sexta-feira, 14 de março de 2025

Dom Casmurro:125 anos de um romance polêmico - Hélio de Seixas Guimarães

 ... Com o livro, o narrador procura atar as pontas da velhice às da adolescência e da vida conjugal, vividas entre as décadas de 1850 e 1870...

...  “Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão”...

... A modificação na leitura desta história, de um romance sobre o adultério feminino para um romance sobre o ciúme masculino, teve início na década de 1960, com a publicação do estudo The Brazilian Othello of Machado de Assis, traduzido como O Otelo brasileiro de Machado de Assis, da crítica norte-americana Helen Caldwell...

 

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125 anos de um romance polêmico

Pesquisador das obras machadianas comenta as origens de Dom Casmurro e as leituras que o clássico recebeu desde sua publicação

Hélio de Seixas Guimarães


Rio de Janeiro, 1900. Foi no início deste ano que chegou às livrarias da então capital da jovem república a história completa do triângulo amoroso mais célebre da literatura nacional: Bentinho, Capitu e Escobar. Em pouco tempo, Dom Casmurro — que em março ganha nova edição pela Todavia, com este texto de apresentação — tornou-se o mais conhecido romance de Machado de Assis, que havia passado quase uma década sem publicar nada do gênero.


Dom Casmurro é o 21º livro e o sétimo romance de Machado de Assis. Decorridos quase 28 anos da sua estreia nesse gênero, com Ressurreição, ele voltava a publicar diretamente em volume, ou seja, sem passar antes pela imprensa. Embora traga a indicação de que foi impresso em Paris em dezembro de 1899, o livro começou a circular no Rio de Janeiro apenas no início de 1900, em edição da H. Garnier, Livreiro-Editor. Esse retorno ao romance, oito anos depois de Quincas Borba, surpreendeu até mesmo os mais próximos. Entretanto, o escritor dedicava-se à obra desde pelo menos maio de 1895, como se depreende da leitura de carta a um amigo:

Dom Casmurro

Machado de Assis

Org. e apres. Hélio de Seixas Guimarães Editora Todavia // 368 pp • R$ 84,90

 

Pelo que me toca, o livro em que trabalho é ainda um romance. Não estou certo do título que lhe darei; já lhe pus três, e eliminei-os. O que ora tem é provisório; ficará, se não achar melhor. […] Não trabalho continuadamente; tenho grandes intervalos de dias, e até de semanas.1 

Em novembro de 1896, outra notícia. A República publicou “Um agregado — Capítulo de um livro inédito”, com trechos que viriam a compor os capítulos 3, 4, 5 e 6 de Dom Casmurro, concentrados na figura do agregado José Dias. Os outros 144 foram apresentados aos leitores pela primeira vez já emvolume.

Dom Casmurro tornou-se um dos livros mais discutidos e polêmicos de toda a literatura brasileira

 

No momento da publicação, o escritor de sessenta anos ocupava “o primeiro lugar na literatura brasileira”, como escreveu um contemporâneo. Desde 1897, presidia a Academia Brasileira de Letras e fazia questão de que inscrevessem no frontispício dos seus livros o nome literário, “Machado de Assis”, seguido da indicação de seu pertencimento à instituição, “Da Academia Brasileira”. Mas nem tudo era glória. Os anos finais do século 19 também lhe trouxeram muitos dissabores. Em 1897, o crítico Sílvio Romero publicou Machado de Assis: Estudo comparativo de literatura brasileira, um volume de 350 páginas com uma série de ataques ao escritor, comparado com Tobias Barreto em chave sistematicamente negativa. Machado nunca respondeu a Romero, mas deixou registrado em sua correspondência o mal-estar que as críticas lhe causaram e o contentamento por ter sido defendido publicamente por Lafayette Rodrigues Pereira, também conhecido por conselheiro Lafayette ou Labieno.

Durante a escrita da obra, outro revés: a carreira no serviço público, ao qual se dedicava desde 1867, sofreu uma pausa forçada. De janeiro a novembro de 1898, foi posto na constrangedora condição de adido à Secretaria da Indústria, Viação e Obras Públicas, recebendo vencimentos sem cumprir o dever do trabalho diário. Nesse período, dedicou-se intensamente à literatura: ocupou-se da reedição de vários de seus romances e da recolha de sua produção poética, além de publicar dois livros inéditos. Iaiá GarciaMemórias póstumas de Brás CubasQuincas Borba e Contos fluminenses ganharam novas edições entre 1898 e 1899; as Poesias completas saíram em 1901; Páginas recolhidas e Dom Casmurro, os inéditos, ficaram prontos em 1899.

Homem calado

O título deste romance refere-se a um homem de seus sessenta anos, autor ficcional, narrador e protagonista da história. Dom Casmurro é o apelido dado a Bento Santiago pelos vizinhos, que, segundo ele, “não gostam dos meus hábitos reclusos e calados”. Entretanto, o sentido mais usual de “casmurro” — o de “indivíduo teimoso, obstinado, cabeçudo” — é distorcido pelo narrador, que já no início da história pede ao leitor que não consulte dicionários, induzindo-nos a ficar com o sentido que ele quer imprimir ao termo, o de “homem calado e metido consigo”. 

O livro tem no centro a família Santiago, em torno da qual gravitam as demais personagens. D. Glória, a matriarca, é uma viúva abastada, que vive numa casa na rua de Matacavalos na companhia do filho, Bento Santiago (na infância conhecido como Bentinho), da prima Justina, do tio Cosme e do agregado José Dias. Contígua à casa dos Santiago está a do Pádua, funcionário público, que vive ali modestamente com a mulher Fortunata e a filha, Capitu. Os conflitos têm início e se desenvolvem a partir do envolvimento de Bentinho e Capitu, que vai do namoro ao casamento e ao nascimento do filho, Ezequiel, até a separação. Esta é motivada principalmente pela desconfiança crescente do narrador de que Ezequiel não é seu filho, mas sim de Escobar, colega do tempo de seminário. Nenhum dos dois virou padre: Escobar casou-se com Sancha, e Bento com Capitu. E os dois casais tornaram-se amigos.

 

Capitu se constrói pelos juízos do narrador a respeito do comportamento dela, que vão ao encontro dos preconceitos milenares sobre as mulheres e as relações conjugais

Ao se pôr a escrever, tantos anos depois dos sucessos narrados e num momento em que quase todas as personagens estão mortas (ou, nos termos sarcásticos do narrador, “foram estudar a geologia dos campos-santos”), Dom Casmurro quer fazer com o livro algo difícil, se não impossível: reviver o vivido. O empreendimento da escrita torna-se, portanto, similar à tentativa de reconstituir na nova casa que construiu no Engenho Novo aquela em que cresceu na rua de Matacavalos: 

A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. […] 

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.

Com o livro, o narrador procura atar as pontas da velhice às da adolescência e da vida conjugal, vividas entre as décadas de 1850 e 1870. 

A denúncia

A cena inaugural do romance evoca uma tarde de novembro de 1857, que o narrador diz nunca ter saído da sua memória. Bentinho, escondido atrás da porta, ouve José Dias advertir d. Glória sobre o perigo de ele pegar de namoro com a filha do vizinho. Isso comprometeria a promessa da mãe, feita por ocasião do nascimento do filho, de que, se ele vingasse, ela o tornaria padre. É nesse momento, e pela fala do agregado, que o menino de quinze anos teria se dado conta dos seus sentimentos por Capitu. “A denúncia” — é esse o título do capítulo, e é assim que o narrador percebe a revelação para si mesmo do seu amor juvenil — feita por José Dias à mãe serve também de alerta para os dois namorados; juntos, põem-se a pensar em maneiras de dissuadir d. Glória da ideia do seminário, permitindo que namorem e se casem. Diante das dificuldades, Capitu pensa logo numa fuga para a Europa: “Como vês, Capitu, aos catorze anos, tinha já ideias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos”.

Ainda que Dom Casmurro esteja sempre com a palavra, a grande personagem do livro é Capitu, com seus olhos “de ressaca”, ou “de cigana oblíqua e dissimulada”, conforme a definição de José Dias. Tudo o que sabemos sobre ela nos chega pela visão do narrador, bastante econômico na descrição direta da personagem, mas insidioso nas sugestões que faz a respeito do seu caráter. Em grande medida, Capitu se constrói pelos juízos do narrador a respeito do comportamento dela, que vão ao encontro dos preconceitos milenares sobre as mulheres e as relações conjugais. No trecho reproduzido anteriormente, isso fica implícito no uso do adjetivo “sinuosas” para se referir ao comportamento da personagem feminina. 

Num determinado nível, Dom Casmurro conta a história de um amor que enfrenta os obstáculos impostos pela promessa da mãe e pelo muro social, e concreto, que separa a casa dos Santiago da dos Pádua. Mas, entre várias possibilidades de leitura, Dom Casmurro é também um romance sobre a tentativa de suprir as faltas, ausências, perdas, o que se manifesta nos objetivos declarados do narrador: “atar as duas pontas da vida”, “recompor o que foi [e] o que fui”, “viverei o que vivi”. Paradoxalmente, a tentativa desesperada de preenchimento das brechas vai evidenciando as lacunas sobre as quais se assenta a narrativa. 

O intervalo de décadas que separa o narrado do vivido torna a memória, com tudo o que há nela de seletividade, precariedade e engano, crucial para a composição da narrativa. Entretanto, o narrador volta e meia confessa suas deficiências como memorialista, pondo em questão a fidedignidade do que narra: “Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão”.

A estrutura lacunar do romance talvez ajude a compreender o porquê da variedade de leituras que suscitou ao longo de mais de cem anos, constituindo uma fortuna crítica numerosa, diversa e complexa

A disposição mesma das lembranças ao longo do livro pressupõe intervalos longos entre os momentos da vida privilegiados pelo protagonista. 

Nos cem capítulos iniciais predominam os episódios relacionados à infância, à adolescência e ao casamento de Bentinho e Capitu, estendendo-se desde a cena de 1857 em que ele se dá conta do seu envolvimento com Capitu até o seu matrimônio, em março de 1865. O capítulo 101, intitulado “No céu”, e os 45 seguintes concentram-se no período que vai de 1865 ao início da década de 1870. Eles tratam do casamento, que passa por um breve idílio, da apreensão pela demora da chegada do filho, do nascimento deste e de seu batizado como Ezequiel, do ciúme crescente de Bento, das desconfianças também crescentes em relação à paternidade, até a destruição de tudo o que havia sido construído. Os dois últimos capítulos coincidem com o tempo da narração, situado no final da década de 1890, em que Bento Santiago, já transformado em Dom Casmurro, se dedica à exposição retrospectiva dos desastres de sua vida amorosa e conjugal.

As reiteradas incertezas sobre a fidedignidade do narrado derivam também do ciúme, que começa a atormentar Bentinho na juventude e o acompanha por toda a vida, fazendo com que ele distorça o que viveu e o que relata (“Vão lá raciocinar com um coração de brasa, como era o meu!”; “Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos”), tornando-se por fim a força devastadora que sela o destino das personagens.

O narrador ao longo de todo o livro induz quem o lê a fazer ligações entre os comportamentos da Capitu adulta e os da menina, detalhadamente apresentada como atrevida, dissimulada e interesseira, o que a tornaria responsável pelo fracasso do casamento. Isso se dá ora por associações explícitas que o narrador faz entre uma e outra — “se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca” —, ora pela delegação ao leitor da tarefa de emendar reticências: “Vou esgarçando isto com reticências, para dar uma ideia das minhas ideias, que eram assim difusas e confusas; com certeza não dou nada”. E, ainda, pelo convite ao preenchimento das lacunas: “É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas”. 

Leituras

A estrutura lacunar do romance talvez ajude a compreender o porquê da variedade de leituras que suscitou ao longo de mais de cem anos, constituindo uma fortuna crítica numerosa, diversa e complexa. 

Quando de sua publicação, Dom Casmurro foi recebido com três resenhas mais alentadas e uma pequena nota, todas altamente elogiosas ao autor e à obra. “O primeiro dos nossos escritores mortos e vivos”, “um escritor completo”, mestre”, escreveram os primeiros leitores. Sobre o livro: “requinte de perfeição”, perfeito na ideia, no desenho dos personagens e, mais que tudo, na limpidez de um estilo puríssimo”, “um livro perfeitíssimo”.

O consenso sobre a excelência do romance, com as exceções de praxe, prevaleceria. As interpretações, no entanto, variariam imensamente. Dom Casmurro tornou-se um dos livros mais discutidos e polêmicos de toda a literatura brasileira. A tal ponto que hoje é difícil, se não impossível, separar o enredo da obra das leituras que ele propiciou. 

Dom Casmurro é também um romance sobre a tentativa de suprir as faltas, ausências, perdas

Os primeiros leitores tenderam a endossar a versão do narrador a respeito da sua vida conjugal. José Veríssimo nota que Dom Casmurro descreve Capitu com amor e com ódio, “o que pode torná-lo suspeito”, e fecha seu artigo dizendo que a conclusão que o narrador enuncia ao final do romance — a da malícia das mulheres e da má-fé dos homens — talvez não coincida com a conclusão íntima do personagem. Entretanto, o crítico não leva adiante suas hipóteses.

Durante décadas, levantaram-se suspeitas sobre o comportamento do narrador, mas ninguém de fato confrontou a versão que ele dá para sua história conjugal. A voz isolada de um leitor pouco conhecido, F. de Paula Azzi, em 1939, não foi suficiente para produzir um questionamento público e minimamente generalizado sobre o estatuto do narrador. Assim, durante sessenta anos prevaleceu a obediência à ordem dele de não consultar dicionário e a naturalização das acepções que ele queria dar à palavra “casmurro”, que até mesmo passaram a constar de vários dicionários!

A modificação na leitura desta história, de um romance sobre o adultério feminino para um romance sobre o ciúme masculino, teve início na década de 1960, com a publicação do estudo The Brazilian Othello of Machado de Assis, traduzido como O Otelo brasileiro de Machado de Assis, da crítica norte-americana Helen Caldwell. Ela, que também foi a primeira tradutora de Dom Casmurro para o inglês, desafiou a autoridade do narrador e confrontou a versão que ele dá para a história de sua relação com Capitu. Ao deslocar o foco da personagem feminina para o personagem-título, Caldwell produziu uma viravolta no entendimento do romance, encetando uma série de leituras baseadas na não confiabilidade desse e de outros narradores machadianos. 


Os imbróglios produzidos pelo romance fazem pensar nos possíveis efeitos pretendidos pelo escritor quando, ao compor este livro, hesitava entre vários títulos, conforme deixou registrado na carta de 1895.

 

*Nota do editor: Professor da USP e pesquisador da obra de Machado de Assis, Hélio de Seixas Guimarães escreveu este texto de apresentação para a nova edição de Dom Casmurro, que a editora Todavia lança em março de 2025. O volume é parte da coleção “Machado fora da caixa: todos os livros de Machado de Assis”, com 26 títulos, prefaciados pelo autor do texto reproduzido aqui.

 

Quem escreveu esse texto: 


Hélio de Seixas Guimarães

É professor livre-docente na Universidade de São Paulo e pesquisador do CNPq.

 

The Return of Spheres of Influence - Monica Duffy Toft Foreign Affairs

 The Return of Spheres of Influence

Will Negotiations Over Ukraine Be a New Yalta Conference That Carves Up the World?

Monica Duffy Toft

Foreign Affairs, March 13, 2025

 

U.S. Secretary of State Marco Rubio and National Security Adviser Mike Waltz speaking about negotiations to end the war in Ukraine, Jeddah, Saudi Arabia, March 2025 Saul Loeb / Reuters

 

MONICA DUFFY TOFT is Academic Dean, Professor of International Politics, and Director of the Center for Strategic Studies at Tuft University’s Fletcher School of Law and Diplomacy.

 

Russian President Vladimir Putin’s 2022 invasion of Ukraine was never simply a regional conflict. His illegal annexation of Crimea in 2014 was the proof of concept for a broader Russian test of the so-called rules-based international order, probing how far the West would go to defend that order. The ensuing war forced Europe to consider its dependence on the United States and required U.S. leaders to reassess their appetite for foreign commitments. It ushered China into a new role as Russia’s backer and made countries thousands of miles away grapple with essential questions about their futures: How should they balance partnerships with large, warring powers? What material and moral stances taken now will seem prudent decades down the line?

During the two decades that followed the Cold War, many of these questions seemed less central. The collapse of the Soviet Union greatly reduced the West’s fear of another world war—a fear that had led Western leaders to tolerate Soviet spheres of influence in central and eastern Europe. Many political leaders and analysts hoped that multilateralism and new efforts toward collective security would diminish the relevance of zero-sum geopolitical rivalries for good. But after the 2008–9 global financial crisis took a toll on Western economies, Putin consolidated power in Russia, and China’s global influence rapidly expanded, geopolitics swiftly began to revert to a more ancient, hard power–based dynamic. Larger countries are again using their advantages in military force, economic leverage, and diplomacy to secure spheres of influence—that is, geographic areas over which a state exerts economic, military, and political control without necessarily exercising formal sovereignty.

Even though another world war is not yet on the horizon, today’s geopolitical landscape particularly resembles the close of World War II, when U.S. President Franklin Roosevelt, British Prime Minister Winston Churchill, and Soviet leader Joseph Stalin sought to divide Europe into spheres of influence. Today’s major powers are seeking to negotiate a new global order primarily with each other, much as Allied leaders did when they redrew the world map at the Yalta negotiations in 1945. Such negotiations need not take place at a formal conference. If Putin, U.S. President Donald Trump, and Chinese President Xi Jinping were to reach an informal consensus that power matters more than ideological differences, they would be echoing Yalta by determining the sovereignty and future of nearby neighbors. 

Unlike at Yalta, where two democracies bargained with one autocracy, regime type no longer appears to hinder a sense of shared interests. It is hard power only—and a return to the ancient principle that “the strong do what they can and the weak suffer what they must.” In such a world, multilateral institutions such as NATO and the EU would be sidelined and the autonomy of smaller nations threatened.

It is no accident that over the past two decades, the nations now driving the return of power politics—China, Russia, and the United States—have all been led by figures who embrace a “make our country great again” narrative. Such leaders dwell on a resentful comparison between what they perceive to be their country’s current, restricted position—a constrained status imposed by both foreign and domestic adversaries—and an imaginary past that was freer and more glorious. The sense of humiliation such a comparison generates fuels the belief that their country’s redemption can come only by exercising hard power. Commanding and extending spheres of influence appears to restore a fading sense of grandeur. For China, Taiwan alone will not suffice. For Russia, Ukraine can never be adequate to fulfill Putin’s vision of Russia’s rightful place in the world. The United States begins to look toward annexing Canada.

Another trajectory remains possible, one in which the EU and NATO adapt rather than wither. In such a scenario, they could continue to serve as counterbalances to U.S., Russian, and Chinese efforts to use hard power to achieve narrow state interests, threatening the world’s peace, security, and prosperity in the process. But those potential counterbalancing forces will have to fight for such an alternative—and take advantage of the obstacles that a more globalized world poses to great powers’ wish to carve it into pieces.

VICIOUS CIRCLES

The term “sphere of influence” first cropped up at the 1884–85 Berlin Conference, during which European colonial empires formalized rules to carve up Africa. But the concept had shaped international strategy long before that. During the 1803–15 Napoleonic Wars, France attempted to expand its influence by conquering nearby territories and installing loyal puppet regimes, only to be countered by coalitions led by the United Kingdom and Austria. The British and Russian Empires engaged in protracted struggles for dominance over Central Asia, particularly Afghanistan. The Monroe Doctrine, adopted in 1823 by the United States, asserted that European powers would not be allowed to interfere in the Western Hemisphere, effectively establishing Latin America as a U.S. sphere of influence.

It is worth noting that the Monroe Doctrine was, in part, inspired by Russian Emperor Alexander I’s efforts to counter British and American influence in the Pacific Northwest by expanding its settlements and asserting its control over trade. In an 1824 accord, however, Russia agreed to limit its southward expansion and acknowledge American dominance over the Western Hemisphere. Alexander I recognized that encouraging further European colonization of the Americas risked sparking more instability and war.

Great powers’ drive to establish spheres of influence persisted through the late nineteenth and early twentieth centuries, shaping new alliances and ultimately triggering World War I. In his wartime effort to delegitimize the Austro-Hungarian, German, and Ottoman Empires, however, U.S. President Woodrow Wilson pointed out that colonialism amounted to an oppressive boot on the neck of nations’ self-determination. In the process, U.S. allies—in particular, France and the United Kingdom—suffered collateral damage and struggled to maintain their colonies in the face of a rising tide of nationalist sentiment. Given the close connection between “spheres of influence” and colonialism, by the end of World War II, both concepts came to be seen as backward and a likely catalyst for conflict.

After the Cold War, spheres of influence appeared to lose relevance.

Yalta marked a decisive return of politics based on spheres of influence, but only because the participating democracies tolerated it as a necessary but hopefully short-lived evil, the best available means to prevent another catastrophic world war. The United Kingdom and the United States had each become war-weary. By August 1945, no democratic politician could reasonably oppose demobilization. Stalin did not suffer from this problem. But if deterrence could not be supplied, the only other way to prevent Stalin from ordering the Red Army westward was to engage his demands.

In the nineteenth century, power politics had hinged on military and economic might. In the second half of the twentieth century, the ability to shape global narratives through soft power became almost as vital: the United States exerted influence through its dominance in popular culture, provision of foreign aid, higher education, and investments in overseas initiatives such as the Peace Corps and democratization efforts. The Soviet Union, for its part, actively promoted communist ideology by mounting propaganda and ideological-outreach campaigns that attempted to shape public opinion in far-flung countries. Moscow even pioneered a new kind of attack on democratic states under the broader banner of “active measures”: a long-game strategy aimed at polarizing democratic publics by propagating disinformation.

But after 1991, as ideological battles gave way to market liberalization, democratization, and globalization, spheres of influence appeared to lose relevance. Without the stark ideological divide of the Cold War, many political scientists assumed that world politics would shift toward economic interdependence, demonstrating through action the benefits of working in teams to solve hard problems. The global spread of democratic norms and the swift integration of former Soviet and Eastern bloc states into international institutions reinforced the belief that power could—and should—be diffused through collective frameworks; the Cold War’s geopolitical fault lines seemed to vanish. The 1997 NATO-Russia Founding Act, a pivotal agreement intended to define NATO’s relationship with Russia after the Cold War, was seen as a case in point. And the act explicitly committed its signatories to avoid establishing spheres of influence, directing NATO and Russia to aim to create “in Europe a common space of security and stability, without dividing lines or spheres of influence limiting the sovereignty of any state.”

HARD RETURN

But in truth, power politics had begun to resurface well before Russia invaded Ukraine. NATO’s U.S.-led intervention in Kosovo in 1999 (which particularly incensed Putin) and the United States’ 2003 invasion of Iraq (over the objections of close U.S. allies) both suggested that the leaders of the supposed new era of collective security still believed that when a strong state does not get its way, it is acceptable to escalate militarily. More recently, the United States and China have been locked in a struggle for global technological and economic dominance, with Washington imposing sanctions on Chinese tech giants while Beijing invests heavily in alternative supply chains and its massive Belt and Road Initiative. China has also militarized the South China Sea and has pursued expansive and legally disputed territorial claims. The United States and its allies, meanwhile, have increasingly used financial sanctions as tools to constrain adversaries.

Russia, for its part, has continued to innovate brilliantly from a position of material weakness. It has effectively deployed hybrid warfare to weaken the West, including with cyberattacks and disinformation campaigns to, for example, affect the 2016 Brexit referendum and the U.S. presidential election that same year. It is clear from Putin’s many recent speeches that he had never really abandoned an understanding of geopolitics that rested on spheres of influence and always struggled to understand why NATO should continue to exist, much less to expand. If the alliance’s purpose had been to defend the West against the Soviets, after the Soviet Union collapsed, NATO’s expansion effectively made the entirety of Europe—and particularly the former Warsaw Pact states—an American sphere of influence. For Putin, this was an unacceptable outcome. Beginning with its assault on Georgia in 2008, Russia has relied on hybrid warfare and the use of proxy armed forces—efforts that escalated with the illegal 2014 annexation of Crimea and culminated in the full-scale invasion of Ukraine.

The Ukraine war—and the settlement terms that now appear to be emerging—mark an even more pronounced return to nineteenth century–style geopolitics in which great powers dictate terms to weaker states. Russia, along with the U.S. Secretary of State Marco Rubio, has demanded that Ukraine accept territorial losses and remain outside Western military alliances, an outcome that would render the country a satellite of Russia. If these pressures succeed, the final outcome will normalize the use of military force to advance national interests—and, more dangerously, reward its use. That distinction is crucial and new. Although major powers have attempted to use force to get their way throughout the past few decades, their attempts have consistently backfired and failed to prove that force is an effective tool for advancing national interests. The U.S. military’s interventions in Afghanistan, Iraq, and Libya were all costly failures. Russia’s military efforts on behalf of Syrian dictator Bashar al-Assad failed, and its incursion into Ukraine was faltering. The greatest shift in U.S. foreign policy since the end of World War II has now gifted it victory.

An older style of power politics is fast becoming entrenched in other ways, too. Establishing spheres of influence involves a dominant power abridging the sovereignty of geographically proximate states—as Trump is seeking to do with Canada, Greenland, and Mexico and as China is attempting with Taiwan. A political order based on spheres of influence also relies on other great powers’ tacit agreement not to interfere in each other’s spheres.

OPEN CIRCUIT

Measured by its economic and military might, Russia is no longer a great power. But the way today’s Russia is often conflated with the Soviet Union gives it perceived power beyond its actual means—it remains a potent nuclear power. In a scenario in which the United States, China, and Russia all agree that they have a vital interest in avoiding a nuclear war, acknowledging each other’s spheres of influence can serve as a mechanism to deter escalation. Negotiations to end the war in Ukraine could resemble a new Yalta, with China playing a role akin to the one the United Kingdom played in 1945. At Yalta, Britain—weakened by World War II but still considered a great power thanks to its legacy of empire—balanced U.S. and Soviet interests while securing its own geopolitical concerns.

Neatly carving up spheres of influence, however, has become a much trickier project than it was at Yalta. It was easier to delineate—and to respect—geographically coherent spheres of influence in a less globalized world dependent on steel and oil; today, the critical resources that large powers need are spread out across the globe. Taiwan is a particular flash point because the chips it produces are critical to countries’ growth and national security; the United States cannot afford to let China dominate access to those chips. Neither does the United States want to permit Russia sole access to Ukraine’s rare-earth minerals. A country’s maritime strength has become much more important: it is more possible than ever to imagine Japan and Taiwan within a U.S. sphere of influence, even though they neighbor China. This is why China is seeking to become a maritime power and working tirelessly to disrupt U.S. maritime influence.

Even if Trump and Putin move toward a more cooperative relationship with Xi, that could leave European states to fend for themselves. Countries such as Germany and France may be forced to develop independent security strategies. Eastern European states, particularly Poland and the Baltics, would likely push for greater defense commitments that their fellow European states may be unable or unwilling to provide. That outcome would also undermine the strategic importance of U.S. allies in Asia, forcing them to seek alternative defense arrangements—or even nuclearization. The European Union could be moved to evolve into a sovereign federal state more closely resembling the United States. France, Germany, and the United Kingdom each remain capable middle powers, and France and the United Kingdom have their own nuclear deterrent, but together—and perhaps only together—a united Europe would have significantly less to fear from China, Russia, and the United States both militarily and economically.

The rules-based international order might still reassert itself.

If, instead, the United States and Russia align against China, then Japan and South Korea in particular may find themselves trying to balance between Washington and Beijing, yielding more independent foreign policies, increased military self-reliance, and efforts to diversify their security and economic agreements. Japan might accelerate its military buildup and seek closer ties to regional partners such as Australia and India, while South Korea could attempt to hedge its position by deepening its relationship with China.

If Russia aligns more closely with China—and Europe remains firmly aligned with the United States—that would reinforce a Cold War–style two-bloc system. If Russia (wary of giving the impression that it is subordinate to China) and European states pursue a more independent path, however, that could contribute to a more multipolar world in which they act as swing powers, leveraging their influence between China and the United States. In this case, global geopolitics would resemble a hybrid of nineteenth-century great-power maneuvering with twenty-first-century strategic blocs. Australia would face difficult choices regarding its economic and security alignments. It could strengthen its defense cooperation with the United States, deepen its engagement with India and Japan, and increase military spending to bolster its deterrence. But if China were to secure its desired sphere of influence in Asia, Australia might seek to emerge as a regional stabilizer, asserting greater autonomy instead of remaining a junior partner in a U.S.-led bloc.

Spheres of influence are rarely static; they are constantly contested. The reemergence of spheres of influence signals that the nature of the global order is being tested. This shift could lead to a transition back to the power politics of earlier eras. But there is an alternative: after experiencing a few cycles of destabilizing crises, the international system might reassert itself, reverting to a rules-based order centered on multilateral cooperation, economic globalization, and U.S.-led or collective security arrangements that discourage expansionist ambitions.

For the time being, however, the United States is no longer serving as a reliable stabilizer. Where Washington, until recently, was considered the primary check on regionally expansionist regimes, it now appears to be encouraging those same regimes, and even imitating them. Whether this transition ultimately returns to a predictable balance of power or inaugurates a prolonged period of instability and war will depend on how effectively spheres of influence are contested—and how far countries such as China, India, Iran, Russia, and the United States are willing to go to secure them.

 

Feliz ano novo, Brasília! Felipe Salto O Estado de S. Paulo

 quinta-feira, 13 de março de 2025

Feliz ano novo, Brasília!

Felipe Salto

O Estado de S. Paulo, 13/03/2025

Quanto às agendas mais estruturais, sou pessimista. Entendo que, daqui em diante, o governo só conseguirá fazer o ‘minimum minimorum’

 

O ano acaba de começar para o mundo de Brasília. Passadas as festividades do Carnaval, o Orçamento será debatido no Congresso Nacional. As pressões por medidas populistas chegam de todos os lados: mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda, programas sociais e despesas em geral.

Já estamos em março e o País segue sem lei orçamentária. Para estes casos, as regras vigentes permitem ao governo executar um porcentual da proposta enviada ao Legislativo. São muitos os problemas a equacionar, como sempre, e falta a compreensão de que o dinheiro acabou e o tacho já foi raspado.

A tarefa mínima é cumprira meta estipulada para o resultado primário (receitas menos despesas, exceto juros da dívida). A meta é zero, com banda inferior, menos R$ 31 bilhões. Além disso, parte relevante dos precatórios, no valor de R$ 44,1 bilhões, pode ser excluída do resultado para fins de verificação da meta.

Em síntese, a meta provavelmente buscada pelo governo é um déficit de R$ 75,1 bilhões ou 0,6% do PIB. O número está bem distante do esforço necessário para atender às condições de sustentabilidade da dívida pública em prazo razoável.

Na proposta orçamentária, as receitas estão infladas. Prevê-se, por exemplo, receita proporcionada pela majoração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda nos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Essas medidas já morreram. No caso da segunda, aliás, precisaria ter sido aprovada no ano anterior, conforme a Constituição.

A superestimativa é de R$ 60 bilhões. Assim, com receitas menores e despesas um pouco maiores que as previstas pelo governo, o cenário da Warren prevê uma necessidade de contingenciamento de mais de R$ 30 bilhões. A saber, o contingenciamento é uma espécie de corte de gastos em que a tesoura incide sobre as despesas não obrigatórias ou discricionárias. Não custa ressaltar que essa contenção serviria apenas à entrega de um déficit de R$ 75,1 bilhões (e não da meta zero).

É inescapável evitar que novas bombas fiscais e antigas pressões se materializem, inclusive no seio das revisões a serem promovidas na peça orçamentária. Os goleiros serão os principais jogadores, na Fazenda e no Planejamento, daqui até as eleições.

A liturgia do Orçamento compõe-se de etapas muito claras. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso terá de apreciar o texto do relator-geral. Este também será analisado e apreciado pelo plenário. Antes, caso o Executivo considere necessário (e será), o instrumento para solicitar alterações ao relator é o ofício.

Nos últimos dias, a imprensa já divulgou algumas informações sobre os programas Vale Gás e Pé-de-Meia, especialmente sobre como incorporar eventuais gastos adicionais no Orçamento anual. Além disso, há os mencionados problemas pelo lado das receitas. As despesas obrigatórias, por sua vez, contemplam subestimativas ou superestimativas, respectivamente, nos gastos previdenciários e com folha salarial. Mesmo problema que apontamos na proposta orçamentária para 2024, vale dizer.

No dia 22 de março, faça chuva ou faça sol, o Executivo é obrigado, por lei, a apresentar o relatório bimestral. Esse documento serve ao acompanhamento da execução orçamentária e subsidia eventuais contingenciamentos e/ou bloqueios de despesas previstas.

Quando a arrecadação se mostra inferior às estimativas, por exemplo, providencia-se o contingenciamento, garantindo o cumprimento das metas fiscais. O mesmo ocorre no caso do limite de gastos. Se as despesas estão indicando rompimento do limite, deve-se bloquear o volume necessário para evitar o estouro.

Em 2025, este primeiro relatório bimestral será ainda mais relevante. Em um cenário otimista, se o Orçamento já estiver aprovado e sancionado, o relatório servirá para que o Executivo promova o ajuste inicial necessário ao restabelecimento de uma credibilidade mínima junto à opinião pública. Alternativamente, se a proposta ainda estiver tramitando no Congresso, o relatório servirá para prestar contas sobre a realidade da arrecadação e do gasto no primeiro bimestre.

Diferentemente do que ocorreu em 2024, quando a arrecadação foi surpreendendo positivamente, a cada relatório bimestral, a tendência no ano corrente é oposta. É recomendável que se corrija a superestimativa da arrecadação, logo de cara, para evitar que as pressões sobre o gasto discricionário, as emendas e outros se transformem em compromissos, depois, irreversíveis. Disso dependerá o cumprimento da tarefa mínima que comentei acima, e sobre a qual escrevi na penúltima coluna neste espaço ( Estadão, 13/02/2025).

Quanto às agendas mais estruturais, sou pessimista. Entendo que, daqui em diante, o governo só conseguirá fazer o minimum minimorum. E já será muito, considerando-se tantos atores jogando contra, clamando por uma verdadeira enfiada de pé na jaca e colocando o presidente da República para fazer populismo, semanalmente, nos seus pronunciamentos.

A agenda fiscal estrutural já ficou para 2027. O próximo governo não poderá perder tempo e terá de realizar ajustes à altura de um primeiro ano de mandato. Tema, aliás, para futuro artigo.

 

Armínio Fraga: ‘Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema’ - Entrevista: Sheila D'Amorim (Valor) (via Mauricio David)

... “profissionalmente” a  equipe econômica está “funcionando mal”...

... se forem medidas que desincentivam o investimento é um desastre...

... A palavra adequada é colheita, de fato. Só que a colheita não vai ser boa, vai colher problema. Se plantou desequilíbrio, vai colher problema. É basicamente isso que está aí, mais ou menos encomendado...

... Não adianta a gente espernear, dizer “ah, não, não quero fazer a reforma”. Está bom, então vai pagar um preço. E o preço disso a gente já conhece. É incerteza, é volatilidade, é insegurança, é insegurança no emprego, é a frustração do crescimento baixo que o país tem tido há mais de 40 anos. Em 40 e poucos anos, o crescimento médio muito baixo, na média. Alguns anos foram bons. Alguns avanços importantes ocorreram na área social, na saúde… Tudo isso é verdade. Mas foi pouco. O Brasil cresceu muito pouco. Podia ter crescido muito mais. “

 

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Armínio Fraga: ‘Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema’

Para ex-presidente do Banco Central, a autoridade monetária precisa de ajuda. Ele diz que, sem ajuste fiscal adicional, Lula irá colher problema em 2025 e 2026. Ao Platô BR, ele falou ainda da irritação do presidente com o mercado financeiro e da avaliação de que Fernando Haddad é um ministro fraco

 

Repórter

12/03/2025 00:34

 

Armínio Fraga: ‘Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema’

Sem a disposição política do governo para encaminhar novas reformas ou propostas que reforcem o compromisso com o equilíbrio das contas públicas neste ano, o Banco Central está sozinho, com uma “batata quente na mão difícil de segurar”. A opinião é do economista e ex-presidente do BC Armínio Fraga, para quem a “colheita” que o presidente Lula espera ter em 2025 e 2026 “não vai ser boa”. “Vai colher problema”, afirmou Armínio em entrevista exclusiva ao Platô BR

Ele argumenta que, apesar de o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e a nova diretoria da instituição terem um bom relacionamento pessoal com a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda), “profissionalmente” a  equipe econômica está “funcionando mal”. E explica por que o BC precisa de ajuda.

Armínio, que comandou o Banco Central  em um dos períodos mais tensos da história econômica recente, com a mudança do regime cambial em 1999, também falou sobre o pacote do governo para tentar reduzir a inflação dos alimentos e defendeu a criação de uma “Bolsa Família Alimentação” voltada à população mais carente, em vez de medidas heterodoxas de controle de preços.

Ele se coloca ainda contra propostas de mudanca na meta de inflação no Brasil, atualmente em 3% ao ano, já defendidas no mercado e analisa as perspectiva de desempenho da economia brasileira nessa reta final do terceiro mandato do presidente Lula dizendo que há risco de recessão no final do ano.

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Sobre a  avaliação do governo de que o mercado financeiro não gosta de Lula, Armínio diz que o presidente “tem toda razão de ficar chateado” em situações como aquela em que parte da Faria Lima comemorou a queda de sua popularidade, mas “não deveria interpretar isso como uma coisa pessoal”. O motivo: o “mercado” que critica é o mesmo que adorou as medidas adotadas no primeiro mandato de Lula.

Indagado sobre as críticas recorrentes a Fernando Haddad  – o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse recentemente que ele é um ministro fraco -, Armínio Fraga tira o peso das costas do ministro e joga nas de Lula. Ele afirma que Haddad “faz o que o chefe dele manda” e que não sabe o que mais ele poderia fazer. “Talvez bater na mesa pontualmente e se posicionar, mas, no fundo, o maestro é presidente da República”.

Ao falar de outro tema candente, as medidas de Donald Trump que têm mexido com a economia global, o ex-presidente do BC, também sócio-fundador da Gávea Investimentos se disse preocupado. Nesta terça-feira, 11, a Casa Branca confirmou a tarifa de 25% sobre aço e alumínio “sem exceções e sem isenções”, o que inclui o Brasil. “Eu estou, no momento, preocupado porque acho que a ideia de um mundo economicamente mais aberto é muito poderosa e ela está sendo radicalmente revertida.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Um tema que hoje faz parte da mesa, do bolso, da vida do brasileiro é a inflação dos alimentos. Essa questão da alta do preço nos supermercados é um problema de difícil condução? É possível reverter no curto prazo?
Esse é um tema muito quente e, de fato, é muito impactante porque, para a maioria da população que tem renda infelizmente baixa a alimentação tem um peso muito grande e o IPCA tem mais ou menos 21%, mas na cesta de consumo das pessoas mais pobres é mais. Não é um assunto fácil, tem várias origens. O preço internacional das commodities, as mais variadas… O que aconteceu com o preço do café, por exemplo, é muito impressionante. O câmbio também afeta e, às vezes, questões climáticas. E a resposta não é trivial. É muito importante o mercado funcionar. Se não, você transforma um problema tipicamente temporário num problema mais permanente, com controles e com subsídios. No cômputo geral, a inflação tem sido um problema não só aqui, mas no mundo inteiro. No limite, é melhor uma solução tipo Bolsa Família do que propriamente alguma heterodoxia que, em última instância, sai pela culatra.

O programa que o governo anunciou para tentar reduzir preços dos alimentos está nessa heterodoxia ou ele é factível? Consegue fazer a inflação ceder no curto prazo?
Eu nem gosto usar muito a palavra inflação, que denota uma coisa mais geral. Os próprios bancos centrais, o nosso inclusive, tratam essas alterações de preços de alimentos, de commodities em geral, frequentemente como um choque temporário. O próprio Banco Central não vai incluir esse aumento de maneira plena, na ideia básica de que isso não é para sempre. E na ideia, mais básica ainda, de que a inflação é uma coisa mais geral. Do ponto de vista social, acho que é disso que a gente está falando, algumas dessas medidas podem trazer algum alívio. Essa discussão vai além do que está acontecendo agora e que passa por cesta básica e a própria criação de um imposto novo, o imposto que foi aprovado, mas está ainda em fase de implantação. Também teve muito lobby para isentar alguns alimentos. Eu acho que, no geral, a melhor solução não é a intervenção direta, é uma intervenção que é da família do Bolsa Família. Essa seria a ideia, se for para fazer alguma coisa. E eu entendo que é um momento de enorme dor para as famílias mais pobres
.

Mas seria o quê? Um auxílio cesta básica?
Algum auxílio, por exemplo, algum rebate. A discussão do rebate apareceu também. Acho que é de melhor qualidade econômica e permite com que o próprio mercado, com o tempo, funcione. É importante lembrar que o mercado tem duas dimensões e que, às vezes, uma delas fica esquecida. É sempre lembrar que, se controlar preço, não vai ter oferta. Isso é fundamental. Tem uma segunda que as pessoas têm no mercado uma forma de, no fundo, indicar quais são as suas preferências e isso é importante numa economia livre. Então, acho que essas respostas têm que ser muito cuidadosas, respeitando esse sofrimento das famílias. Mas é preciso pensar bastante. Eu não estou olhando todo o detalhe. Eu sou um pouquinho mais para cético, embora eu ache que a curto prazo alguma coisa pode ajudar, mas com cuidado. Se não houver esse cuidado, aí sai pela culatra. Lá na frente é até pior.

Por que seria até pior? Pelos gastos públicos?
Porque se forem medidas que desincentivam o investimento é um desastre.

Nos cálculos do governo para a redução da inflação no curto prazo há recuo da taxa de juros em relação ao final de 2024 e a não ocorrência de eventos naturais extremos, como seca ou chuva em excesso. Sobre isso o governo não tem controle. A super safra é o que está praticamente contratado, mas no dólar estamos vendo muita oscilação. A semana começou tensa. Como o senhor vê o comportamento dessas variáveis, considerando que 2025 e 2026?
Eu acredito que o que o Banco Central pode e deve fazer é buscar controlar a inflação e lidar, portanto, com todos os itens de consumo das pessoas. Os chamados choques de oferta podem e devem ser administrados pelo Banco Central, tendo como horizonte dois anos, o que se fala tipicamente… Mas pode ser mais, pode ser menos, dependendo do tamanho da encrenca. E o Banco Central pode suavizar esse movimento. Não é apertando demais, mas também do outro lado é simétrica a história. Não pode ser quando é para cima o Banco Central deixa correr, mas quando tem uma super safra e os preços vão lá embaixo ou alguma outra variação dos preços internacionais de commodities, o Banco Central não vai reduzir o juro demais. Por quê? Porque essa inflação mais baixa é temporária. Então, é fundamental
 que seja um mecanismo simétrico, e que preserve o valor da moeda em geral. Isso é o que dá para fazer. É parte do funcionamento de uma economia de mercado. E o governo pode e deve, na atuação do Banco Central, procurar suavizar um pouco esses ciclos e, na atuação mais regulatória, ter estoques, coisas do gênero. Existem ferramentas consagradas e que eu acho que podem ser usadas com certo cuidado.

Ao falar nessa questão de suavizar a atuação do Banco Central, significa que não é preciso subir tanto os juros e que o choque  já contratado está de bom tamanho para controlar essa situação? Ou o quê, especificamente?
A situação está envolvendo uma série de fatores porque houve uma depreciação muito grande do câmbio, que não é exatamente um sinal de confiança no real, mesmo com esse juro (alto). Então, isso não é bem um choque de oferta e tem que ter um outro tratamento mais complexo e, em última instância, o Banco Central tem que deixar claro ele vai perseguir a meta. Agora, se para chegar na meta o Banco Central está tendo que colocar o juro em 15%, que é a expectativa, ou 14,25%, na próxima reunião, é um sinal de que você tem um problema maior. O Banco Central está sobrecarregado e está faltando ajuda do lado fiscal. Esse é o problema maior que nós temos. E essa situação fiscal, no fundo, faz com que a confiança no real caia muito. Todo mundo está olhando: o governo está tomando dinheiro emprestado para pagar juro. Todo mundo que já tomou dinheiro emprestado ou conhece alguém que já caiu no cheque especial, deixou o saldo no cartão de crédito e aquilo foi rolando a uma taxa alta, entende bastante bem essa situação. Então, assim, o Brasil hoje tem uma situação onde o governo paga inflação mais 7,5% (IPCA mais 7,5%) por um período muito longo e não é viável. Estamos meio que enfiando a cabeça na areia com relação a uma questão: em última instância, tem um fundamento fiscal fora do lugar, que precisa ser corrigido. Agora, o governo já deixou claro que não quer mais fazer reforma nenhuma. Isso a meu ver é uma péssima política econômica e tem graves consequências sociais. E não é a longo prazo. É a médio prazo, e até mais a curto prazo porque que tira a confiança na economia e, com isso, o Brasil fica vivendo da maneira que a gente viu nos últimos 40 anos: cresce um pouco durante o período, depois tem uma crise, cresce um pouco, tem uma recessão. Não é bom. Isso está fora
 do lugar.

Estamos na segunda metade do governo e o presidente já deixou claro que acredita que 2025 e 2026 serão anos de “colheita”. Não tem mais espaço para reformas e o que havia a fazer já foi feito. Há o risco de não se fazer mais nada em 2025, 2026, além do que foi anunciado, encaminhado ao Congresso e aprovado no final de 2024. Qual é o risco?
A palavra adequada é colheita, de fato. Só que a colheita não vai ser boa, vai colher problema. Se plantou desequilíbrio, vai colher problema. É basicamente isso que está aí, mais ou menos encomendado.

Sem cuidar do fiscal, pelo que entendi, não se conseguirá avançar na equação, na solução de problemas: a inflação, os juros altos…
Exatamente. E o fiscal precisa de reformas profundas, esse que é o diabo. Mas não tem jeito. Não adianta a gente espernear, dizer “ah, não, não quero fazer a reforma”. Está bom, então vai pagar um preço. E o preço disso a gente já conhece. É incerteza, é volatilidade, é insegurança, é insegurança no emprego, é a frustração do crescimento baixo que o país tem tido há mais de 40 anos. Em 40 e poucos anos, o crescimento médio muito baixo, na média. Alguns anos foram bons. Alguns avanços importantes ocorreram na área social, na saúde… Tudo isso é verdade. Mas foi pouco. O Brasil cresceu muito pouco. Podia ter crescido muito mais. Mas não vai ser sem abordar a Previdência outra vez. Não vai ocorrer se as questões ligadas ao bom funcionamento do Estado não forem abordadas, com uma reforma administrativa bem feita para aumentar a produtividade do Estado também. Não vai acontecer se os gastos tributários, que são enormes subsídios para os mais ricos, não forem encarados. Acho que essa é uma agenda óbvia já há bastante tempo. Isso tudo é coisa grande. Hoje tem um tema quente que são essas emendas (parlamentares) e que estão estimadas em R$ 50 bilhões. Isso é 0,4% do PIB. Sinceramente, o Brasil tem que fazer um ajuste (fiscal) muito maior. Então, o déficit primário de 1% do PIB. Precisaria ter um superávit de 3% do PIB para estancar a sangria. Bom, e aí, como é que vai ficar? O que eu acho absurdo é a falta de transparência. Evidente que o Congresso tem toda legitimidade para se envolver na alocação dos recursos, mas a falta de transparência, não. Essa parte realmente é essa inaceitável.

Esse problema está sendo parcialmente atacado pelo lado da transparência, na discussão com o STF.
Mas o problema maior, que é o desequilíbrio entre a política fiscal e a política monetária, é a ameaça da chamada dominância fiscal. Esse é um problema muito grave e muito grande.

Quando a gente conversa com o governo, há uma leitura que o mercado tem uma irritação com o governo Lula, tem má vontade e sempre vê o que não foi feito e não valoriza o que foi feito. O mercado tem má vontade com o governo Lula?
O mercado não tem má vontade nem boa vontade com ninguém. O mercado gosta de uma economia sadia, que esteja crescendo, com os lucros crescentes, com investimentos rentáveis, com mais segurança, segurança econômica, segurança pessoal. Eu acho que o mercado, no fundo, numa economia de mercado, e não existe outra forma de se organizar a economia, ele gosta de boas políticas econômicas que tragam prosperidade, que permitam bons investimentos. O mercado gosta de volatilidade? Desculpe, mas estou trabalhando no mercado há décadas. O mercado gosta de uma boa tendência, positiva, bacaninha. Onde você vai poder investir, vai poder estudar direito os investimentos, entender o que você está fazendo, que também é um fator de produtividade para a economia. Às vezes, a gente se esquece. O mercado é um cassino? Não é. Usar o capital bem é bastante relevante. Eu entendo que o presidente Lula deve ter ficado chateado quando ele caiu nas pesquisas e o mercado subiu. Eu entendo perfeitamente. Ele tem uma história magnífica, e isso é inquestionável. Mas eu acho que no lado econômico…

Quando ele ficou doente, o mercado subiu…
Eu acho que ele tem toda razão de ficar chateado, mas eu acho que ele não deveria interpretar isso como uma coisa pessoal. Quando ele fez, tomou as decisões que ele tomou quando se elegeu a primeira vez, o mercado adorou. É o mesmo mercado. Então, não é esse o problema. É um problema do estado da economia que influencia os mercados.

Recentemente, o presidente do maior partido da base de apoio do governo, Gilberto Kassab, do PSD, falou num evento do mercado financeiro que, hoje, o governo tem um ministro da economia fraco, que não tem capacidade de influenciar o governo. O senhor considera Fernando Haddad um ministro fraco?
Não acho. Eu acho que ele faz o que o chefe dele manda. Não sei o que mais que ele poderia fazer. Talvez bater na mesa pontualmente
 e se posicionar, mas, no fundo, o maestro é o presidente da República. Então acho que é uma acusação, neste momento, natural também, porque as coisas estão paradas. Mas, em última instância, o problema está mais em cima.

O senhor já esteve no governo. Há um Banco Central com um presidente novo e uma diretoria relativamente nova ainda construindo a sua credibilidade. Como que o senhor vê hoje a atuação do Banco Central em parceria com a Fazenda, como uma equipe econômica de fato?
Pessoalmente, eu entendo que eles se dão bem, mas profissionalmente, vamos dizer assim, está funcionando mal. Eu acho que o lado fiscal está deixando uma batata quente na mão do Banco Central, difícil de segurar. Bem difícil. O Banco Central está precisando de ajuda. O arcabouço (fiscal), quando surgiu, foi um bom passo, mas ele está tendo resultados limitados. Ele próprio, no início, já nasceu limitado. Ele daria um passo na direção certa, mas não resolveria a questão. Eu tive a chance de comentar isso, inclusive no evento público em Brasília, na presença do ministro, que sempre foi uma pessoa lúcida, que, a meu ver, tomou a decisão correta lá atrás de fazer a manobra no ônibus e tentar caminhar na direção certa. Mas ela não foi 100% implementada e já era um primeiro passo positivo, mas apenas um primeiro passo. Mas eu não fulanizaria, não. Acho que se for para fulanizar, infelizmente é para cima.

E o pacote de medidas do final do ano passado e toda aquela discussão pública que gerou um desgaste para o ministro Haddad e o governo, de uma forma geral? Isso é reversível para 2025, 2026?
Eu acho que, em tese, é reversível se vier o comando para reverter. Mas, hoje, não é isso que está aí sinalizado. Não há dúvida que há uma pressão muito grande de que os últimos dois anos são hora de colher. Para colher, você tem que ter plantado antes. Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema.

Tem um ponto que  é um agravante: a mudança no comando dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, e o presidente Donald Trump com esse vaivém na tarifação. Ficou mais difícil o cenário com Trump?
Muito mais, com certeza. O cenário já vinha complicado. A invasão da Ucrânia, o que está acontecendo no Oriente Médio, aquele terrível massacre em Israel, a guerra fria entre Estados Unidos e China… Não nos iludamos, isso é uma nova Guerra Fria. E aí, nesse quadro que surgiu Trump. Eu estou, no momento, preocupado porque acho que a ideia de um mundo economicamente mais aberto é muito poderosa e ela está sendo radicalmente revertida. A incerteza das políticas do presidente Trump são um fator recessivo. O tratamento que ele dá a seus aliados históricos, os seus vizinhos, humilhante é, a meu ver, inaceitável e incompreensível também. Não é um quadro muito promissor. A ideia é fazer umas reformas no Estado é sempre bom. Repensar algumas coisas, o bom funcionamento do Estado, avaliar, mas acabar com o Estado é um pouco demais. Não está muito claro até onde ele vai. Então, no momento, a chegada dele foi, eu diria, problemática e isso se espelha já um pouco no próprio mercado. Estamos aqui no meio de uma correção bastante forte na bolsa americana. O dólar, que, se imaginava, subiria com introdução de tarifas de importação, está caindo. É um movimento muito baseado em confiança também. É um pano de fundo bem ruinzinho
.

Nesse cenário tem muita intimidação de parceiros comerciais, mas algumas medidas concretas, como é o caso da tributação do aço e do alumínio do Brasil, entrará em vigor até que se faça alguma coisa no sentido contrário. Isso repercutirá no crescimento. Qual é a sua previsão para 2025?
Eu procuro não fazer previsão. Tem tanta variável…

O mundo está tão imprevisível?
A previsão é de uma desaceleração no Brasil, com certeza. Pode ser uma recessão.

Já em 2025?
Pode. Mais para o final do ano. Não quero fazer previsões porque tem muitas, vamos chamar assim, partes móveis na equação. Mas há risco, sim, de uma desaceleração forte. E ela combina uma política monetária apertada e um clima global bastante preocupante. Tem algumas coisas que eu estou bem curioso para ver. Qual vai ser a resposta da Europa? A Europa está dando sinais que foram reforçados com essa posição americana com relação à Ucrânia, muito interessante também.

Já tem gente que diz, na verdade, que o movimento é Make Europe Great Again, e que a Europa despertou. O destaque é a Alemanha, uma economia que sempre foi fiscalista. Austeridade fiscal acima de tudo e, agora, propôs um mega programa para os próximos anos de investimento em segurança e também modernização da indústria…
A Alemanha é um caso um pouco à parte porque ela construiu a credibilidade. Ela construiu uma base fiscal sólida para agora poder gastar 20% do PIB que eles estão prometendo gastar. Isso é um caso perfeito porque é uma economia que trilhou uma política fiscal, vamos dizer, mais austera. Ao contrário do seria uma visão intuitiva “curtoprazista”. A Alemanha tem tido um desempenho extraordinário. E agora, de fato, a concorrência na indústria, que é uma área forte da Alemanha, vinda da China, tem sido duríssima. As questões de estratégicas com a Rússia são complicadas. E a Alemanha pode com esse tipo de política? O problema desse tipo de política é o seguinte: é para quem pode, não é para quem quer. A Alemanha pode. Os outros, menos. Então, vamos ver como é que esse troço vai, no final das contas, acontecer. E o outro ponto é o seguinte: a Europa está envelhecendo bem rápido, fez opções de estilo de vida bem diferentes das opções americanas. E bem diferente das opções asiáticas. As pessoas têm mais tempo de lazer e proteção social maior. Isso tudo foram opções da Europa. O que a Europa precisaria, na verdade, é que esse processo fosse viável a longo prazo. Isso é o que está sendo questionado. Não dá. Está caro demais. Então, a ideia de que uma expansão fiscal vai ser a solução para o problema europeu. Não vai. Não. Talvez ajude no caso alemão porque eles são muito disciplinados. Certamente vão gastar bem o dinheiro, e eles podem gastar. Outros não podem.

Mas esse cenário também é um cenário inflacionário mundialmente, não é? O que penaliza também economias como a brasileira… Ou não?
Os últimos 20 anos, 30 anos de inflação formam um período muito interessante. De um lado, houve um consenso na linha de ter bancos centrais independentes, voltados para o controle da inflação. Foi um grande sucesso. Veio a pandemia, as inflações subiram, mas já estão caindo de novo. Existe essa visão de que a inflação não ajuda em nada. Temporariamente, às vezes, sim. A inflação sobe, os bancos centrais podem errar um pouco a mão aqui ou ali. Agora, no geral, a base fiscal também tem que existir para que os bancos centrais consigam fazer esse trabalho direito. Acho que, hoje, há uma certa euforia com relação ao que a Europa vai fazer. Tudo bem, mas a Europa fez opções. A produtividade da Europa, eu diria, é alta. Por hora trabalhada, a produtividade europeia é bastante alta. Então, assim, eu ainda acho que a médio prazo o problema da Europa tem a ver com demografia. A questão da imigração é colossal e, portanto, é um pouco cedo para soltar rojões e achar que agora vai.

Com essa reconfiguração mundial, com novas lideranças que assumiram postos chaves, como Donald Trump nos Estados Unidos, um patamar de inflação para uma economia como a brasileira de 3% é muito baixo? É possível conviver com uma inflação um pouco maior, na casa entre 4% e 5%, ou isso seria um problema muito grave para o Brasil?
Essa história é bem antiga. Tem economistas sérios defendendo um aumento da meta (de inflação). Eu não sou defensor. Eu acho que seria uma bobagem. Eu não tenho nada contra suavizar um pouco a volta à meta em situações limítrofes. Mas mexer na meta eu realmente não mexeria. Eu acho que o que falta aí é mesmo um apoio fiscal. A mudança de meta seria quase que instantaneamente engolida pela economia, sem ganho. Os preços vão subir e pronto, o gato comeu. Então, eu não mexeria, não. A inflação agora está alta, em 5%? Não vou conseguir trazê-la para a meta em 18 meses. Sem ajuda fiscal, mais ainda…

Mas essa suavização não come a credibilidade do Banco Central? Há um histórico recente, na gestão de Alexandre Tombini no BC, em que ele foi acusado de ter sido leniente, aceitado uma inflação um pouco maior e, com isso, ter feito o caldo desandar. Há uma preocupação neste Banco central em construir essa credibilidade para ser um Banco Central novo?
Não vejo nada neste momento que possa merecer qualquer acusação ao Banco Central. Ele está fazendo o trabalho dele. Agora, fazer esse trabalho com uma política fiscal frouxa em relação ao que ela deveria ser, é um pouco mais difícil. Acho que, desde que fique claro que a inflação está caindo, administrar esses choques de oferta num horizonte de tempo de mais do que um ano, levar dois anos, três anos para chegar na meta não é nenhum pecado. Agora, o nosso caso hoje, eu diria, é mais grave. Não é um ponto na inflação que vai resolver coisa alguma, na minha opinião. Dois pontos ou três no saldo primário, aí, sim.


Relações Estados Unidos-China: considerações histórico-geopolíticas - Paulo Roberto de Almeida


4869. “Relações Estados Unidos-China: uma visão não imperial”, Brasília, 11 março 2025, 7 p. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/128207302/4869_Relacoes_Estados_Unidos_China_consideracoes_historico_geopoliticas_2025_); blog Diplomatizzando (14/03/2025, 


Relações Estados Unidos-China: considerações histórico-geopolíticas

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Notas sobre a mais importante relação bilateral da atualidade geopolítica. 

 

Introdução: da importância das relações bilaterais no contexto mundial

A relação entre os Estados Unidos, como a primeira potência econômica planetária, e a República Popular da China, como a segunda maior economia do mundo, possivelmente a primeira dentro de alguns anos, constitui o elemento central das relações internacionais contemporâneas, uma interação complexa, multifacetada, que pode desenvolver-se de modo cooperativo, mas que também pode derivar para um enfrentamento direto, no plano militar, o que alguns analistas consideram que poderia ser a III Guerra Mundial. A dissuasão nuclear deve, possivelmente, evitar que alguma confrontação entre os dois gigantes derive para uma guerra frontal, mas fases de fricção e de acomodação devem se alternar no futuro previsível.

Cabe, como sempre em diplomacia, distinguir entre os interesses nacionais dos dois Estados e as posturas específicas dos governos que comandam os dois maiores países da atualidade, pois que, segundo o grau de convivência ou de belicosidade entre as duas grandes massas econômicas, tecnológicas e militares do século XXI, o cenário mundial será mais ou menos propenso ao equilíbrio de poderes ou a um novo enfrentamento geopolítico colocado em termos de hegemonia singular ou cooperativa.

(...) 


Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/128207302/4869_Relacoes_Estados_Unidos_China_consideracoes_historico_geopoliticas_2025_


quinta-feira, 13 de março de 2025

Por trás do caos, um projeto cleptocrático - Paulo Roberto de Almeida e um amigo americano

Por trás do caos, um projeto cleptocrático

Paulo Roberto de Almeida e um amigo americano 

O caos trumpista não é apenas o resultado involuntário de uma mente perturbada. Pode também ser um projeto deliberado para ganhos privados a partir da desorganização do Estado, assim como a tirania putinesca não é apenas despotismo em sua forma pura, mas também a condição necessária para manter o sistema cleptocrático criado desde a origem.

Vejam o que me escreveu um amigo americano depois de ler minha pequena nota sobre uma “nova era na história da humanidade?”

“The chaos created  by Trump is not just international but also domestic.  Much of this is designed to distract attention from the massive robbery of state assets that is being set in motion by Trump, Musk, and other members of his troupe.  Hence, Trump resembles Putin in another important aspect: the creation of another kleptocracy.  It is no coincidence, by the way, that part of Trump's fortune comes from selling overpriced real estate in the United States to Russian kleptocrats trying to launder their ill gotten gains.”

A minha nota foi esta:

https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/03/uma-nova-era-na-historia-da-humanidade.html?m=1

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...