RUBENS RICUPERO | CANAL LIVRE
Domingo, 24/09/2023
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
Domingo, 24/09/2023
O Itamaraty, ou pelo menos o atual governo brasileiro, parece acreditar que uma ampliação das instituições multilaterais, para maior participação de países em desenvolvimento, e uma reforma destas, incorporando essa maior diversidade de opiniões e uma multitudes de propostas, vindas dos mais diferentes setores e categorias de reivindicações, fará com que essas instituições, seu processo decisório, a qualidade das propostas passem a uma fase superior de funcionalidade e desempenho.
O mais provável é o contrário que ocorra, não obstante a justiça e a legitimidade da pretensão.
Paulo Roberto de Almeida
Ministério das Relações Exteriores
Assessoria Especial de Comunicação Social
Nota nº 403
22 de setembro de 2023
Intervenção do Ministro Mauro Vieira na Reunião Ministerial do G-77 - Nova York, 22 de setembro de 2023
Fellow Ministers,
It gives me great pleasure to take part in this forty-seventh annual meeting of Ministers of Foreign Affairs of the Group of 77 and China. Even more auspicious is the fact that I came to New York directly from Havana, where I was able to accompany President Lula in the G77 Summit.
Existing multilateral institutions, created over 75 years ago, reflect an international order that ceased to exist a long time ago. They are no longer capable of addressing the multifaceted challenges the world faces today.
This becomes evident when the United Nations and its Security Council prove to be unable to solve or prevent conflicts, when the international financial institutions are incapable to address the growing debt crisis in the developing world and when the WTO is incapable of guaranteeing a fair and non-discriminatory multilateral trading system and its dispute settlement system becomes totally dysfunctional. I could go on with other examples.
So, the need for reform is more urgent than ever, and it should start with United Nations Security Council. I want to reiterate once more that Brazil is firmly committed to a comprehensive reform, including the expansion of both permanent and non-permanent members in order to solve the serious lack of representation in that body.
It is also critical to reform the Multilateral Trading System. More than ever, we need a credible WTO reform that puts the challenges faced by developing countries and the promotion of sustainable development front and center, with a functioning, fair and effective dispute settlement system.
Developing countries also need to play a greater role in the decision-making and governance structures of International Financial Institutions. It is essential to reduce bureaucracy and conditionalities, increase concessional financing, promote true national ownership, and provide policy space for developing countries. At the midpoint of the 2030 Agenda, it is necessary to guarantee the adequate means of implementation for our shared goals.
It is crucial that developed countries meet their commitments on financing for development, such as allocating 0.7% of their GDPs to Official Development Assistance and achieving the initial US$ 100 billion annual target on climate financing. This is just a drop in the ocean of the investments necessary to fight climate change and fulfill the SDGs, which are in the scale of trillions and not billions.
Developed countries have been putting increased pressure to focus international financing almost exclusively on climate and environmental issues. Fighting climate change is of the utmost importance, but we cannot ignore other urgent issues such as fighting inequality, hunger and poverty. It is imperative to maintain a balanced approach to sustainable development in its economic, social and environmental dimensions.
“Green policies” must not be an excuse for protectionism and unfair competition, and the global South must not be relegated to the role of commodity exporters while lacking adequate access to the technological tools they need achieve the SDGs.
It is also critical to put an end to unilateral coercive measures and illegal and unfair sanctions, which negatively affect developing countries preventing them from reaping the benefits of international trade and investments. These types of measures are legally and morally unjustifiable. They harm the poorest and the most vulnerable peoples and must be thoroughly condemned.
Dear Ministers,
During Brazil´s presidency of the G20, we will put the concerns, interests and needs of the developing countries at the heart of our agenda. We will build upon the hard work of the Indonesian and Indian presidencies and strive towards the reform of the international financial system and the creation of a new international economic order.
Moreover, we will emphasize the importance of social inclusion. President Lula has proposed a global partnership for food security, with the aim of ending hunger and reducing inequalities, with full climate responsibility. In his words, ending hunger is a “civilizational challenge for the entire planet”, one which we can only overcome with collective political will and the reinforcement of multilateralism.
Thank you.
[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/intervencao-do-ministro-mauro-vieira-na-reuniao-ministerial-do-g-77-nova-york-22-de-setembro-de-2023]
Lula pode ser um gênio na política, mas é um ignorante crasso na economia, como aliás era o caso de Lênin. Seus assessores em discursos são iguais ou piores do que ele. Uma pena! (PRA)
CIÊNCIA POLÍTICA, ECONOMIA, POLÍTICA


No discurso que Lula leu na ONU está escrito: “O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”.
Há vários problemas nessa narrativa. Começa pelo fato de que nem Lula, nem os assessores que escreveram o discurso, nem todos que aplaudiram a ficção e mesmo alguns que a criticaram são capazes de definir o que significa “neoliberalismo”. O termo virou apenas um espantalho e um palavrão. Entre os que criticaram o trecho há quem veja o neoliberalismo como uma leitura economicista do liberalismo, o que está errado também.
Insisto nesse ponto porque sendo a premissa falsa, as conclusões condicionadas a ela são igualmente falsas.
Prestemos atenção às Socialdemocracias nórdicas, por exemplo. São as principais, as mais bem sucedidas e mais invejadas democracias liberais do mundo. E o são porque passaram por amplas reformas neoliberais nas décadas de 1980 e 1990 e, com isso, conseguiram oferecer à população um modelo sustentável de Estado de Bem-Estar social. Antes das reformas, estavam implodindo.
Sim, é isso mesmo. Todo o processo pode ser visto em detalhes no longo e bem fundamentado estudo de Lars Mjøset, Pesquisador e diretor de pesquisa do The Institute for Social Research de Oslo (1987-1995), diretor da Escola de Estudos de Ciências Sociais da Universidade de Oslo, desde 1995 e professor do Departamento de Sociologia e Geografia Humana da Universidade de Oslo (onde podemos observar também as muitas semelhanças com o que experimentamos no Brasil do Plano Real até o final do primeiro governo Lula).
Por que então pouca gente fala sobre isso? Em parte, por ignorância e, em parte, por oportunismo. O primeiro motivo é autoexplicativo. O segundo se deve ao fato da esquerda ser mais hábil no controle da narrativa e de ser mais fácil prometer o paraíso na terra e culpar adversários ideológicos por jamais conseguir entregar o resultado prometido.
Um exemplo lapidar dessa questão pode ser observado no livro “Neoliberalismo – História e Implicações”, a incensada e equivocada bíblia da esquerda, escrita por David Harvey. Ele até reconhece que diversas Socialdemocracias passaram por reformas neoliberais, mas comete um erro metodológico semelhante ao que comete todo seu grupo ideológico, não sei se pelo primeiro ou pelo segundo motivo acima: sua obra jamais analisa as verdadeiras culpadas pela crise, ou seja, as escolhas econômicas e políticas anteriores, que geraram um perigoso desequilíbrio fiscal e levou aqueles governos ao quase colapso. Foram estas escolhas que terminaram por demandar reformas neoliberais.
O livro também destaca ou reconhece os sólidos resultados positivos resultantes de tais reformas. Seu foco é exclusivamente o momento dos ajustes, dos cortes. Se ampliar o foco para o antes e o depois, suas teses se desmancham no ar imediatamente.
É importante lembrar (ou informar) que o neoliberalismo não defende de forma alguma a ausência do estado, mas sim seu foco em atividades fins que beneficiem diretamente o conjunto da população, como segurança pública, saúde, educação, infraestrutura, politicas de transferência de renda etc. E defende que isso tem que ser feito através do equilíbrio fiscal para que seja sustentável.
Esclarecido esse ponto, fica claro que Lula está errado quando diz que “O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias.” Não existe esta relação causal. Ela é falsa. Aliás, como bem lembra Marcos Lisboa, a análise de casos concretos em todo o mundo mostra que a redução da desigualdade depende mais da qualidade do que da quantidade do gasto público. É a forma como o governo gasta o dinheiro dos impostos que tem o poder (ou não) de reduzir a desigualdade. Além disso, é importante ter em mente que a redução das desigualdades, com preservação das liberdades individuais, só ocorre em democracias liberais. Ou seja, a redução da desigualdade precisa preservar as liberdades individuais e a própria democracia. Qualquer outro caminho é arbitrário, autocrático.
Pois bem, em seu discurso, Lula cita uma única vez a palavra Liberdade, ao dizer que “É fundamental preservar a liberdade de imprensa”, (o que certamenteprovoca um riso irônico em vários de seus amigos tiranos) mas repete 14 vezes ao todo a palavra Desigualdade, numa espécie de mantra, de oração por um mundo melhor. Mas qual caminho propõe para isso?
Conhecendo a relação preferencial de Lula com tiranias em todo o mundo, acredito importante lembrar um postulado do grande economista e intelectual Milton Friedman, prêmio Nobel em 1976:
“Uma sociedade que coloque a igualdade – no sentido de igualdade de renda – acima da liberdade terminará sem qualquer uma das duas: igualdade ou liberdade. O uso da força para alcançar a igualdade irá destruir a liberdade, e a força, introduzida inicialmente para bons propósitos, acabará nas mãos de pessoas que a usarão para promover seus próprios interesses.”
Analisando a movimentação de Lula e do PT ao longo de sua história, as tentativas de corrosão da democracia saltam aos olhos. E estão inda mais salientes nesse ano de 2023. Não vou repetir aqui cada uma delas. Estão reunidas em artigos que indico abaixo.
Lula e o PT perderam qualquer freio moral. Os juízes amigos no STF os convenceram que são inimputáveis, que estão acima das leis. Estão visivelmente deslumbrados – e isso é sempre perigoso.
Fique atento.
SUGESTÕES DE ARTIGOS COMPLEMENTARES
Basta clicar no título desejado para ler.
Sobre economia e neoliberalismo:
AS SEMELHANÇAS DO PLANO REAL COM OS AJUSTES DAS SOCIALDEMOCRACIAS NÓRDICAS.
***
Uma constatação muito simples
Paulo Roberto de Almeida
Mais da metade, talvez a totalidade dos que apoiam as ideias socialistas dos petistas e dos esquerdistas NUNCA conheceu ou sequer visitou um país verdadeiramente socialista.
Além da miséria material, que é uma penúria constante, o essencial mesmo é a profunda miséria MORAL do Estado policial.
Conheci quase todos eles e posso descrever exatamente o cotidiano das pessoas normais, não a vida dos apparatchiks do partido, que era, ou é, um universo à parte. O povo cubano, ainda submetido, como os norte-coreanos, a um regime desse tipo, pode contar uma realidade que os petistas insistem em desconhecer.
Putin não é um bolchevique; é apenas um tirano e criminoso de guerra. Mas ele é o mais próximo que temos atualmente de um Hitler e de um Stalin combinados.
Lula e os petistas insistem em desconhecer a MISÉRIA MORAL que Putin representa para o mundo atualmente, a começar pelos próprios russos e pelos ucranianos.
Se Lula é apenas um ignorante e um desinformado talvez mereça alguma condescendência; se o faz convencido de que apoiar Putin é o melhor para o Brasil, então é um caso de doença mental.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/09/2023
Ukrainian story
Iuliia Mendel
@iuliiamendel
My great-grandfather was a very rich man. He owned a lot of land and, most importantly, a windmill, which was crucial for flour production.
When the Communists fought for power, he convinced people to accept this new politics, so that Ukraine would be part of the USSR and not part of the Russian Empire. He considered this his contribution to the collapse of the Russian Empire.
Years later, the Bolsheviks confiscated his land and property and declared him an enemy of the people, the worst accusation one could expect at the time. He, a father of four, was sent to concentration camp.
I don't know how long he stayed there, but he survived and came back broken. He returned to see that his eldest daughter Zina had been taken by the Nazis to Berlin to work. My grandmother, her sister, has been looking for Zina all her life. She asked me to find out something about her. But I didn't have that opportunity. I don't know if Zina made it to Berlin, if she is alive, and if she died, then how.
His youngest son Lev froze to death after the Nazis took away his sheets in the winter and he was left lying on the metal.
My grandfather taught me German when I was a child, which boiled down to two phrases:
Hände hoch und gute Nacht.
Even after that, my grandmother kept saying all her life that the Russians were worse than the Germans.
Controversial statement, but understandable. She recalled with horror the artificial famine organized by Stalin in Ukraine in the early 1930s. People ate dogs, even their own children, or simply died of starvation in the streets.
She was 5. Her name was Lyubov, which means Love. And she had a friend of the same age and with the same name. Perhaps this is how girls were named in the hope of a different life.
Because of the severe famine, people sent small children to steal ears of grain at night so that they would not be noticed. That's how many people in their village survived. One night, a rumor spread through the village that there was a Chekist raid, so it was dangerous to go to the field. My great-grandmother did not let my grandmother go that night. And her friend was sent to the field, apparently they had no food at all. There was shooting at night. The girl was brought home wounded in the morning. My grandmother never saw her friend named Love again.
When my mother wanted to go to university, she was rejected. Because she was the granddaughter of an enemy of the people. She sat down on the stairs at the entrance to the university and sat there as a protest against this attitude. One professor asked her why she was sitting there. She replied that she would sit on the stairs until she was allowed to study.
Then my grandmother received a call from the KGB. My grandmother was shaking when she was telling me this story. And she had to go to the city to meet the KGB. She was afraid for herself and even more so for her rebellious daughter.
But it was 1980s, and the KGB knew that the USSR would soon collapse. They had a serious conversation with my grandmother and told her that new times were coming, and gave my mother permission to study.
That's how my mother became a doctor. At the university, she met my father, who was from the same village, but they hadn't crossed paths before they met at the university.
I was born when my mother was in her last year of studies. So she took me to my grandmother's house, where I grew up for the first years of my life. My parents were unable to register me in Zaporizhzhia, where I was born and where they studied. Therefore, I was registered in the city of Henichesk, Kherson region, where my parents stopped to show me to my father's relatives.
I was not born and have never lived in Henichesk, but that's what my passport and Wikipedia say. When I became the press secretary of the President, every newspaper in Henichesk proudly wrote about me. Although none of these people had ever seen me.
My grandmother used to say that there is nothing worse than war. I am glad that she does not see what Ukraine is going through now.
There was so much pain in my family, so many transgenerational traumas that they are still a burden.
I have a large tattoo of ears of wheat on a Ukrainian embroidery on my back. Bread has always been important to my family. And I understand why my grandmother disliked the Russians so much.
But Ukrainians have always fought. And we deserve to finally start building a future where meritocracy and equality will prevail, where there will be opportunities and security. Building a career in my country is much more difficult than in Western countries. But so many windows have been opened, so many connections made and so much sacrificed. Ukraine has to become a country of success, and democracy has to win. I #StandForUkraine to keep the memory of my family alive, to correct their mistakes, to heal their suffering, and to create the future.
This is my Granny and me 6 months old in our house that you see now on the second photo. R.I.P.
Bolsonaro quis dar o golpe, está provado. Só conseguiu o apoio do camandante da Marinha. Matéria do Valor Econômico:
“NA REUNIÃO EM QUE GARNIER ADERIU AO GOLPE, COMANDANTE DO EXÉRCITO AMEAÇOU PRENDER BOLSONARO
A delação do tenente-coronel Mauro Cid jogou luz sobre o personagem que melhor ilustra a cooptação promovida pelo EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO nas Forças Armadas. Quando foi alçado ao comando da Marinha, o almirante ALMIR GARNIER nunca havia comandado nenhuma das duas esquadras da Marinha, a do Rio e a da Bahia. Já havia passado pelo comando do Segundo Distrito Naval, que fica em Salvador, mas pelas esquadras, cujo comando sempre foi uma pré-condição informal, não.
Foi assim, já devedor do presidente da República, que ele assumiu o posto. Jair Bolsonaro bancara sua indicação a despeito de ele não integrar o topo da lista. Para demonstrar lealdade, em 2021 protagonizou um exercício extemporâneo dos fuzileiros navais em Formosa, Goiás. E, finalmente, em 2022, virou conselheiro de Bolsonaro. O ex-presidente ligava pra ele em toda encruzilhada em que se via no governo. Garnier havia chegado onde jamais imaginara.
Por isso, quando o ex-presidente, naquela noite de 24 de novembro, em reunião com o comando das três Forças no Palácio do Alvorada, perguntou se os comandantes estariam fechados com ele na contestação ao resultado, Garnier foi o único a responder de bate pronto que sim.
O brigadeiro CARLOS BATISTA, da Aeronáutica, ficou calado, e quem enfrentou o presidente foi o comandante do Exército, general FREIRE GOMES. Ele não apenas disse a Bolsonaro que o Exército não compactuava com um golpe como afirmou à queima-roupa: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”.
Não é exatamente porque setores das Forças Armadas não tenham querido dar o golpe, é porque não havia condições fazê-lo. Freire Gomes sabia que os comandantes do Sul (Fernando Soares), do Sudeste (Thomaz Paiva), do Leste (André Novaes) e do Nordeste (Richard Nunes) não apoiariam. Além disso, os americanos — civis e militares — já haviam dado fartas demonstrações de que não apoiariam. Seis comitivas desembarcaram no Brasil ao longo de 2022 com esta missão.
Um amigo que esteve com Garnier um mês depois desta reunião, numa sala da Marinha, já o encontrou à paisana, com a barba por fazer, indisposto a participar da cerimônia de transmissão do cargo.
“Será melhor para a Marinha, para o novo comandante e para você”, disse, sem sucesso, ao almirante. Este amigo fez chegar a informação ao ministro JOSÉ MÚCIO, já escolhido pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, para a Defesa.
Múcio tentou convencer Garnier a transmitir o cargo e tampouco teve sucesso. Os dois se encontrariam durante um almoço na casa do novo comandante da Marinha, MARCOS OLSEN, já sob o novo governo.
* Delação gerou apreensão nas Forças Armadas, mas declaração de Múcio serenou ânimos
* Marinha diz não ter tido acesso à delação
A partir daí Garnier começou a ter uns problemas de saúde e a pedir a amigos que lhe sugerissem um advogado. O almirante, de fato, vai precisar de um. Porque se esta delação do coronel Cid for confirmada, estaria sujeito a pelo menos dois crimes, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. E a Justiça Militar? No limite, pode lhe tirar a patente. Ainda que venha a perder a titularidade do soldo de almirante da reserva, o recurso passaria a ser depositado na conta de sua esposa.
O coronel Cid, em sua delação, aparentemente escolheu virar seus holofotes para Garnier, mas há um outro almirante quatro estrelas,que tinha sala no Palácio do Planalto, como assessor direto dopresidente, o almirante Flavio Rocha, que era titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Com o fim do governo Bolsonaro, foi reincorporado ao Alto Comando da Marinha. Procurado, não atendeu à chamada do VALOR.
EM VISITA A KIEV
Thomas Friedman
The New York Times,18/09/2023
Em visita a Kiev, semana passada, na minha primeira viagem à Ucrânia desde a invasão de Vladimir Putin, em fevereiro de 2022, eu tentei fazer meus exercícios de todas as manhãs caminhando nos arredores do Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas. Sua serenidade, porém, tem sido perturbada pela exibição destoante de blindados de transporte de tropas e tanques russos destruídos. Durante minhas caminhadas, eu meti a cabeça e olhei dentro desses cascos arrebentados por foguetes imaginando a morte terrível que os soldados russos que operavam os veículos tiveram.
Mas o choque dessa massa retorcida de aço enferrujando ao redor desse grandioso e esbranquiçado edifício evocou-me uma imagem diferente à mente: de um meteoro.
Parecia que um meteoro gigante tinha caído do céu, desfazendo a vida com a conhecíamos — quase oito décadas sem uma guerra entre “grandes potências” na Europa, um continente no qual séculos de invasões e conquistas cederam caminho para segurança e prosperidade. Agora esses escombros feiosos estão entre nós, fumegando — e nós, tanto na Ucrânia quanto na comunidade internacional, estamos com dificuldades para encontrar uma maneira de lidar com isso.
Quase todos os ucranianos com que conversei em Kiev estão ao mesmo tempo exaustos com a guerra e apaixonadamente determinados a recuperar cada centímetro de território ocupado pela Rússia — mas ninguém tem respostas claras a respeito do caminho adiante nem sobre as dolorosas contrapartidas à espera, apenas certeza de que a derrota significaria o fim do sonho democrático da Ucrânia e o fim da era pós-2.ª Guerra que produziu uma Europa mais integrada e livre do que jamais havia ocorrido em sua história.
O que Putin está fazendo na Ucrânia não é apenas irresponsável, não é apenas uma guerra de escolha, não é apenas uma invasão que se distingue pelo exagero, desonestidade, imoralidade e incompetência que lhe é peculiar, tudo isso envolto num emaranhado de mentiras. O que Putin está fazendo é perverso. Ele vomitou uma variedade de justificativas — um dia estava removendo um regime nazista no poder em Kiev, depois impedindo uma expansão da Otan e então repelindo uma invasão cultural do Ocidente — para o que foi, em última instância, um devaneio pessoal que requer neste momento que seu Exército de superpotência peça ajuda à Coreia do Norte. É como se o maior banco da cidade fosse pedir empréstimo em uma casa de penhores local. Eis no que deu aquela virilidade descamisada de Putin.
O que é tão perverso — além da morte, da dor, do trauma e da destruição que ele infligiu sobre tantos ucranianos — é que num momento em que mudanças climáticas, fome, crises sanitárias e tantas outras aflições acometem o Planeta Terra, a última coisa que a humanidade precisava era destinar tanta atenção, tanta energia colaborativa, tanto dinheiro e tantas vidas para responder à guerra de Putin com intenção de transformar a Ucrânia novamente uma colônia russa.
Ultimamente Putin nem sequer tem se incomodado em justificar a guerra — talvez por até ele mesmo estar constrangido demais para pronunciar em voz alta o niilismo que suas ações transparecem: já que eu não consigo possuir a Ucrânia, farei o que puder para que ninguém mais possa tê-la.
“Não se trata de uma guerra em que o agressor tem alguma visão, algum projeto para o futuro. Em vez disso, ao contrário, para eles tudo é obscuro, sem forma, e a única coisa que importa é a força”, notou o historiador Timothy Snyder, de Yale, em um painel do qual participamos em uma conferência em Kiev, no fim de semana passado.
Estar na cidade foi esclarecedor para mim em três aspectos. Eu entendi ainda melhor o quão doentia e perturbadora esta invasão russa é. Entendi ainda melhor como será difícil — talvez até impossível — para os ucranianos expulsarem o Exército de Putin de cada centímetro de seu território. Acima de tudo, talvez, eu entendi ainda melhor algo que o ex-conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos Zbigniew Brzezinski observou quase 30 anos atrás: “Sem a Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império; mas com a Ucrânia cooptada e então subordinada, a Rússia torna-se automaticamente um império”.
O comandante da unidade de assalto da 3ª Brigada de Assalto, que atende pelo nome de "Fedia", passa por corpos de soldados russos mortos na linha de frente a caminho de Andriivka, região de Donetsk, Ucrânia
O comandante da unidade de assalto da 3ª Brigada de Assalto, que atende pelo nome de "Fedia", passa por corpos de soldados russos mortos na linha de frente a caminho de Andriivka, região de Donetsk, Ucrânia Foto: Alex Babenko / AP
Estados Unidos
A maioria dos americanos não sabe muita coisa a respeito da Ucrânia, mas eu afirmo o seguinte sem nenhuma hipérbole: a Ucrânia é um país decisivo para o Ocidente dependendo do desfecho desta guerra, para o bem ou para o mal. A integração da Ucrânia à União Europeia e à Otan algum dia constituirá uma mudança de equilíbrio de poder que poderá se equiparar à queda do Muro de Berlim e à unificação da Alemanha. A Ucrânia é um país com capital humano, recursos agrícolas e recursos naturais impressionantes — “mãos, cérebros e grãos”, conforme costumam dizer investidores ocidentais em Kiev. Sua integração plena à segurança democrática da Europa e sua arquitetura econômica seria sentida em Moscou e Pequim.
Putin sabe disso. Sua guerra, na minha visão, nunca foi primeiramente sobre combater a expansão da Otan, sempre foi muito mais sobre impedir a Ucrânia eslava de aderir à União Europeia e se tornar um exemplo bem-sucedido de contraposição à eslava e criminosa autocracia de Putin. A expansão da Otan é amiga de Putin — permite-lhe justificar uma militarização da sociedade russa e apresentar a si mesmo como guardião indispensável da força russa. A expansão da UE para a Ucrânia é uma ameaça mortal — expõe o putinismo como fonte da fraqueza russa. E todos os ucranianos com que conversei, unanimemente, parecem entender que seu povo e a Europa estão unidos em um momento histórico contra o putinismo — um momento, contudo, que não pode ser fortuito sem a firmeza dos EUA. Por este motivo, as perguntas mais frequentes — e afitas — que ouvi durante minha visita foram variações de, “Você acha que Trump, o amigo de Putin, pode virar presidente outra vez?”.
Basta olhar nos olhos dos soldados ucranianos que voltam do front ou conversar com pais e mães nas ruas de Kiev para despir-se de qualquer ilusão a respeito do equilíbrio moral desta guerra. Eu estive somente três dias na Ucrânia — muito menos que meus colegas do Times e outros correspondentes de guerra que têm narrado testemunhos marcantes dos combates e sofrimentos. Mas minhas interações relativamente breves fizeram ressuscitar em mim as imagens que nós vemos de cidades e vilarejos arruinados por bombas no leste da Ucrânia e as constatações horripilantes sobre as quais lemos das Nações Unidas documentando casos em que crianças foram “estupradas, torturadas e confinadas ilegalmente” pelos invasores russos.
Trata-se do caso mais óbvio do certo contra o errado, do bem contra o mal em relações internacionais desde o fim da 2.ª Guerra.
Quanto mais nos aproximamos do atual conflito, porém, e pensamos sobre como resolvê-lo, aquele balancete preto e branco, nu e cru de equilíbrio moral não oferece nenhum mapa do caminho suave para alguma solução.
O que define um desfecho justo é claro como o dia. É uma Ucrânia inteira e livre — com reparações pagas pela Rússia. Mas não é completamente claro quanto dessa justiça é alcançável — e a que preço — ou se algum acordo sujo será a opção menos pior. E se assim suceder, que tipo de acordo, quão sujo, quando e garantido por quem?
Em outras palavras, no instante que abandonarmos o ordenamento jurídico nesta guerra — e entrarmos no campo da realpolitik diplomática — todo o quadro deixa de ser preto ou branco e se funde em diferentes tons de cinza. Porque o criminoso ainda é poderoso e tem amigos — e, portanto, voz. A Ucrânia também tem bastante amigos comprometidos a ajudar sua luta por quanto tempo ela quiser — até o “tempo que ela quiser” se tornar longo demais em Washington e outras capitais ocidentais.
É muito difícil impedir um líder desavergonhado e sem consciência. Na terça-feira, Putin afirmou que as 91 acusações criminais registradas contra Donald Trump em quatro jurisdições diferentes dos EUA representam a “perseguição de um rival político por motivos políticos” e evidenciam “a podridão do sistema político americano, que não pode ter a pretensão de ensinar democracia para os outros”. O salão desatou em aplausos para um líder reconhecido por colocar veneno na cueca de um opositor, explodir um avião com um rival dentro e “ensinar democracia” a dissidentes presos em campos de trabalho na Sibéria.
A falta de vergonha é de tirar o fôlego. E ainda que sua súplica à Coreia do Norte por ajuda militar seja patética, o fato dele estar disposto a pedir enfatiza que ele tem intenção de continuar sua guerra até conseguir um pedaço da Ucrânia que possa ostentar como um sucesso que lhe guarde as aparências."
Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...