segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Pausa para o besteirol religioso-sincrético; nao apenas no Brasil...

Cada coisa que a gente recebe...
Eu ainda não me conformo com a existência de curso de Astrologia na Universidade de Brasília, para mim um sinal a mais da decadência da universidade pública em plena capital da república (com r minúsculo).
Agora recebo a oferta de um curso de magia e ocultismo do que parece ser a maior escola do Brasil nessa área esotérica.
A propaganda é feita em torno de supostas "Caixinhas Mágickas!" [sic três vezes; mágicas, com c e k, para que não restem dúvidas sobre seus poderes...]

Mas o que prometem essas caixinhas?
Deixo a palavra com seus promotores, ou propagandistas:

Atendendo pedidos esta semana as atuas voltaram para a promoção!

As Atuas são caixinhas mágickas para não dizer milagrosas! Elas trabalham com a ajuda dos LOAS do Vodu. Quando se fala em Vodu sempre nos vêm à mente bonequinhos espetados, magia negra e maldição. Mas, as coisas não são bem assim, o Vodu é uma religião muito bem fundamentada com seu panteão e hierarquias organizadas. Os Loas são os Deuses ou Santos do Vodu, como os Orixás na Umbanda, os Santos Católicos, os Deuses Pagãos, etc. Cada Loa têm sua função, tanto para o bem quanto para o mal. Estes Loas possuem um poder muito forte, pois trata-se de uma religião primitiva e quanto mais primitiva, mais pura a energia com a qual se trabalha. Acredita-se que estas entidades já eram reverenciadas pelos povos Atlantes. O curso Tradição da Serpente Negra explica este tema detalhadamente.

Além da poderosa força dos LOAS, outro ponto importante de se trabalhar com as Atuas é o elo energético magnético que se cria. A atua não é um feitiço que você tem uma única oportunidade de executá-lo e se der errado tem que fazer tudo de novo. Com a atua você vai trabalhando diariamente criando um centro de energia incrível. Não existe receita pronta para o uso das Atuas, com elas você cria um feitiço totalmente seu, colocando dentro delas testemunhos e objetos que simbolizam o seu desejo.

Quando introduzimos as atuas em nosso site, disponibilizamos com apenas 4 funções que acreditamos ser as principais na vida de uma pessoa: Amor, Saúde, Prosperidade e Proteção. Com o passar do tempo, as pessoas que usaram se surpreenderam com os resultados e começaram a nos pedir Atuas específicas, para se vingar de um inimigo, fechar um contrato, passar em um concurso, ir bem nos estudos, etc... Aprofundamo-nos cada vez mais em nossos estudos, viajamos até a África, em Ouidah nos iniciamos na tradição Rada e Petro, não foi fácil, além das provações impostas pelo Sacerdote Houn'gan e da Sacerdotisa Mambo, ainda encontramos a barreira do idioma e estilo de vida totalmente diferente do nosso. Mas, valeu a pena! Hoje, orgulhosamente ostentamos o título de Sacerdote Houn'gan e Sacerdotisa Mambo e também apresentamos as 16 atuas que desenvolvemos baseados em nossos estudos e experiências e que tem apresentado resultados positivos ajudando à todos aqueles que fazem uso desta caixinha poderosa com sabedoria e respeito.


Durma-se com um barulho desses.
Mas, eu não tinha acabado as surpresas do dia.
Eis que recebo, na lista da Brazilian Studies Association, que eu julgava uma entidade séria -- tanto que faço parte de seu Comitê Executivo -- o seguinte anúncio de uma palestra na prestigiosa Georgetown University:

Lecture: "Afro-Brazilian Spirituality in our Contemporary World," Carlos Buby, Georgetown University, Washington, DC, September 8
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The Department of Spanish and Portuguese & The Brazilian Studies Program at Georgetown University invite you to a lecture by

Carlos Buby - Babalorixá of Templo Guaracy do Brasil (Umbanda)

"Afro-Brazilian Spirituality in our Contemporary World"

BABALORIXÁ CARLOS BUBY: After a successful start as a singer and composer of Brazilian popular music, Carlos Buby turned to the Tradition of Umbanda in search for existential and spiritual answers. Deep researcher of natural phenomena, Carlos Buby founded Templo Guaracy in 1973, an Umbanda Temple that quickly became a reference in the Tradition. Today Templo Guaracy is present not only in Brazil, but in 7 other countries of Europe and North America (Portugal,France, Austria, Switzerland, Belgium and California, New York, Washington and Canada.) Throughout those years, Carlos Buby developed a cosmogonical model based on the Afro-Brazilian roots, which brings light in understanding the dynamics of life on Earth. Recently he also consolidated the principles that gave rise to the Guaracyan Philosophy, using a humanist, universal, apolitical and non-religious approach.

Wednesday, September 8th, 2010
12:00-1:30pm
ICC 450


Confesso a vocês que por esta eu não esperava, nem da BRASA, nem da Georgetown.
Acho que estou cada vez mais deslocado neste mundo.
Apenas eu acho tudo isso um besteirol completo?

Paulo Roberto de Almeida

Protecionismo: mitos e realidades; desmantelando interpretacoes erroneas da Historia

Um leitor habitual deste blog, escreveu-me a propósito deste meu post (que aliás não é de minha autoria, sendo simplesmente uma transcrição de jornal, precedida de um breve comentario meu):

Protecionismo aumenta no mundo; relatório da OMC

Seu longo comentário, que reproduz algumas das mais comuns interpretações enviesadas da História, e que retiro do "rodapé" para comentar, é o seguinte:

"Equiano Santos deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Protecionismo aumenta no mundo; relatorio da OMC":

Mais uma vez presenciamos que as resoluções das crises financeiras dos países desenvolvidos estão diretamente ligadas às velhas práticas “mercantilistas”. Liberdade de comércio sempre soou como retórica defendida no momento que estes estiveram suficientemente preparados para uma possível livre-concorrência (que nunca existiu em sua forma plena). Protecionismo no momento de fragilidade, livre-concorrência no momento de força.
Lembremos da Inglaterra e suas Leis de Navegação em 1651, cujo protecionismo marítimo levou a uma guerra contra a Holanda, principal conrrente naval. Cabe aqui lembrar que as revoluções inglesas nada tiveram de liberais e que Adam Smith foi melhor recepcionado, à sua época e décadas após, no Brasil, por meio de pensadores como o José da Silva Lisboa do que na própria Grã-Bretanha, cuja política econômica continuara protecionista.
França, Alemanha, Japão, Estado Unidos, representam apenas “um museu de grandes novidades”. Este último, devemos lembrar, teve o seu desenvolvimento econômico fomentado pela ação direta do Estado até a segunda metade do século XIX, momento em que se tornou a 2º potência industrial do mundo. Sua política externa era altamente intervencionista e caracterizada por um isolacionismo profundo nas relações com a Europa.
Professor, a real sensação que tenho é que quanto mais pesquiso, mais chego a conclusão que a ação do Estado na economia, resguardando mercados, fomentando a indústria, redistribuindo renda é fundamental para um país, ao menos até o momento em que possuir setores competitivos o suficiente para enfrentar uma livre-concorrência. Aliás, mais uma vez me questiono: Falar em livre-comércio, ao menos em sua forma plena tal qual concebido por Smith, não é uma bonita utopia tal qual um futuro comunista da sociedade¿ Aliás, caro professor, lembro-me de um de seus artigos sobre globalização em que, na tentativa de defendê-la em sua forma plena, o que seria uma absoluta abertura de mercados entre os países, o senhor se mostrou reticente quanto à tão discutida questão das patentes. Talvez se o senhor estivesse em um debate, podeira naquele momento ter vislumbrado um intelectual que tiraria os óculos para limpar, baixaria a cabeça e diria: “ – Infelizmente isso é um mal necessário...!”. Patente em linguagem econômica, no meu entendimento, é reserva de mercado, nada mais nada menos que uma prática mercantilista disfarçada. Se é necessária como uma espécie de incentivo ao trabalho científico , deveria ser utilizada apenas pelo tempo suficiente para que empresas ou cientistas pudessem recuperar os gastos envolvidos no achamento ou desenvolvimento de algo, o que para alguns produtos não passariam de cinco anos.
Acredito na livre-concorrência, mas esta tal qual foi e é praticada pelos países desenvolvidos. Nestes países, percebemos que ela possui limites bem definidos. Assim, o desenvolvimento do Brasil estaria ligado a uma primeira fase protecionista, ao menos em setores estratégicos da economia. Não falo em estatização, nem em um retorno a Getúlio, longe disso! Devo recordá-lo, professor, que, passados quase vinte anos de abertura de mercados, embora o desenvolvimento econômico e social seja inegável, ainda somos uma república exportadora de” bananas”.
"

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Retomo para comentar e rebater, mas antes quero remeter a este outro post meu:

Protecionismo brasileiro: recrudescendo, cada vez mais...

que evidencia o protecionismo brasileiro, muito mais extensivo, regular, constante, crescente, do que os casos evidenciados acima.
Venho agora ao comentário de meu leitor, destacando apenas os pontos dos quais discordo absolutamente. Devo dizer que também acho que os países ricos praticam protecionismo seletivo, ou mercantilismo novo estilo, bem menos, entretanto, do que os países em desenvolvimento, que são contumazes utilizadores dos mecanismos mais nefastos do ponto de vista de seus próprios interesses de desenvolvimento.
Faço as transcrições seletivas e respondo em seguida:

1)"Protecionismo no momento de fragilidade, livre-concorrência no momento de força."
PRA: Se a história fosse simples assim, o mundo só teria duas cores: preto e branco, ou oposições do mesmo gênero. Essa visão maniqueista da História é muito disseminada em certa literatura, sobretudo a classista, mas ela não descreve a realidade muita mais complexa e mais matizada que ocorre de fato dentro dos países e nas suas relações com os demais.

2) "Estados Unidos (...) devemos lembrar, teve [sic; tiveram] o seu desenvolvimento econômico fomentado pela ação direta do Estado até a segunda metade do século XIX, momento em que se tornou [sic] a 2º potência industrial do mundo. Sua política externa era altamente intervencionista e caracterizada por um isolacionismo profundo nas relações com a Europa."
PRA: Aqui é o samba do historiador doido, sem dúvida nenhuma com a ajuda de historiadores suspeitos como Eric Hobsbawm (que faz muito sucesso no Brasil, mas que nos demais países não é considerado um grande historiador, por sua visão, justamente, enviesada do mundo) e daquela versão vulgar do marxismo pasteurizado pela finada Academia de Ciências da URSS, que fazia uma história vagabunda do mundo, sempre ao estilo simplista do Manifesto.
Sinto decepcionar nosso aprendiz de historiador, mas os EUA não tiveram seu desenvolvimento fomentado pelo Estado, como ele escreve. Este era extremamente fraco, pelo menos até o final da Guerra de Secessão, quando os EUA já tinham consolidado seu processo de desenvolvimento. Este, devemos lembrar, começou prtaicamente ao mesmo tempo que a revolução industrial britânica, com desenvolvimentos comparáveis na Nova Inglaterra, ainda que o Sul tenha permanecido agrário e tradicional.
Os EUA se tornam a primeira potência industrial no mundo já ao final do século 19, mas isso se deve menos à política protecionista, como muitos acreditam, e mais às condições favoráveis no plano da capacitação tecnológica e produtividade do trabalho no país. Os EUA tinham um enorme mercado interno e eram grandes exportadores agrícolas (o que eles continuaram a ser mesmo depois de se converterem na primeira potência industrial. O comércio exterior era uma parte pequena da economia americana, como ainda continua. Não se pode ter o rabo comercial abanando o cachorro do desenvolvimento. Os historiadores lidos por esse comentarista não conhecem a história econômica dos EUA.
Nada a acrescentar sobre essa tremenda contradição entre ter uma política externa intervencionista e ao mesmo tempo isolacionista. Sei do que ele pretende falar: intervenção no Caribe e América Central (até nas Filipinas), isolacionismo em relação à Europa. Mas isso continua no simplismo. Recomendo que ele leia mais livros de qualidade, como Neill Ferguson, Paul Johnson, em lugar do seu Hobsbawm habitual.

3) "...quanto mais pesquiso, mais chego a conclusão que a ação do Estado na economia, resguardando mercados, fomentando a indústria, redistribuindo renda é fundamental para um país, ao menos até o momento em que possuir setores competitivos o suficiente para enfrentar uma livre-concorrência."
PRA: Esta visão da história e do desenvolvimento econômico é construída para provar exatamente o que pretende provar. Ha-Joon Chang é o seu usuário mais recente e mais conhecido. Trata-se de uma leitura seletiva da história. Já tratei desse tipo de deformação neste meu artigo de uma série:
Falácias acadêmicas, 5: o mito do complô dos países ricos contra o desenvolvimento dos países pobres, Brasília, 21 janeiro 2009, 11 p. Continuação da série, tratando desta vez das teses do economista Ha-Joon Chang. Espaço Acadêmico (n. 93, fevereiro 2009; arquivo em pdf). Reproduzido, sob o título de Sobre o complô dos ricos contra os pobres, no site Dom Total (16.04.2009). Originais n. 1976.

4) "Patente em linguagem econômica, no meu entendimento, é reserva de mercado, nada mais nada menos que uma prática mercantilista disfarçada. Se é necessária como uma espécie de incentivo ao trabalho científico , deveria ser utilizada apenas pelo tempo suficiente para que empresas ou cientistas pudessem recuperar os gastos envolvidos no achamento ou desenvolvimento de algo, o que para alguns produtos não passariam de cinco anos."
PRA: De fato, é o que ocorre na prática. Dificilmente uma patente industrial é utilizada por toda a sua vida útil de 20 anos. As patentes de medicamentos sim, na medida em que sua proteção efetiva é menor, já que os procedimentos para venda ao público costumam ser demorados. Como desconfia nosso comentarista, se trata de um mal necessário. Como disse Churchill da democracia, se trata do pior sistema existente, ou possível, à exceção de todos os demais...

5) "...o desenvolvimento do Brasil estaria ligado a uma primeira fase protecionista, ao menos em setores estratégicos da economia. Não falo em estatização, nem em um retorno a Getúlio, longe disso! Devo recordá-lo, professor, que, passados quase vinte anos de abertura de mercados, embora o desenvolvimento econômico e social seja inegável, ainda somos uma república exportadora de” bananas”."
PRA: As pessoas acreditam que sem Getúlio, sem protecionismo, sem estatização, o Brasil nunca teria se desenvolvido, ou pelo menos se industrializado. É o tal princípio que diz que foi assim, então, só poderia ser assim, ou não poderia ter sido de outra forma. Trata-se de outra leitura enviesada da história. O Brasil poderia ter se desenvolvido talvez mais, e melhor, nos quadros de um sistema internacional aberto. Não foi fácil desenvolver o Brasil num mundo sem mercados, sem créditos, com todos os tipos de restrições. A leitura que se faz é simplesmente deformada pelo que ocorreu efetivamente, como se só pudesse ter ocorrido daquela forma e não de outras, sempre abertas.
Por outro lado, NÃO É VERDADE que continuamos exportador de bananas. A soja tem anos e anos de pesquisa e desenvolvimento e concentra o que de melhor o Brasil tem de INDÚSTRIA e de SERVIÇOS, ademais da melhor agricultura em zona tropical do mundo.
Já escrevi sobre nossa exportação de commodities também, para voltar ao mesmo assunto. Quem estiver interessado, pode buscar sob essa rubrica neste blog.

Paulo Roberto de Almeida

domingo, 5 de setembro de 2010

Quilombo de resistência intelectual

Quilombo de resistência intelectual
Paulo Roberto de Almeida

Em situações de quase completa unanimidade, torna-se difícil, praticamente impossível, manter uma posição dissidente, discordante da maioria. Somos olhados como pessoas estranhas, suspeitos de alguma arrogância intelectual ou de elitismo social, o que aos olhos da maioria aparece como um pecado capital.
No entanto, esparsos na comunidade, existem muitos outros indivíduos que também mantêm as mesmas reservas e restrições à ordem dominante, pessoas que se ressentem dos consensos impostos e que gostariam de contribuir para um ambiente de pluralidade e, sobretudo, de respeito à livre expressão de suas discordâncias e propostas alternativas.
É o momento, talvez, de se congregarem esforços na resistência intelectual, de agrupar as forças contrárias atualmente existentes naquele conjunto que foi chamado, em conformidade ao título desta nota, de quilombo, um espaço de racionalidade, de defesa da razão, de não conformismo ou de não conformidade com a aparente unanimidade (que pode ter sido construída por meios de instrumentos espúrios). Trata-se, como alertado, de um foco de resistência, de preservação da racionalidade em meio ao oceano de aprovação, de aparente contentamento com a situação existente, de falsas utopias e de soluções enganosas.
Um quilombo é isso: uma fuga da ditadura dominante, uma pequena ilha de liberdade nas trevas das paixões desatadas, uma centelha de esperança na libertação futura, a preservação da autonomia em momentos de opressão, mesmo virtual ou potencial. Todos os fascismos – e os socialismos não deixam de ser modalidades dessa grande espécie – requerem a unanimidade. O quilombo da razão recusa a unanimidade. Por enquanto é apenas isso...

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 6.09.2010)

PS.: Devo a ideia do quilombo da razão a meu amigo Vinicius Portella.

Protecionismo aumenta no mundo; relatorio da OMC

Países criam uma barreira por dia
Jamil Chade CORRESPONDENTE / GENEBRA
O Estado de S.Paulo, 5.09.2010

Medidas protecionistas tomadas em meio à crise já afetaram um fluxo de bens equivalente a US$ 1,6 trilhão no mercado internacional

Uma nova barreira comercial foi criada por dia no mundo desde que o G-20 prometeu que não recorreria ao protecionismo para lidar com a crise econômica, dois meses depois da quebra do Lehman Brothers, em 2008. Esse é, por enquanto, o legado da crise econômica internacional no comércio. Especialistas alertam que poderá levar anos para que essas barreiras sejam desmanteladas.

A proliferação de medidas ocorre à medida que setores continuam a patinar, acumulam dívidas e pressionam governos a tomar medidas para se proteger. De olho em votos e em manter as contas nacionais em dia, alguns governos vêm sucumbindo à pressão.

A análise é da organização Global Trade Alert, formada por alguns dos principais economistas da Europa e dos EUA e financiada pelo Banco Mundial. Segundo os especialistas, as medidas protecionistas estabelecidas por governos em meio à crise econômica já afetaram um fluxo de bens equivalente a US$ 1,6 trilhão no mercado internacional e as barreiras criadas em menos de dois anos já atingiram 10% do comércio mundial.

A avaliação obtida pelo Estado seria, segundo o grupo de especialistas, a principal prova que o G-20 não cumpriu sua promessa, feita de forma solene pelos presidentes, de que evitaria medidas protecionistas.

650 medidas. Desde novembro de 2008, quando a cúpula do grupo se reuniu pela primeira vez e declarou que não recorreria a barreiras comerciais, cerca de 650 novas medidas protecionistas foram adotadas em todo o mundo para frear importações ou incentivar a produção local para garantir maior competitividade contra bens importados.

Os dados contradizem a avaliação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que monitorou o surgimento de novas medidas. Críticos alertam que, por ser formada pelos mesmos estados que aplicam as barreiras, a organização evitou entrar em choque com os governos.

Em um relatório publicado em junho, a organização afirmou que os governos não aderiram às medidas protecionistas como resposta à crise. Segundo a OMC, as medidas protecionistas, quando existiram, afetaram apenas uma fração do comércio mundial e estão em queda. Em outubro de 2008 e outubro de 2009, apenas 1% das importações mundiais haviam sido atingidas pelas barreiras. Neste ano, o volume seria de apenas 0,4%.

Mas dados obtidos pelo Estado mostram que o impacto das medidas é maior que se imaginava. Segundo o levantamento, 22 medidas atingiram um comércio de US$ 10 bilhões cada, incluindo os pacotes de estímulo nos EUA privilegiando a compra de produtos nacionais - o programa "Buy American".

Europa e Brasil. Segundo o levantamento, o maior número de medidas protecionistas foi adotado pela União Europeia. Entre as medidas está a distribuição de novos subsídios aos produtores de açúcar, o que provocou a irritação do Brasil diante da perspectiva de prejuízos para os exportadores nacionais.

Outros países que adotaram as medidas em grande número são Rússia, Argentina e Nigéria.

A discrepância entre os números da OMC e do grupo de especialistas é explicada pela decisão da organização multilateral de não avaliar o impacto dos incentivos internos criados pelos países e de lidar apenas com barreiras nas fronteiras.

"A contribuição da OMC está sendo superestimada. As medidas adotadas driblaram as regras da entidade", afirmou Simon Evenett, coordenador do grupo e professor da Universidade de St. Gallen na Suíça. "Os custos das promessas não cumpridas do G-20 aumentam a cada trimestre."

Crise de 29. Olivier Cadot, professor da Universidade de Lausanne, alerta que o comércio mundial apresentou a mesma taxa de contração que foi identificada em 1929, após a quebra da Bolsa de Nova York. Segundo ele, o comércio mundial sofreu uma queda acima de 10% no terceiro trimestre de 1929, seguido por uma queda de 7% no fim daquele ano. "O que ocorreu em 2009 foi muito similar. É algo para se preocupar", disse Cadot.

O que preocupa os especialistas é que o discurso protecionista não desapareceu e novas legislações estão sendo aplicadas. O país mais atingido é a China. Nesta semana mais uma polêmica foi aberta, desta vez com os Estados Unidos.

De olho nas eleições legislativas, a Casa Branca anunciou que vai desenvolver 14 medidas para lidar com a importação de bens que receberiam incentivos ilegais em seus países de origem, principalmente China e Vietnã.

A proposta é parte do esforço dos EUA de dobrar as exportações nos próximos cinco anos para gerar empregos. A meta havia sido estabelecida no discurso anual de Barack Obama no Congresso, em janeiro. A China reagiu imediatamente à medida e alertou que poderia ter "implicações muito graves" para o comércio internacional.

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O relatório da OMC, de 2010, sobre o comércio mundial pode ser visto aqui, em sua versão francesa: http://www.wto.org/french/res_f/publications_f/wtr10_f.htm
(versões em inglês e em espanhol também estão disponíveis)

E tem gente que reclama do MST: poderia ser pior...

Claro, tudo pode ser pior.
Os proprietários de terras no Brasil vivem, de certa forma, acossados pelos neobolcheviques do MST, que realmente praticam seu esporte favorito na total indiferença do governo (que aliás fornece, indiretamente, os meios).
Mas o Brasil até que é um país "moderado" na prática da expropriação revolucionária.
Poderia ser pior. Como na Venezuela, por exemplo...
Paulo Roberto de Almeida

Inseguridad afecta economía venezolana
Emilia C. de Paula
El Nuevo Herald, 05/09/2010

Acosado por el constante riesgo de que lo secuestren, el ganadero venezolano Gustavo Martínez vive como si fuera un fugitivo; nunca avisa cuando se dirige a su finca, siempre altera las horas en que viaja, frecuentemente cambia las rutas y mantiene un ojo puesto en el espejo retrovisor para ver si lo están siguiendo.

Y es que la inseguridad personal –en un país considerado como uno de los más peligrosos de América Latina– es un tema de gran preocupación entre los ganaderos, especialmente en el sur de El Lago de Maracaibo, donde vive Martínez, y donde la industria del secuestro se encuentra en pleno apogeo.

Pero es el temor a que le expropien sus tierras, bajo posesión de la familia de Martínez por más de tres generaciones, lo que más le quita el sueño a este productor agrícola y agropecuario de 56 años.

“No hay quien te garantice la propiedad”, dijo Martínez a El Nuevo Herald en una entrevista telefónica. “El gobierno dice que la tierra es del Estado, que no tiene dueño [. . .]. Es muy duro ver que lo que fue parte de tu tradición familiar pase a manos de unos fascinerosos porque están bien con el gobierno”.

Como Martínez son miles los productores agropecuarios y empresarios de otros sectores los que sienten estar viviendo perennemente bajo la Espada de Damocles en Venezuela y que tratan de sobrevivir en un ambiente que es cada vez más hostil, marcado por una alta volatilidad económica, la inseguridad personal, políticas gubernamentales que desestimulan la inversión privada y una constante amenaza de que sus activos sean expropiados.

Expertos advierten que los riesgos para el empresariado podrían ser aún mayores con una victoria del oficialismo en las elecciones parlamentarias del 26 de septiembre, ante la promesa del presidente Hugo Chávez de que radicalizará más su revolución socialista de salir airoso en los comicios.

Economistas consultados por El Nuevo Herald dijeron que hay muy pocas dudas en Venezuela de que eso es precisamente lo que el mandatario se propone hacer.

“Todo el mundo se lo espera”, afirmó Asdrúbal Oliveros, director de la firma de asesores Ecoanalítica. “Eso es lo que ya ha venido haciendo, con toda una aprobación de leyes que ha venido tomando esta Asamblea Nacional, algunas que ya han sido aprobadas y otras que están en discusión”.

El grueso de estas nueva leyes buscan reemplazar los espacios actualmente ocupados por el sector privado por empresas comunales operadas bajo una estrecha vinculación con el Estado, bajo un esquema denominado por el gobierno como propiedad social o propiedad comunal.

Una vez que ese esquema ya esté creado, Oliveros dijo que Venezuela podría ver una mayor ola de expropiaciones, acentuando aún más la incertidumbre del empresariado.

“El empresario venezolano se levanta hoy en día con dos cosas en la cabeza. La primera de ellas es: ‘¿Seré yo la próxima víctima de una expropiación, de una nacionalización?’ Y la segunda: ‘¿Podré obtener las divisas para los trámites de importación o de compras de insumo?’. Porque al problema ideológico hay que sumarle el problema de una profunda escasez de divisas que está viviendo Venezuela en los últimos meses”, indicó Oliveros.

Pedro Palma, presidente de la Academia de Ciencias Económicas de Venezuela, dijo que el empresariado está encontrando espacios cada vez más reducidos para operar.

“Ha habido una política de hostigamiento, en la que las expropiaciones ya se han vuelto muy comunes, que ya no sólo afectan a las grandes empresas o a los grandes fundos de producción agrícola, sino que ahora afectan también a los pequeños productores, que se les expropian sus empresas”, aseguró Palma.

Todo esto crea un ambiente muy poco propicio para la inversión y son muy pocos los empresarios en el país que están pensando en ampliar sus negocios, limitándose a gastarsólo lo suficiente para mantener sus operaciones funcionando a un mínimo.

Martínez es un vivo ejemplo de esto.

La producción de leche de su finca que una vez alcanzaba 1,500 litros diarios actualmente ronda por niveles de 300 litros, y el productor agropecuario se ha volcado cada vez más a la producción de plátanos, rubro que no requiere de gran atención ni de inversiones.

Palma aseguró que el empresariado es consciente de que la Revolución Socialista del Siglo XXI que lleva a cabo Chávez es una réplica del modelo comunista autoritario aplicado en Cuba.

Añadió que al gobierno le irritan comentarios como estos porque las encuestas demuestran que el venezolano mayoritariamente rechaza el comunismo.

“Pero es lo que se está haciendo”, enfatizó Palma. “No hay dudas de que el Socialismo del Siglo XXI cada vez se parece más al socialismo totalitario cubano”.

Al riesgo de la expropiación se le añaden las tremendas dificultades que enfrentan los empresarios venezolanos para conseguir dólares.

La divisa estadounidense ha cobrado una importancia cada vez mayor debido a que el gradual achicamiento del aparato productivo ha llevado a depender cada vez más de las importaciones para los insumos que las empresas necesitan y para la compra de productos que han dejado de ser elaborados en el país.

Martín Herrera, economista del Grupo Soluciones Gerenciales S.A., dijo que la dependencia del dólar se ha disparado a lo largo de los últimos 10 años.

“Nosotros tenemos una escalada cada vez mayor de dependencia de las importaciones”, afirmó Herrera, cuya empresa hace un minucioso seguimiento de los volúmenes de importaciones que realiza el país.

Añadió que esto puede verse fácilmente en los números de la balanza comercial que muestran que para 1999 eran $19,400 millones los requeridos por la economía, monto que para el 2009 se ubicaba en unos $55,000 millones. Para el 2010, se presupuestaron $60,000 millones.

“Esto es una clara prueba de que cada vez más dependemos de las importaciones y el aparato productivo se ve cada vez más afectado porque muchos rubros están desapareciendo y muchas empresas están cerrando, agudizando la dependencia de las importaciones”.

El problema que tienen actualmente las empresas que mantienen sus puertas abiertas es que el gobierno no está suministrando todo los dólares que necesitan, lo que según Herrera también se está viendo reflejado en el pobre desempeño del crecimiento económico.

“El gobierno no lo quiere reconocer, pero lo que dicen las cifras del Banco Central es que nuestra crisis es de presupuesto de divisas, no hay la cantidad de divisas para atender la demanda”, dijo Herrera.

Martínez está entre los empresarios que enfrentan serias dificultades para encontrar dólares.

Pero el ganadero considera que este es sólo uno de una larga lista de problemas que tiene al empresariado de rodillas.

“Los problemas están por todos los lados. Hay problemas para salir del país; hay problemas para conseguir dólares de CADIVI [el organismo oficial que los entrega]; hay problemas de inseguridad; se corre el riesgo de que te expropien lo que tienes. No hay forma de trabajar así”, subrayó Martínez. “Con un gobierno como este, el futuro es incierto”.

Republica Mafiosa do Brasil (17): a banalizacao do crime

Nada a comentar, nada a acrescentar, ou talvez sim, compatível com o título: os brasileiros, de todas as condições já nos conformamos com o crime, todos os tipos de crime, e já nos conformamos em sermos representados e governados por pessoas que coonestam os crimes políticos, quando não outros tipos de crimes, todos os tipos...

Às favas com os direitos
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 5 de setembro de 2010

Só pesquisas podem medir com alguma chance de precisão se um episódio como o da quebra reiterada de sigilo fiscal nas dependências da Receita Federal mexe com a sensibilidade do eleitorado ao ponto de fazer da preservação do Estado de Direito um dos fatores para definição de voto.
A primeira impressão é a de que não influi. Isso com base no peso que a população tem dado a questões como valores e princípios.

A ética foi enterrada como indigente. Em silêncio, sem choro nem vela e à grande maioria pouco se lhe dá se o Estado aumenta seu poder discricionário, invade privacidade, agride a Constituição, barbariza com o patrimônio público, usa, abusa e ainda sai dizendo que o que vem debaixo não o atinge.

Distorce a verdade para fazer o papel de vítima sabendo-se na condição de algoz.

Permite que o ministro da Fazenda assuma como normal a insegurança dos dados do contribuinte e, se alguém diz que isso é crime de responsabilidade, acusa "golpe eleitoral".

Enquanto isso os mais pobres se alegram em poder comprar, atribuindo a bonança à ação de um homem sem compreender que é resultado de um processo; os mais ricos não querem outra vida; os mais retrógrados nunca tiveram tanto cartaz; os mais à esquerda não perdem a esperança de vir a ter; os mais conscientes percebem algo fora do lugar, mas preferem se irritar porque não têm ao seu lado também um líder carismático e sem pudor.

Em um cenário assim desenhado, convenhamos, os valores que estão em jogo soam difusos para o grosso do eleitorado: os deveres do Estado e os direitos do cidadão.

Neste Brasil de tantas necessidades é provável que, se for posto na balança de um lado o crédito farto e de outro a liberdade parca, o prato penda a favor do consumo largo.

É um debate difícil de ser feito. Quase impossível em períodos eleitorais porque sempre haverá por parte dos acusados a alegação de que são injustamente atacados por adversários "desesperados", enquanto a essência da questão se perde: a invasão do espaço institucional por tropas de ocupação com interesses específicos. Ideológicos, fisiológicos ou simplesmente corruptos.

Sob a indiferença das vanguardas (onde?) e deixadas à mercê do poder da propaganda, as pessoas não conseguem ter a dimensão da gravidade.

Não atentam para o seguinte: o Estado que deixa sigilo ser quebrado, não se incomoda com propriedades privadas invadidas e insiste no controle dos meios de comunicação amanhã ou depois pode querer reduzir a liberdade alegando agir em prol do povo e do patriotismo como fator indispensável ao triunfo do Brasil.

Por isso é improvável que haja repercussão eleitoral. Se houver, terá sido por causa dos tropeções e das contradições do governo.

A naturalidade do ministro da Fazenda ao dizer que as informações do contribuinte não são invioláveis é tão escandalosa quanto a quebra de sigilo.

Nesse caso a urgência fez a imprudência. No afã de afastar de Dilma Rousseff as suspeitas de uso político da máquina pública, Guido Mantega informa ao público pagante que a Receita Federal e a casa da mãe joana são ambientes similares.

Uma confissão de incapacidade de prestar o serviço contratado pelo cidadão e a impossibilidade de cumprir a lei que se impõe a todos.

É a rendição do Estado à ação do crime.

A propósito, se era para dizer uma estultice dessa envergadura o ministro da Fazenda estava mais bem posicionado em sua omissão diante dos fatos.

Um canto de cisne tucano? - Fernando Henrique Cardoso

Com perdão pela confusão zoológica, mas essa é a impressão que tive ao ler este artigo do ex-preidente. Já quase conformado com a situação, e deplorando, em altos termos sociológicos, a erosão das regras democráticas e a deterioração das instituições.
Esse é o Brasil real: um povo com 70% do eleitorado dotado de educação primária para baixo, ou seja, deseducado politicamente, se prepara para confirmar seu apreço por um presidente vindo do povo.
Que não se veja neste meu argumento uma reclamação elitista. Sou da elite, por uma simples questão de renda e de educação, aliás primeiro pela educação, pois ela veio bem antes da renda: eu já era de elite quando ainda era pobre, por ter sido simplesmente beneficiado com uma escola pública de qualidade e ter podido frequentar bibliotecas públicas infantis, e ter aprendido tudo o que é possível aprender num ambiente aberto à ascensão dos mais pobres.
Essas condições, infelizmente, já não existem mais no Brasil.
A situação atual é esta que estamos assistindo: de uma tremenda decadência institucional e uma deterioração do mores político.
Teremos de conviver com isso durante muito tempo.
Conformem-se, sociólogos e outros visitantes...
Paulo Roberto de Almeida

Democracia em risco, Democracia virtual
Fernando Henrique Cardoso
O Estado de S.Paulo, Sábado, 4 de Setembro de 2010

Vivemos uma fase de democracia virtual. Não no sentido da utilização dos meios eletrônicos e da dicionário do Aurélio: algo que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual. Faz tempo que eu insisto: o edifício da democracia, e mesmo o de muitas instituições econômicas e sociais, está feito no Brasil. A arquitetura é bela, mas, quando alguém bate à porta, a monumentalidade das formas institucionais desfaz-se em um eco que indica estar a casa vazia por dentro.

Ainda agora a devassa da privacidade fiscal de tucanos e de outras pessoas mais mostra a vacuidade das leis diante da prática cotidiana. Com a maior desfaçatez do mundo, altos funcionários, tentando elidir a questão política – como se estivessem tratando com um povo de parvos –, proclamam que “não foi nada não; apenas um balcão de venda de dados...”. E fica o dito pelo não dito, com a mídia denunciando, os interessados protestando e buscando socorro no Judiciário, até que o tempo passe e nada aconteça.

Não tem sido assim com tudo o mais? O que aconteceu com o “dossiê” contra mim e minha mulher feito na Casa Civil da Presidência, misturando dados para fazer crer que também nós nos fartávamos em usar recursos públicos para fins privados? E os gastos da atual Presidência não se transformaram em “secretos” em nome da segurança nacional? E o que aconteceu de prático? Nada. Estamos todos felizes no embalo de uma sensação de bonança que deriva de uma boa conjuntura econômica e da solidez das reformas do governo anterior.

No momento do exercício máximo da soberania popular, o desrespeito ocorre sob a batuta presidencial. Nas democracias, é lógico e saudável que os presidentes e altos dirigentes eleitos tomem partido e se manifestem em eleições. Mas é escandalosa a reiteração diária de posturas político-partidárias, dando ao povo a impressão de que o chefe da nação é chefe de uma facção em guerra para arrasar as outras correntes políticas. Há um abismo entre o legítimo apoio aos partidários e o abuso da utilização do prestígio do presidente, que além de pessoal é também institucional, na pugna política diária. Chama a atenção que nenhum procurador da República, nem mesmo candidatos ou partidos, haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas, senão para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso. Por que não se faz? Porque pouco a pouco estamos nos acostumando que é assim mesmo.

Na marcha em que vamos, na hipótese de vitória governista – que ainda dá para evitar – incorremos no risco futuro de vivermos uma simulação política ao estilo do PRI mexicano – se o PT conseguir a proeza de ser “hegemônico” – ou do peronismo, se mais do que a força de um partido preponderar a figura do líder. Dadas as características da cultura política brasileira, de leniência com a transgressão e criatividade para simular, o jogo pluripartidário pode ser mantido na aparência, enquanto na essência se venha a ter um partido para valer e outro(s) para sempre se opor, como durante o autoritarismo militar.

Pior ainda, com a massificação da propaganda oficial e o caudilhismo renascente, poderá até haver anuência do povo e a cumplicidade das elites para com essa forma de democracia quase plebiscitária. Aceitação pelas massas na medida em que se beneficiem das políticas econômico-sociais, e das elites porque estas sabem que neste tipo de regime o que vale mesmo é uma boa ligação com quem manda. O “dirigismo à brasileira”, mesmo na economia, não é tão mau assim para os amigos do rei ou da rainha.

É isso que está em jogo nas eleições de outubro: que forma de democracia teremos, oca por dentro ou plena de conteúdo. Tudo mais pesará menos. Pode ter havido erros de marketing nas campanhas oposicionistas, assim como é certo que a oposição se opôs menos do que deveria à usurpação de seus próprios feitos pelos atuais ocupantes do poder. Esperneou menos diante dos pequenos assassinatos às instituições que vêm sendo perpetrados há muito tempo, como no caso das quebras reiteradas de sigilos. Ainda assim, é preciso tentar impedir que os recursos financeiros, políticos e simbólicos reunidos no Grupão do Poder em formação tenham força para destruir não apenas candidaturas, mas um estilo de atuação política que repudia o personalismo como fundamento da legitimidade do poder e tem a convicção de que a democracia é o governo das leis e não das pessoas.

Estamos no século 21, mas há valores e práticas propostos no século 18 que foram se transformando em prática política e que devem ser resguardados, embora se mostrem insuficientes para motivar as pessoas. É preciso aumentar a inclusão e ampliar a participação. É positivo se valer de meios eletrônicos para tomar decisões e validar caminhos. É inaceitável, porém, a absorção de tudo isso pela “vontade geral” encapsulada na figura do líder. Isso é qualquer coisa, menos democracia. Se o fosse, não haveria por que criticar Mussolini em seus tempos de glória, ou o Getúlio do Estado Novo (que, diga-se, não exerceu propriamente o personalismo como fator de dominação) e assim por diante. É disso que se trata no Brasil de hoje: estamos decidindo se queremos correr o risco de um retrocesso democrático em nome do personalismo paternal (e, amanhã, quem sabe, maternal). Por mais restrições que alguém possa ter ao encaminhamento das campanhas ou mesmo a características pessoais de um ou outro candidato, uma coisa é certa: o governismo tal como está posto representa um passo atrás no caminho da institucionalização democrática. Há tempo ainda para derrotá-lo. Eleição se ganha no dia.

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