segunda-feira, 11 de março de 2013

Cacete nao e' santo, mas costuma fazer milagres...

Autoridade é algo que se deve exercer, já que existe para isso mesmo. 
No Brasil, desde 2003, a autoridade deixou de ser exercida contra aqueles que desrespeitam a lei, destroem o patrimônio público, invadem propriedades privadas, danificam produção, enfim, agem criminosamente.
Volto a repetir: cacete não é santo, mas faz milagres.
Um bom cacete nos baderneiros e cadeia em seus líderes deveria diminuir o problema.
Paulo Roberto de Almeida 


Orlando Tambosi

Editorial do Estadão foi ao ponto, analisando as violentas ações dos bandoleiros do MST e assemelhados. Seus líderes já deveriam ter sido processados judicialmente há muito tempo (por onde andará o "comandante" João Pedro Stédile, o Pol Pot brasileiro?). Misturando Che, Fidel e Mao, esses movimentos tentam o impossível: fazer com que o Brasil regrida ao tempo da enxada. O Brasil de 2013 não é o Brasil de 1940.

Enfraquecido politicamente, pois não conta mais com a conivência e a tolerância ilimitadas do governo do PT, com um discurso ideológico cada vez mais vazio, mas mantendo algum grau de organização e, sobretudo, conservando seu aparentemente inesgotável vigor para praticar crimes, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) conseguiu realizar seu maior protesto contra o governo Dilma. Nos últimos dias, seus militantes, apoiados por organizações com características e objetivos assemelhados aos seus, invadiram fazendas, destruíram viveiros, sabotaram plantações, impediram o fluxo do tráfego em rodovias, depredaram patrimônio privado, invadiram prédios públicos, fizeram discursos, divulgaram documentos. Suas ações atingiram 22 Estados.

Tudo isso seria apenas mais uma repetição daquilo que o brasileiro responsável, cumpridor das obrigações e preocupado com seu futuro e do País cansou de ver no ambiente rural nos últimos anos se, desta vez, as manifestações desses grupos que agem cada vez mais à margem da lei não fossem particularmente patéticas. Além de agirem de maneira ilegal, sem que, na maior parte dos casos, sua ação fosse, como deveria ter sido, contida com energia pelas autoridades policiais - umas empurraram a competência para outras -, os organizadores fizeram discursos e distribuíram documentos que mostram seu afastamento cada vez maior da realidade.
Seu protesto, como ocorre há 15 anos, foi para lembrar o Dia Internacional da Mulher, e desta vez o alvo foi o agronegócio. Um dos principais atos do protesto foi a ocupação da Fazenda Aliança, no Tocantins, de propriedade da família da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) - mulher e representante do agronegócio.
Cerca de 500 militantes ocuparam a propriedade, destruíram viveiros de mudas de eucalipto e mantiveram confinados trabalhadores e seguranças do local, que conseguiram evitar o conflito. "Eu, que sempre dormi sozinha na fazenda com meus filhos pequenos, sem nunca andar armada, agora não vou deixar meus filhos e meus funcionários correndo risco de vida", reagiu a senadora. "Imagine se resolvessem colocar fogo nas dezenas de máquinas que tenho lá."
Por cegueira ideológica, o MST e as demais organizações que o apoiam e os militantes desses movimentos não conseguiram até hoje entender a extraordinária transformação por que passou a atividade agrícola no País nos últimos anos. Ela alcançou níveis de eficiência e de competitividade que a colocam entre as mais desenvolvidas do mundo, o que permitiu ao País sobreviver sem grandes consequências aos efeitos das crises que conturbaram a economia mundial. Isso não afasta do meio rural os pequenos e médios produtores nem implica - como supõem o MST e seus militantes - o predomínio da monocultura. Há oportunidades para todos e espaço para as diversas culturas.
As desastrosas ações do MST no laboratório da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul, em 2006, quando 2 mil mulheres destruíram anos de trabalho de pesquisa, revelaram uma das faces mais danosas para o País da violência dessas manifestações. Mas, por estreiteza política, o MST continua a recorrer à violência para, por meio dela, tentar defender suas bandeiras político-ideológicas, o que não consegue mais fazer com seu discurso. A cada ação desse tipo certamente corresponderá maior isolamento desses movimentos.
Parece que, felizmente, vai se transformando em mero registro histórico o gesto do ex-presidente Lula de colocar na cabeça o chapéu do MST, simbolizando seu apoio irrestrito à organização. A redução do número de assentamentos promovidos pelo Incra é consequência da mudança da política agrária no governo Dilma. Por entender que as distribuições de nada adiantam para o assentado e para o País se as terras não se transformarem em fonte de renda, o governo quer que os assentamentos sejam produtivos. Para isso vem dando apoio técnico e material aos assentados - e distribuindo cada vez menos terras.
A mudança pode ser fatal para o MST, cuja sobrevida depende justamente de aglutinar militantes com a promessa de distribuição de terra.

Argentina: desmantelando o Mercosul, alegremente...

Argentina rejeita livre mercado para veículos
Valor, 11/03/2013

O governo argentino decidiu rever o acordo automotivo com o Brasil para eliminar o dispositivo que prevê o livre comércio de carros, partes e peças a partir do segundo semestre. Além disso, quer obrigar as montadoras instaladas no Brasil a localizar parte de seu processo produtivo na Argentina. Esse é um dos pontos de atrito entre os dois países que seria tratado na reunião da semana passada entre as presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, cancelada com a morte do presidente Hugo Chávez.

A possível paralisação dos investimentos da Vale na Argentina é outro ponto de atrito entre os dois países, elevado pelo governo Kirchner a assunto de Estado. A Vale deve decidir hoje, em reunião do conselho de administração, se mantém o projeto que prevê investimentos de US$ 6 bilhões em uma mina de potássio na Argentina. A tendência da diretoria é paralisar o projeto. Os argentinos ameaçam retaliar desapropriando a mina, onde a empresa já investiu US$ 1 bilhão aproximadamente. Tanto no caso da Vale como na discussão do regime automotivo, chama atenção a falta de uma proposta clara do governo argentino.

Argentina: um país dividido (Ariel Palacios)

Trecho de entrevista de Ariel Palacios ao Congresso em Foco, sobre a divisão politica do país, que ele analisa em seu livro Os Argentinos (Editora Contexto):

Quando Palacios e sua família querem chamar amigos para jantarem, têm de colocar na mesma reunião ou só apoiadores do governo, ou só opositores do governo. Senão, é briga certa. “Agora a coisa piorou tanto que temos que fazer três reuniões, porque os neutros começaram a ser criticados pelos outros dois grupos”, revela o correspondente.

Aqui a entrevista que ele concedeu:

Ariel Palacios: “Argentina terá futuro de altos e baixos”

Correspondente brasileiro na Argentina desde 1995 afirma que a instabilidade político-econômica ainda é um fantasma. Leia a íntegra da entrevista concedida pelo jornalista nascido em Buenos Aires, mas criado no Brasil, ao Congresso em Foco
Argentina, por Ariel Palacios: um país “atravancado”
Congresso em Foco – Você diz que seu livro não tem clichês. O que as pessoas não vão encontrar no seu livro?
Ariel Palacios – Não vai encontrar estereótipo, de piada. Não é que seja livro sisudo. É bem humorado, mas tratando com muito respeito a Argentina e os argentinos, explicando todas as peculiaridades deste país, os fatos históricos, a vida cotidiana, a gastronomia, os costumes, o esporte, a relação com o Brasil, se há a rivalidade ou não com o Brasil, a economia, que é bastante esquizofrênica se comparada com a brasileira. A economia brasileira é um mar de rosas comparada com o que foi a argentina nos últimos 40 anos. Não vai encontrar uma frase do tipo “os argentinos são ‘dois pontos’”, aquela coisa de bater o martelo. O livro é uma tentativa de entender a Argentina, até porque os próprios argentinos dizem que não entendem, especialmente na área política e econômica. Se eles próprios não entendem, imagina um olhar de fora. Os clichês vendem mais, por ser a coisa mais fácil de compreender. Mas nunca gostei deles, e é isso que tento explicar no livro, como a rivalidade Brasil-Argentina.
Os clichês são verdadeiros ou falsos?
Falsos. Um deles é que acham que os argentinos odeiam o Brasil. Existe muito na cabeça dos mais velhos. É uma coisa que talvez acontecia há 80 anos, quando os dois países eram rivais militares, na Segunda Guerra Mundial, nos anos 50. Mas isso desapareceu. Os argentinos adoram o Brasil. Vêm passar a férias no Brasil, consomem quantidades colossais de música brasileira, desde música mais popular como Michel Teló, até música mais elaborada como Tom Zé ou João Gilberto. É um clichê que ainda existe, mas os fatos mostram o contrário.
Eles nos odeiam no futebol?
Eles detestavam antigamente, até que surgiu um novo inimigo, a Inglaterra. Por uma questão geopolítica, por causa [da guerra] das Malvinas, em 1982. Eles agora preferem derrotar a Inglaterra nos campos do que o Brasil.
Isso é uma decepção para o Galvão Bueno e mais da metade do Brasil.
Comentei isso com vários amigos. Houve um momento, na Copa do Japão e da Coreia do Sul, em 2002. A Argentina estava desclassificada e o Brasil enfrentava a Inglaterra [nas oitavas de final, quando a seleção brasileira ganhou por 2 a 1 de virada]. Os argentinos torciam contra a Inglaterra. Não é questão de solidariedade com sul-americano, é que eles queriam ver derrotada a Inglaterra. Isso importava muito mais. Quando eu comentava isso com os amigos no Brasil, notava que o pessoal ficava frustrado, algo equivalente ao amor não correspondido, o ódio não correspondido 100%. “Mas como? Se a gente quer derrotar os caras, por que os caras não querem derrotar a gente?”, me diziam. Bom, eles querem derrotar também, mas não é o principal objetivo. O foco está na Inglaterra. Bem… pode ser frustrante pra muitas pessoas, mas é a realidade. Fazer o quê? Não posso dourar a pílula. Eles querem derrotar o Brasil, mas o principal é a Inglaterra.
É uma coisa de gerações também. Acho que as novas gerações no Brasil enxergam a Argentina de forma diferente. Senão, não iriam de férias pra lá. Um milhão de brasileiros foi de férias pra Argentina no ano passado. No ano anterior, foram quase um milhão. Agora tem um fluxo interessante. Desde 1978, vêm um milhão, em média, de argentinos para o Brasil por ano. Os turistas brasileiros eram muito poucos. Nos anos 80, eram 80 mil, 50 mil por ano. Isso foi crescendo nos anos 90 devagarzinho, nos últimos dez anos cresceu muito mesmo. Quando você viaja, conhece e tem uma percepção diferente do país.
Os argentinos continuam vindo ao Brasil nessa proporção?
Sim, apesar do câmbio desfavorável. Uma coisa interessante é que, nesse últimos 40 anos, não é apenas a classe média alta que vem ao Brasil, mas também a classe média baixa. O motorista de ônibus, a manicure, o bancário foram de férias. Os caras vêm modestamente, de ônibus ou de carro, ficam nas praias mais baratas como Camboriú (SC). Quando você vem num ano, passa duas semanas, volta no ano seguinte, passa 20 anos indo de férias todo ano, óbvio que você conhece o Brasil. Nesses 40 anos de fluxo intenso, os argentinos levaram para a Argentina várias gírias brasileiras, que eles adaptaram lá, palavras que não eram da gíria portenha, mas que foram importadas. O consumo de música é enorme.
Qual gíria?
Uma gíria é “curtir”. E a outra é “transar”. Mas foram levadas pra lá com certas modificações. O “transar” não é o ato sexual em si, a cópula, o coito. O “transar” na Argentina é o amasso, as carícias, as preliminares. Se você está transando com alguém, você está saindo com alguém, mas como no preliminar, não é a transa como o Brasil. O “curtir” é o contrário. O “curtir” passou a ser: “Ele está transando com ela” no sentindo brasileiro. As palavras acabam sendo importadas e tendo pequenas nuances.  E há frases que são ditas lá, puramente em português, com sotaque portenho, mas ditas em português em tradução alguma, com o mesmo sentido do Brasil. Os argentinos acham que essas são expressões sonoras que representam muito o que querem dizer. Por exemplo: você chega na casa de alguém e a pessoa fala em português, mas com sotaque: “Adiante!”. Quer dizer: “Entra!”. Com alegria, assim como “bem-vindo”.
“Adiante” não existe no espanhol?
Não, não existe. É uma palavra estrangeira. É dito como se fosse “Adiantchi”, com “tchi”. A outra é uma expressão quando eles querem dizer que algo é o máximo. Eles falam em português, mas falam ‘errado’: “Ah, Militão, isso daí é o mais grande”. [“Más grande” em espanhol significa “maior”]. E eles falam meio rebolando, tentando imitar o jeito… como se a gente, quando falasse, rebolasse. Eu já expliquei pra eles que a gente não rebola quando fala. Então fica: “O mais grande do mundo”, como se fosse “grandgi”, com “dgi” no final. Está ‘errado’, é o ‘maior’, mas não adianta explicar. Eles continuam falando. A presidente Cristina Kirchner falou isso há uns três anos na frente do Lula, uma das últimas visitas dele à Argetina. Ela falou uma frase como “Eu admiro muito os brasileiros porque os brasileiros sempre pensam muito positivamente sobre o Brasil, porque o Brasil, ora, é ‘o mais grande do mundu’”. Ela falou assim: “du mundu”, com “u”. É uma expressão totalmente incorporada. Quando você quer dizer que alguém é o melhor jogador, o melhor diretor de cinema, quando algo é muito especial, você fala: “o mais grande” em português com sotaque. É uma expressão importada com erro gramatical incluído.
O ‘erro’ é uma adaptação argentina, não?
Exatamente, exatamente.
Por que a economia da Argentina é esquizofrênica?
Ela tem tido infelizmente um período muito longo de esquizofrenia. É um termo psicológico, não econômico, mas e aplica muito, porque ela tem tido altos e baixos, uma idas e vindas que qualquer coisa na política econômica brasileira vai parecer um mar de rosas perto daqui. É um país que, desde 1975, teve sete graves crises econômicas. Graves crises, não estou falando de médias ou pequenas. Teve estatizações, privatizações, reestatizações ou expropriações. Teve hiper-inflações pesadas. A hiper-inflação da época do [José] Sarney [1985-1989] é nada perto daquilo. A inflação do Sarney não chegou a 1.000% ao ano.
A do Sarney? E a inflação do Collor?
Isso. Também a do Collor. Se você fala pra um argentino que já sofreu com inflação, ele vai olhar: “Vocês? Hiper-inflação?”. Na época do [Raúl] Alfonsín [1983-1989], chegou a mais de 5 mil por cento por ano. Isso, sim, é hiper-inflação. Depois, o [Carlos] Menem [1989-1999] teve uma inflação de 3 mil por cento e outra de 1.300 por cento ao ano. Houve confiscos bancários, falências de bancos… Então, as pessoas, nessa esquizofrenia, buscam refúgio no dólar, por exemplo. Há 40 anos, elas buscam refúgio no dólar [Ainda existem empresas na Argentina que só aceitam pagamentos em dólar, como alguns hotéis].
Existiu um período em que as pessoas usavam várias moedas.
Isso aí foi na época da crise [2001-2003], quando as províncias estavam falidas e não tinham dinheiro, tiveram que recorrer a uma medida desesperada de emitir bônus provinciais. Eram como títulos da dívida, mas foram mais além e começaram a ser usados como notas, como se fosse dinheiro. É o que chamam de moedas paralelas. Isso durou uns dois ou três anos. Mais ou menos metade das [23] províncias argentinas tiveram que recorrer a isso, de emitir bônus, inclusive sem lastro algum.
Nem todos os “estados” tinham como pagar esses títulos?
Não. Depois, foram pagando lentamente. A crise pegou o final do Fernando De La Rúa e terminou no Eduardo Duhalde. Essas moedas foram eliminadas já no começo do governo do Nestor Kirchner, gradualmente.  Na crise, em três anos, de De La Rúa a Dualde, houve cinco presidentes. É como aconteceu em Brasília, quando o governador José Roberto Arruda (ex-DEM) foi preso e cassado em 2009. Era um escândalo de corrupção… Claro, aí você não afeta o resto do país. E essa foi uma crise política. A troca de governadores não afetou a economia do estado, né? Na Argentina, a economia está muito vinculada à política. Qualquer solavanco da política altera as coisas.
Você falou que, no futebol, o rival maior é a Inglaterra por causa das Malvinas. O argentino é mais politizado que o brasileiro?
De forma geral, sim. Houve um período de altíssima politização, dos anos 40 até os 80. A ditadura atingiu muito isso, mas era um período de altíssima politização. Houve um desinteresse crescente pela política nos anos 90 e na crise de 2001, 2002. E esse interesse voltou a crescer – não é que havia sumido, foi menor o interesse, mas sempre maior que no Brasil. Mas a discussão política é muito forte. É politizado? Sim, é. Mas está altissimamente polarizado, ultra-polarizado. Sumiu praticamente do dicionário político argentino o diálogo. As pessoas têm posições políticas, mas elas não dialogam de jeito nenhum. Há uma situação muito tensa na sociedade. As pessoas discutem e não topam ouvir o outro. Isso é uma coisa que ficou muito intensa nos últimos anos. Muito intensa a ponto de não se poder mais reunir amigos de diferentes ideias, porque senão dá briga, de as reuniões familiares terminarem em discussão brava ou, pior ainda, de as pessoas não falarem em política pra evitar problema. Você já sabe que vai dar problema, você omite o assunto. Aí você tem que começar buscar assunto totalmente diferente pra não criar problemas. É impressionante.
Então, é comum terem brigas em família por causa de política?
Sim. Aconteceu nos anos 40 e 50 e voltou agora com muita força mesmo. Nós mesmos antes reuníamos todos os amigos. E, depois, há uns três anos, começamos a fazer duas reuniões diferentes. Os governistas de um lado e o antigovernistas por outro. Meu aniversário e o da Miriam [esposa de Palacios] são muito próximas. Às vezes fazíamos uma reunião grande com os amigos para comer algo em casa, uma pizza, umas empanadas e tal. Reuníamos dez, doze pessoas, que tinham posições ideológicas totalmente diferentes. Agora não dá mais pra fazer isso. Agora, num sábado você chama os kirchneristas e no domingo, os anti-kirchnerista. E os neutros a gente distribuía nos dois grupos. Só que agora a coisa piorou tanto que a gente tem que fazer três reuniões. Os neutros começaram a ser criticados pelos outros dois grupos. “Como é que você não tem uma posição? Você fica neutro? Traidor da pátria!” e aquelas coisas todas. Aí a gente teve que salvar os neutros e botar eles no terceiro dia. Isso porque a gente é muito diplomático.
Com esses solavancos na economia, essa polarização radical da política, qual é o futuro da Argentina em paralelo com o Brasil? O Brasil é um país em que, diz-se, está melhorando suas condições de vida aos poucos. E a Argentina?
O Brasil sempre foi pra frente. Aquela coisa de dar um passo gradual, mas ir avançando. E feito basicamente tudo no consenso. Essa é uma marca da política brasileira. Conseguir consenso é difícil, mas, quando se consegue, estabelece-se alvo e avança. Escuta, faz consenso, avança outro passo. Na Argentina, não. A Argentina é sempre a política do antagonismo. Você dá dois passos pra frente, volta três, avança dois, volta quatro, dá um pulo de dez, volta cinco. É um mistério o que pode ser a Argentina. Tem uma excelente base de educação, que não é como era há 20 anos, porque degradou muito. Você tem um fluxo de profissionais que foram embora do país e nunca mais voltaram. E de novo você tem um fluxo de pessoas que foram embora da Argentina, procurando melhores lugares no exterior. E, quando falo isso, não é o operário, é o profissional técnico. Não dá para saber. Não é um país que tem futuro bastante garantido como é o caso o Brasil. Acho que a Argentina terá um futuro de idas e vindas, de altos e baixos. Até porque tem a questão do diálogo da classe política. Nem o governo nem a oposição são civilizados a ponto de poderem dialogar. Nos dois lados, há uma falta total de vontade de diálogo. Então, não tem como, né? Os próprios governantes tomam medidas contraditórias. O governo diz: “Vamos restringir a compra de dólares por parte da população”. Daí, a própria presidente, a Cristina, tinha 3 milhões de dólares em aplicações financeiras nos bancos, em dólares. Uma pessoa faz uma cruzada anti-dólar e você diz: “Peraí, como pode ser?”. Quando o negócio ficou meio escandaloso, ela decidiu pesificar esses investimentos, passar dos dólares para os pesos. É um país que, de tão acostumado com as crises, investe pouco. O brasileiro é mais arrojado, é mais confiante no futuro, tem menos medo, às vezes meio ingênuo nesse aspecto, pois se arrisca demais. O argentino não se arrisca tanto porque tem medo de alguma crise, algum erro. Outro caso de economia pessoal. A presidente Cristina – além de [ter tido] investimentos em dólares – fala muito em investimento produtivo, na aposta pela indústria, mais até do que na agricultura. A presidente Cristina tem 17, 19 milhões de dólares, uma fortuna, a segunda presidente mais rica da América Latina, depois do [Sebastián] Piñera [presidente do Chile]. Mas o Piñera é bilionário, aí é outra história. Mas, no segundo lugar, não muito mais embaixo está a Cristina. Quais são os investimentos da Cristina? Você nota bem como pensa um político olhando quais os investimentos que ele tem. Imóveis! Ou seja, um investimento assegurado, sem risco algum, que não tem produtividade nenhuma. Imóveis! Compra de casas e apartamentos, e o aluguel dessas casas e apartamentos. Isso é o investimento da Cristina. E tem dois hotéis – serviços. Nada. Nem uma coisa, uma fábrica de autopeças, nada em qualquer de investigação científica. Nada! Então, você nota que, se a presidente pensa assim… E, se ela tinha dólares até pouco tempo atrás, é porque não confiava no peso. A população não confia na economia e a classe política tampouco confia. Uma coisa é o discurso e outra é a realidade que você vê.
O futuro da Argentina é obscuro?
Não diria que é obscuro. Há um grau alto de incertezas, pela classe política que tem na oposição e no governo. Até porque a Argentina tem uma grande sorte, ter vizinhos que são prósperos. A sorte da Argentina é ter vizinhos prósperos. Se você tem um vizinho que está bem, acaba pegando uma carona nessa onda boa. Brasil, Uruguai, Chile… O próprio Paraguai cresceu muitíssimo nos últimos anos, coincidentemente durante o governo [Fernando] Lugo, tudo bem que basicamente graças à soja. Mas o Paraguai melhorou muito do que era há uns seis, sete, oito anos. Há uma certa prosperidade na região – ou uma grande prosperidade se comparando com a Europa – e a Argentina tem essa vantagem, estar numa vizinhança que está indo bem. Se a vizinhança está indo bem, você pega uma carona nisso. Se for pelos vizinhos, acho que a Argentina está em boa companhia.
Mas, de todo modo, é como você diz: há um grau alto de incerteza.
Há um grau alto de incertezas por causa da classe política, de todo os partidos, que não apostam sério no país e isso fica claro pelos próprios investimentos pessoais desses políticos. O dia que aparecer um político que me diga “Eu tenho um investimento aqui porque tenho uma fabriqueta de autopeças” ou “Eu produzo seringas descartáveis” e o cara não tenha só aplicações financeiras em imóveis, aí eu vou dizer: “Esse aí é um cara sério, que está se arriscando e apostando”. Mas quando os caras vivem de renda, nem os próprios políticos apostam.
Você vê um bom futuro para a Argentina?
Não, eu vejo um futuro incerto. Não sei se é bom ou ruim. No momento, vejo que o país está atravancado. A curto prazo não vejo nada bom. Não vejo nada catastrófico, tampouco vejo alguma crise. Algumas pessoas me dizem: “A Argentina está indo de novo para o caminho de 2001, quando colapsou”. Não, longe disso. A situação é totalmente diferente, até porque as reservas do Banco Central não são minúsculas como naquela época. Todo cenário é diferente. Para ter uma crise como aquela, não seria algo imediato. Precisaria muito mais tempo de mancadas. Mas, a curto ou médio prazo, seria impossível uma crise como aquela. Mas não um futuro complicado ou catastrófico pela frente. Isso não tem. Também não é nenhum futuro excelente que vejo. É uma incógnita, não é ruim, nem catastrófico, nem excelente. Tá ali no meio, mas não sei em que grau ali no meio está.
Qual o PIB Argentino em 2012? Foi 0,9% também?
Segundo o governo, 3% e pouco. Mas os economistas dizem que é menos, 1% por aí. Não lembro o número exato.
O Juan Perón morreu, mas o peronismo não. Vai haver chavismo depois da morte de Hugo Chávez na Venezuela?
Eu acho que sim. Continua. Há várias nuances. A sociedade argentina não é como a venezuelana. É muito diferente. A proporção de classe média quando o Perón estava vivo não se compara com a Venezuela chavista. Segundo, o Perón vivo ficou mais tempo no comando do peronismo – não necessariamente no poder, mas no comando do peronismo, quando estava no exílio – mais tempo que o Chávez. O Perón chegou ao poder em 1945 e morreu em 1974, quase 30 anos. E o Chávez são 14 anos mais um ou dois anos antes como oposição. O Perón ficou mais tempo no comando do peronismo que o Chávez no chavismo. São duas sociedades muito diferentes. A economia venezuelana depende altissimamente do petróleo. A Argentina não era nada disso. Há muitos pontos similares, mas não totalmente intransferíveis. Sem a figura do líder, quem vai assumir o comando? Se bem que ele deixou um herdeiro [Nicolás Maduro, vice-presidente da Venezuela]. U herdeiro que é mais moderado que o Chávez, aliás o Chávez estava mais moderado nos últimos anos. Tem que ver como ficam as brigas internas dentro do chavismo. Ou se vai acontecer algo semelhante ao peronismo. O próprio Perón era muito ambíguo. Fazia coisas que eram mais pra esquerda e coisas que eram muito pra direita. Tem que ser os chavistas vão se dividir em radicais e moderados. Acho que vai aparecer uma multiplicidade de chavismos. Vai depender se vão conseguir manter a coesão durante muito tempo ou se vão depois de subdividir e fazer partidos diferentes, cada um sempre dizendo que está representando a vontade do líder defunto. Esse é um clássico na Argentina com o peronismo. O peronista de esquerda e o peronista de direita dizem que ele é quem está seguindo o que o Perón havia mandado. Tudo mundo usa a imagem dele dizendo que ele tinha dito que fazer tal coisa, interpretando do jeito que quer. O Perón é um cara que criou um monte de estatais, mas o Menem dizia que ele, nos últimos anos de vida já falava em privatizações. O que é verdade, não é mentira. O fato que cada um usa o morto do jeito que quer. O morto não está aí para dizer o que acha, até porque talvez, quando o morto estava vivo, não deixava muito claras as coisas. O Chávez criticava os Estados Unidos, mas continuava vendendo petróleo para eles. O Chávez fazia pose de progressista, mas era homofóbico e contra o aborto. Ao contrário do Uruguai, um país de vanguarda mesmo.

O brasileiro come melhor ou pior que o argentino?
Você tem uma carne com melhor qualidade na Argentina e uma gastronomia italiana muito forte, porque o volume de italianos é bestial na proporção do país. Isso não acontece em outro país do mundo, porque mais de 50% da população tem um ancestral italiano. No Brasil em geral, isso não acontece. Vice pode encontrar em São Paulo, mas você não tem uma proporção enorme de italianos no Acre ou na Paraíba ou em Minas. Na Argentina, o peso italiano é descomunal. Você tem uma pasta muito bem elaborada. Mas, ao mesmo tempo, tem uma pouca variedade gastronômica. No Brasil existe mais variedade, mais opções. A gastronomia argentina tem menores opções. São boas, mas muito menores. Menos frutas, menos pratos com verduras, pouquíssimo peixe, apesar da costa, quase nada de peixe. É uma gastronomia muito gostosa, mas bem menos variada.
Carnes e massas.
É o cotidiano. Tem pratos elaborados como o locro, o equivalente mais ou menos à feijoada. Mas o locro as pessoas comem uma vez por ano, em ocasiões especiais. Mas quantas pessoas comem feijoada todo dia? Não conheço ninguém.
A cultura argentina é bem mais que tango e Jorge Luís Borges, né? Mas o tango ainda é vivo?
Sim, eu comento no livro que o tango representa 25% do consumo cultural. Não é tão presente como antes, quando era ouvido pela maioria da população, mas ele tem 25% do mercado. O mercado se diversificou, o que é bom. Você tem um grande grupo que ouve rock argentino e um que ouve música folclórica argentina, como Mercedes Sosa [1935-2009] ou sucessores dela. Tem uma diversificação grande, mas os próprios argentinos dizem que o tango é a música que os representa no exterior.

Vinte e cinco por cento não é pouco.
Não é pouco, mas não é mais da metade.
É como se você no Brasil forró, sertanejo, samba e pagode?
Seria. É o símbolo do país no exterior.
E na literatura, o que há além do Borges (1899-1986)?
Há grandes escritores, como Adolfo Bioy Casares [1914-1999], o Ernesto Sábato [1911-2011], Júlio Cortázar – no ano que vem é o centenário de nascimento dele. Há poucas semanas se completaram os 50 anos de “O jogo da amarelinha”, o livro do Cortázar. Não tem grandes figuras nos últimos anos, algumas estão aparecendo, mas ninguém muito consolidado por enquanto na literatura. Ir mais além daquele patamar de Borges, Casares e Cortázar é muito difícil. Não é bolinho pra um escritor fincar o pé nesse território, mas existem escritores muito legais que estão aparecendo, caras jovens, de 30 e poucos anos.
Quem são?
Uma delas é genial. Foi traduzida no Brasil no finalzinho do ano passado, a Samanta Schweblin [autora de “Pássaros na boca”]. Escreve contos, que era o forte do Borges. Mora em Buenos Aires, mas agora está fazendo uma bolsa em Berlim este ano.
Veja ainda:
Argentina, por Ariel Palacios: um país “atravancado”

TCU nao faz contas, nem quer tribunal para suas proprias contas, tudo sem transparencia...

Então ficamos assim: o órgão encarregado de controlar as contas dos demais poderes, não quer controle sobre suas próprias contas, e torra impunemente o dinheiro do contribuinte, com seus passeios dourados, sem querer prestar contas disso tudo.
Esse é o órgão que quer colocar um teto ridículo sobre salários em dólar no exterior...
Paulo Roberto de Almeida 

Ministros do TCU ganham R$ 53 mil para viagens e 'escondem' os roteiros

FÁBIO FABRINI / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
11 de março de 2013 | 2h 07

O Tribunal de Contas da União (TCU) blindou seus ministros da divulgação de viagens feitas com verba pública. Decisões do plenário impedem o cidadão comum de saber para onde, e com qual justificativa, as autoridades emitiram passagens aéreas bancadas pelo contribuinte. A justificativa é que informar deslocamentos pregressos, feitos nos dois últimos anos, pode trazer "risco à segurança" dos integrantes da corte.
A negativa foi dada em processos nos quais o Estado pediu, via Lei de Acesso à Informação, detalhamento das despesas com voos para "representação do cargo", ou seja, para cumprir compromissos supostamente institucionais, como palestras, solenidades, congressos e homenagens.
Por meio de uma resolução editada em 2009, os ministros do TCU asseguraram para si próprios, além de auditores, procuradores e subprocuradores do Ministério Público que atuam na corte, o direito aos bilhetes, concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a magistrados.
Segundo a norma de 2009, os integrantes do plenário teriam direito a gastar R$ 43,2 mil em voos com essa finalidade. O valor da verba foi atualizado e corrigido pelo IPCA, e, hoje, os ministros podem gastar até R$ 53 mil com viagens.
Para demais autoridades, o montante, atualizado, pode ser de R$ 26,9 mil ou R$ 17,9 mil.
Os dados completos das viagens eram fornecidos pela Secretaria de Comunicação do tribunal até 2011, mas os ministros recuaram. Com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, em maio do ano passado, passaram a negá-los.
Constrangimento. Os despachos em resposta ao Estado dos ministros Benjamin Zymler e Raimundo Carreiro não explicam como a integridade física dos ministros pode ser ameaçada com a divulgação de viagens pregressas.
Segundo fontes do tribunal, a negativa visa a evitar constrangimento, pois é comum as autoridades usarem a verba para viajar aos Estados de origem, nos fins de semana e feriados.
O TCU só abre agora a data e o valor dos voos, mas omite os destinos e as justificativas. As tabelas enviadas ao Estado mostram que só a ministra Ana Arraes consumiu R$ 40 mil em 39 viagens em 2012. Aroldo Cedraz usou mais R$ 30 mil naquele ano e mais R$ 37 mil em 2011, em 48 deslocamentos. Por que e para onde foram é uma incógnita.
Hermético. Na prática, o tribunal tem sido, nesse aspecto, mais hermético que os órgãos que fiscaliza. No Executivo e no Legislativo federais, as mesmas informações estão disponíveis na internet, sem a necessidade de pedido por meio da Lei de Acesso à Informação.
Para Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da organização Transparência Brasil, não há justificativa para omitir os dados. "É a posteriori. Como falar em risco meses depois de as viagens terem ocorrido? É uma justificativa cínica", critica.
Segundo Abramo, a situação é "lamentável, mas esperada" num contexto em que cabe aos ministros julgar os pedidos de acesso às próprias despesas. No TCU, essas solicitações têm tratamento diferenciado, sendo apreciadas pela Presidência, e não pela Ouvidoria, com servidores de carreira. Há a possibilidade de apenas um recurso ao colegiado de ministros - no Executivo, são quatro. "Se eles podem decidir em causa própria, vão fazê-lo", comenta Abramo.
Conforme o TCU, uma decisão sobre a divulgação das viagens será tomada no futuro, quando o tribunal classificar as informações que, em seu entendimento, podem "se revestir de sigilo". Medida idêntica foi adotada na gestão de Carlos Ayres Britto na presidência do Supremo Tribunal Federal, que protelou por meses o atendimento aos pedidos, mas foi revogada.
As normas do TCU que tratam da Lei de Acesso à Informação, porém, não dão espaço para esse tipo de manobra.
Recurso. Na análise de recurso apresentado pelo Estado, a consultoria jurídica do TCU entendeu que a presidência do tribunal descumpriu a Lei de Acesso, pois não obedeceu aos prazos e tampouco apresentou os motivos da recusa. "A lei não prevê tal hipótese de dilação indeterminada de prazo na análise dos pedidos. (...) A análise em questão deveria ter sido realizada em sua completude", diz o relatório.
O relator, Benjamin Zymler, votou para que o caso fosse reanalisado, mas foi vencido pelo ministro Carreiro, que apresentou voto contrário, seguido pela maioria. No plenário, só André Luís de Carvalho votou com Benjamin Zymler.
A abertura de outras despesas tem sido negada pelo tribunal, a exemplo dos reembolsos de despesas médicas. As agendas dos ministros não são divulgadas na internet, o que favorece a discreta atuação de lobistas nos gabinetes. Mesmo que não tenham tarja de sigilosos, os processos não podem ser consultados, exceto pelas partes. Só após o julgamento, os relatórios técnicos são apresentados ao público.
Para Cláudio Weber Abramo, a pressão da opinião pública é que poderia mudar a situação e favorecer a abertura dos dados: "(Os ministros) só reagem com a faca no pescoço".
Limite. O Tribunal de Contas da União informou, em nota, que trabalha para, "o mais breve possível", classificar as suas informações e, assim, divulgá-las "nos limites da lei".
A corte não respondeu a nenhum dos oito questionamentos do Estado, enviados na quinta-feira. "Com o advento da Lei de Acesso, ao mesmo tempo em que se passou a permitir a qualquer cidadão pleitear informações aos órgãos públicos, também exigiu-se que determinados dados fossem resguardados", justificou o tribunal.  

Inflacao de incompetencia, penuria de bom senso - Celso Ming (OESP)

O contra-ataque
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 10/03/2013

A desoneração da cesta básica, anunciada pela presidente Dilma no início da noite de sexta-feira, mostra duas coisas: (1) que o governo vem sendo seguidamente surpreendido pela força da inflação, porque faz o diagnóstico errado; e (2) que continua pouco disposto a usar os mecanismos mais eficazes para combatê-la.

A desoneração não deveria ser adotada agora. A ideia era anunciá-la apenas no Dia do Trabalho, 1° de maio. Foi a iminência do estouro do teto da meta de inflação (acima de 6,5% ao ano) já em março que levou o governo a precipitar a decisão.

Até agora, as autoridades vinham fazendo pouco caso do rali dos preços. Em vez de focar as causas internas, preferiam responsabilizar choques externos de oferta, como a seca nos Estados Unidos em meados do ano passado, que puxou para cima as cotações das principais proteínas vegetais: soja e milho. Mas não conseguiam explicar por que o problema não atingia outras economias emergentes com a mesma contundência sentida por aqui.

O Banco Central, por exemplo, garantiu em seus documentos que a convergência da inflação para a meta, de 4,5% ao ano, poderia não sair nos próximos meses, mas já estava contratada. Com um pouco mais de paciência, chegaríamos lá. E era também esse o discurso do ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Ainda na manhã de sexta-feira, logo depois da divulgação pelo IBGE dos dados ruins do IPCA de fevereiro, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, retomou o blá-blá-blá de quem prefere desclassificar a realidade. Embora reconhecesse que a inflação veio "um pouco acima do esperado", insistiu em pintar um cenário despreocupante: "a expectativa é de que logo cairá gradualmente, principalmente quando começar a ser transmitida para os preços a queda recente das cotações das commodities". Ou seja, não é preciso fazer nada, a inflação recuaria espontaneamente. Não foi essa a leitura dos mesmos números feita pela presidente Dilma que em seguida mandou deflagrar o contra-ataque.

A isenção de impostos da cesta básica terá impacto imediato na queda do custo de vida, em proporção que ainda deverá ser melhor medida. Mas esta, decididamente, não é a melhor maneira de enfrentar o problema. Por três razões:

Primeira, porque é o tipo da providência que produzirá efeito apenas uma vez; nos meses seguintes, deixará de ser notado. Segunda, porque não ataca o problema principal, que é a demanda exacerbada, como o Banco Central já vinha avisando. Ao contrário, a eventual folga nos orçamentos domésticos proporcionada pela isenção de impostos deve aumentar o consumo, tanto de itens da cesta básica como dos que estão fora dela. E, terceira, porque deixa solta uma das principais pontas da inflação que é o setor de serviços.

São duas as melhores armas que poderiam combater a inflação com mais eficácia do que essa isenção de impostos. A primeira é maior rigor na administração das contas públicas. Uma boa derrubada nas despesas correntes do governo ajudaria a conter a demanda. A perda de arrecadação vai dificultar esse passo. A outra é a alta dos juros básicos (Selic), providência já admitida pelo Banco Central que, no entanto, pretende usá-la com parcimônia -- para usar expressão que seus diretores adoram usar.

O caudilho redentor: encore lui - Mary Anastasia O'Grady (WSJ)

Chavez, the Redeemer
Mary Anastasia O'Grady
The Wall Street Journal, March 11, 2013

Barack Obama's first term was not kind to many Americans. Yet when a presidential-election exit poll in November asked voters which candidate "cares about people like me," President Obama beat Mitt Romney by a staggering 81% to 18%.

You can blame that on Mr. Romney, but I think it has mostly to do with the cult of personality. And it was something to bear in mind last week as tens of thousands of Venezuelans in the streets of Caracas tearfully mourned the death of Hugo Chávez. Many of the poor may authentically believe that the dictator cared for them. But that doesn't mean that he made them better off. He didn't.

The results of the U.S. exit poll seemed highly illogical. Americans had endured four years of stubbornly high unemployment, stagnant wage growth, and rising gas and food prices. Yet Mr. Obama remained connected with the voters, as the exit poll and election outcome demonstrated.

Many Venezuelans seem to experience a similar disconnect between their idealism and reality. I suspect that the hysteria witnessed last week on the part of poor Venezuelans has to do with what psychologists call cognitive dissonance, the frustration and anxiety that one feels when holding two conflicting beliefs.

On the one hand, Chávez connected with the downtrodden in ways that previous presidents haven't, starting with the fact that, like many of them, he is a mixed-race Venezuelan from humble origins. He first came on the political scene as an outsider promising to put an end to corruption, and to channel the country's vast oil wealth to the disenfranchised.

This paternalism and his personal story struck a chord. He became a father figure in a country where many children grow up fatherless.

Chávez was a skilled orator with keen Machiavellian instincts. He mastered both the art of propaganda and the science of censorship. Most Venezuelans lost access to objective news reporting over his 14-year rule and were forced to absorb nothing but his indoctrination. He gave handouts to the poor, which, though meager, were better than anything they had received from earlier governments. Little wonder that by the time he died he had become a symbol of revenge for the marginalized, a champion of their cause.

On the other hand, they live in the real world, and it is likely on some level that most Venezuelans—rich, middle class or poor—understand that they are worse off today. Living standards are deteriorating, and the future is even less promising than it was in 1998 when Chávez was first elected.

Prices are the key signal. The government's February 2003 price controls, designed to combat inflation, have completely failed. The central bank admits that over the past 10 years inflation in food and nonalcoholic beverages is 1,284%, and that food shortages are increasingly prevalent.

One of Chávez's more destructive economic schemes was the transfer of central-bank reserves to an off-budget government fund for infrastructure investments. He started in 2003 by arguing that he only wanted "a little billion." Total transfers have now reached $49 billion, and the fund has no independent supervision.

The central bank has also been bailing out the state-owned oil company PdVSA and the state-owned mining and industrial conglomerate known as CVG. All these transfers are destroying the value of the bolívar. Some economists are forecasting a consumer-price inflation rate for 2013 of more than 30% and zero gross-domestic-product growth.

In 2012, according to Venezuelan economist Pedro Palma, the government's fiscal deficit (which is never easy to calculate because of the many government enterprises) was 16%-18% of GDP. With oil prices at the upper end of historical levels, this can only mean that government spending is spinning out of control and that without a reconciliation of the budget Venezuela will go broke.

Economic hardship isn't the only heavy burden that Chávez's constituents bear. The official murder rate in 2012 was 73 per 100,000 inhabitants and the killing is happening mostly in low-income neighborhoods. Families of crime victims have no hope of getting justice for their loved ones.

Will any of this tarnish Chávez's memory? Probably not. In his 2011 book "Redeemers," Mexican historian Enrique Krauze traces the history of "ideas and power in Latin America" over the course of the 20th century through the biographies of some of the region's most well-known messianic figures. Most of his subjects enjoyed the adulation of the masses, even as their utopian promises went bust. Those in power often employed brutal repression to keep it. Fittingly, Chávez is the final profile in that book.

The military government also has good reason to deify the late comandante. If his memory is sacred, so too must be the system he built. Last week interim President Nicolás Maduro announced that Chávez will be embalmed "so he can be eternally open" for public viewing: "Just like Ho Chi Minh, like Lenin, how Mao Zedong is."

Write to O'Grady@wsj.com

A version of this article appeared March 11, 2013, on page A15 in the U.S. edition of The Wall Street Journal, with the headline: Chávez 'The Redeemer'.

O caudilho e os seus desastres - Mario Vargas Llosa

Interessante artigo do Prêmio Nobel peruano de literatura: toca em vários pontos relevantes no plano conceitual e termina com uma expressão de confiança na possibilidade de vitória da oposição, achando que as massas podem ser racionais, o que me parece ilusório.
Mas deixou de tocar em duas questões importantes: as milícias fascistas, criadas pelo caudilho, e o Exército, aparentemente já controlado totalmente pelos êmulos do coronel, não por que o amassem de verdade, ou porque acreditam no tal de socialismo do século 21.
Acontece que essas forças fascistas -- algumas com comandantes que também fazem negócios no narcotráfico -- precisam que o sistema continue, pois esse é o seu modo de vida -- para os simples mercenários das milícias fascistas -- e este é a sua maneira de enriquecer, no caso dos comandantes.
Eles não podem abandonar o poder: já roubaram muito e querem continuar roubando e talvez já tenham cometido alguns crimes, e isso não pode ser exposto.
O próprio caudilho virou, ao que parece, e antes do tempo, um boneco de cera, o que assegura que a máquina de mentir e roubar, criada por eles, e seus mentores cubanos, já está bem montada.
Por isso sou menos otimista do que Vargas Llosa. Acho que os venezuelanos ainda têm muitos desastres pela frente...
Paulo Roberto de Almeida 

A morte do caudilho
Mario Vargas Llosa
O Estado de S.Paulo, 10/03/2013

O comandante Hugo Chávez Frías pertencia à robusta tradição dos caudilhos que, embora mais presentes na América Latina que em outras partes, não deixaram de se assomar a toda parte, até em democracias avançadas, como a França. Ela revela aquele medo da liberdade que é uma herança do mundo primitivo, anterior à democracia e ao indivíduo, quando o homem ainda era massa e preferia que um semideus, ao qual cedia sua capacidade de iniciativa e seu livre-arbítrio, tomasse todas as decisões importantes de sua vida.

Cruzamento de super-homem e bufão, o caudilho faz e desfaz a seu bel prazer, inspirado por Deus ou por uma ideologia na qual, quase sempre, se confundem o socialismo e o fascismo ─ duas formas de estatismo e coletivismo ─ e se comunica diretamente com seu povo mediante a demagogia, a retórica, a espetáculos multitudinários e passionais de cunho mágico-religioso.

Sua popularidade costuma ser enorme, irracional, mas também efêmera, e o balanço de sua gestão, infalivelmente catastrófico. Não devemos nos impressionar em demasia pelas multidões chorosas que velam os restos de Hugo Chávez. São as mesmas que estremeciam de dor e desamparo pela morte de Perón, de Franco, de Stalin, de Trujillo e as que, amanhã, acompanharão Fidel Castro ao sepulcro.

Os caudilhos não deixam herdeiros e o que ocorrerá a partir de agora na Venezuela é totalmente incerto. Ninguém, entre as pessoas de seu entorno, e certamente em nenhum caso Nicolás Maduro, o discreto apparatchik a quem designou seu sucessor, está em condições de aglutinar e manter unida essa coalizão de facções, de indivíduos e de interesses constituídos que representa o chavismo, nem de manter o entusiasmo e a fé que o defunto comandante despertava com sua torrencial energia nas massas da Venezuela.

Uma coisa é certa: esse híbrido ideológico que Hugo Chávez urdiu chamado revolução bolivariana ou socialismo do século 21, já começou a se decompor e desaparecerá, mais cedo ou mais tarde, derrotado pela realidade concreta: a de uma Venezuela, o país potencialmente mais rico do mundo, ao qual as políticas do caudilho deixaram empobrecido, dividido e conflagrado, com a inflação, a criminalidade e a corrupção mais altas do continente, um déficit fiscal que beira a 18% do PIB e as instituições ─ as empresas públicas, a Justiça, a imprensa, o poder eleitoral, as Forças Armadas ─ semidestruídas pelo autoritarismo, a intimidação e a submissão.

Além disso, a morte de Chávez coloca um ponto de interrogação na política de intervencionismo no restante do continente latino-americano que, num sonho megalomaníaco característico dos caudilhos, o comandante defunto se propunha a tornar socialista e bolivariano a golpes de talão de cheques. Persistirá esse fantástico dispêndio dos petrodólares venezuelanos que fizeram Cuba sobreviver com os 100 mil barris diários que Chávez praticamente presenteava a seu mentor e ídolo Fidel Castro? E os subsídios e as compras de dívida de 19 países, aí incluídos seus vassalos ideológicos como o boliviano Evo Morales, o nicaraguense Daniel Ortega, as Farc colombianas e os inúmeros partidos, grupos e grupelhos que por toda a América Latina lutam para impor a revolução marxista?

O povo venezuelano parecia aceitar esse fantástico desperdício contagiado pelo otimismo de seu caudilho, mas duvido que o mais fanático dos chavistas acredite agora que Maduro possa vir a ser o próximo Simon Bolívar. Esse sonho e seus subprodutos, como a Aliança Bolivariana para as América (Alba), integrada por Bolívia, Cuba, Equador, Dominica, Nicarágua, San Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda, sob a direção da Venezuela, já são cadáveres insepultos.

Nos 14 anos que Chávez governou a Venezuela, o preço do barril de petróleo ficou sete vezes mais caro, o que fez desse país, potencialmente, um dos mais prósperos do planeta. No entanto, a redução da pobreza nesse período foi menor que a verificada, por exemplo, no Chile e no Peru no mesmo período. Enquanto isso, a expropriação e a nacionalização de mais de um milhar de empresas privadas, entre elas 3,5 milhões de hectares de fazendas agrícolas e pecuárias, não fez desaparecer os odiados ricos, mas criou, mediante o privilégio e o tráfico, uma verdadeira legião de novos ricos improdutivos que, em vez de fazer progredir o país, contribuiu para afundá-lo no mercantilismo, no rentismo e em todas as demais formas degradadas do capitalismo de Estado.

Chávez não estatizou toda a economia, como Cuba, e nunca fechou inteiramente todos os espaços para a dissidência e a crítica, embora sua política repressiva contra a imprensa independente e os opositores os reduziu a sua expressão mínima. Seu prontuário no que respeita aos atropelos contra os direitos humanos é enorme, como recordou, por ocasião de seu falecimento, uma organização tão objetiva e respeitável como a Human Rights Watch.

É verdade que ele realizou várias consultas eleitorais e, ao menos em algumas delas, como a última, venceu limpamente, se a lisura de uma eleição se mede apenas pelo respeito aos votos depositados e não se leva em conta o contexto político e social no qual ela se realiza, e na qual a desproporção de meios à disposição do governo e da oposição era tal que ela já entrava na disputa com uma desvantagem descomunal.

No entanto, em última instância, o fato de haver na Venezuela uma oposição ao chavismo que na eleição do ano passado obteve quase 6,5 milhões de votos é algo que se deve, mais do que à tolerância de Chávez, à galhardia e à convicção de tantos venezuelanos que nunca se deixaram intimidar pela coerção e as pressões do regime e, nesses 14 anos, mantiveram viva a lucidez e a vocação democrática, sem se deixar arrebatar pela paixão gregária e pela abdicação do espírito crítico que o caudilhismo fomenta.

Não sem tropeços, essa oposição, na qual estão representadas todas as variantes ideológicas da Venezuela está unida. E tem agora uma oportunidade extraordinária para convencer o povo venezuelano de que a verdadeira saída para os enormes problemas que ele enfrenta não é perseverar no erro populista e revolucionário que Chávez encarnava, mas a opção democrática, isto é, o único sistema capaz de conciliar a liberdade, a legalidade e o progresso, criando oportunidades para todos em um regime de coexistência e de paz.

Nem Chávez nem caudilho algum são possíveis sem um clima de ceticismo e de desgosto com a democracia como o que chegou a viver a Venezuela quando, em 4 de fevereiro de 1992, o comandante Chávez tentou o golpe de Estado contra o governo de Carlos Andrés Pérez. O golpe foi derrotado por um Exército constitucionalista que enviou Chávez ao cárcere do qual, dois anos depois, num gesto irresponsável que custaria caríssimo a seu povo, o presidente Rafael Caldera o tirou anistiando-o.

Essa democracia imperfeita, perdulária e bastante corrompida, havia frustrado profundamente os venezuelanos que, por isso, abriram seu coração aos cantos de sereia do militar golpista, algo que ocorreu, por desgraça, muitas vezes na América Latina.

Quando o impacto emocional de sua morte se atenuar, a grande tarefa da aliança opositora presidida por Henrique Capriles será persuadir esse povo de que a democracia futura da Venezuela terá se livrado dessas taras que a arruinaram e terá aproveitado a lição para depurar-se dos tráficos mercantilistas, do rentismo, dos privilégios e desperdícios que a debilitaram e tornaram tão impopular.

A democracia do futuro acabará com os abusos de poder, restabelecendo a legalidade, restaurando a independência do Judiciário que o chavismo aniquilou, acabando com essa burocracia política mastodôntica que levou à ruína as empresas públicas. Com isso, se produzirá um clima estimulante para a criação de riqueza no qual empresários possam trabalhar e investidores, investir, de modo que regressem à Venezuela os capitais que fugiram e a liberdade volte a ser a senha e contrassenha da vida política, social e cultural do país do qual há dois séculos saíram tantos milhares de homens para derramar seu sangue pela independência da América Latina.

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...