrar uma fórmula para resolver as divergências da comunidade internacional e o Irã, em virtude do controvertido programa nuclear de Teerã.

As críticas do candidato da oposição José Serra ao Mercosul e a suas deficiências institucionais ecoaram fortemente na reunião presidencial.

O ministro Celso Amorim, em entrevista ao jornal “Clarín”, de Buenos Aires, na semana passada, disse que “as criticas ao Mercosul e a possibilidade de seu retorno a uma área de livre comércio significam um grande retrocesso e isso não vai ocorrer porque representa interesses de curto prazo”.

Em resposta indireta a Serra, certamente por inspiração brasileira, os presidentes afirmaram que o Mercosul é um desafio histórico, que compromete a vontade dos seus povos e constitui uma aliança estratégica para enfrentar os desafios do atual contexto internacional.

Coincidência ou não, depois de mais de seis anos, foram finalmente aprovados o Código Aduaneiro do Mercosul e a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e a distribuição da renda aduaneira. Embora com prazos dilatados para entrar em plena vigência, os acordos foram sinais positivos.

Os presidentes reconheceram também a necessidade de avanços institucionais, recomendando retoricamente esforços adicionais para fortalecer o Parlamento, o mecanismo de solução de controvérsias e o sistema normativo, a fim de produzir resultados concretos para a integração regional.

O presidente Lula não perdeu a oportunidade para intrigar Serra com os países do Mercosul. Afirmou que “a elite, alguns empresários e políticos consideram perda de tempo a negociação com o Mercosul. Em vez de países pequenos, eles querem negociar com a Alca”, em uma distorcida e equivocada simplificação, que esquece os entendimentos com a União Europeia, aliás sem avanços efetivos até aqui.

Em mais um exemplo da influência da política externa nas negociações comerciais, os países membros assinaram um acordo comercial com o Egito, de pouca relevância do ponto de vista econômico, mas politicamente correto, para fazer contraponto ao já assinado com Israel, e anunciaram a negociação de outros com a Jordânia, a Síria e a Autoridade Palestina.

Continuaram as pressões sobre o Paraguai para aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul.

Foram igualmente aprovados nove projetos no valor de US$ 800 milhões para a construção de estrada no Paraguai e a implantação de linhas de transmissão elétrica na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, financiados pelo Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, em larga medida integralizado com recursos financeiros do Brasil.

Durante a última presidência do Mercosul no governo Lula, o Brasil quer discutir os próximos vinte anos do processo de integração, quem sabe acreditando que o PT nesse período estará a frente do governo no Brasil. Na impossibilidade de avanços concretos na área institucional, como evidenciado pelo desrespeito à tarifa externa comum, reconhecido pelo próprio titular do Itamaraty, o Brasil quer promover um esforço adicional para aumentar a visibilidade do Mercosul, para apoiar a participação social e para fazer um balanço sobre os rumos futuros da integração regional. A distância entre a retórica dos governos e a realidade dos fatos continuará aumentando.

Com a recuperação das economias dos países membros, o comércio intraMercosul vai crescer, independentemente da existência do grupo como uma união aduaneira.

A politica externa de Dilma: especulacoes autorizadas...

Dilma, nas pegadas de Lula
Patrícia Campos Mello/ enviada especial, Brasília
O Estado de S. Paulo, 09/08/2010

O projeto da candidata do PT é manter o eixo central da diplomacia lulista, lutando por um espaço nos grandes conflitos

Em uma eventual vitória do PT nas eleições presidenciais, a candidata Dilma Rousseff vai manter as incursões da política externa brasileira em assuntos polêmicos - ela pretende, inclusive, continuar tentando ter uma voz em conflitos como o do Oriente Médio e da questão nuclear iraniana, a exemplo do que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço internacional que é absolutamente compatível com as ideias da Dilma e com sua própria personalidade", disse ao Estado Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais e principal formulador do programa de governo da candidata. "Quem não entra em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians." Marco Aurélio é a alma da política externa da petista. O mais cotado para chanceler em um eventual governo Dilma é o atual secretário-geral do Itamaraty, Antonio Patriota.

Dilma encara a diversificação de mercados do governo Lula e aproximação com emergentes como um grande trunfo e pretende mantê-las, se chegar ao Planalto. Segundo Marco Aurélio, a "opção sul-americana" iria se aprofundar - ele vê países como a Venezuela e Colômbia fabricando equipamentos para o pré-sal brasileiro. Rebate as acusações de que o posicionamento do Brasil de não condenar o desrespeito a direitos humanos em países como o Irã e Cuba prejudique a reputação do País: "O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias, o Brasil opera em episódios de direitos humanos de forma prática". E mantém vivas as críticas aos EUA: "Se os EUA insistem que temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, isso não vai acontecer."

Boa parte da visibilidade do Brasil no cenário internacional está ligada ao presidente Lula. Como seria isso em um governo Dilma?

A Dilma é diferente e não pretende ser o Lula de saias. Ela vai ter seu estilo. Lula tem uma prodigiosa intuição, já a Dilma é uma pessoa de formação acadêmica, muito assertiva, firme em suas posições.

O Brasil manterá, se ela for eleita, o high profile de política externa?

Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço e responsabilidades internacionais absolutamente compatíveis com as ideias de Dilma e com a própria personalidade de Dilma.

Dá para ver a Dilma tentando mediar o conflito do Oriente Médio?

Por que não?

O que dá para fazer para melhorar o relacionamento com os EUA? Há ruídos, criados pelas divergências em Honduras, no Irã...

Não fomos nós que criamos ruídos. Se os EUA insistem que nós temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, evidentemente, isso não vai acontecer. Precisamos ter paciência, vamos ver o que ocorre nas eleições nos EUA. Tivemos relações tão boas com os republicanos...

A química era melhor com o Bush?

Lula não apenas se declarou contra a guerra do Iraque, como começou a fazer uma articulação internacional. Em um tema tão crucial para o Bush, o Brasil soube se diferenciar e mesmo assim manter as relações com eles. O Bush veio aqui duas vezes, qual presidente americano veio duas vezes ao Brasil?

E o Obama não veio, e provavelmente não virá neste ano.

Durante um período não veio porque estava sem embaixador. Nós somos sensíveis às dificuldades que Obama enfrenta.

O presidente Lula ainda está chateado com Obama por causa do episódio do Irã?

O presidente Lula está um pouco decepcionado, porque tem muita estima pelo Obama. E uma grande expectativa.

Houve mudança na política dos EUA para a região?

Pouca. Os EUA deveriam ter sido mais peremptórios em Honduras. Não foram, sofreram pressão forte de conservadores.

Digamos que até o fim do ano, ou daqui a dois, o Ahmadinejad apareça com uma bomba nuclear. Com que cara o Brasil vai ficar?

O Brasil condenará duramente. Mas o Irã não vai aparecer com uma bomba.

Como é que vocês têm certeza?

Os americanos dizem que eles não têm. Nós estamos tentando impedir que eles tenham, e a melhor maneira é falando com eles.

Foi uma vitória para a diplomacia brasileira, apesar de o acordo não ter sido aceito?

Nós propusemos um caminho, que foi desconsiderado pelos EUA de forma brusca, ríspida e inamistosa.

No caso da Dilma, ela entraria também nessas questões espinhosas?

É claro, quem não está disposto a entrar em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians.

Uma crítica da oposição: porque não vamos mediar as papeleiras no Uruguai em vez de um problema no Oriente Médio?

Quisemos mediar o caso das papeleiras, não foi aceita nossa mediação. Mediamos Equador e Colômbia, Venezuela e Equador. Recebemos aqui o Shimon Peres, o Mahmoud Abbas, o Ahmadinejad, o Bashar Al Assad, da Síria, e todos pediam que interviéssemos...

Talvez porque o Brasil evite fazer julgamentos sobre respeito aos direitos humanos?

Não é verdade, temos uma posição objetiva, temos votos no Conselho a ONU...

Mas o Brasil se abstém em votos de condenação ao desrespeito dos direitos humanos.

Essa posição de abstenção é histórica do Itamaraty, vem lá de trás.

E por quê?

Porque não queremos ser seletivos e politizar circunstâncias. As pessoas sabem de muitos países que têm gravíssimos problemas de direitos humanos, mas com os quais os EUA se dão muito bem, como a Colômbia. Os americanos têm complacência com países onde há apedrejamento a mulheres. O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias . Ele opera em episódios de direitos humanos de forma prática. Quando há violações, nós agimos.

E na eleição do Irã?

Não sei qual é o problema da eleição do Irã.

Mataram manifestantes e prenderam oposicionistas. Isso não é um problema?

Sim, mas não é problema da eleição.

Mas prenderam membros da oposição...

Fizemos várias "démarches" junto ao Irã.

Lula comparou presos cubanos a presos comuns. Não é hora de ser mais assertivo em relação a direitos humanos em Cuba?

Eu conheço Cuba suficientemente para saber que qualquer declaração assertiva produz efeitos opostos.

E no Conselho de Segurança da ONU, continuamos buscando assento permanente?

Entramos em um período de transição que vai em direção a um mundo multipolar. Temos indícios econômicos e políticos da preeminência do sul sobre o norte. Ibas, BRICs, diálogo Sul-Sul, e episódios como Irã mostram isso. O episódio do Irã foi a entrada na cena internacional de dois personagens que não tinham sido convidados, que entraram com uma proposta importante.

O Brasil deveria fazer isso sempre?

Os países vão fazer normalmente, porque não podemos viver hoje sob a tutela de um sistema mundial que foi criado em 1945 e que hoje não tem mais impacto.

O que o sr. acha de flexibilizar o Mercosul e liberar o Brasil para acordos bilaterais?

Bobagem, porque não são os nossos parceiros que estão nos criando dificuldades. No caso da União Europeia foi a Argentina... Os problemas com a Argentina podem ser completamente resolvidos.

Não é necessário o Brasil se mostrar mais ativo em acordos bilaterais sozinho?

Podemos fazer isso com o Mercosul. O Mercosul não é, ao contrário do que o (candidato do PSDB, José) Serra tem dito, um estorvo. Nessas propostas de o Brasil fazer carreira solo em negociações bilaterais há, no fundo, uma tremenda nostalgia da Alca.

O fato de o Brasil não ter fechado nenhum acordo bilateral, a não ser com Israel, nos últimos anos, não indica problemas?

Capitaneamos um esforço coletivo que seria muito mais abrangente e levamos isso às últimas consequências (a Rodada Doha). Quem barrou? EUA e Índia. Agora a Índia está de acordo, mas os americanos não querem.

Doha continuaria como a grande aposta num próximo governo?

Eu estou cético. Vamos fortalecer uma negociação com a União Europeia.

Quais seriam os ajustes na política externa em um governo Dilma?

Temos de aprofundar a opção pela América do Sul, avançar nos projetos de substituição de importação com presença de capitais brasileiros, na Venezuela, na Bolívia.

Haverá proteção de contratos, para não repetir o problema da Odebrecht no Equador?

O problema da Odebrecht no Equador foi absolutamente isolado e já foi resolvido.

Quais outras maneiras haveria para investir na opção sul-americana?

Com o pré-sal teremos de criar uma gigantesca infraestrutura, que a indústria brasileira sozinha não terá condições de absorver. Será que não podemos ter produção desses componentes em outros países? Tem projetos agora na Venezuela, na Colômbia.

E para essa maior integração funcionar, não teria de ser resolvido o problema do protecionismo argentino?

O protecionismo argentino tem incidência marginal. Essas questões são marginais ante os grandes desafios como: a Venezuela vai se industrializar? E a Bolívia? Vamos nos transformar em um mercado de consumo regional, mais de 300 milhões de consumidores. Cada vez mais empresas investem aqui.

Sim, mas no Brasil. Para a Venezuela, onde há insegurança jurídica, ninguém vai.

O problema da Venezuela é menos de insegurança jurídica. O problema é que o modelo ainda não está plenamente configurado. A Venezuela ainda não rompeu com seu modelo petroleiro.

O vasto olhar da diplomacia lulista - Celso Amorim

No novo mapa do mundo, o País está maior
Celso Amorim
O Estado de S. Paulo, 09/08/2010

Uma boa política externa exige prudência, mas também ousadia. Em oito anos, o Brasil mudou de patamar, diz o chanceler

Há sete anos, quando se falava na necessidade de mudanças na geografia econômica mundial ou se dizia que o Brasil e outros países já deveriam desempenhar papel mais relevante na OMC ou integrar de modo permanente o Conselho de Segurança da ONU, muitos reagiam com ceticismo. O mundo e o Brasil têm mudado a uma velocidade acelerada, e algumas supostas "verdades" do passado vão se rendendo à evidências dos fatos. O diferencial de crescimento econômico em relação ao mundo desenvolvido tornou os países em desenvolvimento atores centrais na economia mundial.

A maior capacidade de articulação Sul-Sul - na OMC, no FMI, na ONU e em novas coalizões, como o BRIC - eleva a voz de países antes relegados a uma posição secundária. Quanto mais os países em desenvolvimento falam e cooperam entre si, mais são ouvidos pelos ricos. A recente crise financeira tornou ainda mais patente o fato de que o mundo não pode mais ser governado por um condomínio de poucos.

O Brasil tem procurado, de forma desassombrada, desempenhar seu papel neste novo quadro. Completados sete anos e meio do governo do Presidente Lula, a visão que se tem do País no exterior é outra. Já não precisamos ouvir os líderes mundiais e a imprensa internacional para sabermos que o Brasil tem um peso cada vez maior na discussão dos principais temas da agenda internacional, de mudança do clima a comércio, de finanças a paz e segurança.

Países como Brasil, China, Índia, África do Sul, Turquia e tantos outros trazem uma maneira nova de olhar os problemas do mundo e contribuem para um novo equilíbrio internacional.

No caso do Brasil, essa mudança de percepção deveu-se, em primeiro lugar, à transformação da realidade econômica, social e política do País. Avanços nos mais variados domínios - do equilíbrio macroeconômico ao resgate da dívida social - tornaram o Brasil mais estável e menos injusto. As qualidades pessoais e o envolvimento direto do presidente Lula com temas internacionais ajudaram a alçar o Brasil à condição de interlocutor indispensável nos principais debates da agenda internacional.

Foi nesse contexto que o Brasil desenvolveu uma política externa abrangente e pró-ativa. Construímos coalizões que foram além das alianças e relações tradicionais, as quais tratamos de manter e aprofundar, como no estabelecimento da Parceria Estratégica com a União Europeia ou do Diálogo de Parceria Global com os Estados Unidos.

O crescimento expressivo de nossas exportações para os países em desenvolvimento e a criação de mecanismos de diálogo e concertação, como a Unasul, o G-20 na OMC, o Fórum IBAS (Índia-Brasil-África do Sul) e o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) refletiram essa orientação de uma política externa universalista e livre de visões acanhadas sobre o que pode e deve ser a atuação externa do Brasil.

A base dessa nova política externa foi o aprofundamento da integração sul-americana. Um dos grandes ativos de que o Brasil dispõe no cenário internacional é a convivência harmoniosa com sua vizinhança. O governo do presidente Lula empenhou-se, desde o primeiro dia, em integrar o continente sul-americano por meio do comércio, da infraestrutura e do diálogo político.

O Acordo Mercosul-Comunidade Andina criou, na prática, uma zona de livre comércio abrangendo toda a América do Sul. A integração física do continente avançou de forma notável, inclusive com a ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Nossos esforços para a criação de uma comunidade sul-americana (CASA) resultaram na fundação de uma nova entidade - a União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

Sobre as bases de uma América do Sul mais integrada, o Brasil ajudou a estabelecer mecanismos de diálogo e cooperação com países de outras regiões, fundados na percepção de que a realidade internacional já não comporta a marginalização do mundo em desenvolvimento. A formação do G-20 da OMC, na Reunião Ministerial de Cancún, em 2003, marcou a maioridade dos países do Sul, mudando de forma definitiva o padrão decisório nas negociações comerciais.

O IBAS respondeu aos anseios de concertação entre três grandes democracias multi-étnicas e multiculturais, que têm muito a dizer ao mundo em termos de afirmação da tolerância e de conciliação entre desenvolvimento e democracia. Além da concertação política e da cooperação entre os três países, o IBAS tornou-se um modelo em projetos em favor dos países mais pobres, demonstrando, na prática, que a solidariedade não é um apanágio dos ricos.

Também lançamos as cúpulas dos países sul-americanos com os países africanos (ASA) e com os países árabes (ASPA). Construímos pontes e políticas entre regiões que vivem distantes umas das outras, em que pesem as complementaridades naturais. Essa aproximação política resultou em notáveis avanços nas relações econômicas. O comércio do Brasil com países árabes quadruplicou em sete anos. Com a África, foi multiplicado por cinco e chegou a mais de US$ 26 bilhões, cifra superior à do intercâmbio com parceiros tradicionais como a Alemanha e o Japão.

Essas novas coalizões estão ajudando a mudar o mundo. No campo econômico, a substituição do G-7 pelo G-20 como principal instância de deliberação sobre os rumos da produção e das finanças internacionais é o reconhecimento de que as decisões sobre a economia mundial careciam de legitimidade e eficácia sem a participação dos países emergentes.

Também no campo da segurança internacional, quando o Brasil e a Turquia convenceram o Irã a assumir os compromissos previstos na Declaração de Teerã demonstraram que novas visões e formas de agir são necessárias para lidar com temas antes tratados exclusivamente pelos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Apesar dos ciúmes e resistências iniciais a uma iniciativa que nasceu fora do clube fechado das potências nucleares, estamos seguros de que a direção do diálogo ali apontada servirá de base para as negociações futuras e para a eventual solução da questão.

Uma boa política externa exige prudência. Mas exige também ousadia. Não pode fundar-se na timidez ou no complexo de inferioridade. É comum ouvirmos que os países devem atuar de acordo com seus meios, o que é quase uma obviedade. Mas o maior erro é subestimá-los.

Ao longo desses quase oito anos, o Brasil atuou com desassombro e mudou seu lugar no mundo. O Brasil é visto hoje, mesmo pelos críticos eventuais, como um país ao qual cabem responsabilidades crescentes e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os destinos do planeta.

A politica externa de Serra: especulacoes criativas...

Com Serra, uma diplomacia clássica
Patrícia Campos Mello
O Estado de S.Paulo, 09/08/2010

A meta tucana é dar uma guinada, para longe do Irã, de Chávez, de Cuba. E com o comércio gerido por uma SuperCamex, sem o Itamaraty

Rever o Mercosul, afastar-se de países não-democráticos como Cuba, Irã e ditaduras africanas, e abandonar o viés ideológico da política comercial são as linhas-mestras da plataforma de política externa do candidato José Serra (PSDB). Mas o assunto está longe de ter um grande destaque nas propostas de governo dos dois candidatos da oposição.

Mas, segundo apurou o Estado, as diretrizes do tucano vão propor a flexibilização do Mercosul, liberando o Brasil para buscar acordos bilaterais, e a criação de uma SuperCamex, nos moldes do United States Trade Representative (USTR), que daria à política comercial do País status de ministério, subordinado à Presidência. De quebra, seria uma maneira de "despolitizar" a política comercial e acabar com a grande influência do Itamaraty sobre o assunto.

Não existe um núcleo formal dentro da campanha de Serra para debater o assunto, mas há três nomes ouvidos pelo candidato e que apresentam sugestões. Na área de comércio exterior, Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, e Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da FIESP e ex-secretário executivo da Camex no governo FHC. Para política externa, o mais ouvido é Sérgio Amaral, que foi porta-voz do governo FHC e cotado para ser chanceler em um eventual governo tucano. Xico Graziano, o coordenador do programa de governo de Serra, supervisiona.

Os tucanos minimizam a política de diversificar os destinos de exportação brasileira, uma das grandes bandeiras do governo Lula. Para os petistas, foi essa diversificação que permitiu ao Brasil passar quase incólume pela crise financeira mundial. Os tucanos afirmam que a estratégia seguiu motivos políticos e não trouxe benefícios concretos, pois as vendas para África e Oriente Médio, por exemplo, continuam sendo minúsculas. Uma aposta mais acertada, argumentam, seria aprofundar os acordos na América do Sul, liberar o Brasil para mais acordos bilaterais e intensificar as relações com os EUA.

Na visão dos tucanos, a diplomacia da era Lula associou o Brasil a nações não democráticas, prejudicando seu "soft power" e sua capacidade de liderança global. Serra já afirmou que o líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad, integra a "turma de ditadores" da história, como Adolf Hitler e Josef Stalin. "O que ganhamos com essa aproximação? Nada. E perdemos muito em imagem e credibilidade", diz Sérgio Amaral. "Este governo tem a tendência de ver o mundo através de afinidades ideológicas, e nem sempre é assim."

Para Amaral, apostar no G-20 é exemplo de atuação construtiva do Brasil, que deve se aprofundar, enquanto associar-se ao Irã na questão nuclear não é. Os tucanos minimizam o fato de o Brasil ter adquirido um destaque maior no cenário internacional durante o governo Lula. As diretrizes de Serra devem abordar o que a campanha chama de "falso protagonismo" do Brasil, ao se oferecer de mediador de assuntos polêmicos como o conflito do Oriente Médio e a questão nuclear no Irã.

Amaral admite que o carisma do presidente Lula ajudou o Brasil a conseguir mais espaço no cenário internacional, mas entende que os presidentes dos outros países são pragmáticos. "Se o novo presidente, seja quem for, levar adiante políticas que são importantes, será respeitado internacionalmente", diz . Sua avaliação é que o Brasil tem a desempenhar, na América do Sul, um papel que até agora não conseguiu. "Se você não consegue propor uma visão para a América do Sul e atuar em conflitos aqui, como o das papeleiras (conflito entre Uruguai e Argentina por causa de instalação de indústrias de celulose na fronteira), qual é o sentido de tentar resolver o conflito no Oriente Médio?"

A cobrança já foi comentada por José Eduardo Dutra, presidente do PT. "O efeito principal da política externa se dá na economia, nas relações comerciais. Dizia-se que, se a gente não embarcasse na Alca, seria uma tragédia para o Brasil. A Alca já foi sepultada. E qual o resultado de nossa política externa? Até 2002, 60% das exportações brasileiras eram para a União Europeia, Estados Unidos e Japão. Hoje, esses três representam menos de 40%. Tivemos uma diversificação que permitiu um desempenho melhor durante a crise."

Um dos projetos centrais dos tucanos, em um eventual governo Serra, é despolitizar a política comercial - criando uma SuperCamex, órgão com status de ministério dedicado a conduzir a política comercial do País. "Hoje em dia, o Itamaraty tem o controle da política comercial", diz Rubens Barbosa.

"Queremos uma espécie de USTR, subordinado à Presidência, que seria uma Camex fortalecida." Para Barbosa e Roberto Giannetti, a Camex vive relegada a um comando de terceiro escalão. Se fosse promovida a ministério, daria maior prioridade à política comercial. "Os outros ministérios como o da Agricultura e o Itamaraty, precisam se subordinar à Camex para decisões de comércio exterior", diz Barbosa. "Se o Itamaraty, por exemplo, quer um acordo com a Rússia, precisa passar pela Camex." Uma ideia seria o próprio Serra coordenar essa SuperCamex nos primeiros seis meses de governo.

O candidato tucano avalia que o Mercosul tem falhas graves. Define-o como "uma farsa" e "uma barreira para que o Brasil possa fazer acordos comerciais". Não se trata de extingui-lo, avisa Rubens Barbosa, mas de flexibilizá-lo: "Precisamos liberar o País para procurar acordos bilaterais". Hoje em dia, o Mercosul é uma união aduaneira, estrutura que exige concordância de todos os sócios para se fechar um acordo comercial, e uma tarifa externa comum para importação de terceiros países. Giannetti e Barbosa defendem retroceder a um estágio anterior, apenas de livre comércio, liberando os países do bloco para fazer acordos bilaterais.

Essa ideia de flexibilização deverá constar das diretrizes de política externa do programa de Serra. "Nos últimos cinco anos, 100 acordos bilaterais de comércio foram fechados no mundo, mas o Brasil fechou apenas um, com Israel", diz o texto proposto.

Na relação com a Argentina, os tucanos pregam um endurecimento. Esse país, na avaliação de Barbosa, "está desrespeitando regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), violando o tratado com as sucessivas medidas protecionistas contra produtos brasileiros". A decisão do governo brasileiro de ceder ao Paraguai na renegociação das tarifas de energia excedente de Itaipu é para ele "outro exemplo da política de generosidade do governo".

Serra também tem feito críticas ao governo do presidente boliviano Evo Morales: os bolivianos, em seu entender, estariam fazendo "corpo mole" em relação ao tráfico de drogas e o governo seria "cúmplice" disso. O governo Lula reagiu com ironias. "Serra está tentando ser o exterminador do futuro da política externa. Já destruiu o Mercosul, quer destruir nosso relacionamento com a Bolívia e já disse que Mahmoud Ahmadinejad é um Hitler", comentou o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia.

O melhor caminho, segundo os tucanos, seria aprofundar os acordos existentes na América do Sul, enquanto se buscam novos acordos bilaterais. E Amaral diz que é preciso fazer valer as regras do bloco. "A Argentina impõe barreiras, nós entendemos. A Bolívia se apropria da Petrobrás, o Brasil entende. Não dá para só compreender e tolerar; sendo condescendentes com a violação das regras, nós estamos desfazendo as instituições do bloco", diz o ex-porta-voz de FHC.

A Rodada Doha de negociações comerciais, outra prioridade no governo Lula, poderia ficar de molho em um governo tucano. "No governo Lula, ficaram oito anos preocupados com Doha e descuidaram do resto", ataca Barbosa. "A ideia é esquecer Doha por enquanto e agilizar acordos bilaterais", sugere Amaral. O governo atual, diz ele, orienta-se "por uma realidade ultrapassada, com uma mentalidade pré-fim da Guerra Fria". Um exemplo disso, segundo ele, são as alianças de países de Terceiro Mundo para chegar a mudanças. A China fez outra coisa: "Abandonou essa visão norte e sul e atua em simbiose com os EUA. A Índia também, e foi reconhecida como potência nuclear ao assinar um acordo nuclear com Washington."

Ele também acha que está na hora de o Brasil reativar o relacionamento com os EUA. "Por muito tempo os EUA foram vistos com desconfiança, e com motivo, por causa de suas ingerências em questões financeiras, de comércio e política interna dos países da região", diz. "Mas hoje as circunstâncias são totalmente diferentes. O novo presidente tem uma proposta de não ingerência nos assuntos dos países, de multilateralismo. Ele representa muito do que nós queríamos. Podemos adotar uma política de confiança."

A relação com a Casa Branca, que azedou após divergências no caso de Honduras e do Irã, precisa ser resgatada, acredita a oposição. O Brasil costurou com a Turquia um acordo para troca de combustível nuclear do Irã. Para os EUA, o acordo era insuficiente e ameaçava o consenso necessário à adoção de sanções contra os iranianos no Conselho de Segurança da ONU. A posição do Departamento de Estado era que o Brasil mostrava-se "ingênuo" e estava sendo usado pelo Irã - cujo objetivo, segundo eles, era apenas ganhar tempo. A secretária de Estado americana , Hillary Clinton, anunciou sanções um dia depois de o Itamaraty comemorar o acordo com a Turquia - o que irritou profundamente o governo brasileiro.

Essa decisão deu origem a várias críticas contra o presidente Barack Obama. O governo brasileiro se sentiu traído pela Casa Branca, que não esperou os resultados do acordo mediado pelo Brasil. Lula entendeu que Obama estava dando um tiro no pé ao endurecer contra o Irã. "Não foi uma atitude de quem ganhou o Nobel da Paz", afirmou.

Outra divergência ocorre no caso de Honduras. Os americanos acham que o Brasil tem sido duro demais com o presidente eleito, Porfírio Lobo, e intransigente em sua defesa do líder deposto Manuel Zelaya - o que estaria atrapalhando a reconstrução da estabilidade política dos hondurenhos.

A Casa Branca vê os movimentos do Brasil com reservas. Uma das consequências disso é que a visita de Obama ao País deve ficar para o próximo governo. Amaral resume o impasse: "Não dá para ter uma política de defesa da democracia em Honduras, e uma diferente em Cuba".

Mercosul: dois para cá, um para cá tambem, sempre recuando...

Mercosul, o tango que desafinou
Rubens Barbosa
O Estado de S.Paulo, 09/08/2010

Sucessor de Lula terá de resolver os conflitos e a paralisia deixados por uma diplomacia de partido

A América do Sul é, na retórica oficial, a principal prioridade da política externa do governo Lula e a que também apresenta os maiores problemas. A partir de 2003, as ações diplomáticas do Brasil no continente foram influenciadas pela partidarização da política do Itamaraty. Ao colocar em prática a plataforma do partido no poder, a política externa deixou de ser de Estado e passou a ser do PT.

A diplomacia da generosidade em relação a nossos vizinhos, fato inédito nos anais da diplomacia mundial, é uma das consequências da partidarização. Essa generosidade faz-se presente por causa das afinidades ideológicas e partidárias com Bolívia e com o Paraguai e porque o governo quer preservar sua parceria estratégica com Argentina e Venezuela. O Brasil passou a ter uma atitude reativa às propostas da Venezuela (criação do Banco do Sul) e às políticas comerciais da Argentina (restrições contrárias às regras do Mercosul e da OMC a nossos produtos de exportação).

O precedente da tímida reação à nacionalização das refinarias da Petrobrás na Bolívia, em 2006, serviu de estímulo ao Equador, à Argentina e ao Paraguai, que, sem a menor cerimônia, passaram a se sentir no direito de desrespeitar compromissos assumidos com o Brasil.

O Paraguai, querendo a revisão do Tratado de Itaipu, apresentou uma "pauta de reivindicações" que incluiu a exigência de um "preço justo" para a venda da energia excedente de Itaipu e o cancelamento da dívida contraída pelo Paraguai com a construção da hidrelétrica, sob nosso olhar complacente. Tudo feito sem preocupação com o alto preço a pagar, com os poucos ganhos políticos de nossa parte e sem levar em conta o interesse nacional.

O principal projeto da política externa do governo Lula, o Mercosul, está seriamente abalado e sem perspectiva. Do ponto de vista de uma política externa que seja de fato do interesse do Brasil, a sua preservação, como personalidade jurídica e como um processo mais complexo de integração, deveria ser prioridade do Itamaraty.

O Brasil nada fez para estancar a fragilidade do Mercosul, decorrência do seguido descumprimento do Tratado de Assunção. O Mercosul é hoje uma união aduaneira imperfeita e seus críticos querem que volte a ser área de livre comércio. Caso isso viesse a ocorrer, o desaparecimento da Tarifa Externa Comum poderia, no médio prazo, ser contrário aos interesses da indústria brasileira pela perda das preferências e pela inevitável triangulação, sobretudo com a China.

Os objetivos de longo prazo do Tratado deveriam permanecer. O importante, do ponto de vista do Brasil, é não limitar - como ocorre agora - a margem de manobra na busca de acordos com parceiros comerciais importantes, como a União Europeia e países asiáticos. Essa modificação no Mercosul deveria ser parte de nova estratégia de negociação, mais condizente com os interesses do País. Ao Brasil deve interessar que todos os vizinhos cresçam e prosperem. Como a maior economia da região, o Brasil deveria apoiá-los de forma realista, adequada com esse objetivo. Apesar das resistências, todos os países esperam que o Brasil assuma suas responsabilidades e lidere as propostas de mudanças e de integração regional.

No momento em que a região enfrenta um processo de desintegração política e fragmentação comercial, o Brasil, por não ter claramente definidos seus objetivos, está sem estratégia para promover a integração regional e permanece na defensiva e a reboque dos acontecimentos.

Dentro de uma visão estratégica de médio e longo prazo na região, é do interesse brasileiro:

Reconhecer a prioridade da América do Sul e pautar a atitude em relação aos vizinhos pelos valores defendidos internamente (democracia e direitos humanos) e pelo estrito interesse nacional.

Negociar a ampliação dos acordos bilaterais com todos os países sul-americanos, garantindo aos nossos vizinhos ampla abertura do mercado brasileiro.

Negociar acordos de garantia de investimento para proteger empresas nacionais.

Manter a prioridade do processo de integração regional, com atenção especial a infraestrutura, energia e intercâmbio comercial; e retomar projetos de construção de rodovias e ferrovias de modo a permitir que as exportações de produtos brasileiros para a Ásia saiam a partir de portos do Peru e do Chile, o que é estratégico para nossos interesses comerciais de médio prazo.

Manter o apoio ao Mercosul, como um processo que levará a uma crescente integração comercial dos países do Cone Sul a longo prazo. Para benefício de todos os países-membros, a resolução que determina que os membros do Mercosul negociem acordos comerciais com uma única voz deveria ser flexibilizada para permitir que cada país possa negociar individualmente sua lista de produtos. Deveria ser feita uma avaliação objetiva sobre a entrada da Venezuela no Mercosul.

Reexaminar a melhor forma de participação do Brasil nas recém-criadas instituições sul-americanas (Unasul, Celalc, Conselho de Defesa).

O crescente peso econômico do Brasil na América do Sul e no contexto global, além da intensa participação nos temas globais e no grupo dos BRIC exigirão respostas rápidas e transparentes aos desafios do novo quadro político na região. Caso a economia continue a crescer a altas taxas de maneira sustentável, a América do Sul e o Mercosul ficarão pequenos para o Brasil.

Ao contrário da percepção oficial, a política externa brasileira na América do Sul é uma bomba de efeito retardado que o atual governo deixará para seu sucessor.

Relacoes Brasil-EUA: as consequencias sempre vem depois...

Em busca do norte perdido
Paulo Sotero
O Estado de S. Paulo, 09/08/2010

As opções do atual governo, principalmente a aproximação com o Irã, esfriaram as relações com os EUA

O vencedor ou vencedora das urnas de outubro herdará, na relação com os Estados Unidos, um ambiente envenenado pelas consequências da trombada entre Brasília e Washington na questão do programa nuclear do Irã e outros desencontros nos últimos dois anos. O ressentimento deixado pelo episódio iraniano é intenso, mútuo e extravasou para áreas além do controle dos diplomatas, o que deve complicar o indispensável trabalho de reconstrução da confiança entre os dois governos.

Entre altos funcionários e pessoas que acompanham de perto as relações bilaterais fala-se em uma "great anger", algo entre uma "grande irritação" e "enorme raiva". "Eu não teria previsto, no início do ano passado, o quadro negativo com que hoje nos deparamos", disse um funcionário.

No Departamento de Estado, na Casa Branca e em outras áreas do executivo e do Congresso norte-americanos, a interpretação que Brasília deu aos fatos e o vazamento de uma carta que o presidente Barack Obama enviou a seu colega brasileiro foram tomados como "má fé" de um governo que pisou na bola, ignorou o que ouviu de Washington em repetidas consultas, calculou errado a posição de outros países e acabou isolado não apenas de parceiros tradicionais do Brasil, mas também de novos aliados, como China e Rússia.

"A Rússia e a China votaram contra o Irã não porque acreditam nas sanções, mas porque valorizam sua relação com os Estados Unidos e sabiam da importância que a decisão tinha para o presidente Obama", diz uma alta fonte oficial de Washington.

De acordo com a fonte, o voto do Brasil contra as sanções impediu a Turquia de abster-se, como o governo de Ancara gostaria de ter feito - segundo fontes suas teriam feito saber a Washington -, e agravou o dano causado pelo clima de celebração da assinatura do acordo em Teerã, no dia 17 de maio. O prejuízo estende-se à mídia, onde Lula começa a ser tratado com hostilidade, e ao Congresso. Para assessores parlamentares, o episódio alienou simpatizantes e gerou uma predisposição hostil ao Brasil que antes não havia e será agora mobilizada pelo influente lobby pró-Israel e por grupos protecionistas contra iniciativas de interesse do País.

O clima ficou tão carregado que recentemente diplomatas americanos acharam necessário mobilizar amigos influentes em Washington para evitar declarações ou gestos que pudessem aumentar o estrago.

O ressentimento é mútuo. Há, no Planalto, forte zanga diante do que foi interpretado como um ato de sabotagem diplomática da secretária de Estado Hillary Clinton ao acordo que Brasil e Turquia negociaram com o Irã. O sentimento foi expresso pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando recebeu o secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, em maio, dias depois de o Conselho de Segurança da ONU ter apoiado a posição americana e imposto novas sanções econômicas contra Teerã. Segundo uma testemunha, Lula disse sentir-se "traído" por Obama, a quem julgava estar ajudando ao interceder junto aos iranianos numa missão de alto risco.

Figuras insuspeitas em Washington, como o ex-embaixador Thomas Pickering e o ex-chefe das inspeções da Agência International de Energia Atômica, David Kay, criticaram a pressa da administração Obama em ir adiante com as sanções em vez de tentar usar os esforços do Brasil e da Turquia para buscar uma solução com o Irã.

A disposição dos EUA a um diálogo com o Irã, admitida há dias por Washington, pode aliviar o mal-estar com Brasília e Ancara, mas tem premissa que Teerã quer conversar porque as sanções estão surtindo efeito e é preciso, portanto, manter a pressão.

"A eleição presidencial de outubro abre uma oportunidade natural para se fazer uma reavaliação nos dois países e reconduzir o diálogo a um patamar produtivo", disse uma alta fonte diplomática. "Daqui até lá, é importante evitar duas coisas: que se conclua, em Washington, que o Brasil não é um aliado confiável, e , em Brasília, que a diplomacia americana está interessada apenas em afirmar o poder dos Estados Unidos e negar ao Brasil o espaço que o país conquistou na cena internacional."

No entanto, a retomada do diálogo de alto nível iniciado pelos presidentes FHC e Bill Clinton nos anos 90, que Lula manteve com George W. Bush e ensaiou com Obama, depende agora de fatores imponderáveis. Em tese, a eleição de José Serra desanuviaria o ambiente mais rapidamente. O candidato tucano condenou publicamente o abraço de Lula ao governo iraniano de Mahmoud Ahmadinejad.

Em caso de vitória de Dilma Rousseff, a dúvida é se ela adotará uma estratégia externa pragmática, que busque fortalecer a agenda econômica e revalorizar as relações com os EUA ou se abraçará a diplomacia ideológica dos últimos dois anos. A resolução negociada da questão do algodão, depois do episódio iraniano, evitou a imposição de retaliações comerciais aos EUA e mostrou que prevalece em Brasília e Washington o reconhecimento de que há interesses econômicos e uma relação importante a preservar.

Promover a cooperação bilateral com vistas a resultados mutuamente vantajosos foi a ênfase da Cúpula de Altos Executivos de Empresas dos dois países realizada em meados de julho em Denver, Colorado. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, nome forte para a Fazenda num governo Dilma, enfatizou a importância da cooperação com os EUA do pragmatismo nas decisões econômicas internacionais em encontro que teve na Casa Branca, em conversas reservadas com executivos e acadêmicos e em palestra pública que fez no Wilson Center, durante viagem a Washington, no mês passado.

A falta de traquejo internacional de Dilma alimenta, porém, dúvidas se ela, uma vez no poder, optará por agradar a militância do Partido dos Trabalhadores e abandonará os traços de pragmatismo remanescentes na política externa.

Somem-se a isso as incertezas geradas pela fragilidade da recuperação econômica dos Estados Unidos e pelas crescentes dificuldades políticas do governo Obama. As pesquisas apontam para a derrota do Partido Democrata nas eleições legislativas de novembro e perspectivas incertas de reeleição de Obama em 2012.

A consequência provável é que, nos próximos dois anos, a administração norte-americana estará voltado para dentro. Isso, a má vontade mútua criada pelo episódio iraniano e a possibilidade de nova colisão com Washington a respeito dos Andes desaconselham grandes expectativas nas relações bilaterais.

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