segunda-feira, 22 de abril de 2024

O que os superricos podem comprar: em Dubai, por exemplo - eles dão emprego a muita gente e distribuem riqueza aos montes

 Leiam primeiro a matéria, depois eu comento ao final (PRA):

Há uma boa razão pela qual essas coisas incrivelmente extravagantes só podem ser encontradas em Dubai

John Travis
Traveler, 2023

Nas últimas décadas, a cidade de Dubai cresceu e se tornou um dos lugares mais exclusivos do planeta. As pessoas que a chamam de lar são conhecidas por possuírem os bens mais opulentos que o mundo tem a oferecer, e parece que todos os itens imagináveis estão disponíveis para compra em Dubai. Não tem quase nada que os locais não possam pagar! Para as coisas mais caras que só podem ser encontradas em Dubai, continue lendo!

STF: Como Chegamos Até Aqui? - Livro de Duda Teixeira, resenha por Diogo Schelp (Estadão)

 Análise

Novo livro sobre o STF expõe riscos do poder crescente e caráter elitista da Corte

STF: Como Chegamos Até Aqui?, de Duda Teixeira, conta a história de como o tribunal passou a ocupar espaço político no País; leia análise do livro feita pelo colunista do Estadão 

 

Por Diogo Schelp 

O Estado de S. Paulo, 22/04/2024 


Um estrangeiro desavisado que chegar ao Brasil hoje e se dispuser a observar o debate público ficará surpreso ao perceber que a figura mais falada da arena política — e a mais temida — é um juiz da corte máxima do País. Pensará, também, que a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) é um problema apenas para quem adora espalhar fake news nas redes sociais, torceu para que as Forças Armadas dessem um golpe entre novembro de 2022 e janeiro de 2023 ou se atiraria de um precipício caso o ex-presidente Jair Bolsonaro ordenasse.

Ao se fiar apenas no retrato do momento, as percepções desse estrangeiro estariam completamente equivocadas. As polêmicas que envolvem o STF e especificamente o ministro Alexandre de Moraes não afetam apenas a direita bolsonarista e nem vão se encerrar quando o bilionário Elon Musk resolver procurar outros alvos para suas postagens.

O pior é que uma boa parcela dos brasileiros sofre do mesmo equívoco do tal estrangeiro fictício, presa que está no retrato do momento da disputa entre parlamentares de oposição e STF ou dos xingamentos de bolsonaristas a ministros da corte nas redes sociais. É preciso olhar para o passado recente e entender como chegamos até aqui. Ao fazê-lo, descobrimos que o poder individual e coletivo dos onze integrantes do STF cresce gradualmente há anos, em perfeita desarmonia com o Legislativo e o Executivo, e que isso, a depender das circunstâncias, afeta todo o espectro político — além de contribuir para perpetuar um dos aspectos da desigualdade social no País, o do acesso à Justiça.

Eis o que demonstra, com muito didatismo, o livro STF: Como Chegamos Até Aqui? (Avis Rara; 128 páginas; R$ 39,90), do jornalista Duda Teixeira, que chega esta semana às livrarias. Não se trata de uma obra com histórias de bastidores da nossa Corte Suprema, mas de um livro-reportagem que recorre a documentos históricos e a entrevistas com juízes, desembargadores, advogados e acadêmicos, entre historiadores e antropólogos, para entender o que levou à hipertrofia do tribunal constitucional, como isso impacta na política e na vida nacional e o que ainda pode ser feito a respeito.

O STF nasceu em 1890, inspirado na Suprema Corte americana, para guardar e aplicar a Constituição, intervindo apenas “em espécie e por provocação de parte”. Ou seja, nada dessa história de abrir investigações, iniciar processos, proibir a circulação de informações ou mandar prender gente por conta própria como vemos atualmente. No que se refere às regras para que os Três Poderes pudessem impor freios uns aos outros de forma equilibrada, as coisas por aqui não saíram tão bem quanto nos Estados Unidos. No período em que os americanos tiveram uma constituição, os brasileiros tiveram sete.

Ao longo da história da nossa República, o STF teve momentos melhores e outros piores, como durante a última ditadura, quando a composição do tribunal foi alterado ao gosto dos militares por meio da mudança no número de ministros e da cassação de alguns integrantes. Mas foi a Constituição de 1988 que lançou as sementes para que a corte fosse adquirindo um protagonismo e um poder crescentes ao longo das décadas seguintes. Para começar, “a Carta ampliou a quantidade de instituições que podem perguntar ao STF se uma lei é ou não constitucional”, escreve Teixeira. Antes, só a Procuradoria-Geral da República podia fazer isso. Atualmente, qualquer partido nanico consegue inundar o STF com questionamentos, como de fato acontece.

Além disso, há centenas de políticos e autoridades que só podem ser julgados pelo STF quando acusados de algum crime — é o famoso foro privilegiado. Os ministros do STF também precisam decidir sobre pedidos de habeas corpus e representam a quarta (!) e última instância judicial do País, caso haja alguma questão constitucional envolvida em processos que chegam de todo o Judiciário.

Pouco a pouco, a corte foi adquirindo a tradição de assumir papeis que cabem ao Legislativo e ao Executivo sob a desculpa de decidir a constitucionalidade de leis e políticas públicas. Isso começou a ocorrer com mais frequência já no governo de Fernando Henrique Cardoso, ganhou força nos primeiros mandatos de Lula e saiu do controle a partir da gestão de Jair Bolsonaro, que por não conseguir lidar com o Congresso deixava que tudo fosse judicializado.

O livro é rico em exemplos dos avanços do STF sobre atribuições do governo ou do Parlamento. Analisados em conjunto e em uma perspectiva cronológica, permitem compreender como a corte ganhou musculatura. Tem para todos os gostos. Há, por exemplo, o julgamento sobre pesquisas com células-tronco, em 2008, em que o STF passou por cima de uma lei discutida e aprovada no Parlamento, enquanto um dos ministros tentou tipificar um novo crime em cima de suas próprias suposições morais e filosóficas e outro aproveitou a oportunidade para expandir as situações em que o aborto é permitido. Mais recentemente, há a discussão atual em torno da Lei Antidrogas, com os integrantes da corte se dispondo a definir detalhes como a quantidade de maconha que separa um usuário de um traficante.

Decisões contraditórias da corte, às vezes com intervalos curtos de tempo e com idas e vindas de um mesmo ministro, são citadas em bom número no livro. Assim, o STF muda o entendimento sobre como deve ser um processo de impeachment de um presidente (Fernando Collor e Dilma Rousseff não tiveram o mesmo tratamento), da mesma forma que é capaz de aplicar com maior ou menor liberalidade uma mesma regra constitucional, a de que parlamentares só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, a depender das circunstâncias políticas.

Teixeira argumenta que, pela Constituição, o senador petista Delcídio Amaral não poderia ter sido preso em 2015, nem o deputado bolsonarista Daniel Silveira, em 2021. Em ambos os casos, ministros do STF fizeram um contorcionismo interpretativo para considerar que os crimes eram permanentes, permitindo a prisão “em flagrante” dos políticos.

Em outro exemplo, um entendimento da Corte que serviu para afastar do cargo o deputado Eduardo Cunha, em 2016, não valeu depois para os senadores Renan Calheiros e Aécio Neves. E praticamente a mesma composição do STF, com um intervalo de poucos anos, suspendeu a nomeação de Lula como ministro de Dilma, de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho de Michel Temer e de Alexandre Ramagem como diretor da Polícia Federal sob Bolsonaro, em três episódios de interferência indevida e injustificável em prerrogativas do presidente da República.

Fica claro no livro que os ministros do STF se permitem tomar decisões disparatadas como essas — julgando não com base no Direito, mas em interesses pessoais ou políticos — por uma variedade de razões. Entre elas está o fato de que a Corte cria as próprias regras sobre como proceder em determinadas situações. Em 2023, por exemplo, o tribunal anulou trecho do Código de Processo Civil que impedia juízes de atuar em casos a cargo de bancas de advocacia de parentes (os escritórios das esposas de quatro ministros têm processos na Corte, alguns envolvendo disputas bilionárias).

A outra é que, por não haver nenhuma instância acima do STF, seus integrantes dão de ombros para regras da magistratura, para prazos e para procedimentos sem precisar temer qualquer sanção. É o que permite que eles abram processos de ofício e distribuam para o relator que quiserem, sem obedecer à norma do sorteio, como fez o ministro Dias Toffoli com o inquérito das fake news, também chamado de inquérito do fim do mundo.

Também se sobressaem o fator vaidade e a questão do vínculos políticos. No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, muitos ministros do STF falam fora dos autos em entrevistas, palestras e aulas e apreciam os holofotes dos julgamentos televisionados. Ao mesmo tempo, não se privam da companhia de figuras influentes da política nacional ou de empresários em festas ou viagens particulares — mesmo que essas pessoas enfrentem processos no próprio STF.

O autor aborda também o acesso privilegiado de certos advogados a ministros do Supremo, prática conhecida jocosamente como “embargos auriculares”. Ou seja, a imparcialidade dos integrantes da nossa mais alta Corte é colocada em dúvida, com boas razões, com frequência. E eles não parecem se incomodar muito com isso. Desde que, claro, ninguém diga nada.

Críticas diretas a ministros do STF são muito mal recebidas. Alguns deles tratam de processar os autores das opiniões negativas na primeira instância da Justiça, contando com a alta probabilidade de que os juízes pensarão duas vezes antes de tomar uma decisão que vá contra aquele que está no topo da magistratura.

Outros partem para algo mais rápido e efetivo: a censura. Foi uma reportagem sobre Dias Toffoli na revista Crusoé, da qual Teixeira é editor, o que motivou, no início, o interminável inquérito das fake news. E foram críticas diretas a Alexandre de Moraes que o levaram, em alguns dos casos que agora vêm à tona com mais detalhes, a ordenar a suspensão de perfis ou conteúdos das redes sociais.

Essa postura dos ministros do STF, que deveriam entender que receber críticas faz parte da descrição do cargo, é comparada por Teixeira ao crime contra a “pessoa do rei ou seu Estado real”, previsto nas Ordenações Filipinas, conjunto de leis da coroa portuguesa que vigorou entre os séculos XVII e XIX. Dizia seu livro quinto, título VI, que o “lesa-majestade (...) é um crime tão grave e abominável, que os antigos sabedores o estranharam e o comparavam à lepra”.

A Suprema Corte brasileira que emerge do livro STF — Como chegamos até aqui é implacável com os pobres, como mostram exemplos de penas duras que foram mantidas para ladrões de galinhas, de bermudas ou de macacos automotivos, e garantista com poderosos, a ponto, escreve o autor, de reverter entendimento anterior sobre a possibilidade de prisão em segunda instância para favorecer Lula, em 2019, “fulanizando” a jurisprudência. Compreender e reconhecer seus excessos interessa a todos os brasileiros, independente de posicionamento político. E, apesar dos ecos das Ordenações Filipinas, criticar abertamente sua atuação ainda é a melhor forma de pressionar seus integrantes a conter o próprio poder.

Análise por Diogo Schelp 

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

 

 

As ideias da esquerda sempre foram velhas: os militantes não mudaram de ideias, mesmo envelhecendo - Frei Betto

 Frei Betto se engana: as ideias não envelheceram com o tempo: elas sempre foram velhas, mas os jovens militantes não se deram conta disso. Então, eles foram envelhecendo e as mesmas ideias velhas, foram ficando caquéticas e eles nem percebersm. Agora, se descobrem velhos entre outros velhos, pois os jovens estão em outra… (PRA)


CABELOS BRANCOS

Frei Betto

      Participei em Belo Horizonte, no início de abril, do 12º encontro nacional do Movimento Fé e Politica. Quase duas mil pessoas. Ao contrário dos encontros anteriores à pandemia, poucos jovens. A maioria de cabelos brancos ou tingidos. 

      Minha geração envelhece. Chego este ano aos 80. Nossas ideias, propostas e utopias, também envelhecem?

      É muito preocupante constatar que as forças progressistas não logram renovar seus quadros. Para vice de Boulos, na disputa pela prefeitura de São Paulo, em outubro próximo, o PT precisou importar uma mulher filiada a outro partido: Marta Suplicy, que fará 80 anos em março de 2025.

      No Rio, o PT parece não ter quem indicar para possível vice na chapa do prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição. Tende a importar  Anielle Franco, do PSOL. 

      Tenho proferido conferências pelo Brasil afora e assessorado movimentos populares. Os cabelos brancos predominam na plateia. As poucas manifestações públicas convocadas pela esquerda reúnem número inexpressivo de pessoas e, em geral, a turma dos cabelos brancos.

      Nós, da esquerda, estamos acuados. Como diz a canção de Belchior, “minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos (...) como os nossos pais”. “Nossos ídolos ainda são os mesmos”. E não vemos que “o novo sempre vem”. 

      A queda do Muro de Berlim abalou as nossas esperanças em um mundo onde todos teriam a sua existência dignamente assegurada. E o capitalismo, gato de sete fôlegos, inovou-se pelos avanços da ciência e da tecnologia e, sobretudo, do neoliberalismo. 

      Primeiro, a privatização do patrimônio público; em seguida, das instituições sociais, reduzidas a duas por Margaret Tchatcher: o Estado e a família. E, por fim, o cidadão foi despido de seu manto aristotélico e condenado a ser mero consumista, inclusive de si mesmo ao passar horas a se mirar no espelho narcísico das redes digitais. 

      Há uma progressiva despolitização da sociedade. A direita é como uma maré que sobe e ameaça afogar o que nos resta de democracia liberal. Basta dizer que um dos três programas de maior audiência da TV Globo e, portanto, de faturamento, é o BBB, que bem espelha os tempos em que vivemos: ali são explícitas as regras do sistema capitalista. O único objetivo é competir. Todos sabem que, ao final, apenas uma pessoa haverá de amealhar o pote de ouro. E a missão dos concorrentes é cada um fazer tudo para que seus pares sejam eliminados. É o que milhões de adolescentes aprendem ao perder horas assistindo àquele simulacro de “O anjo exterminador”, de Buñuel.

      Na esquerda “ainda somos os mesmos”. Não semeamos a safra de novos militantes com medo de que eles se destacassem e ocupassem as nossas instâncias de poder. Abandonamos as favelas, as zonas rurais de pobreza, os movimentos de bairros. E não aprendemos a atuar nas trincheiras digitais, monopolizadas pela direita como armas virtuais da ascensão neofascista. 

      Não sabemos como reagir diante do fundamentalismo religioso que mobiliza multidões, abastece urnas, elege inclusive bandidos notórios. Fundamentalismo que apaga as desigualdades sociais e as contradições de classe e ressalta que tudo se reduz à disputa entre Deus e o diabo. Todo sofrimento decorre do pecado. Eliminado o pecado, irrompe a prosperidade, que empodera e favorece o domínio: a confessionalização das instituições públicas; a deslaicização do Estado; a neocristandade que condena à fogueira da difamação e do cancelamento todos que não abraçam “a moral e os bons costumes” dos que clamam contra o aborto e homenageiam torturadores e milicianos assassinos.

      Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos brancos denunciam o inverno que nos acomete. É hora de uma nova e florida primavera!

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

Demolição e reconstrução da política externa, 2 - Paulo Roberto de Almeida

 Demolição e reconstrução da política externa, 2


Efetuei uma postagem, nesta madrugada, com esse mesmo título, sem o número 2, sobre texto escrito dois meses atrás, este aqui:

Reproduzo agora, comentários recebidos e postados no seguimento de uma chamada dessa postagem no X, pois isso poderá me induzir a acelerar a produção de um novo livro, sobre o final da “demolição” da diplomacia brasileira pelo bolsonarismo e sobre a nova incursão do lulopetismo sobre a diplomacia profissional, como abaixo:

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4580, 11 fevereiro 2024, 7 p.


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O texto acima foi escrito em fevereiro último, mas só divulgado neste meu “quilombo de resistência intelectual”, que é este blog Diplomatizzando, em 22/04/2024, tendo eu postado uma pequena chamada no X, que reproduzo a seguir, tendo recebido um comentário dd um leitor, que agrego abaixo, juntamente com minha resposta a este:


1) Minha “chamada” no X:

“ Demolição e reconstrução da política externa  -  Paulo Roberto de Almeida - diplomatizzando.blogspot.com/2024/04/demoli… - Já fui chamado, por um brasilianista, de "Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual’". Traduziria por "o mais independente dos intelectuais do Itamaraty", o que muito me honra.”


2) Comentário feito no X por Carlos (@carlosdinizsilv):

“E, com o passar do tempo, o brasilianista não foi desmentido. Considero que você tem realmente posições independentes dos modismos atuais e passados. Que continue assim.”


            3) Minha resposta esta data (22/04/2024):

“Grato pelo comentário. Tento apenas ser objetivo na avaliação de políticas públicas, sobretudo a externa, e ser honesto comigo mesmo, ao expressar uma visão própria sobre a diplomacia. Nem sempre isso é bem recebido pela burocracia ou pelos “barões” da Casa. Continuo no quilombo!”


PS: Faltou, ao inicio da nota “semi-biográfica” de fevereiro, objeto da postagem agora feita, um esclarecimento sobre o autor da resenha de vários livros sobre a política externa brasileira, de autoria de um conhecido brasilianista canadense, publicada poucos anos atrás na Latin American Research Review, o órgão oficial da LASA. Vou procurar o review- article e informar devidamente neste espaço.

PS2: A postagem acima deveria servir de introdução a uma nova coletânea minha, um possível novo livro, com alguns inéditos e vários textos e postagens dispersas sobre o objeto preferencial de minhas análises nas últimas quatro décadas: a política externa e a diplomacia brasileira no periodo recente. Cabe reconhecer que meu livro mais recente sobre o assunto, “Apogeu e Demolição da Política Externa” (Appris, 2021), já se tornou relativamente “perempto”.

Já passamos pela “demolição” da diplomacia brasileira pelo bolsolavismo, e entramos numa nova fase, a de Lula 3, a de um novo esforço de “desconstrução” da política externa do Itamaraty pelo lulopetismo diplomático, desta vez ainda mais personalista e megalomaníaco do que durante os dois primeiros mandatos 2003-2010). Tenho muito a dizer sobre essa nova fase, lamentavelmente mais colada ainda às duas grandes autocracias do Brics, que tentam implantar uma suposta “nova ordem global”, que seria “mais democrática” e redundantemente “multipolar” do que a ordem atual, que é obviamente ocidental é caracteristicamente democrática, capitalista, humanista e iluminista, o que incomoda ditadores (de direita e de esquerda) ao redor do mundo, entre eles um candidato a líder de um diáfano “Sul Global”, como pretende ser Lula (sem conseguir).


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/04/2024, 10:25hs


Demolição e reconstrução da política externa (1) - Paulo Roberto de Almeida

 Demolição e reconstrução da política externa (1) 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Apresentação a volume síntese da era bolsolavista na diplomacia brasileira. 

 

Lendo certa vez, na Latin American Research Review – uma publicação da Latin American Studies Association, LASA – uma resenha sobre diversos livros e capítulos de livros sobre a política externa brasileira, por um conhecido brasilianista, deparei-me com esta minha descrição, a propósito de um dos capítulos sobre a política externa lulopetista, num livro coletivo publicado em 2010, ou seja, o último ano do segundo mandato de Lula; para o resenhista, eu seria Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual

A tradução literal seria “o principal intelectual desapegado do Itamaraty”; preferiria, na minha percepção, “o principal intelectual independente” do Itamaraty, o que registraria mais objetivamente o que sempre fui, em minhas análises da política externa e da diplomacia do Brasil. O “desapegado” do brasilianista indicaria, talvez, que eu poderia ser considerado um analista “desvinculado” da versão oficial da política externa e da diplomacia, o que também pode representar, mais adequadamente, minha postura básica nas abordagens que sempre fiz em torno de uma e outra, a política externa e sua ferramenta operacional. 

No entanto, minha formação básica, na vertente acadêmica (toda ela feita no exterior, ao me autoexilar nos anos mais duros da ditadura militar), não se deu no campo da análise da política externa, e sim numa sequência de especializações interdisciplinares, sempre centradas no Brasil, nos terrenos da sociologia política (graduação, 1974), no das relações econômicas internacionais (mestrado, 1976) e na sociologia do desenvolvimento econômico e político (minha tese de doutoramento, iniciada naquele mesmo ano, concluída em 1984), todas elas fortemente impregnadas por uma leitura histórica de todos os processos conectados ao itinerário do Brasil pós-1945. Meus primeiros trabalhos publicados estavam situados no campo dos movimentos políticos e do desenvolvimento econômico do Brasil dos anos 1950 aos 70. Só fui me interessar mais de perto pela política externa e pela diplomacia do Brasil a partir do final dos anos 1970, quando ingressei por concurso direto na carreira diplomática, ao mesmo tempo em que me engajava de volta na resistência à ditadura militar, a partir de 1978.

Posso deixar registrado, não sem certo orgulho e passados muitos anos, que, naquele mesmo ano, fui “fichado” como “diplomata subversivo” ao ter colaborado com um texto sobre uma política externa alternativa à do regime militar, oferecido à candidatura oposicionista, a do general Euler Bentes Monteiro, na eleição indireta do último general da ditadura, João Figueiredo. Descobri esse registro poucos anos atrás no diretório do Serviço Nacional de Informações (SNI), no Arquivo Nacional de Brasília, e cabe-me agora agradecer aos zelosos “arapongas” do regime o fato de terem preservado um texto que de outra forma estaria perdido para mim (ainda não integrado à minha lista geral de trabalhos). Meus escritos sobre política externa e diplomacia do Brasil datam, portanto, a partir dessa época, mas de maneira mais consistente apenas a partir da redemocratização, em 1985; eles guardam um espírito acadêmico razoavelmente conforme às interpretações gerais dos analistas universitários, e dos próprios diplomatas, os quais passei a ler e anotar de forma sistemática, servindo-me dessas análises para escrever meus primeiros trabalhos mais densos.

O primeiro livro que publiquei, em 1993, no imediato seguimento de minha missão como conselheiro na Delegação do Brasil junto à Aladi, em Montevidéu, sob o embaixador Rubens Barbosa, tratou do Mercosul, “no contexto regional e internacional”, isto é, situando-o no âmbito da integração latino-americana e comparativamente ao experimento europeu do mercado comum e da Comunidade Econômica. Quero deixar registrado, também dentro do mesmo espírito independente que sempre marcou minhas análises, que alguns parágrafos do texto original foram devidamente “podados” do texto autorizado para publicação pela Secretaria Geral das Relações Exteriores, pois que, provavelmente, não se conformavam com a visão oficial do processo integracionista, no entendimento dos zelosos funcionários do Itamaraty. Entendi, a partir de algumas hesitações dos colegas encarregados do nihil obstat da Casa em relação a meus textos – certa delonga nas autorizações, ou ausência completa de resposta aos textos submetidos –, que os escritos não correspondiam perfeitamente à versão que o Itamaraty sempre procurou defender no tocante à política externa oficial e à sua diplomacia. A partir de certo momento, ainda como conselheiro e já como ministro de segunda classe, parei de submeter todos os textos – muitos deles dirigidos a veículos de escasso alcance público – à anuência dos guardiões da ortodoxia diplomática, mas continuei seguindo as disposições estatutárias em relação aos livros. 

Uma nova obra, feita a partir de artigos elaborados entre 1993 e 1997, foi publicada em 1998, como primeiro volume de uma coleção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul dedicada à política externa: Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: Editora da UFRGS). Não me lembro de ter recebido o nihil obstat da Secretaria Geral, assim como ocorreu com outro livro, nesse mesmo ano: Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: LTr), ambos rapidamente esgotados, o da UFRGS objeto de uma segunda edição em 2004. Seguiram-se vários outros livros, mais voltados para a história diplomática e as relações econômicas internacionais do que propriamente para a política externa do Brasil e sua diplomacia: O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999); O estudo das relações internacionais do Brasil (São Paulo: Universidade São Marcos, 1999); Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Paz e Terra, 2002), inclusive alguns que não tinham nada a ver com a diplomacia brasileira, e sim com o fenômeno do marxismo e do comunismo – Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999) – ou com a história do Brasil: Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain (com a historiadora Katia de Queiroz Mattoso; Paris: L’Harmattan, 2002); A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex, 2003), este, escrito ainda antes das eleições de outubro de 2002, mas já antecipando o que viriam a ser os governos progressistas que vigoraram no Brasil entre 2003 e 2016. 

Um trabalho de corte acadêmico e diplomático permaneceu inédito – Brasil e OCDE: uma interação necessária– pois que não recebeu aprovação como tese apresentada no âmbito do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco em 1996. Eu o divulguei, mais adiante, como simples arquivo digital, em minha página na plataforma de interação acadêmica Academia.edu. A tese de CAE foi substituída por uma pesquisa histórica sobre a diplomacia econômica do Brasil no século XIX, que, ela sim, recebeu aprovação para ser publicada: Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (1997). Objetei, entretanto, a que ela fosse publicada na versão reduzida apresentada à banca, uma vez que a pesquisa era bem mais ampla e minuciosa; ela acabou sendo publicada conjuntamente pela Senac-SP e pela Funag em 2001, merecedora de uma segunda edição em 2005; uma terceira edição, em dois volumes, ampliada e revista, saiu em 2017, exclusivamente pela Funag. Essa obra consiste na produção mais academicamente elaborada a partir de fontes primárias e de uma leitura de vasta literatura no campo da história econômica do Brasil, mas carente de continuidade do mesmo trabalho para o século XX. 

Não me lembro, por outro lado, de ter solicitado autorização para os livros seguintes, enquadrados razoavelmente no contexto da política externa e da diplomacia do Brasil: O Estudo das Relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia (Brasília: LGE, 2006); Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012); Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013). A razão da não solicitação se deve simplesmente ao fato de que, desde o início dos governos progressistas, em 2003, e até o seu término, em 2016, eu jamais fui contemplado com um cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, provavelmente devido ao fato de eu já ter escrito artigos e capítulos de livros justamente independentes em relação à política externa do lulopetismo diplomático.

Essa minha visão crítica em relação às posturas do PT, que passaram a influenciar de modo nítido a política externa oficial e sua diplomacia – a ponto de algumas decisões terem sido tomadas, como se sabe, no Palácio do Planalto, contrariando pareceres técnicos do corpo profissional da diplomacia –, esteve provavelmente na origem de minha exclusão de qualquer trabalho executivo no Itamaraty durante todo o primeiro longo “reinado” lulopetista, o que por si só configurou uma irregularidade administrativa (a qual procurei não contornar por qualquer procedimento ou petição no âmbito burocrático). Adotei a biblioteca do Itamaraty como meu escritório de trabalho e passei a produzir uma gama variada de trabalhos, a maior parte sob a forma de artigos acadêmicos, mas também alguns livros que me deram grande satisfação intelectual em sua elaboração – O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (Brasília: Senado Federal, 2010); Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010) –, assim como muitos outros, coletando artigos dispersos em diferentes veículos acadêmicos, mas publicados unicamente em formato digital, mais comumente em base Kindle. 

O livro que formalmente consolidou minha postura crítica vis-à-vis as escolhas petistas nos terrenos da política externa e da diplomacia prática foi este, por acaso de título diretamente conectado ao slogan adotado pelo chefe de Estado para representar sua pretendida originalidade na história do Brasil: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editora Appris, 2014). Esse livro, que conforma uma abordagem abrangente das peculiaridades petistas no terreno da política regional e internacional do PT, recebeu uma versão reduzida, traduzida em alemão e publicada na Europa: Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015). Pela mesma editora universitária acabei publicando minha tese de doutoramento na Universidade de Bruxelas, defendida em 1984, que tinha permanecido inédita desde então: Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: démocratie et autoritarisme au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015). 

Em 2016, finalmente, com o impeachment da presidente do quarto mandato do PT, fui reintegrado ao serviço exterior, passando a desempenhar o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) da Funag, no qual desenvolvi dois anos e meio de um intenso programa de atividades intelectuais e de debate público em torno dos grandes temas da política externa, da diplomacia do Brasil e das relações internacionais, de maneira ampla. Nesse período ocorreu um fenômeno interessante, com respeito à minha produção, e talvez projeção, no terreno da diplomacia e da própria política econômica: supostos liberais, opositores da esquerda e do PT, passaram a me considerar, equivocadamente, como um representante do neoliberalismo, do conservadorismo, talvez até da direita. 

Recebi, então, muitos convites para escrever ou falar em foros dessas vertentes, o que não recusei fazer, mas nunca deixando de lado minha postura crítica em relação a políticas públicas, econômicas ou diplomáticas, segundo minhas próprias concepções quanto aos interesses nacionais. Até mesmo os militares, ignorantes quanto aos meus sete anos de exílio europeu durante a ditadura, em especial de meus escritos sob outros nomes contra o regime, passaram a me convidar para palestras e seminários na ESG e para escrever artigos para algumas de suas revistas corporativas. Nenhum problema tive em expressar minhas ideias, a despeito de algumas fortes declarações contra o protecionismo e o nacionalismo extremados, defendidos tanto pelos militares, quanto pela esquerda anacrônica. Muitas dessas ideias foram expostas, direta ou indiretamente, nos dois livros que publiquei em 2017 e 2018: O homem que pensou o Brasiltrajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris)A Constituição contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM). 

Ao adentrarmos no ano eleitoral de 2018, pressenti que minha postura independente, certamente crítica, no tocante às políticas oficiais, tanto da direita, quanto da esquerda, estaria chegando a seu termo com o escrutínio do mês de outubro; assim, alertei meus colaboradores no IPRI a que buscassem algum outro trabalho no âmbito da política externa. De minha parte, não cogitei solicitar qualquer posto no exterior, enquanto aguardava uma exoneração nos primeiros dias de 2019, tanto de um lado, quanto do outro, dos dois extremos em disputa naquele pleito. O que se seguiu ao segundo turno da eleição presidencial foi um prenúncio surpreendente das mudanças bizarras que se seguiriam na política externa, com as declarações grandiloquentes em torno do antiglobalismo esquizofrênico das seitas lunáticas da extrema direita. Elaborei um relatório completo, listando todas as atividades empreendidas desde agosto de 2016, finalizado pouco antes do Natal de 2018, e viajei durante duas semanas ao sul do país. A exoneração não interveio no começo de 2019, mas ainda fora de Brasília recebi o alerta de que o programa elaborado no final de 2018 para ser desenvolvido já nas primeiras semanas do ano seguinte estava sob revisão atenta dos novos donos do poder. 

Não preciso estender-me sobre as loucuras literais que desabaram sobre o Itamaraty em consequência da ascensão dos neófitos bolsolavistas no âmbito da política externa e da diplomacia, desde a posse do chanceler acidental no dia 2 de janeiro de 2019, algumas delas já antecipadas nas semanas anteriores pelo chefe de Estado ou pelo próprio diplomata designado para a função. Como sempre faço, tomei nota das declarações esquizofrênicas que estavam sendo enunciadas e aguardei o desfecho inevitável, que ocorreu, finalmente, no Carnaval de 2019, imediatamente após eu ter publicado no meu quilombo de resistência intelectual, o blog Diplomatizzando, uma palestra do embaixador Rubens Ricupero, um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e uma virulenta resposta a ambos por parte do desequilibrado júnior chanceler, sugerindo um debate em torno das principais ideias.

Voltei à biblioteca do Itamaraty, apenas para compor, rapidamente, uma sequela ao meu livro de 2014, Nunca Antes na Diplomacia, publicado pela mesma editora ainda no primeiro semestre do ano: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018) (Curitiba: Appris, 2019). Ele examinava os dois anos terminais do lulopetismo diplomático e o retorno a uma diplomacia mais conforme aos padrões tradicionais do Itamaraty sob a gestão dos dois chanceleres do governo Temer: José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, dois senadores pelo PSDB de São Paulo. Minha pretensão inicial, no novo ostracismo, que eu antecipava em mais alguns anos na biblioteca do Itamaraty, era a de retomar as pesquisas de “arqueologia” diplomática em torno das relações econômicas do Brasil desde o início da República até a conferência de Bretton Woods, para depois escrever um terceiro volume sobre o período contemporâneo, completando assim a missão autoatribuída de historiador da diplomacia econômica do Brasil.

Mal imaginava eu, nas primeiras semanas de 2019, que as loucuras e bizarrices do bolsolavismo diplomático seriam tamanhas, e tão escandalosamente escabrosas, que passei a deixar de lado a história do passado republicano para ocupar-me do presente do amadorismo vergonhoso escancarado pelos assessores destrambelhados do presidente, por ele próprio e pelo chanceler acidental, nesta exata ordem, no campo da política externa e da diplomacia do país. O material comprobatório era farto, pois todos os dias tínhamos declarações, entrevistas, notas oficiais do Itamaraty – redigidas numa linguagem estranha ao linguajar diplomático, ignorante do Direito Internacional – todas apoiadas em emissões alucinantes do polemista que servia de guru presidencial e de guia absoluto do chanceler submisso à franja lunática que passou a dominar o Itamaraty. Liberto que estava de qualquer adesão aos novos donos do poder, como também de simpatia pelas posições igualmente equivocadas do lulopetismo diplomático, passei a redigir minhas notas e observações a respeito do mais tenebroso intervalo esquizofrênico jamais conhecido na história do Itamaraty.

Assim, em lugar do projetado livro de pesquisa sobre A Ordem Econômica Internacional e o Progresso da Nação: as relações econômicas internacionais do Brasil na primeira era republicana, em grande medida já elaborado nos principais capítulos, o que emergiu, numa série de cinco livros polêmicos, elaborados sucessivamente, entre 2019 e 2021, foram: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (2020); Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (2020); O Itamaraty sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 (2021); Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021), os quatro primeiros publicados em formato digital, o quinto pela mesma editora que já tinha publicado meus livros anteriores. 

Com exceção deste último, que teve edição comercial, e deve ser encontrado nos canais usuais de distribuição, os demais tiveram escassa circulação e ficaram praticamente desconhecidos do grande público, dado o formato eletrônico e nenhuma publicidade. Esta é a razão de minha decisão de reuni-los num único volume, com alguma redução seletiva dos materiais dotados de “prazos de validade” inadequados à atualidade, e de oferecer, assim, aos interessados, uma visão ampla, quase completa, dos “anos loucos” do bolsolavismo pouco diplomático; os quatro anos constituíram, na verdade, uma anomalia total em relação aos paradigmas amplamente identificados com a história bissecular, conceitual e prática, de nossa diplomacia. O que ocorreu, entre 2019 e 2022, foi, realmente, uma destruição da inteligência no e do Itamaraty, um intervalo obscuro no itinerário de nossa presença internacional e um sequestro da política externa e da diplomacia por amadores ignorantes e partidários das mais alucinantes teorias conspiratórias importadas da extrema direita americana. Esperando que tenhamos dado um fim à demolição de nossa ferramenta diplomática, ofereço esta obra aos novos integrantes da carreira do Serviço Exterior brasileiro, como forma de nos precavermos contra novas e bizarras aventuras num itinerário normalmente respeitado pela cidadania brasileira e admirado pela comunidade internacional. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4580, 11 fevereiro 2024, 7 p.


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O texto acima foi escrito em fevereiro último, mas só divulgado neste meu “quilombo de resistência intelectual”, que é este blog Diplomatizzando, em 22/04/2024, tendo eu postado uma pequena chamada no X, que reproduzo a seguir, tendo recebido um comentário dd um leitor, que agrego abaixo, juntamente com minha resposta a este:


1) Minha “chamada” no X:

“ Demolição e reconstrução da política externa  -  Paulo Roberto de Almeida - diplomatizzando.blogspot.com/2024/04/demoli… - Já fui chamado, por um brasilianista, de "Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual’". Traduziria por "o mais independente dos intelectuais do Itamaraty", o que muito me honra.”



2) Comentário feito no X por Carlos (@carlosdinizsilv):

“E, com o passar do tempo, o brasilianista não foi desmentido. Considero que você tem realmente posições independentes dos modismos atuais e passados. Que continue assim.”


            3) Minha resposta esta data (22/04/2024):

“Grato pelo comentário. Tento apenas ser objetivo na avaliação de políticas públicas, sobretudo a externa, e ser honesto comigo mesmo, ao expressar uma visão própria sobre a diplomacia. Nem sempre isso é bem recebido pela burocracia ou pelos “barões” da Casa. Continuo no quilombo!”


PS1: Faltou, ao inicio da nota “semi-biográfica” de fevereiro, objeto da postagem agora feita, um esclarecimento sobre o autor da resenha de vários livros sobre a política externa brasileira, de autoria de um conhecido brasilianista canadense, publicada poucos anos atrás na Latin American Research Review, o órgão oficial da LASA. Vou procurar o review- article e informar devidamente neste espaço.


PS2: A postagem acima deveria servir de introdução a uma nova coletânea minha, um possível novo livro, com alguns inéditos e vários textos e postagens dispersas sobre o objeto preferencial de minhas análises nas últimas quatro décadas: a política externa e a diplomacia brasileira no periodo recente. Cabe reconhecer que meu livro mais recente sobre o assunto, “Apogeu e Demolição da Política Externa” (Appris, 2021), já se tornou relativamente “perempto”.


Já passamos pela “demolição” da diplomacia brasileira pelo bolsolavismo, e entramos numa nova fase, a de Lula 3, a de um novo esforço de “desconstrução” da política externa do Itamaraty pelo lulopetismo diplomático, desta vez ainda mais personalista e megalomaníaco do que durante os dois primeiros mandatos 2003-2010). Tenho muito a dizer sobre essa nova fase, lamentavelmente mais colada ainda às duas grandes autocracias do Brics, que tentam implantar uma suposta “nova ordem global”, que seria “mais democrática” e redundantemente “multipolar” do que a ordem atual, que é obviamente ocidental é caracteristicamente democrática, capitalista, humanista e iluminista, o que incomoda ditadores (de direita e de esquerda) ao redor do mundo, entre eles um candidato a líder de um diáfano “Sul Global”, como pretende ser Lula (sem conseguir).


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/04/2024, 10:25hs

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