domingo, 29 de março de 2020

Internacionalização da Amazônia? Não, mas... - Uma crítica iliterata, por Paulo Henrique Faria Nunes

Se me perguntarem se sou a favor da INTERNACIONALIZAÇÃO DA AMAZÔNIA, eu responderei de imediato que SIM, SOU A FAVOR.
Isso não tem nada a ver com a retirada da nossa Amazônia geográfica da soberania do Brasil, a entrega aos estrangeiros, essas coisas horríveis que levam imediatamente à reação tosca, ignorante, de patriotas ingênuos, que querem continuar apoiando a continuidade do subdesenvolvimento da Amazônia puramente nacional.
A Amazônia só se aproximou de um pouco de melhorias e bem-estar no boom da borracha (1870-1913), que durou pouco, mas permitiu a criação de todas aquelas coisas que os turistas admiram em Manaus e Belém ainda hoje.
Depois, ela entrou numa profunda letargia, até a criação da Zona Franca de Manaus, que é a solução errada, mas que permitiu criar empregos (a um custo alto para a economia brasileira, sem mencionar fraude fiscal, corrupção e deformação da economia regional).
E a Amazônia só será desenvolvida plenamente, quando ele for inteiramente internacionalizada, ou seja, integrada à economia mundial. Isso não tem nada a ver com a questão (paranoica) da soberania.
Mas, deixo essa conversa para lá, para apresentar um texto interessante, de um professor inteligente (deveria ser uma redundância, mas não o é, necessariamente).
Paulo Roberto de Almeida

Crítica iliterata

*Paulo Henrique Faria Nunes
Ler é um hábito incômodo. Segurar um livro e lê-lo em um espaço público no Brasil – ou mesmo na esfera doméstica – causa desconforto e mal-estar social. “Por que você está lendo?”; “é para o trabalho?”; “é para a escola?”; “coitado! No fim de semana… por isso tanto jovem está com depressão…”. Para os atrevidos que exibem livros por aí, os dispositivos de leitura de ebooks foram providenciais, pois eles se misturam aos milhões de celulares conectados às redes sociais e poupam o leitor da vergonha de ler em público.
Se consumir livros é complicado, imagina escrevê-los. É mudar o status de usuário para traficante. E o pior: o escritor está sujeito à crítica e ao ódio de quem não tem qualquer disposição para conhecê-lo. Paulo Freire que o diga. Tornou-se o bode expiatório de todos os males da educação brasileira. Escolas sucateadas, salários miseráveis, desvio de dinheiro público, plágio, outorga de diplomas universitários a analfabetos funcionais: é tudo culpa do Paulo Freire!
Já faz algum tempo que observo com certa inquietação a era da citação dos livros jamais lidos, estágio atual da erudita sociedade da informação do Século XXI. No entanto, como professor universitário nunca imaginei que eu próprio seria vítima dos críticos iliteratos.
No último ano, meu livro A institucionalização da Pan-Amazônia (Prismas, 2018) foi agraciado com o Prêmio Manuel Gomes Guerreiro, concedido pela Universidade do Algarve em Portugal. Obviamente, uma grata surpresa para um acadêmico tupiniquim e goiano. Ser elogiado publicamente por Lídia Jorge, um dos grandes nomes da literatura portuguesa, foi um momento ímpar. No entanto, maior surpresa me causaram as manifestações de vários de meus compatriotas. É impressionante como tanta gente confundiu o título de meu trabalho com internacionalização da Amazônia e logo concluiu que sou um intelectual a serviço das potências estrangeiras interessadas em roubar as riquezas do Brasil, neoliberal, esquerdopata, ambientalista radical, amigo de Greta Thunberg.
Uma pseudoleitora, que provavelmente se considera muito informada e nacionalista, me enviou um e-mail tragicômico: “Confesso que fiquei bastante assustada em saber que existe pessoas que concordam com a internacionalização da NOSSA AMAZÔNIA. A AMAZÔNIA, até onde eu sei, é DO BRASIL, ou seja, ela não pode ser COMERCIALIZADA. […] Sou Patriota e não permito, que nenhum aventureiro ponha a mão em nossas riquezas. São anos de luta, por um Brasil melhor e sem corrupção. Sei que chegaremos lá, com a ajuda de Deus e Jesus Cristo, pois somos a Pátria do Evangelho, Coração do Mundo. O Brasil é nosso. O povo acordou, não tem mais espaço para oportunistas” (sic).
Outros brasileiros reagiram ao ler a notícia da premiação concedida a meu livro em um portal de notícias português e prontamente se posicionaram. Um escreveu: “Ninguém vai por as mãos na Amazônia, Macron e sua turma de socialistas da ONU podem perder a esperança” (sic); outro bradou contra o colonialismo: “O Brasil não é mais uma colônia de Portugal, vcs europeus imperialistas não pisarão mais em nosso solo para roubar nossas riquezas e explorar nosso povo” (sic); e um mais destemperado e agressivo, mas igualmente desinformado, partiu para a agressão direta ao autor do livro cujo conteúdo desconhecia: “Mais um imbecil se metendo onde não foi chamado vai cuidar das suas florestas do seu pais en ves de ficar fazendo Balburdia […]. Primeiro resolva os problemas do seu país antes de se meter onde não foi chamado escritor mediocre” (sic).
Até mesmo um tio, após me parabenizar pelo reconhecimento em Portugal, resolveu fazer elucubrações sobre o risco de pan-americanização da Amazônia, “aspiração do Foro de São Paulo, da Unasul, do George Soros, do Vaticano e outras organizações internacionais”.
Não entender o conteúdo de um livro e chegar a teses equivocadas é esperado, principalmente onde a leitura é tão deficiente em termos quantitativos e qualitativos. Conclusões acerca de um texto desconhecido a partir de uma suposta (e errônea) interpretação do título revela a preocupante condição da educação brasileira em todos os níveis e o estágio de maturidade intelectual do país… preconceito no sentido mais literal: não li, não gostei, sou contra e inimigo do autor.
Paulo Henrique Faria Nunes é Jurista, professor, pesquisador na PUC Goiás e Conselheiro Fiscal da Apuc (Associação dos Professores da PUC Goiás)

Os Melo Franco: uma família que se confunde com a República - Fabiano Leal (JB)

Excelente síntese, sobre um grande herdeiro de uma família que tem o seu nome identificado com a política, a cultura, a diplomacia do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Affonso Arinos, filho

Jornal do Brasil, 29/03/2020
FABIANO LEAL, redacao@jb.com.br  
Affonso Arinos foi o ultimo representante de um tipo raro de dinastia. Aquela que, devota à vida política, o é também da cultura. No sentido de que a experiência do político jamais se dissociou de um alto patamar cultural, como se o desempenho público não fosse tão somente outra forma de arte, ou seja, sem se revestir de quaisquer traços de elitismo estéril. Herdeiro do que uma tradição tem de melhor, sendo ele filho de outro Affonso – Affonso Arinos de Mello Franco (1905-1990) o político, diplomata, imortal: escritor de obras seminais, como “Índio Brasileiro e a Revolução Francesa” (1937), bem como da imensa catedral proustiana que é a memorialística de “Alma do Tempo”, agora finalmente reeditada pela Topbooks de José Mario Pereira; seja pela longa história parlamentar com a qual nos legou a primeira Lei contra o racismo, assim pela atuação destacada nos sucessivos momentos constituintes da ziguezagueante história política brasileira do século XX. Desse tesouro familiar, fazem parte também os nomes de Afonso Arinos (1868-1916) e Afrânio de Melo Franco (1870-1943). O primeiro, o tio-avô romancista e contista, cuja obra literária (“Pelo Sertão”, 1898) foi pioneira do moderno regionalismo. O segundo, o avô, um diplomata e político, cuja competência expedita fez com que fosse chamado no curso do governo de Delfim Moreira, de o “Primeiro Ministro do Brasil”.
 
Assim Arinos, filho não fugiu ao espelho desta seara. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Brasil (1953). Iniciou na carreira diplomática em 1952 na Comissão de Organismos Internacionais da Divisão de Atos, Congressos e Conferências Internacionais do Ministério das Relações Exteriores. Sendo que, entre 1956 e 1959 atuou como segundo-secretário na embaixada do Brasil em Roma e como segundo secretário em Bruxelas entre 1963 e 1964. Nos anos seguintes, galgou vida política própria, ao se tornar deputado da Assembleia Constituinte e Legislativa do Estado da Guanabara, e depois, deputado federal de 1964 a 1966. Paralelamente, exerceu atividade docente, além de ter sido contribuinte contumaz de diversos órgãos culturais.
 
Mas, essa extensa produção cultural, se consagra em uma dupla mirada. Primeira, pelo zelo em ser fiel aos seus. Na forma com que após o desaparecimento do pai, não deixara que esse vulto maior se apagasse. Uma preocupação bem exemplificada em um livro como “Diplomacia Independente: um legado de Afonso Arinos” (1999), ou na majestosa reunião de ensaios esparsos agora coligidos sob o título de “O Espírito e a Ação” (2005), um manancial dos mais fecundos de análise política, história e filosofia, intimamente mescladas, quando não de plena atualidade.
 
Ao passo que a outra se realiza, também, dentro de uma atmosfera intelectual bem familiar – a memorialística. Uma marca já presente em “Primo Canto” (1976), com que deslumbra o leitor com evocações da mocidade, passando por obras como “Três Faces da Liberdade” (1988), “Mirante” (2006) e “Tramonto” (2013). Essa última, aliás, vem a ser um por do sol último. Uma obra cuja força originária e final se encontra no elo de uma vida, no amor pela companheira Beatriz. É este o signo que o rege nessa obra, pois na vida vale aquilo que nos toca. Assim, Arinos desce à memória no dia em que, como ministro conselheiro, recebera a missão de relatar acerca dos protestos em Washington no início da década de 70; ou seja, no contexto da Guerra do Vietnã, sendo que para o qual não pensou duas vezes em, juntamente com a esposa, se disfarçar de hippie a fim de colher as impressões mais fidedignas possíveis da convulsiva cena americana.
 
Lá estão igualmente os relatos de momentos passados ao lado de grandes figuras brasileiras, como Sergio Porto, Paulo Mendes Campos e Vinicius de Moraes. Sendo que o autor de “Forma e Exegese” (1935) foi o responsável por lhe apresentar ninguém menos que, João Cabral de Mello Neto – o funcionário cujas gavetas estavam sempre repletas de analgésicos, e com quem viria a travar uma amizade duradoura, dentro de uma filosofia de convivência que foi a marca célebre de uma época do Itamaraty. O livro ainda comporta revelações que ensinam muito sobre a necessária discrição diplomática, bem como pela grandeza d’ alma, como o episódio em que abrigou funcionários, a mulher e filha do presidente deposto da Bolívia Siles Zuazo.
Assim, “Tramonto” seduz, diverte e dignifica, já que a pena está nas mãos de um humanista e dos mais sábios.
Por vezes a vida se passa em honra a uma trajetória pública, forjada por antepassados ilustres e na firmeza de uma conduta inexaurível – em suave continuidade modelar – e que se inscreve em um legado verdadeiramente significativo. Porque esses são os Mello Franco, nosso enclave de um mundo latino clássico de princípio e ação – de um império como expressão da mais alta cultura. Ó Senhor proteja-nos da agonia da perda! Para Affonso Arinos, os louros do tempo e do pensamento; que, de memorialista passe agora à memória – daqueles que jamais se furtarão de procurar aquilo que existe de mais Excelsior.
Historiador

Uma cronologia diplomática - Paulo Roberto de Almeida (2003-2019)

Cronologia pessoal-funcional em tempos não convencionais: Um diplomata, do limbo ao limbo, 2003-2019 

Paulo Roberto de Almeida
  
1. Pré-história
2003, março: Convite recebido do Diretor do Instituto Rio Branco para coordenar o mestrado em diplomacia (disciplinas, pesquisas, publicações, segundo regras da Capes), do qual eu já era professor orientador, tendo vindo de Washington a Brasília, em férias, para orientar pelo menos seis candidatos a dissertações na área.
2003, março-maio: Oposição dos dirigentes do Itamaraty, Ministro Celso Amorim e SG Samuel Pinheiro Guimarães, ao convite; com tentativa de superação do impasse. Cartas minhas ao Ministro e ao SG, com propostas relativas ao curso.
2003, maio: Mensagem do Diretor do IRBr: “Infelizmente o SG não me autorizou a levar a ideia adiante. Acho que está convencido da necessidade de uma reestruturação do IRBr e de termos pelo menos um ou dois professores em dedicação exclusiva, mas parece não ser este ainda o momento para tomar essas decisões. Assim, lamento muito e é o próprio Instituto que está perdendo com isto, mas não senti clima para prosseguir com a iniciativa agora. Havendo novidades, lhe aviso. Continuaremos em contato.”
2003, junho: Vinda a Brasília, em férias, para decidir quanto ao futuro na carreira, depois de 4 anos em Washington: sem possibilidades de função na Secretaria de Estado. Alternativas: ficar mais tempo em Washington ou negociar a chefia de uma embaixada em país a ser oferecido pela SERE. Recebido convite do chefe da Secom-PR e diretor do Núcleo de Assuntos Estratégicos da PR, Luiz Gushiken, para me associar ao NAE.
2003, agosto-outubro: Remoção para SERE, e Portaria 642, de 24/10/2003, de cessão para a PR; Início de trabalho no NAE: proposta de plano prospectivo “Brasil em 3 Tempos”.
2004-2020: Professor de Economia Política no Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
2005: Publicação da 2ª. edição do livro: Formação da Diplomacia Econômica no Brasil.

2. Início da primeira, longa, travessia do deserto
2006, outubro-novembro: Depois de três anos no NAE, com o afastamento de seu titular e designação de um novo responsável (Ministro de Estado da Secretaria de Assuntos Estratégicos da PR, Roberto Mangabeira Unger), desliguei-me do órgão e retornei à SERE. Ao início de dezembro, a Chefe de Gabinete do chanceler Amorim ofereceu-me três cargos na SERE, para assumir aquele que me fosse mais conveniente de modo imediato. A despeito do oferecimento, não ocorreu nenhuma providência da SG para elaboração e publicação de portaria de posse. Tentativas posteriores frustradas.
2006-2010: Sem nenhum cargo na Secretaria de Estado, sem qualquer escritório à disposição, permaneci quatro anos na Biblioteca do Itamaraty, período no qual redigi e publiquei os seguintes livros: O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (2006); O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (2009: e-book; 2010, Senado Federal).
2010: O Secretário de Promoção Comercial do Itamaraty oferece serviço provisório no Consulado em Xangai, para trabalhar no pavilhão do Brasil no quadro da Exposição Universal realizada na cidade de maio a outubro desse ano. Retorno à SERE.
2011: Sem funções na SERE, permanência na Biblioteca, aproveitando para redigir e publicar este livro: Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização.
2012: Sem definições quanto a qualquer função na SERE, aceitei um estágio como professor convidado no Mestrado em Estudos Latino-Americanos da Universidade da Sorbonne, Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine, beneficiando-me para isso de uma licença-prêmio de 180 dias. Redigi e publiquei este livro, Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização, com base em duas edições precedentes do livro publicado em 1998 e 2004 pela UFRGS. Participação em seminário e livro Barão do Rio Branco: 100 anos de memória (2012). Participação na organização da obra coletiva: Pensamento Diplomático Brasileiro: Formuladores e Agentes da Política Externa, 1750-1964 (3 vols., 2013).

3. Cargo subalterno no exterior
2013-2015: Aceitei cargo de Cônsul-Geral Adjunto no Consulado Geral do Brasil em Hartford, CT, período no qual, ademais das funções oficiais, participei de diferentes programas acadêmicos (universidades do Illinois, Yale, Columbia, Johns Hopkins, e na própria academia diplomática americana, com palestras em duas ocasiões no George Schultz Training Center of the Foreign Service Institute, em Washington).

4. Retorno ao Brasil: limbo e diretoria do IPRI
2016: Ainda sem funções na Secretaria de Estado, permaneci na Biblioteca, tendo, no entanto, colaborado com a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) em seminário, exposição e livro sobre os 200 anos de nascimento do patrono da historiografia brasileira: Varnhagen (1816-1878): diplomacia e pensamento estratégico.
2016, 3 agosto: A partir da mudança de governo, com o impeachment da presidente, fui convidado a assumir a direção do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), órgão da Funag: Portaria n. 407, de 19/07.2016, de cessão do MRE para a Funag; Nomeação para o cargo pelo Ministro Chefe da Casa Civil em 3/08/2016.
2016: Introdução e publicação do livro: Carlos Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil (Brasília: Senado Federal, 2016).
2016/08 – 2019/03: Diversas atividades à frente do IPRI, registradas neste relatório geral: https://www.researchgate.net/publication/329905640_Relatorio_de_Atividades_Gestao_do_diretor_do_IPRI_Paulo_Roberto_de_Almeida.
2017-2018: Publicação de diversos livros pessoais e organização de obras coletivas: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (2017); Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (3ª. ed.: 2017); Oliveira Lima: um historiador das Américas (com André Heráclio do Rêgo: 2017); A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (2018). Capítulos em obras coletivas: Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro (2017); Lanterna na Proa: Roberto Campos ano 100 (Ives Gandra da Silva Martins e Paulo Rabello de Castro, 2017); Brasil: o futuro que queremos (Jaime Pinsky, 2018); Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Celso Lafer, 2018); Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional (Rubens Barbosa, 2018); Política externa brasileira em debate: dimensões e estratégias de inserção internacional no pós-crise de 2008 (Ipea, 2018); Editoras comerciais ou institucionais (Funag, Ipea).
2018: Preparativos para uma nova edição, com adição de novos autores, da obra O Itamaraty na Cultura Brasileira (edição original: 2001; sem continuidade a partir de 2019).

5. De retorno a uma nova travessia do deserto?
2019, 02/01: Nova administração instruiu-me, no dia 2/01/2019, a não empreender nenhuma atividade no IPRI, até a definição de nova administração e programa de trabalho, a despeito de já estarem agendadas diversas atividades, canceladas pela chefia da Casa. Aproveitei o “ócio forçado” para compor alguns trabalhos que deveriam integrar novo livro, mantido, porém, sem título e sem decisão quanto à eventual publicação até o período posterior à exoneração; entre eles este aqui: “Auge e declínio do lulopetismo diplomático: um testemunho pessoal” (Brasília, 15 janeiro 2019, 26 p.), depois incluído como apêndice ao novo livro preparado nessa época, trabalho disponível neste link: https://www.academia.edu/41084491/Auge_e_decl%C3%ADnio_do_lulopetismo_diplom%C3%A1tico_um_testemunho_pessoal.
2019, 25/01: Composição de novo livro, relativo ao período 2014-2018 – Contra a corrente: Ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018) –, mas só publicado em abril, posteriormente à exoneração: Curitiba: Appris, 2019, 247 p.
2019, fevereiro-março: Elaboração de trabalho “Rubens Ferreira de Mello: o primeiro tratado brasileiro de direito diplomático” (Brasília, 3 março 2019, 20 p.), contribuição à obra coletiva dirigida pelo Consultor Jurídico do Itamaraty, George Galindo, sobre “História do direito internacional no Brasil: entre universalismo, localismo e identidades”, sobre autores de obras de Direito Internacional no Brasil (link: https://www.researchgate.net/publication/331482703_Rubens_Ferreira_de_Mello_o_primeiro_tratado_brasileiro_de_direito_diplomatico).
2019: Publicação da 2ª edição do livro em Kindle: Volta ao Mundo em 25 ensaios: relações internacionais e economia mundial.
2019, 04/03, 01:30hs: “A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo” (Brasília, 4 março 2019, 18 p.), introdução, em 2 p., à transcrição de três textos sobre a política externa, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019); postado duas vezes no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html) e novamente no dia 9/03/2019 (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/ricupero-fhc-e-ernesto-araujo-em-debate.html).
2019, 04/03, 08:30hs: Telefonema do chefe de Gabinete do chanceler, ministro Pedro Wolny, comunicando minha exoneração do cargo de diretor do IPRI, “com efeito imediato”.
2019, 04/03: “Nota sobre minha exoneração como diretor do IPRI”. Blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/nota-sobre-minha-exoneracao-como.html).
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29 de março de 2020

A Peste: dos tempos medievais à atualidade - Spencer Strub (NYRBooks)

Illness & Crisis, from Medieval Plague Tracts to Covid-19

The New York Review of Books, March 25, 2020
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Gilles Le Muisit: Black Death at Tournai, 1349
When the plague arrived at Catalonia’s doorstep in April 1348, the learned physician Jacme d’Agramont wrote to address the “doubts and fears” rising around him. He laid out, in a treatise written in Catalan to the civil authorities in his hometown of Lleida, a set of reasonable preventative measures that anyone could take. The air was likely putrefied because of sin, so confession should be the first priority. The windows should be sealed shut, the fire stoked with juniper, and the floor sprinkled with vinegar. One should eat and drink very little, and it should all be as sour as possible. “Slimy fishes” like eel and “rapacious fishes” like dolphin should absolutely not be eaten, nor ducks, nor suckling pigs. A little bloodletting could help. Sex and baths must be avoided, because they open one’s pores and allow noxious airs to enter. A fearful imagination would only make matters worse.
D’Agramont’s 1348 letter was the first plague tract. Others soon followed, and reading these tracts today is instructive. The plague’s progress out of Central Asia and into Europe and the Middle East was heralded by rumors of its advance. Rulers and ordinary people alike knew it was coming; they wanted to know how to prepare and how to endure what they knew would be a profound disruption to everyday life. “Experience shows us,” D’Agramont wrote, “that when a dwelling catches on fire all the neighbors become afraid.” Tracts like his aimed to calm the neighbors—the literate ones, at least, who could share the advice with the illiterate—by giving them a sense of control over a collective predicament that was, in fact, in nobody’s hands.
*
D’Agramont’s advice was written without the benefit of direct observation. He drew on what he modestly calls the “little science” he’d gleaned from studying pestilences recorded in the Bible and Hippocrates. The plague tracts written subsequently, in the midst of the epidemic, struggled to describe a disease that physicians swiftly realized was not like the ones they had read about. Modern scholars debate the 1348 plague’s mortality rate (anywhere between 30 and 60 percent of the population) and the pathogen responsible (most historians agree that the bacterium yersinia pestis is to blame, but candidates from anthrax to hemorrhagic fever have been proposed). As the historian Monica Green has pointed out, “even its full geographic extent is still unknown.”
But all agree that it was unlike any earlier epidemic, killing tens of millions of people over the course of a few years. Medieval writers recognized this unprecedented quality: Guy de Chauliac, physician to the court of Pope Clement VI in Avignon, called it inaudita, unheard-of. While historians had long recorded pestilences, Guy wrote, “none of them occupied more than a single region, this one the whole world; they were curable in some way, this one not at all.” Others simply called it the “great mortality” or the “universal pestilence.” (Like the word “medieval,” “the Black Death” was a later invention, the coinage of a confused seventeenth-century historian.)
In May 1348, a week after d’Agramont sent his letter to the rulers of Lleida, the governing council or comune of the Tuscan town of Pistoia issued a set of ordinances intended to slow the spread of the disease. Travel bans were put in place and the transport of goods restricted. Polluting industries such as butcheries and tanneries were closed or strictly limited. Social gatherings like funerals and commemorative masses were banned, with some exceptions for people of rank: knights, lawyers, judges, and physicians could “be honored by their heirs at their burial in any way they please.”
Pistoia is now one of the centers of the coronavirus epidemic in Tuscany. Like the rest of Italy, it is under lockdown. Funerals and religious services are once again forbidden. The Florentine newspaper La Nazione reports that mass will be celebrated over Facebook and YouTube, while quarantined residents meet for an aperitivo over Zoom. Lacking such technological ingenuity, fourteenth-century “social distancing”—spurred by personal fear and collective regulation—severed the usual bonds of a close-knit society. In Avignon, France, Guy de Chauliac lamented that family ties had frayed in the face of the plague: “Fathers did not visit their sons, nor sons their fathers. Charity was dead, hope prostrate.”
*
Medieval scholars thought the plague arose from causes both universal (unfortunate astrological conjunctions) and particular (corrupted airs and humoral imbalances). One can’t control the stars, but one can control what Greek medicine called the six non-naturals, the mutable things like exercise and emotion that were thought to affect health. Across both the Islamic and Christian medical worlds, writers warned against sex and baths and commended sour food and strong smells. In a 1348 report, the Paris Medical Faculty warned that certain populations were more susceptible to the disease: those “bunged up with evil hu­mors”; “those following a bad life style, with too much exercise, sex and bathing”; “persistent worriers”; “corpulent people with a ruddy complexion.” Lifestyle changes might therefore improve one’s chances. Others tried to offer suggestions for the care of the sick. De Chauliac prescribed an ointment of figs, onions, butter, and fermented dough for the buboes; the polymath Ibn al-Wardi recorded the doctors of Aleppo anointing his compatriots with Armenian clay.
British Library Board/Bridgeman Images
An illustration showing plague victims being blessed by a priest, from Omne Bonum, by James le Palmer, 1360–1375
Much of this advice was meant for home use. Many early plague treatises were written in local vernaculars rather than Latin, as d’Agramont put it, “for the benefit of the people and not for the instruction of the physician.” After the plague returned, in 1360–1361, the audience for plague advice grew even larger. John of Burgundy’s De epidemia, a post-1361 bestseller in multiple languages, instructed readers to take dietary supplements—“a dose of good theriac the size of a bean”—and to sniff aromatics in cold weather, with shopping suggestions broken out by budget level: “ambergris, musk, rosemary and similar things if you are rich; zedoary, cloves, nutmeg, mace and similar things if you are poor.” Sometimes the plague sufferer was allowed a cheat day: in lieu of wine, a patient should drink vinegar in water, but “occasionally, however, he can be given, to cheer him up, white wine diluted with plenty of water.” By the fifteenth century, the English poet John Lydgate could sum up such advice with a cheerful jingle: “Drynk good wyn, & holsom meetis take, / smelle swote thynges,” he wrote, “walke in cleene heir, eschewe mystis blake.”
Such instructions provided a way to wrest agency back from a traumatic experience of collective vulnerability. The past few weeks have seen similar efforts on social media, which has begun to feel like a live-updating plague tract. Reminders to stay in, to wash our hands, to “#flattenthecurve” mark earnest attempts to conform individual behavior to the needs of collective well-being. But they do little to remedy our sense of powerlessness. They certainly don’t allay the chief concern of the young and asymptomatic, which is the risk of infecting the vulnerable people around them. Harvard, where I teach, shut down classes and evicted undergraduates from the dorms. (When plague hit medieval Oxford, the scholars scattered into the countryside, too.) During our last meeting in person, my students worried that they might unknowingly carry Covid-19 home to their parents and grandparents. I could think of no real reassurance to offer them.
So we search for everyday commodities to assuage our anxiety: rice, cleaning supplies, toilet paper. As I’ve been writing this piece, I’ve found myself besieged by scammy Internet ads for masks, which our government begs us not to buy. Before the pandemic was widespread in the United States, an email purportedly written by a distinguished scholar of coronaviruses was widely shared on Facebook. It said the usual things—wash your hands and sneeze into a tissue, etc.—but also suggested that zinc might impede the infection. Zinc lozenges suddenly became the theriac to cure all ills; masks and hand-sanitizer, the ambergris and zedoary to ward off infection.
Of course, putting faith in the efficacy of our actions is also meant to stave off despair. Even as Covid-19 took hold, doctors, nurses, and quarantined patients recorded music videos and dance-offs to raise people’s spirits. As the pandemic has spread, people under lockdown in Italy have taken to their balconies to sing. As d’Agramont put it, “in such times, joyfulness and gaiety are most profitable.” 
*
Not long after finishing his letter, d’Agramont himself contracted the plague and died. Ibn al-Wardi succumbed in Aleppo in 1349. Guy de Chauliac caught it in Avignon in 1348; for six weeks, he languished with a fever as a bubo swelled in his groin. He recovered and slipped a memoir of his experience into a chapter on ulcers of the breast in his Chirurgia magna, a compendium of knowledge—written because “not everyone can have every book, and even if they could, it would be tedious to read them and godly to retain it all in mind”—that was copied, translated, and used as an authoritative reference for centuries to come.
This book’s fifteenth-century English translation includes one of the language’s earliest examples of the word “crisis.” In Middle English, the term referred to the determinative phase of an illness, the point from which one either recovers to health or declines to death. Its etymological origins can be traced back to Greek κρῐ́σῐς (krisis)—also related to modern English “critic” and “critique”—a word that denotes separation, dispute, decision, and judgment. De Chauliac’s English translator explained the term with a Middle English gloss: “determynacioun.” The crisis is the moment of decision, the place where individual and collective suffering meet.
Plague and crisis thus entered Anglophone consciousness hand in hand. Histories medieval and modern still reflect that association. Monastic chroniclers recorded the pestilence as just one aspect of a general calamity in the 1340s, heralded by earthquakes and an unusually warm winter, accompanied by war and famine. A longstanding grand narrative holds that the Black Death was the hinge of a larger “crisis of the fourteenth century”: the pandemic sent the European feudal order into disarray, and eventually modernity emerged from the pesthouse.
The coronavirus may be remembered likewise—as an indelible historical dividing line, but also as a symptom of a broader crisis. In their 1348 bulletin, the Paris Medical Faculty observed that the “winter was not as cold as it should have been.” The faculty attributed the problem to Mars, which was “looking upon Jupiter with a hostile aspect.” We know that our warm winters are not the product of astrological misfortune but of two centuries of fossil-fuel extraction and consumption. The effects of climate change will likely spur more pandemics. As this one continues to spread, pulling down the world economy with it, more people will suffer and die. The poor and vulnerable will suffer more, as they already do, in disasters that unfold routinely beyond public attention.
There is no reason to think that our governments are equipped to address the social ramifications of these disasters. In fact, we risk repeating the worst mistakes of the past. As the historian of science Hannah Marcus recently pointed out in The New York Times, “foreigners, prostitutes, Jews and the poor were blamed for outbreaks of plague.” Some medieval physicians, clerics, and rulers rejected such hate and superstition, but others encouraged it: d’Agramont warned that someone was poisoning wells; the French poet Guillaume de Machaut attacked “shameful Judea” and celebrated the anti-Semitic pogroms that took place across Europe. Such retributive violence followed the cues of what the historian R.I. Moore labeled the medieval European “persecuting society.” There is no evidence of similar treatment’s being meted out to religious minorities in the equally plague-stricken Islamic world. America has met the coronavirus with racist scapegoating and politically opportunistic Sinophobia. As most nations retreat behind their borders, our shared descent into authoritarianism, nationalism, and xenophobic violence may well accelerate.
Against division, medieval plague tracts aimed to serve what d’Agramont called “the common and public good.” But the advice they offered emphasized a personal regimen that could scarcely slow the spread of the plague or diminish its effects. Their prescriptions reveal the limits of individual action in combating such a shared predicament as a pandemic. As we wait in quarantine and under lockdown, we should join together in whatever forums are available to us to ask ourselves what kind of future we can make together when we emerge.

sábado, 28 de março de 2020

120 anos da Fundação Oswaldo Cruz: entrevista com a presidente Nísia Trindade Lima

Covid-19: presidente da Fiocruz fala dos desafios da chegada da pandemia ao Brasil
Júlia Dias
Agência Fiocruz de Notícias, 26/03/2020 
Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), Nísia Trindade Lima comenta o contexto da pandemia de Covid-19 e os desafios de sua chegada ao Brasil. A presidente da Fiocruz também elenca algumas ações da instituição na resposta à crise sanitária, que vai desde a produção de testes ao atendimento aos infectados. Todos os setores e unidades da Fundação estão mobilizadas para o enfrentamento da epidemia. “A Fiocruz está completando 120 anos em maio e o aniversário vai ser marcado pela resposta à essa pandemia, assim como o início da instituição foi uma resposta sanitária às epidemias no Rio de Janeiro”, destaca Nísia.

AFN: Como você vê o contexto da pandemia de Covid-19 no mundo hoje?

Nísia Trindade Lima: Eu olho por um lado para o meu papel institucional e, ao mesmo tempo, olho na perspectiva de quem trabalhou muito tempo e continua a trabalhar com uma reflexão sócio-histórica sobre a saúde e a relação de epidemias/endemias e sociedade. É uma situação única no mundo, que já viveu outras pandemias, é claro. Esta pandemia coloca uma complexidade enorme, porque nós estamos em pleno século 21. Vivemos hoje em um mundo extremamente conectado do ponto de vista de população, de pessoas, de mercadorias. Temos também uma capacidade muito grande de informação e de análise e de produção intensa de conhecimento nos vários domínios da ciência, como a biologia molecular, a imunologia e a epidemiologia, o que é muito importante neste momento.

Temos um contexto novo de uma disseminação mais intensa de vírus, de reemergência de doenças antigas e emergência de novas. Isto é um fato muito importante para ser pensado. Nós teremos mais casos de viroses nos próximos anos, principalmente viroses respiratórias. Esta é uma tendência apontada por estudos e isto está ligado ao nosso modelo de desenvolvimento, com variáveis ambientais e a relação entre humanos e não-humanos, como é o caso deste vírus que veio de um animal. Quer dizer, há uma complexidade muito grande em que ainda há muitas interrogações.
Além disso, temos o nosso cotidiano totalmente alterado, com muitas inseguranças, inquietação e até o medo, como é normal em uma doença nova e desconhecida. Por outro lado, nós temos hoje recursos e tecnologias de informação e comunicação que ajudam a enfrentar uma situação tão grave e talvez nos permitam viver esse isolamento não como distância social, mas como distância física.
Precisamos olhar também para as realidades demográficas e a realidades sociais de cada país, de cada território por onde a epidemia vai passando, porque ela não chega ao mesmo tempo para todos e as estratégias de contenção também terão um papel nisso. Então, há uma interferência humana, política e científica, tudo ao mesmo tempo. Eu acho que é uma grande responsabilidade para as autoridades públicas em todos os estados nacionais e para a sociedade também. Este é um grande desafio, um desafio impensável tempos atrás.
AFN: Quais são as especificidades da pandemia na chegada ao Brasil?

Nísia Trindade Lima: Por dever de ofício, já que sou socióloga, vou falar dos impactos sociais. É muito importante pensar a dimensão sócio-espacial, que é essencial em uma epidemia. Cada epidemia tem que ser vista nas suas especificidades. A Covid-19 está se intensificando no Brasil primeiro em dois grandes centros, o que é natural, uma vez que veio pelo tráfego aéreo. Chega de classe executiva, mas se depara com uma realidade em que nós temos uma alta densidade populacional e em condições habitacionais de muitas vulnerabilidades, como é o caso de muitas das nossas periferias e favelas em todos os centros urbanos do Brasil. Além disso, temos uma mobilidade urbana difícil, transportes lotados, uma série de questões que vão interferir no curso da epidemia. É o caso também de grupos específicos que nos preocupam muito, como a situação das prisões no Brasil. A atenção para isso tem que se somar a atenção aos grupos de maior idade. Esses fatores que têm que ser observados e as pesquisas e as políticas públicas terão que olhar para essa realidade tão complexa que se resume numa palavra: desigualdade. Precisamos olhar para esse fator para pensar em estratégias de solidariedade social.

AFN: Como a Fiocruz tem atuado em diferentes linhas para responder à essa emergência?

Nísia Trindade Lima: Desde o início, quando ainda não havia sido definida como pandemia e quando começaram os casos do novo coronavírus na China e a identificação de formas graves de pneumonia, nós temos acompanhado à evolução da doença, especialmente junto à área de vigilância no Ministério da Saúde, mas também do ponto de vista da pesquisa e do desenvolvimento de ações. Nós temos a clareza que a grande prioridade agora é salvar vidas. 

Por isso, uma das nossas principais linhas de ação, desde o começo, é a questão do diagnóstico, com a produção e a análise. Uma segunda prioridade, também definida com o Ministério da Saúde, é a assistência especializada em doenças infecciosas para pacientes graves. Uma terceira linha são os ensaios clínicos para definição de terapêutica eletivas. Nós também desenvolvemos pesquisas em várias áreas do conhecimento para auxiliar no avanço do conhecimento sobre o vírus e a doença e no combate à epidemia. Também destaco a atuação na formação de profissionais e nas plataformas de informação, algo que é fundamental hoje e será no curso dessa pandemia, para que, não só à Fiocruz, mas o Ministério da Saúde e a sociedade brasileira possam ter dados e evidências que se traduzam em política institucionais. Por fim, mas não menos importante, temos nossas ações de comunicação.

A Fiocruz está completando 120 anos em maio e esse aniversário vai ser marcado pela resposta à essa pandemia, assim como o início da instituição foi uma resposta sanitária às epidemias no Rio de Janeiro. Por isso, ela está sendo observada por todos os nossos institutos e unidades, em todos os estados em que a Fiocruz está presente. Cada um buscando somar força junto às secretarias estaduais de saúde para que a gente possa responder a esse desafio.
AFN: Em relação ao diagnóstico, quais são as principais ações?

Nísia Trindade Lima: Nós temos uma tradição de produção de diagnósticos, toda a hemorrede brasileira conta com os testes diagnósticos da Fiocruz. Nossa capacidade associa desenvolvimento tecnológico e produção. Nesse momento, nós estamos totalmente dedicados a isso. 

Começamos com o trabalho do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz [IOC], que é referência no país e vem trabalhando intensamente. Este laboratório desenvolveu um trabalho importantíssimo de treinamento de outros laboratórios, atuando em rede. No primeiro momento, nós fizemos esse treinamento para os laboratórios Adolfo Lutz (SP) e Evandro Chagas (PA) e para o Laboratório Central [Lacen] de Goiás, que foi onde chegaram os brasileiros que estavam na China. A partir deste trabalho, fizemos um treinamento, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde [Opas] para os países da América Latina e desenvolvemos, de uma forma constante, o treinamento de todos os Lacens para que os exames possam ser processados em cada unidade da federação. 
Além disso, temos a área de produção dos kits diagnósticos, no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos [Bio-Manguinhos]. Temos agora a demanda do Ministério da Saúde de intensificar produção destes testes, aumentar ao máximo esse número. Nós estamos trabalhando intensamente e definimos com o Ministério uma meta de 1 milhão e trezentos de testes para dar atendimento à essa demanda. É um trabalho que tem sido feito de uma forma muito integrada. Bio-manguinhos tem sido incansável em cada vez mais aumentar seu ritmo de produção. Ao mesmo tempo, há um trabalho integrado com Instituto de Biologia Molecular do Paraná, que é um instituto resultado de um acordo da Fiocruz e o governo do estado, através do Instituto Tecnológico do Paraná (Tecpar), para o aumento dessa possibilidade de entrega dos kits diagnósticos. 
Por último, temos o papel importantíssimo de análise da qualidade dos testes do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde [INCQS].
AFN: E em relação à assistência?

Nísia Trindade Lima: O INI já é a unidade de referência da Fiocruz na área de pesquisas clínicas e atenção especializada em doenças infecciosas e que atua como referência para o atendimento a pacientes graves de Covid-19, mas ainda tem uma estrutura de atendimento muito pequena para essa emergência. Então, estamos mobilizando é toda nossa equipe em um grande esforço para atender aos pacientes graves, aumentando o número de leitos, com Centro Hospitalar Fiocruz para Pandemia da Covid-19, na nossa sede, em Manguinhos. 

Estamos falando de 200 leitos de tratamento intensivo e semi-intensivo que serão montados no campo de futebol em Manguinhos. Nós instituímos um comitê para monitoramento de todas as ações da Fiocruz nesse momento, um grupo dedicado a isso para que tenhamos esses leitos podendo ser ofertados em condições de qualidade, de segurança do paciente, que só é possível pela excelência da nossa equipe do INI e também pela ousadia, que eu acho que a nossa instituição tem que ter. Uma ousadia derivada do seu compromisso com a saúde pública.
Além disso, temos também a atuação do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira [IFF], que está acompanhando o que no Brasil acontecerá com as gestantes e recém-nascidos. Eu acho que isso é fundamental, já que ainda há muitas dúvidas sobre a transmissão da doença e possíveis efeitos.
AFN: Quais outras linhas de pesquisa estão sendo desenvolvidas na Fiocruz? Como tem sido estruturada essa área?

Nísia Trindade Lima: Já existem modelos matemáticos sendo feitos, estudos sobre o impacto no sistema de saúde, impactos sociais e impactos econômicos. A minha proposta é estabelecer um Fórum de Pesquisadores para Covid-19 e utilizar a Câmara Técnica de Pesquisa como um elemento de contribuição para isso. Com isso, teremos elementos para estruturarmos uma indução por parte do nosso programa Inova para elucidar essa situação dramática atual e, ao mesmo tempo, contribuir para a preparação da nossa instituição e do país frente a possíveis novas emergências, assim como nós passamos pela emergência sanitária de zika. Eu acho que nesse momento a gente tem um desafio de pesquisa importante, em todos os campos.

AFN: E quanto às ações de comunicação?

Nísia Trindade Lima: Eu acho que a comunicação tem sido uma ênfase do nosso trabalho e tem tido um papel fundamental, vide a presença dos nossos especialistas tirando dúvidas na mídia. Nós temos hoje uma rede coordenada pela comunicação social regular da Presidência, que tem um papel fundamental, além dos veículos próprios da Fiocruz, o Portal, que é o centro para as informações; as redes sociais; a Radis; o Canal Saúde; etc. A comunicação da Fiocruz também é um sistema e esse é um trabalho reconhecido por todos.

Eu acho que precisamos pensar em linguagem e públicos, precisamos ter comunicação para o jovem, isso tem que ser feito junto com a população, não é só uma mensagem que você dirige, mas uma construção conjunta de mensagens. Como nós fazemos uma comunicação que chegue a todos, não só as camadas médias da população? É muito importante revermos a todo momento nosso discurso, nossas ênfases, porque a comunicação tende a se dirigir para o público de classe média, até algumas medidas isolamento dentro das casas em quartos individuais, evitar aglomerações, álcool em gel e outros exemplos assim. Mas nós sabemos que não é essa realidade. Isto eu acho que é um desafio para nós.
Uma iniciativa interessante nesse sentido é o Se liga no corona, uma campanha de comunicação em saúde da Fiocruz, em conjunto com organizações de Maré e Manguinhos, para prevenção ao novo coronavírus junto à população moradora de favelas e periferias. Todos os materiais são montados com base em dúvidas dos moradores coletadas pelas organizações comunitárias parceiras.
AFN: Em relação à formação, o que vem sendo feito?

Nísia Trindade Lima: A Fiocruz atua normalmente dando uma formação em todos os níveis, mas nesse momento tivemos uma atenção muito especial para aqueles profissionais dos laboratórios que processam os testes, como já vem sendo feito, e também aos profissionais de saúde, como nós temos, junto com a Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio [EPSJV], a formação de agentes de saúde. 

Essas primeiras semanas serão muito duras para todos e todas e para todo esse conjunto de atividades, porque nós estamos vendo os modelos as estimativas e vamos estar nos preparando. No caso da educação, fizemos uma aula inaugural à distância sobre o novo coronavírus. O tema inicialmente não era esse, seria uma aula sobre desenvolvimento sustentável com o professor Jeffrey Sachs, mas seria uma alienação hoje falar sobre qualquer tema diferente dessa pandemia que está movendo e impactando todo mundo, ainda mais numa instituição como a nossa. Estamos preparando também cursos virtuais para profissionais de saúde voltados para o combate à Covid-19. Estes cursos são muito importantes na estratégia de enfrentamento na assistência. Os programas de pós-graduação estão se adaptando e preparando atividades virtuais, algumas bancas têm acontecido já nesse formato. Isso vale para a educação e para todas as atividades nesse formato. 

AFN: E sobre o impacto no dia a dia dos trabalhadores da instituição?

Nísia Trindade Lima: Eu acho que o impacto no dia a dia dos nossos trabalhadores é muito grande. Por isso, nós estabelecemos um Plano de Contingência para proteger os nossos trabalhadores e também as nossas atividades essenciais, uma vez que a Fiocruz é parte da solução para esse problema que estamos lidando. Além disso, nós também estamos colocando no centro das discussões nesse momento a questão da Adicional por Plantão Hospitalar [APH] para os profissionais da atenção à saúde, algo fundamental para que a gente cuide melhor das pessoas. Nesse momento, o profissional de saúde está sobre forte impacto pela situação da pandemia, pelo trabalho e o impacto psicológico muito forte. Este profissional tem que lidar com situações muito difíceis, muito dramáticas. Então, nossa atenção muito especial está voltada para todos os trabalhadores da Fiocruz e, nesse momento em especial, para aqueles que vão trabalhar na atenção.

Nós não queremos desmobilizar nossa instituição. Ao contrário, nós queremos dar condições de segurança para os trabalhadores e estudantes, dentro das regras que as autoridades sanitárias têm definido. Proteger o máximo nossos trabalhadores, mas ao mesmo tempo nos manter fazendo as coisas pela Fiocruz. Porque é isso também que vai nos permitir mais ânimo, não adoecermos, dar um sentido para esse período tão difícil de isolamento em que muitos estão em casa: estarmos ligados e conectados em uma das coisas mais importantes, que é esse nosso orgulho de ser Fiocruz e poder responder a uma emergência sanitária é tão grave. Uma crise que não impacta apenas aquele percentual que desenvolve a forma mais grave da doença, mas todo o sistema de saúde, uma vez que temos outros problemas de saúde impactando o nosso Sistema Único de Saúde [SUS], que é um sistema universal, no qual nós acreditamos, nós contribuímos para sua construção e que eu acho que, ainda que com suas fragilidades, é uma das forças que do Brasil neste momento.

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