segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A crise financeira e a crise do marxismo: qual a mais grave? - Paulo Roberto de Almeida

Em 2008 fui solicitado por um reporter de jornal a comentar sobre o eventual ressurgimento de Marx em face da crise financeira então em curso. Aproveitei minhas respostas a suas perguntas para compor o trabalho que segue abaixo. Acredito que ele ainda tem validade, daí colocar neste blog, a despeito de o texto original estar disponível no meu site pessoal (link: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1945MarxCrise.pdf).
Paulo Roberto de Almeida 
Hartford, 2/02/2014

As crises do capitalismo e a crise do marxismo: qual a mais grave?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de novembro de 2008

 “Quando ouço falar em crise do capitalismo, saco logo o meu Marx...”
A explosão da crise financeira mundial, iniciada no coração do capitalismo, agora disseminando-se rapidamente na periferia, trouxe pelo menos um benefício aos críticos do sistema: ela os fez acreditar no “ressurgimento” de Marx. Alguns ingênuos até chegam a acreditar no fim do capitalismo, pelo menos em sua modalidade “laissez faire”, mas isso depende do grau de adesão ou de fidelidade à doutrina. Os mais “true believers” emergem de seu anterior estado catatônico com um sorriso nos lábios e um ar de: “Eu não disse?”. Os mais realistas apenas se contentam em sacar o seu Marx na estante para ir buscar alguma frase do genial pensador que os contente na feliz certeza de que tudo estava previsto em algum texto de 150 anos atrás.
O certo mesmo é que a nova agitação febril em torno das idéias do filósofo de Trier e suas “previsões” quanto à natureza inevitável das crises sob o capitalismo deve animar alguns negócios com títulos que andavam desprezados nas bolsas de ações. A crer em certas matérias de imprensa, vem ocorrendo um surto de vendas de algumas obras do mestre, entre elas esse monumento gótico que se chama Das Kapital. As entrevistas se multiplicam com personagens quase caricatas – como Hobsbawm e seu marxismo esclerosado – que confirmam a intuição fenomenal do exilado de Londres em apontar as contradições inelutáveis do “modo de produção burguês”. Até mesmo a circunspecta revista francesa de crítica literária Le Magazine Littéraire convidou os suspeitos habituais da marxolatria gálica para editar um número especial que pretende explicar “les raisons d’une renaissance” (n. 479, outubro de 2008), mas o resultado é tão risível (para não dizer patético) que nem vale o trabalho da tradução.
Fui envolvido involuntariamente nesse retorno às fontes, como agora passo a relatar. Tendo escrito uma resenha irônico-depreciativa sobre uma compilação de medíocres textos de cultores dessa igreja, e sido posteriormente atacado por todos eles com furibundas invectivas dirigidas à minha pessoa, sem que eles sequer tivessem conseguido dizer qualquer coisa inteligente sobre o livro em questão – informo aos interessados que resumi o “debate” cômico neste ensaio: “Manifesto Comunista, ou quase...:  dedicado a “marquissistas” à beira de um ataque de nervos (a propósito de uma simples resenha)”, in Espaço Acadêmico (nr. 85, junho de 2008; link: http://www.espacoacademico.com.br/085/85pra.htm); Via Política (08.06.2008; link: http://www.viapolitica.com.br/artigo_view.php?id_artigo=68) – fui agora questionado por um repórter que, ao preparar uma matéria sobre a eclosão da crise, indagou-me se esta não me tinha feito, de algum modo, rever minhas posições sobre a “total contornabilidade” de Marx. Respondi-lhe que de modo algum.

A alquimia marxiana e o ouro dos tolos
Pretender ver em Marx um “intérprete” das crises financeiras e dos ciclos econômicos do capitalismo contemporâneo seria o equivalente de colocar um alquimista para trabalhar com a química moderna, ou fazer apelo aos médicos do século XVIII, com suas ventosas e aparelhos para “limpar o sangue” dos doentes, para tratar enfermos da atualidade. Marx permanece um autor e um filósofo do século XIX, que refletiu sobre o capitalismo do início da Revolução industrial com base em leituras de autores clássicos (entre eles Adam Smith e David Ricardo, um pouco do John Stuart Mill) e em informações disponíveis naquela conjuntura, de capitalismo industrial ainda incipiente e de práticas bancárias e financeiras típicas de um sistema ainda em seu nascedouro, extremamente limitadas em comparação com os padrões do início deste século XXI.
Esse fascínio com Marx, como profeta da derrocada do capitalismo, diz mais, aliás, sobre o estado psicológico “carente” dos proponentes desse tipo de argumento do que sobre a situação real do capitalismo contemporâneo: pessoas que assim argumentam precisam confirmar seus preconceitos – obviamente negativos – contra o capitalismo, e Marx ainda é o mais conhecido dos seus detratores. Os últimos crentes da doutrina marxiana – mas muitos deles sao meros “marquissistas” – pretendem encontrar em Marx explicações para a crise. E quais seriam estas explicações?
As crises do capitalismo de que Marx tratou, ou que ele julgou tratar, eram, tipicamente, crises de “superprodução”, ou que ele considerava como tal, ou seja, acumulação de produtos de um lado, em quantidades sempre crescentes, em face da miséria também crescente da massa trabalhadora, que não teria condições de absorver essa produção ampliada, deslanchando, assim, uma crise de superprodução. Ou seja, segundo Marx, o próprio sistema capitalista produziria, de forma recorrente, essas crises de superprodução – demanda insuficiente – que serviriam para eliminar os excessos (tanto de produtos como de meios de produção), até encontrar uma nova situação de equilíbrio, mais adiante, com recomposição dos estoques. Esse tipo de análise é muito precária, para não dizer extremamente primitiva para pretender explicar as crises periódicas – mas a prazos irregulares – do capitalismo, que por ser um sistema extremamente dinâmico é, também, inerentemente instável, gerando de maneira absolutamente natural desequilíbrios e excessos que são corrigidos pelos mercados (com alguma intervenção dos governos, de maior ou menor intensidade segundo as orientações políticas das forças que ocupam o poder momentaneamente).
Marx também tratou da moeda e do dinheiro, mas suas análises, típicas de um cidadão educado na escola do lastro-ouro, seriam risíveis se colocadas na perspectiva das atuais crises financeiras e bancárias. Desse ponto de vista, ele continua (aliás, permanece desde o próprio século XIX) totalmente contornável para tratar das crises atuais. Alguns desses “marquissistas” redivivos chegam até a desencavar o volume III do Capital para dele extrair o conceito de “capital fictício”, que seria aquele derivado da “financeirização” – outro conceito cultuado nesses meios – do capital acumulado no setor real e transformado em títulos de crédito e ações que já não guardariam mais correspondência com a economia física.
Os críticos do “capital fictício” – que voltaram a vender esse conceito gótico como se fosse um verdadeiro “ouro dos tolos” – parecem não se dar conta de que a valorização dos títulos no mercado segue apenas a velha lei da oferta e da procura e que o reencontro com a realidade dos números da economia real se dá cada vez que um novo comprador entra no mercado para adquirir um ativo supervalorizado: como ele supostamente não é um emissor primário de dinheiro, o mais provável é que retire dinheiro de sua poupança privada – ou “acumulação primitiva”, se os marquissistas preferirem – para tornar-se o feliz proprietário de um ativo hipervalorizado. O choque se dará na próxima queda brusca dos títulos, cortando a fumaça da valorização, mas limpando, ao mesmo tempo, uma parte da riqueza real de alguém.
Mas isso acontece todos os dias: marquissistas de academia, por exemplo, continuam a comprar as ações Marx, por um preço superior ao seu valor real. Eles já não compram ações Lênin, Stalin, Mao ou Pol-pot: elas foram hiperdesvalorizadas pelo desprezo votado a elas pela maior parte dos “gramscianos” que freqüentam nossas academias. Espera-se apenas que eles estejam bem servidos com o seu Marx...

Inexplicável: marquissistas são antiglobalizadores, contra Marx...
A maior parte dos marquissistas bate cartão de ponto nos ruidosos encontros dos antiglobalizadores. (Parênteses: eu sei que eles preferem chamar a si mesmos de “altermundialistas”, mas como até agora não souberam dizer de que seria feito esse outro mundo possível, prefiro designá-los pelo que eles são, efetivamente.). Isso é tanto mais surpreendente que Marx era um globalizador por excelência. O Manifesto Comunista (1848) constitui um hino em louvor ao papel modernizador da burguesia e do capitalismo na abertura de novos campos e territórios à exploração do capital e na derrubada de sistemas econômicos esclerosados ou defasados, como eram não apenas os da periferia colonizada, mas também os de muitos países europeus em sua época. Marx apoiaria totalmente o mundo da globalização capitalista contemporânea, que ele consideraria necessária para acelerar o caminho em direção ao socialismo (de forma totalmente equivocada, portanto). Se ele tivesse de escolher, estaria sentado com os capitalistas de Davos, não com os românticos do Foro Social Mundial, que ele consideraria como irremediáveis socialistas utópicos e sonhadores incuráveis.
A comunidade surrealista que é hoje colocada no campo da anti-globalização é, na verdade, um conjunto heteróclito de viúvas do marxismo e do socialismo, de órfãos da globalização, de acadêmicos absolutamente perdidos em face do renovado vigor revelado pelo capitalismo, enfim, uma assemblagem de pessoas incapazes de sequer compreender o funcionamento dos mercados financeiros, e do mundo da produção de modo geral, quanto mais de interpretar esse mundo de forma adequada ou correta. Esses pretensos acadêmicos “marxistas”, que eu chamaria mais apropriadamente de “marquissistas de opereta”, não têm a mais leve idéia de como funcionam os circuitos financeiros, mas se permitem emitir opiniões e julgamentos sobre a “morte do capitalismo” como se estivesse preparando o seu enterro.
Daí essa agitação e essa alegria incontida, cada vez que o sistema produz uma dessas crises recorrentes: eles “precisam” desses cenários para confortá-los em suas opiniões equivocadas de que o capitalismo marcha a caminho de sua auto-destruição. Eles ficam radiantes cada vez que um banco quebra ou uma empresa é fechada; para eles, é como se estivesse chegando o dia do julgamento final. Nisso eles têm companhia: o próprio Marx acreditava que o sistema capitalista produziria, um dia, uma crise geral de tais proporções que representaria sua derrocada final, no que ele se enganou redondamente (mas isso todo mundo já sabe). Sistemas dinâmicos produzem crises; sistemas estáticos, sem riscos, como o socialismo, produzem estagnação e esclerose. Não é preciso dizer o que ocorreu ao longo do tempo...

Reescrevendo Lênin: a globalização seria a última etapa do capitalismo?
O conceito de “última etapa” só existe para quem é milenarista, salvacionista, quem espera a vinda do redentor ou o dia do juízo final. Não existe isso em história, social ou natural. O sistema está sempre caminhando em direção a novas formas e modalidades, incorporando novos elementos estruturais ou conjunturais, tirando lições de experiências passadas – mas para isso é preciso ser minimamente inteligente, não exibir preconceitos, como certos “marquissistas” brasileiros – ou seja, em contínua adaptação e evolução sistêmica (o que não quer dizer para formas moralmente mais elevadas ou socialmente mais justas, mas estas são outras questões).
Marx acreditava, de fato, que o capitalismo seria superado por um “modo de produção superior”, que para ele era o socialismo. Isso é pura poesia, ou alienação marxista, no sentido de acreditar que a história é predeterminada ou tem leis de ferro que a levam numa direção previamente definida (claro: por algum cérebro genial que alguns acreditam fosse o de Marx). Não é preciso dizer que ele foi inteiramente desmentido pelos laboratórios da história.
Lênin também acreditava, como outros marxistas de sua época, que o capitalismo, em sua fase monopolista, chegaria necessariamente à fase imperialista, para ele a etapa superior – e supostamente final – do capitalismo. Outro poeta sonhador. Lênin era talvez um gênio em política, mas uma nulidade em economia.
A globalização transcende o capitalismo, o feudalismo ou até o pretenso socialismo que existiu durante algumas décadas em alguns países. Trata-se de um processo impessoal, indeterminado, incontrolável, de integração dos mercados e de internacionalização da produção. Ela existe desde os tempos dos fenícios e dos romanos, foi parcialmente interrompida com as invasões bárbaras e a fragmentação dos reinos e impérios existentes durante a Idade Média, foi retomada com Colombo e Vasco da Gama, impulsionada por conquistadores, piratas, missionários, capitalistas e legionários, parcialmente interrompida por setenta anos de experimento socialista (totalmente fracassado, não é preciso insistir e tripudiar com os órfãos) e retomado a partir da implosão final do socialismo na União Soviética e do início das reformas na China (ainda formalmente socialista, na verdade autocrática-capitalista).
A perspectiva marxista da globalização era inteiramente dominada pela visão do capitalismo como modo de produção dominador, o que está longe de ser verdade, pois se trata, apenas, de uma das muitas formas da economia de mercado. Os marxistas não conseguem ver que a globalização transcende o capitalismo e a própria economia de mercado, embora se desenvolva basicamente através da integração dos mercados. Por exemplo, blogueiros na internet, atualmente, são parte integrante da globalização, sem necessariamente vincular-se a um mercado determinado.

A crise financeira seria a “ressurreição” de Marx e a superação do capitalismo?
Assim como não se pode antever a superação do capitalismo, difícil prever qualquer “ressurreição” de Marx, pelo menos não para os que lidam com o capital e os mercados financeiros. Ele certamente nunca morreu e está mais vivo do que nunca em certos meios acadêmicos, mas o problema é que, justamente, esses meios ignoram por completo como funcionam os meios financeiros, e ficam dando lições sobre o “capital fictício” como se este fosse um um funcionário do Banco Central.
O que existe é uma necessidade psicológica de certos acadêmicos frustrados com o fim do socialismo de desenterrar um cadáver sempre recuperado em momentos de incertezas quanto aos destinos do capitalismo e de colocá-lo a serviço de suas causas sempre derrotadas. Como eles não têm a mínima capacidade de pensar com suas próprias cabeças, vão buscar duas ou três frases impactantes do filósofo barbudo para rechear algum artiguinho cheio de bobagens sobre os sobressaltos de Wall Street. Eles se escondem atrás de Marx para não revelar que não compreendem patavina do que está ocorrendo com os mercados.
Pode-se considerar que são simples saudosos de explicações simplistas sobre o funcionamento dos mercados financeiros e do capitalismo, ou então que são pessoas completamente esquizofrênicas, que não conseguem encontrar explicações mais plausíveis para as turbulências atuais dos mercados financeiros e que se refugiam, então, em mitos e crendices gerados pela sua própria incapacidade de compreender a realidade. Tenho plena consciência que as obras de Marx estão vendendo muito bem atualmente, o que me suscita um único comentário, ou talvez dois: (a) é ótimo para editores e livreiros que isso esteja ocorrendo, pois eles vão poder fazer uma “mais-valia” extra com a crendice de pessoas ingênuas ou mal-informadas; (b) fica pior, em contrapartida, para os crentes e desavisados, que vão comprar um produto que teria, supostamente, a “explicação mágica” das turbulências atuais do capitalismo e que, obviamente, não vai servir para nada.
A estes, eu faria apenas uma recomendação, aliás já feita para nossos “marquissistas de opereta”: melhor usar o dinheiro para comprar uma boa pizza e assim movimentar negócios capitalistas no seu bairro...

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Venezuela: o caos total do socialismo do seculo XXI

Uma herança em jogoOmar Lugo, de Caracas
Valor Econômico, 31/01/2014 

Venezuela, o mais recente laboratório do socialismo ortodoxo no mundo, sofre hoje fortes transformações econômicas e sociais, radicalizadas em nome da "revolução chavista", que neste domingo completa 15 anos em meio a uma severa escassez de dólares. A distorcida economia é o território sobre o qual o governo civil-militar de Nicolás Maduro, herdeiro do "líder supremo" Hugo Chávez, desdobra suas forças para consolidar um processo que exibe alguns resultados sociais e muitos danos colaterais, como a elevada criminalidade, a escassez de bens básicos e a queda da produção local.

O objetivo oficial é tornar irreversível o sistema socialista em implantação, soterrar o capitalismo, fortalecer o Estado, unir as Forças Armadas e organizações populares e projetar o país como potência regional. Tudo está no marco do "Plan de la Patria", testamento do presidente Hugo Chávez, decretado por Maduro como manual obrigatório para os próximos anos.

A radicalização ocorre em um contexto de mais inflação, empresas com baixo uso de capacidade e reduzida produção da PDVSA, a deficitária petroleira estatal que sustenta os programas sociais do governo com petrodólares nunca suficientes.

Depois de ganhar a eleição de 1998, na esteira de uma onda de descontentamento popular contra os partidos tradicionais, Chávez assumiu a Presidência em fevereiro de 1999. De imediato, instaurou um processo para modificar a Constituição e iniciou profundas mudanças políticas e sociais na estrutura do Estado venezuelano, até a declaração de um regime socialista, em 2004. "É possível definir a situação atual de muitas maneiras, mas, em última instância, é uma crise de caixa, de dólares em espécie", disse ao Valor um economista, especialista em petróleo, que preferiu não ser identificado.

Depois de vários anos de gastos públicos sem controle, no ano passado o governo se financiou deixando de pagar em moeda estrangeira empresas privadas, companhias aéreas, importadores e contratistas da PDVSA. Segundo o informe financeiro da empresa, sua dívida com fornecedores privados era de US$ 16,7 bilhões no fim de 2012. Agora, diversos credores estão cobrando suas faturas. Só por importações já ingressadas no país, autorizadas, mas não reconhecidas, o governo deixou de entregar a empresas locais cerca de US$ 9,5 bilhões, calcula Jorge Roig, presidente da associação privada Fedecámaras, a Fiesp da Venezuela. São dívidas com atrasos de até 300 dias. Há o risco de que fornecedores fechem linhas de crédito e que a falta de produtos se agrave, disse também Roig.

Somados os compromissos não honrados com companhias aéreas e os valores devidos por expropriações e repatriação de capitais, a dívida com o setor privado é de cerca de US$ 50 bilhões, segundo Roig. O governo propôs pagar com combustível e títulos da dívida pública os US$ 3,6 bilhões que deve às empresas aéreas, mas a proposta não é atrativa, explicou uma fonte.

O país que se orgulha de possuir as maiores reservas de petróleo do mundo, suficientes para 800 anos de exportações ao ritmo atual, tem entradas decrescentes de divisas. "Estamos exportando menos petróleo, inclusive para os Estados Unidos, nosso mercado mais rentável", observa o especialista em questões do petróleo.

Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) e do Departamento de Energia dos Estados Unidos indicam que a produção real da PDVSA é de 2,4 milhões de barris por dia, bem abaixo dos 3,6 milhões de barris de 1996. O mercado local consome 800 mil barris, o que deixa apenas 1,6 milhões de barris para exportações, incluindo 800 mil aos Estados Unidos, que pagam em moeda forte. O restante das vendas vai para China, Índia e parceiros do Caribe, com descontos, ou para pagar créditos.

O ingresso real das exportações de petróleo e derivados previsto para este ano é de cerca de US$ 40 bilhões. Desse montante, é preciso descontar pagamentos de dívida financeira da PDVSA no exterior e importações de 200 mil barris por dia em naftas e gasolinas compradas a US$ 120 o barril, para serem vendidas no país pelo ridículo preço de US$ 2,1 o barril. "Isso deixa uma cifra de US$ 25 bilhões de exportações de petróleo e derivados, uma fração do que eram há 5 ou 15 anos, para pagar as importações e os juros da dívida externa", explicou o economista.

Em uma economia importadora, isso se reflete nas filas diárias de clientes nas portas dos supermercados de todo o país. As pessoas buscam principalmente farinha de milho e de trigo, óleo, frango, margarina, leite, açúcar, papel higiênico, guardanapos. Esses produtos, de preços e nível de produção controlados pelo Estado há uma década, desaparecem das prateleiras com espantosa velocidade e vão parar no mercado negro, em que o preço se multiplica em favelas, ruas comerciais e países vizinhos.

O próprio presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, afirmou recentemente que 30% dos alimentos importados "são contrabandeados para a Colômbia". De acordo com o Banco Central, em dezembro a escassez foi a mais alta em seis anos e, em média, chegou a 22% em produtos básicos (de cada 100 produtos procurados, o consumidor não encontra 22). Mas também faltam baterias e peças de reposição para carros e máquinas, papel para imprimir jornais, matérias-primas, alguns remédios, equipamentos de laboratórios médicos, eletrônicos e de computação, fraldas e detergentes.

Paradoxalmente, nas lojas há variedades de uísque escocês e champanhes. É fácil encontrar azeite de oliva, biscoitos e macarrão italiano, queijos uruguaios, carnes e cosméticos do Brasil, vinhos do Chile, Argentina e do Mediterrâneo, e - quando aparecem - leite de Portugal e Equador e papel higiênico dos Estados Unidos.

Quando se espalha a notícia da chegada dos produtos controlados às lojas, aparecem longas filas. Alguns esperam horas para comprar por um preço cinco vezes menor ao oferecido pelos vendedores ambulantes ou pequenas lojas. Os mercados são interditados pela polícia ou militares, até acabar a mercadoria regulada.

Em uma das filas, diante de um supermercado no bairro caraquenho de Chacao, um jovem pedreiro, que se identifica apenas pelo prenome Carlos, diz que a economia vale a pena. Ele costuma se dirigir, todo dia, a uma grande construção, nas proximidades, em busca de emprego como carpinteiro, e aproveita para entrar na fila pela comida. "O emprego está difícil e a construção paga muito bem. Aí tem gente que leva um ano inteiro esperando ser chamado para trabalhar", diz. Os números oficiais, no entanto, são de um desemprego de apenas 5,6% em dezembro.

"Outro dia, eu, minha mulher e meus dois filhos passamos cerca de sete horas diante da [loja] Makro para poder comprar oito quilos de leite", comenta Carlos, enquanto espera pelo óleo e pela farinha, usada para preparar arepas, o alimento básico dos venezuelanos.

O governo atribui a escassez à "estocagem doméstica" e economistas culpam a baixa produção interna, enquanto muitas donas de casa só querem garantir os produtos básicos para seus filhos, já que não sabem quando será a próxima vez que vão encontrá-los.

Outro trabalhador faz contas: com o que gastou em quatro quilos de farinha e dois litros de óleo de milho controlados, só teria conseguido comprar um quilo de farinha com os vendedores ambulantes. "As pessoas vão se cansar, isto vai se transformar em uma bomba- relógio", resmungava, depois de conseguir cota de alimentos controlados.

Sua observação coincide com a de um analista político da Universidade Central da Venezuela, Luis Salamanca, especialista em temas sociais. "Uma bomba-relógio sociopolítica está sendo alimentada com esse pesadelo que é a Venezuela de hoje em dia. Todas as classes sociais vivem reféns de uma comoção descontrolada, gerada pela irresponsabilidade de um governo que há 15 anos atua supostamente em nome do povo" afirma.

"A megacrise atual colocou em evidência o altíssimo nível de dependência que temos da renda do petróleo. A sociedade está dominada por uma criminalidade desatada e pela incerteza de uma economia que está caindo aos pedaços", diz.

O ataque à criminalidade é a mais recente oferta de Maduro, que se viu estimulado pelo assassinato, no princípio de janeiro, da atriz Mónica Spear, miss Venezuela de 1994, assassinada, com seu marido, por assaltantes numa rodovia. Com mais de 24 mil assassinatos por ano, o país está entre os mais perigosos do mundo em tempos de paz, segundo o Fórum Penal Venezuelano e o Observatório da Violência. O governo nega esses dados.

Até os opositores reconhecem a capacidade do chavismo para capitalizar desvantagens e "dar a volta por cima", mobilizando seus seguidores. Desta vez, Maduro tirou a bola da oposição no meio do campo da luta contra a "insegurança" e anunciou que lançará um "plano nacional de pacificação" no dia 8.

Dias atrás, Maduro convocou encontros "de convivência familiar" em praças e avenidas do país, com festas e brincadeiras para crianças, em mais um dia que serviu como outra homenagem a Chávez e ao socialismo. "Basta de violência, fruto dos antivalores acumulados. Basta de uma sociedade capitalista de consumo. Façamos a paz!", proclamou.

"A imprensa burguesa faz festa com os crimes, ao anunciá-los no necrotério, nos noticiários, nas primeiras páginas e nas novelas. Há todo um modelo anticultural no aspecto da violência que vivemos hoje e que foi imposto nos últimos 40 anos", afirmou o presidente. O ministro do interior, general Miguel Rodríguez Torres, disse ao Valor que as convocações para a paz são um primeiro passo antes do plano de pacificação. "Se todo o povo se une, em quatro ou cinco anos a Venezuela pode ser um território de paz."

Os críticos observam que não haverá progresso enquanto as prisões estiverem sob o poder dos próprios criminosos e não do Estado, em um negócio milionário que abarca militares e policiais corruptos. Rodríguez Torres afirma que o governo "está trabalhando para recuperar o controle das prisões" e espera acrescentar "quatro ou cinco" neste ano. "Já há 17 sob regime rígido do Estado. Isso é um avanço, ainda que faltem outras 16. "Cada prisão é um comando de operações de crimes, de extorsões e sequestros", admite. O ministro também informa que estão fazendo ensaios para bloquear as comunicações nas prisões. "Não podemos continuar permitindo que, usando a tecnologia celular, coordenem operações de quadrilhas organizadas por eles."
AP / APEm ato antiviolência, mulher exibe foto de Mónica Spear, miss Venezuela de 1994, com o marido, assassinados no início do mês: país está entre os mais perigosos do mundo em tempos de paz, segundo ONGs

Entre caminhões de som que emitiam discursos e músicas, castelos infláveis e militares em roupa esportiva, caminhavam as aposentadas Alba Carmona e Josefa León. São voluntárias do Movimento pela Paz e pela Vida, convocado por Maduro. "Temos criminalidade em todos os lugares do mundo e aqui sempre foi assim, tem sido assim toda a vida", diz Alba, antes de admitir que o governo deve "ter mão dura e colocar as coisas nos eixos".

"Há muita gente que paga para sair da prisão. O dinheiro compra tudo. Há impunidade, não vamos tapar o sol com a peneira", disse, ao ratificar sua fidelidade chavista "até que o mar se seque". Ela reconhece que as filas e a escassez, junto com a criminalidade, estão entre os principais problemas "do processo". Nega, porém, que exista possibilidade de uma explosão social. "Quando eu era criança, usávamos papel de jornal", diz. "Isso não cai. A cada dia isso tem mais vida, mais força, mais vigor, mais gente."

Pouco adiante, Melissa Ramírez, de 17 anos, se diverte com amigos. "A violência é algo que deveria parar. A adolescência está perdendo muito, há muitas mortes", disse.

O Estado assistencialista alimenta enormes expectativas em uma população socialmente dividida e muito politizada. Alguns chavistas críticos temem que as conquistas destes 15 anos estejam em risco, como a redução da pobreza, que, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), caiu para 23,9%, e a indigência a 9,7%, em 2013, o melhor resultado na América Latina.

O salário mínimo, considerado pelo governo "entre os mais altos do mundo", equivale a US$ 520 por mês, com a cotação oficial, mas a US$ 297 com a nova cotação de 11 bolívares. Se esse valor é calculado no câmbio paralelo, compram-se apenas US$ 52.

Esse mesmo salário também é pago a 2,75 milhões de pensionistas e aposentados, dos setores público e privado, que se comparam a apenas 380 mil beneficiários que em 1998 recebiam somente 60% do mínimo. "Aumentar o número de pensionistas permitiu avançar na erradicação da pobreza", disse o deputado da situação Oswaldo Vera ao jornal oficial "Correo del Orinoco".

Para financiar milionárias campanhas eleitorais - em que o chavismo mobiliza seus fiéis seguidores usando bens do Estado e distribuindo presentes - e sustentar o investimento social, o governo imprime dinheiro sem lastro, o que elevou a moeda em circulação em 70% somente no último ano.

Enquanto isso, as reservas internacionais do Banco Central estavam em US$ 20,5 bilhões em janeiro, a menor cifra nos últimos dez anos. A avalanche de liquidez e a limitação de dólares oficiais ajudaram a elevar o dólar no mercado negro a até mais de dez vezes a taxa oficial de 6,30 bolívares.

Do controle de câmbio surgiu um negócio da China para pessoas que viajavam para o exterior e aproveitavam a cota pessoal de até US$ 3 mil anuais permitida pelo governo para compras com cartões de crédito. A quantia era sacada em dinheiro vivo e, quando essas pessoas voltavam ao país, vendiam os dólares no mercado negro. A viagem saia de graça, além de possibilitar enormes lucros.

Na semana passada, o governo respondeu com um novo decreto, estabelecendo um sistema cambial diferenciado que levou o câmbio para viagens internacionais a uma taxa de 11 bolívares por dólar, o que frustrou milhares de viajantes. As remessas familiares, importações não básicas e pagamentos a empresas de seguros no exterior também passaram à nova taxa. A taxa de 6,30 bolívares por dólar fica para importações essenciais, que, segundo o governo, cobrirão 80% das necessidades do país, incluindo bens de produção.

Rafael Ramírez, vice-presidente da Área Econômica, ministro de Energia e presidente da PDVSA, diz que essas são decisões necessárias para equilibrar a administração de divisas e enfrentar "a guerra econômica" com foco na nova ordem que se aspira construir no país "em sua transição ao socialismo".

O deputado da situação Jesús Faria afirma que "estão garantidos maior fluxo de moeda estrangeira, maior rigor na destinação e a revalorização do bolívar", porque até agora "a taxa de câmbio de referência" na economia é a do mercado negro, que traz muitos malefícios ao país", segundo a agência de notícias AVN.
Meridith Kohut/Bloomberg / Meridith Kohut/BloombergRodríguez Torres: convocações para a paz

A distorção é tão grande, que um carro de luxo custa tanto quanto uma casa em uma pequena cidade, a carne brasileira é mais barata que a nacional e um tanque de gasolina de 40 litros custa US$ 0,50 no câmbio oficial ou US$ 0,05 no paralelo. O dólar paralelo marca os preços relativos em toda a economia. Por isso, para alguns analistas, a nova taxa, de 11 bolívares por dólar, continua sendo "uma boa compra", considerando-se a inflação do país e a de seus principais parceiros no exterior.

Com as passagens áreas já vendidas para todo o ano de 2014, no caso de muitos destinos, os preços se multiplicaram por até 12 e mudam a cada dia, informou o portal Trabber.com.ve. "A crise das companhias aéreas na Venezuela está tendo um impacto muito forte. A instabilidade cambial, os cancelamentos de voos e a não venda de passagens está gerando uma inflação descomunal nas passagens", lê-se naquele portal, enquanto nas redes sociais chovem testemunhos de passageiros à deriva no exterior, ou aqueles que não podem sair do país por falta de dinheiro ou de passagens.

Publicar essas taxas não oficiais tem sido considerado até agora uma espécie de delito desestabilizador, potencialmente punido com prisão. Mas até no aeroporto e em locais públicos do centro de Caracas, na frente de agentes do Estado, pregoeiros compram e vendem moedas estrangeiras. Tornou-se comum a negociação de dólares e euros via transferências bancárias, a taxas determinadas por portais da internet proibidos pelo governo.

Enquanto isso, o governo prepara uma reforma na "lei de ilícitos cambiais", que ressuscitará um mercado alternativo com bônus de dívida pública em moedas estrangeiras, com o estabelecimento de uma terceira taxa de câmbio. Mas economistas duvidam que o câmbio negro caia enquanto o Estado for o principal ofertante. A inflação ajuda a sobrevalorizar a moeda e nutre a demanda por divisas. Também pressiona o déficit fiscal, calculado em 16% do PIB pelo Barclays Bank.

"Um preço artificialmente baixo do dólar oficial e a enorme quantidade de bolívares no sistema faz com que a demanda seja infinita. É uma centrífuga. Deter isso é o pior pesadelo da política macroeconômica", diz o economista Orlando Ochoa.

Os críticos dizem que modelos como esse são insustentáveis e provocam mais desvalorizações e inflação, a menos que se fortaleçam as finanças públicas com medidas impopulares, como o aumento da gasolina, cujos preços estão congelados há quase 18 anos. A dívida pública "já ronda os US$ 175 bilhões (quase 60% do PIB). Nos 11 meses de Maduro no governo, essa é a terceira desvalorização que o bolívar sofre: de 4,30 a 6 bolívares por dólar, e agora a 11 bolívares por dólar. A Venezuela compra tudo no exterior. Por isso, o preço das coisas se multiplica por três", afirmou o deputado Julio Borges, da oposição, em entrevista coletiva.

O Banco Central é mais otimista e afirma que a inflação perdeu velocidade, passando de 5,1% em outubro para 4,8% em novembro e 2,2% em dezembro. Atribui a alta de 56,2% anual (o dobro de 2012) aos ataques especulativos, "que atentam contra a estabilidade nacional", e ao uso indevido das divisas oficiais.

A doença e a morte de Chávez foram aproveitadas pela oposição e por alguns empresários "para intensificar artificialmente a deterioração das variáveis econômicas. Foram conjugadas tensão política e desestabilização econômica em prejuízo do povo", afirmou o Banco Central em comunicado recente.

Mas, segundo analistas, na realidade, a "hiperliderança de Chávez" desencadeou a atual crise. Em meio à doença do "chefe supremo", as campanhas eleitorais, a acirrada eleição que levou Maduro ao poder em abril de 2013 e o gasto público desmesurado, seus ministros pararam ou atrasaram decisões cruciais para a economia e a entrega de moedas estrangeiras ficou paralisada. Isso trancou o sistema industrial e comercial e gerou mais escassez, disparou a inflação e o dólar paralelo, ao qual muitas empresas importadoras passaram a recorrer.

Outros especialistas projetam mais inflação e escassez e um clima ainda pior para os negócios privados. Com a desvalorização, foi promulgada uma nova "lei de preços e custos justos", que limita os lucros anualmente a 30% em toda a economia e aplicará duras penas aos "especuladores".

Com essa lei, "todos os bens e serviços necessários ao desenvolvimento de atividades de produção, fabricação, importação, estocagem, transporte, distribuição e comercialização de bens e prestação de serviços são declarados de utilidade pública e interesse social", observa Angel Alayón, diretor do portal Prodavinci. "Como consequência, todos os ativos na Venezuela estão em uma condição de pré-expropriação (ou pré-confisco)."
AP / APFuneral de Chávez: todos "vivem reféns de uma comoção descontrolada, gerada pela irresponsabilidade de um governo que há 15 anos atua supostamente em nome do povo", diz analista político

O clima de negócios na Venezuela já estava entre os piores do mundo antes do acirramento dos controles, em novembro e dezembro de 2013, quando Maduro enviou seus ministros, acompanhados de militares e policiais armados, para ocupar comércios e fábricas com a ordem de baixar os preços de todos os produtos. Com o início do ano, grandes lojas continuam com as vitrines vazias em shoppings e muitas fábricas ainda não começaram a trabalhar.

O índice anual Doing Business, da Corporação Financeira Internacional, classifica a Venezuela em 181.o lugar entre 189 países com as piores condições de investimentos no mundo, seguida por um grupo de oito conflituosos países africanos, como Sudão do Sul, Líbia e Chade. O país de Chávez ocupa o 182º lugar em proteção aos investidores e o 187º em carga de impostos.

Segundo o Banco Mundial, a economia crescerá menos que no resto da América Latina, com 0,5% do PIB, em 2014, enquanto o Fundo Monetário Internacional projeta um preço do petróleo estagnado em US$ 103 para 2014, e em US$ 98 para 2015, contra US$ 104 em 2013. Vêm do petróleo US$ 96 de cada US$ 100 que entram no país.

Este é um ano de trégua eleitoral na Venezuela, antes que o Congresso seja renovado, em 2015, em uma eleição política e estrategicamente mais importante que as próprias presidenciais do ano passado. Em um país sem divisão real de poderes, Maduro governa via decreto e o Tribunal Supremo de Justiça acaba de abrir o ano judicial com o grito de guerra oficial: "Chávez vive, a luta continua". Organismos como o Tribunal de Contas, o Conselho Nacional Eleitoral e a Promotoria estão submetidos ao presidencialismo do Executivo.

Nesse cenário, o risco de perder a hegemonia no Poder Legislativo - que deve ratificar indicações dos demais poderes - poderia significar para o chavismo comprometer "a irreversibilidade" da chamada revolução bolivariana.

Por isso, neste ano, a economia e a segurança pública são as principais arenas de batalha entre o governo e opositores. A margem de manobra eleitoral permitiria ao governo, por exemplo, atrever-se a aumentar o preço da gasolina, cujo subsídio, já antes das duas últimas desvalorizações, fazia o Estado perder US$ 9,8 bilhões por ano, ou mais de 3% do PIB, segundo os economistas Douglas Barrios e José Ramón Morales, da Universidade de Harvard.

"Estimativas atualizadas mais rigorosas posicionam o subsídio aos combustíveis para transporte em torno de US$ 15 bilhões anuais. E vai a US$ 30 bilhões, caso os combustíveis sejam para geração termoelétrica", diz Morales. Em 2012, "o subsídio equivalia a nove vezes o que se destina à segurança pública em um país com a duvidosa honra de ter uma das mais violentas cidades no mundo", apontam suas pesquisas.

Defensores dos direitos humanos, como o advogado Rafael Narvaez, calculam que apenas 2% dos 150 mil homicídios cometidos na Venezuela entre 1999 e 2012 foram resolvidos. A impunidade, à qual se atribui na Venezuela o auge da delinquência e da corrupção com o dinheiro público, vem à mente quando o governo responde com chamados de paz a uma guerra de baixa intensidade.

"A impunidade tem pernas curtas, acaba", diz, sentado em uma cadeira de rodas, Tomas Sifontes, de 41 anos, durante a cerimônia pela paz no fim de semana. Sua história é a de muitos outros do grupo de pessoas com necessidades especiais que o acompanham: são vítimas da violência, baleados em algum obscuro episódio. Sifontes trabalhava como segurança particular de vendedores ambulantes e lojistas em Petare, conjunto de favelas em Caracas, que, com 500 mil habitantes, deixa pálida a carioca Rocinha.

Em uma madrugada de 2007, um grupo disparou contra ele pelas costas, o que o lesionou na medula espinal. Eram inimigos de Sifontes, que os havia impedido de realizar um roubo em uma das lojas. No mesmo dia, um de seus funcionários foi assassinado. Do grupo de agressores, nenhum está vivo. "Foram sendo mortos", conta em uma ilustração da espiral de violência no país de quase 30 milhões de habitantes.

"Uma das piores decisões que fiz na vida foi comprar uma arma de fogo", disse, depois de relatar sua vida de cadeirante, suas terapias em Cuba e o trabalho social que desenvolve em um grupo de deficientes, apoiados pelo governo chavista.

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Imprensa continua a se impressionar com palavras: Brics (mas nada alem de letras...)

‘O Brasil tem que redescobrir as reformas’, diz criador do termo Bric
O’Neill nega crise em emergentes e diz que Brasil se distrai com Copa e Olimpíadas
Economista sugere ajustes no país para incentivar investimentos do setor privado
LUCIANNE CARNEIRO 02.02.24-O GLOBO.

O economista Jim O'Neill, criador do termo Bricacrônimo Bric Thomas Lee / Bloomberg/14-10-2014
RIO - Economista que criou o termo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) em 2001, Jim O’Neill afirma que problemas de emergentes são específicos, o Brasil deve observar o México e “redescobrir as reformas”.
— O Brasil usa muito o Estado para garantir o crescimento da economia: o Estado precisa sair do caminho — diz ele, que defende reformas para incentivar o setor privado a investir.
Sobre a turbulência em mercados emergentes nos últimos dias, O’Neill defende que não há crise e os problemas são específicos de alguns países.
Como vê a atual turbulência nos países emergentes?
Não está muito claro porque os mercados ficaram tão instáveis. E o mais importante: muito do que tem sido escrito não está correto. No momento em quefalamos, dois dos melhores mercados no mundo, Jacarta, na Indonésia, e Shenzhen, na China, estão subindo. Não sei porque alguns falam de uma crise nos emergentes: é uma coisa muito específica de alguns lugares. Para mim, a grande surpresa este ano é a performance desapontadora do mercado de ações americano, quando tantos estavam confiantes. E vemos evidência de que os dados de atividade americana estão desapontando levemente. Talvez o mercado tenha subido tanto que já não é mais tão barato ou os últimos indicadores econômicos tenham sido levemente desapontadores.
Como divide hoje os emergentes?
Não acredito que se pode falar de todos os emergentes como um só. É por isso que criei a expressão Bric. A China é hoje maior que a Alemanha, França e Itália combinadas. Como se pode falar dos emergentes como uma coisa só? O Brasil tem suas questões, mas na minha opinião o México está mostrando alguns aspectos promissores. A Nigéria terá seu PIB (soma dos bens e serviços produzidos no país) recalculado em uma ou duas semanas e o crescimento será 6% maior. Há problemas na América Latina, com algumas políticas loucas na Argentina. Tivemos problemas na Índia, mas acho que já foram ultrapassados. Temos problemas na Turquia e na Ucrânia. Mas também temos problemas na França e na Itália.
O senhor tem falado do potencial do Mints(México, Indonésia, Nigéria e Turquia). O que vê?
Estou particularmente otimista a curto prazo com o México e a Nigéria. Com o aumento dos salários na China, o México se tornou o local com custo mais baixo de produção dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e passa por sérias reformas estruturais. Na Nigéria, veremos revisão nos dados do PIB que apontarão que já é a maior economia da África. A Turquia e a Indonésia são os países com os quais estou animado a médio e longo prazo, embora haja questões de curto prazo. Ambos têm déficit em contas correntes muito elevados, especialmente a Turquia, que também precisa resolver questões políticas.
O México parece ter ofuscado o Brasil em Davos. Como vê o Brasil hoje?
Não me preocuparia com Davos, mas é claro que é uma reflexão precisa do clima dos investidores. O Brasil deve pensar sobre o que o México está fazendo, o Brasil tem que redescobrir as reformas. O país tem estado muito distraído com a organização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. O Brasil usa muito o Estado para garantir o crescimento da economia: o Estado precisa sair do caminho. São muito gastos e muito uso do BNDES. É preciso incentivar o setor privado a investir.
E como fazer isso?
São necessárias reformas e redução de taxas de juros. É preciso tornar o Brasil mais competitivo. Para acelerar o crescimento, o Brasil precisa investimento mais forte do setor privado.
Brics ainda é uma realidade?
Claro. Um crescimento desapontador por dois anos não é nada para o contexto do Brics. Até o fim de 2016, o Brics ainda podem ser maiores que os Estados Unidos. São os chamados ciclos econômicos. Se considerarmos o avanço econômico nesta década, embora o crescimento brasileiro tenha sido abaixo, a expansão foi maior do que nos três primeiros anos da última década. O Brasil segue por ciclos erráticos.
Como vê a China?
Estou realmente impressionado com a China. Imaginava que o crescimento médio nessa década seria de 7,5% e a China já cresceu 8,2% em média nesses primeiros três anos. A economia chega a US$ 9,2 trilhões A China cria um novo Brasil a cada dois anos. O crescimento está desacelerando, mas por ação deliberada do governo. Eles não tentam ignorar os desafios, mas sim lidar com eles.

Totalitarios em pensamento - Demetrio Magnoli

Tarso Genro, um stalinista vulgar, tentando enganar a militância ignara.
Paulo Roberto de Almeida 

O Graal de Tarso Genro

O Santo Graal dos comunistas foi a URSS e seu sistema de “repúblicas populares”. As insurreições na Hungria (1956), na Tchecoslováquia (1968) e na Polônia (1980) secaram o poço do encantamento. A queda do Muro de Berlim e a implosão da URSS quebraram o cálice sagrado. No último quarto de século, desorientados, os filhos do “socialismo real” empreendem a busca por um novo Graal. Como tantos outros, Tarso Genro encontrou-o na China (em “Uma perspectiva de esquerda para o Quinto Lugar”, artigo escrito numa língua estranha, longinquamente aparentada com o português). As suas elucubrações teóricas não têm interesse intelectual, mas merecem um exame político.
O governador do Rio Grande do Sul enxerga na experiência recente da China uma inspiração para a marcha do Brasil rumo ao estatuto de potência mundial. O que a China tem de especial? Um “sujeito político (Partido-Estado)” que “cria o mercado e suas relações”, num processo em que “estas relações novas recriam o sujeito (Partido-Estado), que será permanentemente outro”. É isso, explica-nos, que falta ao Brasil: um ente de poder capaz de reinventar a sociedade e guiar o povo até o futuro.
Décadas atrás, um tanto tristonhos, incontáveis socialistas deploravam o poder totalitário do Partido Comunista da URSS, mas o justificavam como um mal necessário pois, no fim das contas, aquele era o motor político da economia socialista. Genro, pelo contrário, não apela ao socialismo (uma “fantasia histórica”) para justificar o poder absoluto do Partido-Estado: basta-lhe um horizonte “chinês” de crescimento econômico e progresso social. E a democracia? A China triunfa graças a um “regime político não democrático para os nossos olhos”, ensina o líder petista, reproduzindo os argumentos oficiais do Partido Comunista Chinês, que justifica a tirania pela invocação ritual da cultura e da tradição.
Democracia é o regime no qual governantes não podem tudo –e aí está o problema do Brasil, na opinião dele
A democracia é o regime no qual os governantes não podem tudo –e aí está o problema do Brasil, na opinião de Genro. Na sua descrição, o “mercado” malvado sabota a redução dos juros, a abominável “grande imprensa” bloqueia o aumento do IPTU e os demoníacos “cronistas no neoliberalismo abrigados na grande mídia” manipulam a opinião pública. A expressão política de opiniões conflitantes e interesses divergentes que nos acostumamos a chamar de democracia representa, aos olhos de Genro, uma intolerável balbúrdia. É preciso, para libertar a “utopia concreta presa com âncoras pesadas no fundo real da sociedade capitalista”, instaurar uma ordem nova na qual o sujeito da História (o “Partido-Estado”) possa conduzir a nação até o futuro redentor.
O “levantar âncoras”, propõe Genro, encontra-se na convocação de “uma nova Assembleia Nacional Constituinte no bojo de um amplo movimento político inspirado pelas jornadas de junho”, mas “com partidos à frente”. Esqueça, por um momento, que as “jornadas de junho” não seriam as “jornadas de junho” se tivessem “partidos à frente”. Nosso pequeno, mas esperançoso, pretendente a Duce sonha com uma “marcha sobre Brasília” liderada pelo partido que exerce o poder.
“Penso que as esquerdas no país devem abordar programaticamente estas novas exigências para o futuro, já neste processo eleitoral”. Genro sabe perfeitamente que sua “utopia concreta” terá impacto nulo sobre a campanha de Dilma, que continuará focada em firmar alianças com o PMDB, o PP e o PSD, renovar os compromissos com as altas finanças e reforçar a parceria com os “movimentos sociais” estatizados. O vinho de seu cálice sagrado destina-se, exclusivamente, ao consumo interno do PT e de sua área de influência militante: é um antídoto ideológico contra as imprecações lançadas por correntes esquerdistas inquietas com o “giro à direita” do lulismo. Mas serve, ainda, para iluminar o lado escuro da alma do partido que nos governa.


O efeito Kicillof, Argentina e Brasil - Mac Margolis

O efeito Kicillof
MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo, 02 de fevereiro de 2014

Na década de 80, antes da abertura de mercado, época áurea do "similar nacional", uma bebida despontava na noite brasileira. Era a vodca Orloff, tida como uma versão melhorada do ameaçador destilado nativo.
"Cuidado com que você toma", advertia o narrador do comercial da bebida, insinuando ressacas terríveis: "Eu sou você amanhã".
Qual será o coquetel argentino de agora? Treze anos depois do colapso econômico que levou cinco presidentes à Casa Rosada em duas semanas, deletou20% da riqueza nacional e fez do país um pária internacional, a Argentina voltou a tremer.
As manchetes anunciam o pileque em flagrantes quase diários. A inflação ruma para 30%. O dólar paralelo disparou, forçando o governo a desvalorizar o peso em 15% nas últimas semanas. As reservas do Banco Central baixaram para níveis críticos. O desemprego saltou e a pobreza parou de cair. O novo ministro da Economia desmentiu a crise. A situação está "perfeitamente calma", insistiu Axel Kicillof. Faltou combinar com os argentinos.
Pode ser que a segunda economia sul-americana não esteja em estado falimentar. Soprada pela demanda global por matérias-primas, a Argentina recuperou-se dos efeitos do calote histórico e cresceu ao longo da década, mesmo quando fez tudo para se sabotar. Mas com o comércio global em passo lento e receitas minguantes das commodities, a crise crônica argentina voltou e ameaça aprofundar a linha divisória no continente.
É o fosso do desperdício. De um lado, estão os países que administram bem seus recursos naturais: Peru, Colômbia e, especialmente, Chile - que, quando o cobre dispara, deposita o lucro num fundo de estabilidade. Do outro lado, estão os países de abundância, gigantes pela própria natureza e apequenados pela cultura política nanica.
É o caso da Venezuela, com a maior reserva de petróleo do hemisfério, que converteu sua petroleira, PDVSA, em caixa eletrônico para custear aventuras bolivarianas. Dilapidou a estatal e viu cair a produção em meio ao boom histórico de petróleo.
A conta melhora nos países aliados, Equador e Bolívia, que administraram melhor a bonança, mas o alerta vale para toda a região, hipotecada em minérios, petróleo e gás. Hoje, a América Latina responde por 7% a 9% do crescimento global - igual a20 anos atrás.
A Argentina impressiona não pela crise - endêmica na região -, mas pela vocação para destruir a riqueza. Já se conhece o currículo do país. Orgulho dasAméricas, compete de igual na produção agropecuária com as potências mundiais. Já no século 19, aprimorou a refrigeração da carne, levando seu produto às melhores mesas da Europa. Chegou a ser a décima economia mundial em 1913 e a quarta renda per capita em 1929. Faturou cinco Prêmios Nobel entre 1936 e 1984, uma média de um a cada dez anos. E só um conto de Jorge Luis Borges poderia explicar por que a academia sueca não lhe entregou o sexto, de Literatura.
Mas aí parou. Desde então, o país nutriu uma das ditaduras mais sangrentas do hemisfério, instabilidade crônica e caudilhos de todos os manequins. Há, sim, o papa Francisco, cuja franqueza e simplicidade sacodem a conturbada Igreja Católica em boa hora. Mas, agora, o jesuíta portenho é do mundo, enquanto Argentina ainda é dos Kirchners.
Hiperinflação, hemorragia de credibilidade, crise cambial, manobras agressivas para corrigir o rumo desgovernado. Se o investidor titubeia, é só encampá-lo. Os dados oficiais estão ruins? Derrube o pesquisador e troque os índices. E se a má notícia continua, a culpa é do mensageiro. Na era K, a Argentina atualiza as convulsões e agressões que tanto desfiguraram as Américas no século passado.
Pode chamá-lo do efeito Kicillof, em homenagem ao mais novo protagonista do velho roteiro nacional. A Argentina é a América Latina de ontem.
É COLUNISTA DO 'ESTADO',
CORRESPONDENTE DO SITE THE DAILY BEAST E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM

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