domingo, 12 de fevereiro de 2017

Taxa de juros e inflacao: o debate continua - Jose Julio Senna

Taxa de juros e inflação

Por José Júlio Senna | Para o Valor/10Fev2017

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Taxa de juros é assunto polêmico em nosso país, provavelmente mais do que em qualquer outro. As discussões têm a ver com o elevado nível de juros reais que há tempos se pratica no Brasil. Recentemente, as atenções se voltaram para esse tema, com ímpeto renovado, em decorrência de dois artigos de André Lara Resende publicados no Valor.i Nesses artigos, sustentou-se que, não apenas em outras economias, mas principalmente no Brasil, as autoridades monetárias têm feito uso de teorias erradas. E isso as tem levado a conduzir a política monetária de maneira igualmente incorreta.

Aceitas as ideias defendidas nos referidos artigos, caberia ao Banco Central do Brasil reduzir consideravelmente a taxa Selic, mantendo-a em patamar baixo, pois isso aliviaria as contas públicas e derrubaria a inflação. É fácil imaginar o entusiasmo gerado por essa possibilidade.

A base teórica para a prescrição de política contida nos artigos é um trabalho acadêmico desenvolvido porJohn Cochrane. ii São dois os modelos tradicionais criticados por Cochrane: o monetarista e o neokeynesiano. No primeiro caso, a variável de controle é o volume de moeda; no segundo é a taxa básica de juros.

Para concluir pela inadequação do primeiro enfoque, o autor alega que, a partir de 2008 o estoque de moeda aumentou enormemente pela adoção de programas de compra de ativos, conhecidos por "quantitative easing" (QE), mas a inflação não explodiu, como seria de prever. Para concluir pela inadequação do segundo, Cochrane raciocina que, segundo o modelo, quando o juro básico chegasse a zero, como aconteceu em alguns lugares, sobreviria um processo deflacionário. Mas também aqui a previsão teria falhado, pois a inflação se estabilizou, perto de zero.

Para explicar as baixas e estáveis taxas de inflação observadas nos últimos anos - segue a argumentação - e, ao mesmo tempo, evitar conflito com o fato de que, a curto prazo, juros e inflação caminham em sentidos opostos, seria preciso combinar um modelo baseado em expectativas racionais com a Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP). Neste caso, juros nominais reduzidos, mantidos por longo período, teriam produzido a inflação baixa observada em anos recentes nos países ricos. Por conseguinte, segundo essa complexa construção teórica, a relação de longo prazo entre juros e inflação seria o inverso da geralmente considerada, ou seja, as duas variáveis andariam na mesma direção. E o sentido da causalidade seria dos juros para os preços.

Essa linha de argumentação não nos parece aceitável. Primeiro, porque não apenas as abordagens teóricas criticadas há décadas funcionam bem para explicar fenômenos monetários, como também é possível reconciliá-las com os resultados observados após a crise financeira. É fácil constatar que fenômenos extraordinários ocorridos nesse período prejudicaram o funcionamento dos instrumentos monetários clássicos, o que não os desqualifica para outras situações.

A esse respeito, cabe lembrar a análise de Richard Koo sobre o Japão. iii Com o estouro da bolha de ativos ocorrido em 1989-90, muitas empresas passaram a privilegiar redução de dívida. Seguraram investimentos e fugiram de novos empréstimos, mesmo diante de juro zero. Com isso, pela contração do multiplicador bancário, quebrou-se a tradicional proporcionalidade entre base monetária e meios de pagamento. A expansão desses últimos não teve a mesma dimensão do crescimento da base, em especial durante o programa que vigorou de 2001 a 2006, o primeiro QE de que se tem notícia. Pelo motivo apontado, o programa não funcionou como esperado.

A crise financeira recente aparentemente provocou fenômeno semelhante em grande parte do mundo desenvolvido. Desta vez, não apenas empresas, mas também famílias, perceberam-se excessivamente endividadas, passando a priorizar o ajustamento patrimonial. Se empresas contraem investimentos, famílias reduzem o consumo, e novos empréstimos são rejeitados mesmo a juros baixíssimos, não há como os meios de pagamento crescerem na mesma proporção da base. E, sendo assim, também não há como a inflação "explodir" em consequência de QE.

Quanto à crítica de que o juro zero não provocou deflação, cabe notar que o QE e outras formas de estímulo não produziram o efeito previsto, mas é razoável supor que tiveram algum impacto, sustentando a demanda. Seria esta a razão de não ter havido deflação.

Um segundo motivo para não aceitar a mencionada linha de argumentação tem a ver com a causalidade entre juro e inflação e com o mecanismo por meio do qual a primeira variável determinaria a segunda. A ideia aqui é que, ao fixar a taxa nominal de juros, as autoridades transmitiriam um sinal importante sobre a inflação futura. Se o fizerem em patamar muito baixo, perto de zero, as autoridades sinalizariam que a inflação no futuro também será muito baixa. O público, então, levaria a inflação para o patamar sinalizado por acreditar que o banco central sabe mais do que o resto da sociedade. Sob certas circunstâncias, é até possível que funcionasse assim, mas não é o que devemos esperar. Com frequência, participantes de mercado questionam sinais dados pelas autoridades, sendo comuns situações em que o caminho oficialmente previsto de taxa de juros, por exemplo, acaba convergindo para a trajetória estimada pelo mercado, e não o contrário.

Passemos agora à aplicação desse arcabouço. A nosso ver, à semelhança de várias outras, a presente discussão teórica deveria permanecer como tal, não cabendo levá-la para o mundo real. Pensemos, por exemplo, nas propostas de meta de PIB nominal, ou de meta de nível de preços. Não faltam simpatizantes dessas propostas. No entanto, como são ideias de difícil transposição para o dia a dia, não se encontram exemplos de países que as tenham adotado, à exceção da Suécia, que, na época da Grande Depressão, recorreu a "price-level targeting", por meia dúzia de anos. Note-se que sob essa estratégia o esforço para cumprir a meta pode requerer a necessidade de se provocar deflação, algo fácil na teoria, mas de difícil execução.

A aplicação da teoria à realidade brasileira parece ainda mais inapropriada. Cochrane não faz referência a juros reais, aspecto que verdadeiramente se debate no Brasil. Sua análise diz respeito a juros nominais. Dependendo de como se apresente a discussão no Brasil, transmite-se a ideia de que é possível resolver, sem custos, tanto o problema da inflação quanto parte de nossos problemas fiscais, bastando para isso derrubar a Selic. É inadequado levar o público e o meio político a acreditarem nessa possibilidade, em particular quando a sociedade tem de enfrentar pesada carga de indispensáveis ajustes macroeconômicos.

De qualquer modo, ao procurar aplicar as ideias de Cochrane ao caso brasileiro, André Lara lembra que o déficit público persiste e precisa ser financiado. Ao defender redução de juros, lança mão do argumento de que o financiamento monetário do governo não é inflacionário (ou seja, os juros não precisam ser tão altos), como supostamente teria demonstrado a experiência do QE. A nosso ver, não é válido basear a defesa de juros baixos na experiência do QE do mundo desenvolvido. Primeiro porque fatores extraordinários interferiram no resultado dessa experiência. Segundo porque se trata de situação que nada tem a ver com a realidade brasileira.

Argumenta-se também que a inflação no Brasil seria muito pouco sensível a variações de taxa de juros. Os números, porém, não sustentam essa afirmação. Nos últimos anos, tivemos vários ciclos de alta e de baixa da taxa Selic. Em todos esses episódios a inflação reagiu de acordo com o raciocínio tradicional, caindo em resposta às fases de alta e subindo em resposta aos ciclos de baixa, com defasagem variável.

Por fim, André Lara registra os esforços do governo Temer em promover o equilíbrio de nossas contas públicas. E os resultados já estariam aparecendo, havendo sinais de convergência da inflação para a meta. Nenhuma palavra sobre as ações do BC nos últimos sete meses, sem as quais esses sinais de convergência não existiriam. Que o fiscal é indispensável para conseguir esse resultado, não há dúvida. Mas isso não justifica desconsiderar os efeitos da atuação do Banco Central.

i- A. L. Resende, "Juros e conservadorismo intelectual" e "Teoria, prática e bom senso", Valor Econômico, 13 e 27/01/2107.

ii - J. Cochrane, "Michelson-Morley, Occam and Fisher: the radical implications of stable inflation at near-zero interest rates", 2016.

iii - R. Koo, "The escape from balance sheet recession and the QE trap", 2015.

Acompanhe a discussão: 

Juros e conservadorismo intelectual - o primeiro artigo de André Lara Resende

Nada de novo no debate monetário no Brasil - a réplica de Marcos Lisboa e Samuel Pessoa

Teoria, prática e bom senso - a tréplica de André Lara Resende

Neofisherianismo: vai entender - A contribuição de Eduardo Loyo

José Júlio Senna é chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre, autor do livro "Política Monetária - Ideais, Experiências e Evolução", Editora FGV, 2010, e ex-diretor do Banco Central.


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sábado, 11 de fevereiro de 2017

Dez desafios da Politica Externa Brasileira - livro do CEBRI (Matias Spektor)

Um resumo, muito rápido e muito elementar, deste livro importante publicado recentemente, e que deveria merecer um debate mais aprofundado. Tenho, por mim, que alguns desses "desafios" não o são realmente -- por não se configurarem "problemas" da agenda diplomática brasileira, e sim percepções acadêmicas sobre a política externa brasileira -- e que outros ultrapassam a modesta capacidade operacional do Itamaraty (como a alegada fraqueza do nosso "pensamento estratégico"), por constituirem problemas mais amplos do Estado ou da nação brasileira. Nossos avanços institucionais não são tão avanços quanto gostaríamos, basta ver a virtual inadequação do Congresso para as grandes reformas transformadoras do país.
Em todo caso, segue uma seleção de "extratos" deste livro recente.
Paulo Roberto de Almeida


Dez desafios da politica externa brasileira - CEBRI

Resumo de livro por:
Paulo Roberto de Almeida


Spektor, Matias (editor executivo):
10 Desafios da Política Externa Brasileira
(Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Relações Internacionais; Fundação Konrad Adenauer, 2016, 144p.; ISBN: 978-85-89534-11-6); 
download do livro neste link: 
http://cebri.org/portal/publicacoes/cebri-dossi%C3%AA/desafios-da-politica-externa-brasileira-livro

O Cebri possui diferentes grupos de trabalho para pesquisar e debater assuntos relevantes da política internacional e das relações internacionais do Brasil. Um deles é especificamente voltado para a política externa e a diplomacia brasileira, coordenado pelo historiador Matias Spektor. Ele foi o editor executivo desta publicação, que reuniu colaborações de diferentes grupos de trabalho, reunidos sob o conceito que empresta seu título à publicação: desafios à política externa brasileira, que eles limitaram a dez (mas num sentido amplo).
Em sua “carta de Editor Executivo”, Spektor acredita que a política externa assume um papel central na recuperação econômica brasileira: “Se há uma tese central a unir os capítulos que seguem é esta: a política externa é um instrumento essencial para a recuperação do crescimento econômico com justiça social, pois o sistema internacional afeta em cheio a capacidade que as autoridades nacionais tem para conduzir políticas efetivas.”
A seguir uma apresentação sumária de seu conteúdo.

1. Por uma nova doutrina de política externa brasileira, Matias Spektor
            Spektor abre o volume com uma análise sobre as ideias e conceitos que guiam a política externa brasileira. Ele argumenta que a doutrina herdada dos 20 anos de condomínio entre PT e PSDB caducou, e tenta conceber uma nova doutrina. FHC teria aderido às teses da globalização, ao passo que Lula teria tentado aproveitar as brechas do sistema para projetar o Brasil. A nova doutrina precisaria emergir de um consenso suprapartidário, sem estar concentrada num ministério ou grupo particular. Para tal se necessitam estudos empiricamente embasados e debates em todos os setores da opinião pública, levando-se em conta os impactos redistributivos da política externa, dadas as enormes carências da sociedade brasileira.

2. Uma política externa para a atração de investimentos estrangeiros, Carlos Góes
            Analisa as reformas necessárias para que o Brasil possa atrair mais investimentos, sendo que o fator crucial é o aumento da produtividade do trabalhador brasileiro. A governança global dos investimentos é indissociável da regulação sobre o comércio internacional, e os fluxos globais de IED para países em desenvolvimento aumentam muito com sua participação em tratados de livre comércio, assim como com a qualidade de suas instituições. “Nesse aspecto, a política exterior brasileira parece estar defasada” (p. 33). O Brasil nunca aderiu, por exemplo, à Convenção 87, da OIT, e jamais considerou ingressar no ICSID.

3. O problema do comércio exterior, Diego Bonomo
            O Brasil é a economia mais fechada do G20, e os seus dirigentes impuseram ao país um fechamento incompatível com as necessidades de sua inserção global. O “custo Brasil” é um entrave a um maior crescimento econômico no país. A política comercial, por sua vez, padece de conflitos de competência entre diferentes órgãos nacionais. A recente onda de corrupção, evidenciada pela Operação Lava Jato também refreou a expansão dos interesses econômicos brasileiros no exterior. O Brasil precisar desonerar completamente suas exportações e melhorar as condições de logística e de infraestrutura. A burocracia e a legislação laboral também constituem grandes entraves a progressos nessa área. A prevalência do multilateralismo na diplomacia comercial também tornou mais lenta a negociação de acordos bilaterais de comércio.

4. Diplomacia anticorrupção, Marcos Tourinho
Por ter importantes componentes transnacionais, o combate à corrupção, ao desvio de recursos e à evasão fiscal é âmbito onde a política externa tem o potencial de oferecer contribuição concreta para o desenvolvimento e a democracia no país. Recomenda-se: 1) atuação concertada do Itamaraty com Ministérios da Fazenda, da Justiça, Polícia Federal, Judiciário e Ministério Público; 2) elaboração de guia de conduta de autoridades na promoção e proteção de interesses de empresas brasileiras no exterior; 3) recuperação da imagem de empresas brasileiras envolvidas em corrupção por meio de adesão a mecanismos como o Pacto Global da ONU; 4) adesão a mecanismos internacionais existentes e liderança na criação de novos regimes; 5) celebração de acordos bilaterais de combate à corrupção.

5. Segurança e defesa, Érico Esteves Duarte
            Depois de dez anos de ter elaborado uma estratégia nacional de defesa, é preciso revisar a estrutura atual do setor, com base em crédito público à indústria nacional, mas também com base nas novas ameaças emergentes. O mais grave problema é o tráfico internacional de cocaína. A articulação entre o MD e o MRE é insuficiente. “Recomenda-se que a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) ganhe um corpo mais efetivo e estruturado no âmbito da Casa Civil” (p. 83). Ela deveria amparar e subsidiar um Conselho de Planejamento Nacional, incluindo um setor de inovação, incorporando quadros do Itamaraty e das FFAA.

6. Política externa brasileira e a nova geopolítica da energia, João Augusto de Castro Neves
            A diplomacia energética mudou bastante na era Lula, passando da tentativa de transformar o etanol e commodity global até a reversão para os combustíveis fósseis no pré-sal e novas incursões na energia nuclear, ambas iniciativas tingidas por forte corrupção. Está em curso uma reestruturação do setor elétrico que pode aumentar a participação do capital estrangeiro na provisão de energia. A decisão de alterar o marco regulatório no petróleo causou uma virtual paralisia no setor, a que se soma o protecionismo exacerbado, que diminuiu o fluxo de investimentos. A diplomacia brasileira pode atuar de forma relevante na captação de recursos para investimentos em energia no país.

7. Bens públicos, grupos de interesse e política externa, Eduardo Mello
            De que forma as opções de diplomacia acarretam ganhos e perdas para diferentes grupos sociais no Brasil? O autor sugere mensurar os efeitos domésticos das opções externas adotadas pelos diferentes governos.

8. Diplomacia da saúde global, Umberto Mignozzetti
            As epidemias do subdesenvolvimento colocaram novamente o Brasil no centro do debate internacional sobre doenças globais. As práticas nacionais podem dificultar a aplicação de normas internacionais de combate a essas epidemias. Seria preciso aumentar a cooperação regional para melhor combater epidemias.

9. Promoção da democracia e dos direitos humanos, Oliver Stuenkel
            Novas dúvidas surgiram sobre a resiliência da democracia na região, a partir de um aparente esgotamento do ciclo da esquerda nas políticas da região. A proteção dos direitos humanos apresenta implicações para as questões da não-intervenção e da soberania nacional. Mas o silêncio brasileiro em relação às crescentes violações à democracia e aos direitos humanos na Venezuela “criou uma fissura na imagem do Brasil como líder regional” (p. 125). Empréstimos do BNDES deveriam levar em conta esses aspectos na concessão de créditos subsidiados.

10. Análise estratégica para as relações internacionais do Brasil, Matias Spektor
            Qual seria o papel da análise estratégica em política externa? “Não existe hoje uma instância com poderes delegados da presidência da República para coordenar o trabalho de reflexão prospectiva dos numerosos órgãos governamentais que conduzem algum tipo de atividade internacional. Ou seja, não há uma estrutura análoga ao National Security Council (Estados Unidos), ao Prime Minister’s Strategy Unit (Reino Unido) ou aos conselhos mais ou menos informais que alimentam com análises estratégicas o processo decisório dos chefes de governo em países como Rússia, Índia e China” (p. 135). Ou seja, o trabalho de análise estratégica é pulverizado em diversas agências.
            “A cultura diplomática é rica e fonte de enorme vantagem comparativa para o Brasil no sistema internacional. No entanto, cinco de suas principais características distintivas dificultam o nascimento de uma cultura arraigada em análise estratégica” (p. 136). 1) valoriza a ação prática em detrimento do trabalho analítico; 2) existe um culto das gerações mais antigas e pouca interação com instituições de fora do país; 3) existe aversão ao dissenso e adesão ao pensamento grupal; 4) existe mais burocracia administrativa do que reflexão estratégica no dia a dia do diplomata; 5) a hierarquia estrita traz coerência mas também enormes custos: “Existem barreiras tácitas e explícitas à cultura de questionamento e criatividade que é essencial a qualquer trabalho sério de análise estratégica” (p. 137).


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de fevereiro de 2017

Diplomatas que pensam: qual é a nossa função? - Paulo Roberto de Almeida


Diplomatas que pensam: qual é a nossa função?

Paulo Roberto de Almeida (org.)
 [Reflexão sobre uma suposta “missão”; finalidade: auto-esclarecimento]

A pergunta da segunda parte do título, depois dos dois pontos, está obviamente relacionada à primeira parte: diplomatas que pensam. Como isso? Existem diplomatas que não pensam? Todo ser humano pensa, por definição cartesiana. Minha categoria dos “que pensam” tem, no entanto, sua razão de ser: como em toda carreira, profissão, ocupação, trabalho ou emprego, existem aqueles que desempenham mecanicamente suas funções, por necessidades, digamos assim, alimentares e de sobrevivência, que levam a vida como ela é, acompanhando pachorrentamente o ritmo das atividades gerais de sua comunidade de inserção, e existem aqueles que, ademais de se desincumbirem das tarefas às quais estão assignados (para ganharem um salário, para sustentarem a família, para satisfação e consumo próprios), também pensam um pouco além de sua profissão ou ocupação imediata. Eles pensam no significado de suas atividades, para si mesmos e para os outros, e concebem novas formas de desempenharem essas mesmas atividades, ou de introduzir novos métodos de trabalho que representam, de modo geral, um progresso (material ou intelectual) sobre o estado da arte existente.
Pois bem, este meu texto está voltado unicamente para esta segunda categoria, que se enquadra no conceito geral de “produtividade do trabalho humano”, na qual eu mesmo espero estar enquadrado. Produtividade, sendo muito rudimentar, é tudo aquilo que melhora, ou aumenta, a oferta da produção existente, com os mesmos recursos ou volume de insumos disponíveis, ou que produz a mesma quantidade de produtos com um volume menor de trabalho mecânico. A isso se dá também o nome de inteligência.
As funções dos diplomatas todo mundo sabe quais são. Grosseiramente, são três, resumidas em três verbos: informar, representar, negociar. Mas tudo isso pode ser feito de maneira mecânica: lendo os jornais do dia, se informando pelos canais disponíveis, e resumindo tudo isso para os chefes ou para a instituição, em bases correntes, ou seja, conjunturais; fazendo o trabalho de intermediação entre duas chancelarias, pelos meios burocráticos normais, os mais costumeiros e frequentes, ou outros informais (coquetéis, jantares, encontros); e comparecendo a reuniões formais, ali defendendo as instruções recebidas de sua secretaria de Estado. Estes são os diplomatas normais; os “anormais” (ou diferentes) são aqueles que, além disso, vão um pouco à frente, ao lado, ou mais adiante do que normalmente se espera deles: saem do conjuntural para o sistêmico, e buscam os fundamentos de suas ações; não informam apenas o que está se passando, mas se permitem explorar novas vias de conhecimento, inclusive em direção do passado, das memórias de tempos pretéritos, ou em novos caminhos ainda ignotos da maior parte dos colegas; sugerem, ou até criam, novas instruções, para resolver alguns problemas mais complexos do que o trivial costumeiro. Inovar tem o seu preço, que é o de romper hábitos arraigados e a segurança do déjà vu, a que estão acostumados a maioria das pessoas, talvez 99% da humanidade (exagero?).
Pois bem, uma segunda vez: meu texto está unicamente voltado para esta categoria de diplomatas, que pode ser (e costuma ser) uma minoria, e portanto sujeita à chamada “tirania da maioria”, de que falava Tocqueville (em outro sentido). Não importa muito: isso vale não só para os diplomatas, mas para todo mundo. Progressos da comunidade humana são impulsionados por aqueles que passam as noites nos laboratórios, lendo livros, imaginando coisas fora do comum, refletindo sobre como desempenhar suas atividades correntes de outra forma, mais cômoda, mais produtiva, mais imaginativa, fácil ou agradável; ou para responder a desafios terríveis: epidemias, catástrofes, trabalho penoso, carência de bens ou serviços para necessidades especiais, o que seja. Na vida diplomática, significa fazer com que seu país se adapte à dinâmica absolutamente impessoal, incontrolável, anárquica, com efeitos positivos e negativos ao mesmo tempo, decorrente do fluxo contínuo de interações humanas, sociais, “naturais”.
Vou ser mais claro: globalização não é de hoje, sempre existiu, sob diferentes formas. Ela geralmente se processa no plano micro: micro-social, microeconômico, micro-político, ou seja, no das relações humanas, em pequenas ou grandes sociedades. Ninguém controla esse conjunto de fluxos, que se processam espontaneamente, ou de modo deliberado, mas que respondem a necessidades naturais, a desejos humanos, à vontade das pessoas de terem segurança, bem-estar, riqueza, importância ou prestígio. São os governos os que tentam colocar em “ordem” essas interações e, ao fazê-lo, geralmente colocam um freio, ou impõem custos, a essas interações: por meio de impostos, tarifas, regulações, que dizem (ou pelo menos tentam dizer) o que os indivíduos ou as empresas podem, ou não, fazer. Governos, estados, são inerentemente antiglobalizadores, restritivos, cerceadores das liberdades humanas. Mas, num mundo babélico, entregue a nacionalismos estéreis, redutores, e até destruidores, se entende que elites dirigentes, governantes ou dominantes tentem colocar ordem em certos fluxos ou interações que podem se revelar temporariamente perturbadores da ordem existente.
Pois bem, uma terceira vez: o que os diplomatas que pensam têm a ver com tudo isso? Venho agora à segunda parte do título. Qual seria a nossa missão (já que estou me colocando entre os diplomatas que pensam)? Penso (ah, Descartes) que elas são de duas naturezas: uma didática, a outra facilitadora das interações humanas, sociais, ou seja, da globalização (que para mim é algo como a força dos ventos ou os fluxos das marés: eles existem, independentemente da nossa vontade, ou do cerceamento dos governos).
A didática é a de explicar para nossos concidadãos (mas não só eles) a natureza exata de nossa atividade, numa esfera que foge à compreensão e ao alcance da maioria das pessoas (que costuma viver em seu ambiente natural, local ou nacional). Mas ela é também dirigida aos nossos dirigentes, às elites que nos governam, que não são, longe disso, as mais esclarecidas possíveis. Políticos, em geral, são seres que vivem num mundo à parte, feito da reprodução de sua própria esfera de atividade: se eleger, se reeleger, e assim continuamente, constituindo uma classe em si e para si, no sentido hegeliano do conceito. Eles não têm tempo, disposição ou interesse para se informar sobre realidades mais complexas, e todas as realidades internacionais são sempre mais complexas do que as locais ou nacionais, nas quais vivem as pessoas, usualmente.
O diplomata que pensa precisa desfazer preconceitos (ideias pré-concebidas, geralmente erradas, ou limitadas), insuficiência de conhecimento, desconhecimento de línguas, falta de expertise no tratamento de realidades externas que povoam as mentes dos políticos que nos governam. Sua primeira tarefa é a de instruir, educar, o chefe da chancelaria, que pode não ser (geralmente não é) um ser semelhante, ou seja, um diplomata já instruído, formado, treinado para justamente tratar de questões que estão acima, ou ao lado, das preocupações imediatas dos dirigentes (que é o seu eleitorado, digamos assim). Essa é uma função importante: não se dobrar, de modo submisso, à ignorância, preconceitos e interesses imediatos dos políticos que podem pretender dominar também a esfera das relações exteriores da nação.
Junto com isso vem a função didática mais ampla, mais geral, que é (ou seria) a de explicar à sociedade, inclusive à comunidade dos acadêmicos, não só a natureza das ações do Estado a que servem, mas de justificar a tomada de certas posições e não de outras, que podem eventualmente desfrutar de maior apelo popular. Por exemplo: todo economista sensato, racional, deveria ser a favor do livre comércio, pois é a única forma eficiente de trazer mais prosperidade para o conjunto da humanidade, qualquer que seja ela, da tribo mais primitiva às sociedades mais avançadas. Que alguns economistas não o sejam, não importa, pois estes não são racionais, ou eles não conseguem explicar, com evidências empíricas, como o livre comércio seria prejudicial à sua própria sociedade.  Pois bem (uma quarta vez), todo político sensato diz que é favor do livre comércio, mas de fato persegue formas diversas de protecionismo, por simples razão de sobrevivência no voto dos seus “constituintes”, aqueles que podem perder o emprego pela competição da produção estrangeira. A concorrência, em qualquer plano no qual ela se dê, é sempre uma ameaça aos espíritos acomodados, aos hábitos arraigados, aos conservadores.
Sendo perfeitamente (em duplo sentido) didáticos, em nossa primeira função, poderemos viabilizar igualmente a segunda função, que seria a de facilitar, estimular as interações humanas e sociais, contribuir para a prosperidade do seu próprio povo e a de todos os demais. Todo os diplomatas – ou os que pensam – estão de acordo com minha definição de funções, que me parece ser também uma obrigação dos que pensam? Pois bem: o que estamos esperando para fazer aquilo que é a obrigação dos que pensam: ensinar e facilitar ações de maior volume possível de interações sociais, internacionais?
Digo isto, porque tenho encontrado mais burocracia do que didatismo entre os diplomatas, e pouco sentido de missão (acima do trivial costumeiro) no trabalho que desempenhamos. Tenho encontrado mais submissão do que inovação, mais repetição mecânica do déjà vu do que propostas em ruptura com o costumeiro, mais conformismo do que rebeldia (que é a base de todo progresso humano e social). Por falta de didatismo (que significa primeiro aprender por si mesmo, antes de ensinar aos outros) temos talvez incorrido em equívocos fundamentais, que perpetuam o atraso relativo do país, nossa fraca inserção internacional (que considero um erro extremamente grave, prejudicial ao nosso futuro), e que podem até ter feito o país retroceder no conjunto de comunidades humanas que se arrastam (por vezes penosamente) em direção a mais prosperidade e bem-estar, a despeito de todos os entraves colocados pelas burocracias nacionais (e seus políticos respectivos) a maiores fluxos livres de interações de todos os tipos entre os indivíduos e as comunidades que compõem a humanidade.
Por conformismo, temos colaborado muito pouco com as marés da globalização, com os ventos incontroláveis das interações humanas, lutando em primeiro lugar contra a mentalidade tacanha dos introvertidos, dos protecionistas, dos regulacionistas puros, daqueles que pretendem nos levar aos extremos do corporatismo sob o qual já vivemos (que também significa um pouco de fascismo mental). Os diplomatas que pensam poderiam, ao menos, pensar um pouco nisso, nessa nossa missão...

Brasília, 11 de fevereiro de 2017

Escolas diplomáticas: um excelente livro, em espanhol

¿Cuál es el papel de las escuelas diplomáticas y su relación con la universidad?
febrero 14, 2014
(Informação recebida de Rufus Rafa, da Catalunha)
En el libro que se ha publicado en la Colección de la Escuela Diplomática española con el título La Cumbre de Cádiz y las relaciones de España con América Latina (coordinado por Alejandro del Valle Gálvez, Inmaculada González García y Miguel Acosta Sánchez, 2013), se incluye un conjunto de contribuciones sobre la relación entre la universidad y las escuelas diplomáticas. 
Me han resultado particularmente atractivas algunas reflexiones de José Ramón García-Hernández sobre las capacidades que deben tener y desarrollar los diplomáticos contemporáneos; el interrogante clave que formula María Teresa Aya Smitmans, Directora de la  Academia Diplomática de San Carlos, cuando se pregunta cómo lograr una formación excelente “sin que se vuelva elitista, en el sentido excluyente de la palabra”; y las ideas de la profesora Araceli Mangas Martín. 
Como soy waldroniano, me gusta leer a la profesora Mangas Martín porque dice las cosas muy claras: uno puede estar de acuerdo o no con sus ideas, pero en cualquier caso no hay mucho espacio para desacuerdos semánticos, los desacuerdos con sus ideas suelen ser sustantivos. En su contribución a este volumen defiende varias ideas sobre la relación entre la Escuela Diplomática y la universidad en España, entre las que me gustaría destacar una en especial: que cada cual haga lo suyo.
Para Araceli Mangas Martín:
La Escuela Diplomática debe tener por misión, casi única y fundamental, formar a los aspirantes seleccionados que reúnen ya previamente elevados conocimientos y competencias especializadas, formarles para las concretas y complejas tareas prácticas que deben asumir al representar y defender los intereses de España, formarles para el concreto oficio de diplomático comprobando, más allá de sus conocimientos, su capacidad de análisis, su compromiso con el servicio público, su capacidad de procesar información y de generar vínculos, en fin, también su probidad. No creo que sea misión de la Escuela formar a los expertos en cuestiones internacionales cualquiera que sea su destino final.
Pero lo que no debe ni puede ser misión de la Escuela Diplomática es entretenerse en másteres haciendo turnos de mañana y tarde (y quién sabe si pronto en sesión nocturna, maitines…) financiados con la pólvora del Rey, es decir, con dinero público de todos los españoles: los alumnos no pagan tasas en el Máster de la Escuela Diplomática y, además, se remunera al profesorado, lo que es todo un ejercicio descarado de competencia desleal y de despilfarro de fondos públicos en un momento en el que el Estado impone tasas o precios públicos por todo, incluido el mero ejercicio de derechos fundamentales. Y no basta que se alegue que el Máster de la Escuela Diplomática es “interuniversitario” por el paraguas formal que han prestado algunas universidades madrileñas, no todas y sólo algunas de sus facultades, y desde luego no siempre con los mejores profesores, amén de una distribución falta de toda lógica de las materias in toto por facultad/universidad como si repartieran un botín.

La impartición del Máster no puede constituir el núcleo o razón de ser de la Escuela Diplomática. El fin de la Escuela es volcarse en acabar de formar y modelar a sus futuros diplomáticos a partir del trabajo de formación conceptual y científica hecho en las Universidades por los futuros aspirantes, así como la formación continuada de todos ellos, preparar adecuadamente a los altos funcionarios y responsables de otros Ministerios y ser un centro de debate y exposiciones para personalidades nacionales y extranjeras.

No me consta que haya habido en España un debate serio sobre la mejor forma de emplear los recursos de formación de futuros diplomáticos en la Escuela Diplomática. Esta idea de la profesora Araceli Mangas Martín puede ser un buen punto de partida para esa discusión.

índice
PRESENTACIÓN ..............................................................................................
José Luis de la Peña Vela
PRÓLOGO..........................................................................................................
José Manuel Sobrino Heredia
PALABRAS PREVIAS DE LOS COORDINADORES........................................
Alejandro del Valle Gálvez, Inmaculada González García, Miguel A. Acosta
Sánchez
NOTA PRELIMINAR .........................................................................................
LAS CUMBRES IBEROAMERICANAS: TIEMPO DE BALANCES Y DE REDEFINICIONES.................................................................................................
Alejandro del Valle Gálvez
I.- LA PARTICIPACIÓN DE LA UNIVERSIDAD EN LA FORMACIÓN DEL
SERVICIO EXTERIOR.......................................................................................
PARTICIPACIÓN DE LA UNIVERSIDAD EN LA FORMACIÓN DEL SERVICIO
EXTERIOR: EL MASTER INTERUNIVERSITARIO EN DIPLOMACIA Y
RELACIONES INTERNACIONALES.................................................................
Elena Pérez Martín
EDUCACIÓN Y SERVICIO EXTERIOR. IMPORTANCIA DE LAS CUMBRES
IBEROAMERICANAS..............................................................................
Liliana de Olarte de Torres-Muga.
EL FANTASMA DEL DIPLOMÁTICO DEL SIGLO XVIII...............................
José Ramón García Hernández.
CONTRIBUCIÓN DE LA UNIVERSIDAD ESPAÑOLA A LA FORMACIÓN
DEL SERVICIO EXTERIOR. ...........................................................................
Araceli Mangas Martín.
EL PROGRAMA DE MODERNIZACIÓN DE LA ACADEMIA DIPLOMÁ-
TICA “ANDRÉS BELLO” DE CHILE..............................................................
Cristian Streeter.
II.- EL ESPACIO EUROLATINOAMERICANO DE ENSEÑANZA SUPERIOR
.................................................................................................................
EL ESPACIO EURO-LATINOAMERICANO DE EDUCACIÓN SUPERIOR.
UNA VISIÓN DESDE EUROPA........................................................................
Teresa Fajardo del Castillo.
DINÁMICAS Y TENDENCIAS DE LOS ESPACIOS COMUNES DE COOPERACIÓN
UNIVERSITARIA EN IBEROAMÉRICA......................................
Jorge Quindimil López
III.- EL FUTURO DE LAS CUMBRES IBEROAMERICANAS........................
SOBRE EL FUTURO DE LAS CUMBRES IBEROAMERICANAS..................
Fernando García Casas
EL FUTURO DE LAS CUMBRES IBEROAMERICANAS...............................
Ricardo Cortés Lastra.
DEMOCRACIA Y DERECHOS HUMANOS EN LAS CUMBRES IBEROAMERICANAS:
TEORÍA Y PRÁCTICA. .....................................................
Celestino del Arenal.
IV.-COMUNICACIONES...................................................................................
LA ACADÉMICA DIPLOMÁTICA: UNA VISIÓN COLOMBIANA.................
María Teresa Aya Smitmans
UN COSTARRICENSE EN LAS CORTES DE CÁDIZ......................................
Charles Salvador Hernández Viale
REPARACIÓN DE LAS VÍCTIMAS DE GRAVES VIOLACIONES DE DERECHOS
HUMANOS Y LUCHA CONTRA LA IMPUNIDAD EN EL ESPACIO
IBEROAMERICANO: A PROPÓSITO DE LAS MEDIDAS DE AMNISTÍA.....
Carmen Pérez González
LA SECRETARÍA GENERAL IBEROAMERICANA COMO MEDIADORA.....
Alejandro Carballo Leyda
EL FUNCIONAMIENTO DEL SERVICIO EUROPEO DE ACCIÓN EXTERIOR
EN EL TABLERO IBEROAMERICANO:¿COHERENCIA, VISIBILIDAD
Y EFICACIA PARA LAS CUMBRES IBEROAMERICANAS EN SU
RELACIÓN CON LA UNIÓN EUROPEA? ......................................................
Juan Manuel Bautista Jiménez
LA FORMACIÓN CONTINUA COMO OFERTA ESPECÍFICA PARA EL
SERVICIO EXTERIOR: UNA PERSPECTIVA DESDE LA UNED. .................
Fernando Val Garijo, M.ª Teresa Marcos Martín.
O BRASIL E OS PARADIGMAS DE INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL............
Felipe Pinchemel
ENTRE OCIDENTAL E UNIVERSAL: DEMOCRACIA DAS RAÇAS E SINGULARIDADE
DO BRASIL NO DISCURSO DIPLOMÁTICO BRASILEIRO....
Mariana Yokoya Simoni.
LA CONSTRUCCIÓN DEL ESPACIO COMÚN DE EDUCACIÓN SUPERIOR
ALCUE. PROPUESTAS PARA UN PROCESO DE INSTITUCIONALIZACIÓN..........................................................................................................
David Miranda.
 

Reforma Protestante: junto com os "descobrimentos", o nascimento do mundo moderno

Lutero e o Brasil

Neste ano está sendo comemorado meio milênio da Reforma Protestante

Celso Ming

29 Janeiro 2017 | 05h00

Neste ano está sendo comemorado meio milênio da Reforma Protestante. Foi em 31 de outubro de 1517 que Martinho Lutero fixou suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, nordeste da atual Alemanha, e colocou em marcha o movimento que se tornou muito maior do que ele imaginaria.  

Martinho Lutero

Lutero. Capitalismo tardio

Como o Brasil nasceu e foi criado simultaneamente com o desenvolvimento do protestantismo, cabe perguntar qual terá sido a influência da Reforma no desenvolvimento do País, de suas instituições e da economia.

É um equívoco afirmar que as consequências foram irrelevantes. Mas é preciso focar o tema de maneira correta. Enquanto os Estados Unidos se formaram no espírito da Reforma Protestante, o Brasil – e com ele toda a América Latina – formou-se no espírito da Contra-Reforma. As consequências da Reforma sobre a formação do Brasil têm portanto de ser procuradas pelo avesso.

A Companhia de Jesus, por exemplo, tornou-se a principal ordem religiosa que se encarregou de disseminar as conclusões do Concílio de Trento (1545 a 1563), que fundamentou a reação da Igreja. E foi com esse espírito que os jesuítas trazidos ao Brasil por Martim Afonso de Sousa, em 1531, e chefiados por Manoel da Nóbrega se atiraram à catequização dos indígenas. Desde o início, conseguiram eles algum sucesso na substituição das músicas e danças praticadas pelos índios por cantorias e procissões trazidas da Europa ou reinventadas aqui por Anchieta e Aspicuelta. Mas praticamente não obtiveram nenhum sucesso nas tentativas de erradicar duas práticas dos indígenas que os horrorizaram: a antropofagia e a naturalidade com que praticavam o sexo gay, o pecado nefando.

E foi essa última característica que levou os portugueses a chamar os índios brasileiros de bugres. O termo provém da designação dada à heresia que prosperou no século 13, na região depois conhecida como Bulgária. Além de professar dogmas inaceitáveis pela teologia católica, a seita, conhecida como heresia búlgara, defendia a prática homossexual – já eram moderninhos. E foi assim que os portugueses passaram a chamar os índios de “búlgaros”, termo que, por corruptela, derivou para “bugres”, que encontra paralelo também no francês “bougres”. Tachá-los de hereges serviu de justificativa para preá-los e escravizá-los. (Sobre o assunto bugre, ler Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, cap 2.)

A Contra-Reforma produziu alguma reforma na Igreja, como observa Jacques Barzun, mas contribuiu para enrijecer seus controles. Foi a responsável, também, pela disseminação da Inquisição no Brasil nos séculos 16 e 17 que prevaleceu sobretudo na Bahia e em Pernambuco, mais com objetivo de reprimir “cristãos novos” (judeus) do que para combater os protestantes, raros no Brasil.

A Reforma eliminou a suntuosidade das igrejas e do culto e aboliu as imagens dos santos. A Igreja respondeu com o oposto e ajudou a propagar o barroco. O barroco mineiro, nas suas três principais manifestações (arquitetura, escultura e música), foi um dos mais importantes movimentos culturais propiciados pela Contra-Reforma. Aleijadinho e a exuberante composição de música sacra em Minas são consequência disso. E aí, paradoxalmente, um dos compositores europeus que mais influenciaram a música brasileira, tanto a barroca quanto certos gêneros posteriores, foi Johann Sebastian Bach, um luterano. Não foram apenas as bachianas de Villa-Lobos que saíram daí, mas também o chorinho.

O capitalismo tardio do Brasil também deve ser visto pelo seu avesso, na medida em que nada tem com protestantismo. Deve-se ao sociólogo alemão Max Weber o entendimento de que o espírito capitalista no Ocidente está ligado à ética do trabalho e da criação de riquezas, professada pelos protestantes, especialmente pelos calvinistas.

A pouca influência protestante no Brasil impediu durante muito tempo o florescimento do empreendedorismo. Chegou por aqui cerca de cem anos depois que os empresários ingleses e americanos produziram nas terras deles a Revolução Industrial.  

O primeiro grande empresário brasileiro foi Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá (1813-1889). Só depois, com os imigrantes e seus descendentes, passaram a proliferar os Matarazzo, os Martinelli, os Calfat, os Feffer. Foi quando os sinais de riqueza passaram a ser associados mais à capacidade transformadora do que à exploração do próximo.

Assim, se a gênese do capitalismo brasileiro nada tem a ver com a ética protestante propriamente dita, seu retardamento, no entanto, parece diretamente ligado à influência hegemônica exercida pela Contra-Reforma.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Na pré-história do IPRI: atas da Funag - Luiz Antonio Gusmão

O analista de Relações Internacionais Luiz Antônio Gusmão, que trabalha na Funag, efetuou um levantamento das atas de reunião do Conselho Diretor da FUNAG que tratam da criação do IPRI:  

 1)  20 de julho de 1984, em que se aprova a proposta do Presidente da FUNAG para modificação do Estatuto da fundação, no sentido de criar o Instituto de Pesquisa de Relações internacionais;

  2) 28 de novembro de 1984, em que se comunica a aprovação das necessárias modificações do estatuto da Fundação em reunião do Conselho Superior, em agosto, e a preparação de uma Exposição de motivos ao Presidente da República; 

 3)  6 de maio de 1987, em que se informa da doação de uma casa na Vila Planalto para acomodar as primeiras instalações do IPRI. 

 Ele propõe que elas sejam reproduzidas, in totum ou parcialmente, na edição comemorativa dos trinta anos do IPRI, na seção de "Documentos", dos Cadernos de Política Exterior, publicação do IPRI, que estou dirigindo atualmente. 

 Sempre gostei de arqueologia política... 

 Paulo Roberto de Almeida 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O fracasso da politica externa lulopetista - Fabio Zanini (Contexto)

O livro ainda não está disponível, mas já estou encomendando...


EUFORIA E FRACASSO DO BRASIL GRANDE

política externa e multinacionais brasileiras da Era Lula

Autor: Fábio Zanini
São Paulo: Editora Contexto, 2017; R$ 39,00
  • ISBN 978-85-7244-988-5
  • Formato 16 x 23
  • Peso 0.500 kg
  • Acabamento Brochura
  • Páginas 224
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  • Leia um trecho: 
  • http://editoracontexto.com.br/downloads/dl/file/id/1828/euforia_e_fracasso_do_brasil_grande_leia_um_trecho.pdf 
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  • Na era Lula, quase 50 novas embaixadas foram abertas.
    O projeto de poder do presidente no exterior incluiu também empreendedores e aproveitadores na construção civil, no agronegócio e no setor petrolífero. Para tanto, o dinheiro público rolou solto: entre 2003 e 2015, o BNDES liberou US$ 14 bilhões para 575 projetos no exterior, em 11 países da África e América Latina.
    Uma década depois da eleição de Lula, as rachaduras causadas por essa euforia desmedida se tornaram evidentes.
    O financiamento público a obras de infraestrutura no exterior passou a ser investigado por integrar um esquema de tráfico de influência e pagamento de propina. E o Brasil ainda ganhou fama de imperialista. É essa história de euforia e fracasso que o experiente jornalista Fábio Zanini nos conta. 
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  • Video com entrevista do autor: 
  • https://editoracontexto.com.br/euforia-e-fracasso-do-brasil-grande.html?euforia%20e%20fracasso  
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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...