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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Medicos pedindo socorro - Milton Simon Pires

CARTA AO DOUTOR PACIENTE – A MEDICINA PEDINDO SOCORRO.

Milton Simon Pires

Meus amigos, a internet está cheia de “cartas” aos responsáveis pelo caos na saúde. Eu mesmo escrevi várias delas – “Carta à Presidente Dilma”, “Carta ao Ministro da Saúde”, “Carta aos Médicos Brasileiros”...e por aí vai..Hoje tive a ideia de escrever uma pra vocês..Vamos ver se consigo ser feliz...
Vejam só que ironia, são tantos os nomes que deram a vocês...São tantos de vocês que já atendi na minha vida (vários em estado tão grave que sequer se lembram de mim) que, acreditem, não sei como vou chamá-los! Há quem faça questão que eu os chame de “usuários” - coisa que sempre me sugere que vocês estejam usando cocaína ou crack – e isso não vou fazer. Se, por outro lado, os chamo de pacientes, vai parecer que aqui “sou doutor” e estou fornecendo orientações profissionais – nesse caso a PVP (Patrulha Virtual Petralha) ia “deitar e rolar”..rsss..rsss..Que dilema, né?? Vou chamá-los de “cidadãos” e, se ainda existe isso no Brasil Petista, manter a escolha até o fim do artigo.
Pois bem: Cidadãos brasileiros, faço aqui um apelo ao que ainda possa restar de inteligência nacional não contaminada pela má-fé, pelo fanatismo e pela irresponsabilidade petista. Lembrem-se que somos nós, os médicos brasileiros, os responsáveis na linha de frente na guerra pelas suas vidas. Não se deixem enganar por um governo corrupto que, no desespero de se manter no poder, quer trazer para o Brasil gente sem a mínima qualificação. Por favor não argumentem dizendo que lhes falta estudo para tomar partido nessa história. Usem do bom senso! Vejam onde se tratam esses corruptos mensaleiros quando precisam de um médico. Observem se, alguma vez, qualquer um deles buscou atendimento no SUS.
Meus amigos, o Brasil não tem mais hospitais! Nós não conseguimos mais fazer medicina sem exames de laboratório e equipamentos específicos. Nós não suportamos mais ir para o interior do país para sermos despedidos ao bel prazer de qualquer prefeitinho de partido nanico. Nós sabemos que o dinheiro da saúde está sendo desviado por secretários municipais corruptos que deveriam estar na prisão há muito tempo. Por favor, confiem nos seus médicos antes de confiarem nos seus políticos! Nós estivemos, e estaremos sempre, com vocês até o fim de suas vidas; bandidos políticos não! Não acreditem no governo e nessa imprensa brasileira de aluguel quando dizem que “não queremos atendê-los, que não queremos ir para o interior, ou que somos contra médicos estrangeiros entrarem aqui”. Isso é tudo MENTIRA! Isso é feito para que vocês sintam raiva dos médicos e o maldito Governo Federal ganhe politicamente com isso. Eu escrevo a vocês com tripla autoridade: sou médico, fui e ainda sou paciente várias vezes, e – acima de tudo – conheço profundamente os petistas porque fui um deles! Não se deixem enganar pensando que estrangeiros vão resolver seus problemas. Não acreditem que seja uma boa ideia vetar vários itens na Lei do Ato Médico! A grande maioria dos enfermeiros brasileiros e dos demais profissionais da saúde são pessoas honestas e de bom coração! Elas não estão ao lado desse maldito partido e sabem que estão sendo usadas politicamente pelo PT para “brigar” com os médicos.
Amigos, lembrem-se: caiu o Império Romano, Napoleão fracassou, o Terceiro Reich só existe nos livros! A ditadura Lulo-Petista e esse maldito Partido-Religião também vão desaparecer! Ajudem-nos! Senão por uma questão de solidariedade; por uma de pura inteligência! São vocês que vão perder...E vão perder muito mais do que nós. O PT afirma que estamos preocupados com dinheiro; eu afirmo que estamos pensando nas suas vidas!
Não sabia como chamá-los no início do texto. Como as linhas foram de puro desespero sinto-me como se estivesse (agora eu mesmo) no lugar de vocês esperando no SUS. Decido então que hoje vocês são os “Doutores Pacientes”...Esse artigo era a voz da Medicina...da Medicina pedindo socorro!


Porto Alegre, 14 de agosto de 2013.

Siria: entre o sofrimento, o cinismo e mais sofrimento - Reinaldo Azevedo

Creio que, excluindo Rússia e China, que pretendem preservar o status quo na Síria (ou seja, a preservação do regime atual), nenhuma das outras grandes potências, inclusive os EUA, sabem bem o que fazer dessa batata quente. Provavelmente a opinião pública as impede de declarar publicamente, e cinicamente, que a única solução viável, no momento, é a preservação do atual status quo, ou melhor, impasse total. Nem o ditador pode prevalecer, ou seja vencer a oposição, nem esta pode ganhar, pois não se trata da "boa" oposição, mas de fundamentalistas fanáticos.
Assim, a solução por enquanto é ter as duas frentes alimentadas respectivamente pelos dois blocos de grandes potências, se matando reciprocamente, até alguém desistir, e não creio que vai ser o ditador.
Não existe muitos outros caminhos. O ditador vai pagar um preço, mas este seria muito maior se os jihadistas tomassem o poder em seu lugar.
Triste Síria, está se acabando. Não creio que volte a ser como antes... infelizmente (o que não quer dizer que fosse uma maravilha, ao contrário: era uma ditadura ordinária, mas não havia muçulmanos massacrando cristãos...).
Paulo Roberto de Almeida

Reinaldo Azevedo, 29/08/2013

No post anterior, informa-se que o Parlamento britânico, prudentemente, negou-se a dar uma autorização ao governo para participar de um ataque miliar à Síria. A rigor, David Cameron poderia mandar as forças britânicas numa espécie de expedição punitiva, mas preferiu ter a chancela do Parlamento — e não foi bem-sucedido. Como se vê, a questão é bem menos simples do que faz crer certa imprensa. E, desde o primeiro dia, tenho chamado a atenção de vocês para essa complexidade. Raramente fui tão criticado por aquilo que não escrevi — e eu jamais sugeri (afirmar então…) que Bashar Al Assad é alguém em que se deva confiar. Não! É um carniceiro. Ocorre que, entre dois males, quando inexiste uma terceira opção, a única escolha ética e moralmente aceitável é o mal menor. Escolha, note-se bem, não para um engajamento na causa desse mal menor. Isso nunca!
Também o Parlamento britânico tem fundadas dúvidas se foram mesmo as forças de Assad que determinaram o ataque químico. A ONU ainda não tem as provas — os EUA dizem que já fizeram a sua própria investigação e concluíram que sim. Já vi “provas irrefutáveis” sendo desmoralizadas depois. Como esquecer o caso de Richad Goldstone (leia aqui ), que fez um relatório condenado Israel no caso da incursão em Gaza, admitindo, mais tarde, o erro?
Assad é carniceiro, mas não é burro. Pode até ser que gente da sua laia tenha feito o ataque, mas duvido que seja uma tática de guerra — ele sabia que esse era o limite que poderia efetivamente derrubá-lo.
O tirano, infelizmente para os sírios e para o Oriente Médio, ainda é o mal menor no país. Seus adversários armados — e que não vão entregar as armas se ele cair — são os terroristas da Al Qaeda, são os jihadistas. Se Assad for deposto, as forças militares regulares vão se decompor. Os alauítas, que estão no comando, vão dar o fora — ou correm o risco de morrer. Um arsenal químico — que, então, os EUA e a Europa admitem existir — estará ao alcance dos terroristas.
O país tem 90% de muçulmanos e 10% de cristãos — quase 2 milhões de pessoas. Mais de 70% do total são sunitas. Os alauítas, que governam o país (minoria muçulmana à qual pertence Assad), ficam em torno de 10% também. Os principais grupos terroristas que atuam hoje no país são sunitas e incitam o ódio contra as duas outras comunidades. Os cristãos, particularmente, já enfrentam um clima de terror.
Assim, a queda de Assad não traz consigo apenas o risco de o país ficar à mercê dos terroristas — a menos que Obama esteja disposto a ter o seu próprio Iraque; há também o perigo de uma guerra religiosa. Os cristãos ficarão entre a fuga em massa e a perseguição implacável dentro do país. Aqui e ali são censurados porque dariam apoio ao ditador. Não é bem assim: estão entre Assad, que sempre lhes garantiu a necessária segurança, e o jihadismo, que os quer mortos ou fora da Síria. Qual seria a sua escolha, leitor?
Isso, obviamente, não implica que Assad possa sair por usando armas químicas e matando quem lhe der na telha porque, afinal, o terror seria muito pior. Se usou ou autorizou as tais armas, alguma sanção há de haver. Derrubá-lo, no entanto, para garantir que seus atuais adversários cheguem ao poder seria uma prova de estupidez.
Autorização da ONU para atacar, enquanto China e Rússia não mudarem de ideia, os EUA não terão. A Grã-Bretanha, por enquanto, ficará fora de uma possível intervenção. Isso é muito menos do que foi concedido à Otan no ataque à Líbia.
Obama, nesse caso, junta imprudência e hesitação. Por imprudente, seu governo anuncia ter as provas; hesitante, não quer atacar sozinho — ou fora de um arco mais amplo. A ação, dizem os EUA, não é para derrubar Assad. Mas, se não é, então serve a que propósito que não seja a ainda mais sofrimento? A confusão encontraria uma solução natural se, do outro lado, houvesse ao menos forças aptar a participar do concerto internacional. Ocorre que estamos falando de terroristas.

Creio que a maioria do Parlamento britânico andou operando com os mesmos critérios que me pautaram até aqui.

Condenados, mas vivissimos - Milton Simon Pires

CONDENADOS E LEGISLADORES

Milton Simon Pires

Tenho seguido com interesse a reação da grande imprensa à condenação do deputado Natan Donadon. Livrado da cassação de mandato pelos seus colegas, ele chegou e saiu algemado da sessão de hoje da Câmara dos Deputados. Retornou, depois da sua atividade parlamentar, ao Presídio da Papuda. Ainda não estou entendo, de fato, por que essa sensação toda de estranhamento..o porquê de tanta perplexidade..Me ajudem a compreender.
Imaginem vocês um lugar onde simplesmente não existe qualquer espaço para a mais simples noção de bem comum. Onde algumas poucas pessoas são inocentes e a grande maioria é de bandidos.  Um lugar onde se combina a noite tudo que será feito durante o dia. Um espaço onde não tem valor nenhuma lei escrita, onde impera o mundo dos interesses escusos, dos conchavos, das ameças e das delações..Imaginem um lugar de onde se pode, uma vez combinados alguns interesses, parar todo país e quem sabe até mudar a sua história. Uma instituição onde o que manda é o dinheiro e o narcotráfico..onde se pode contratar a morte de pessoas e onde, garantidas algumas condições, se pode desfrutar de regalias inimagináveis...Imaginaram? Pois bem, agora eu pegunto a vocês – Vocês conseguiram definir com certeza se eu estou falando de uma penitenciária de segurança máxima ou do Congresso Nacional? Se conseguiram; me mostrem como o fizeram pois eu mesmo me atrapalhei com o que escrevi!
Meus amigos, o que torna um homem perigoso não é sua força...não é seu dinheiro, nem suas armas  
mas sim o seu caráter. Não vou perder tempo aqui tentando demonstrar isso. Faço o caminho inverso afirmando que isso é tão verdadeiro, tão simples e tão evidente, que – como todas as coisas que guardam essas três qualidades – foi esquecido. Sendo esquecido, uma vez demonstrado de forma cabal provoca o falso deslumbramento. É dessa sensação que se vale quem quer vender jornal e fazer notícia afirmando “escandalizado” que agora o Brasil tem deputados presidiários. Guardasse o nosso povo a certeza de que não há diferença entre os valores que imperam num presídio e aqueles que regem nosso Congresso e não teria a restrição da liberdade de ir e vir de um marginal de terno provocado tamanha polêmica.
Há muito, mas muito tempo mesmo a democracia no Brasil acabou. Governa o país uma ditadura dos medíocres onde a noção de justiça cedeu a de “participação popular” e onde a mera noção de verdade foi trocada pela de consenso. Já escrevi antes sobre o tema.
Deputados bandidos sendo algemados e mesmo assim mantendo seu cargo não são causa disso. São a consequência. Afirmo ser pré-requisito essencial para vida politica no nosso país um caráter em absolutamente tudo idêntico ao dos sociopatas assassinos, estupradores e traficantes que lotam as prisões mais vigiadas. Sustento que a semelhança entre esses dois mundos é tamanha que não há  dinheiro nem luxo capaz de dissimular as coincidências. Essa afinidade funciona como um tapa na cara para quem acredita nas instituições acima dos homens, para quem coloca o mundo da economia acima da cultura e para quem crê que o “hábito faz o monge”. Ela desafia a máxima das faculdades de Direito ao proclamarem que não existem criminosos; mas sim crimes e atira perante toda sociedade brasileira a vulgaridade do seu cidadão mediano – aqueles entre os quais nos incluímos todos nós, que não somos presidiários nem deputados, mas que nosso silêncio covarde permitimos o surgimento de condições em que não se pode mais fazer a distinção moral deles. Quando um deputado brasileiro, bandido ou não, permanece indo e vindo algemado às sessões do Congresso, somos todos nós que estamos ali junto com eles. Somos 190 milhões de “depenados” - termo que define a mistura de deputados e apenados, que reflete o brasileiro médio e escandaliza o cidadão mínimo em qualquer republiqueta africana. Triste maneira de fazer um país gigantesco perceber que o que tem de mais importante não são as suas instituições, mas sim o seu povo, que esse povo, crente numa religião civil de adoração ao poderes colocou neles os piores dentre seus homens e que já não há mais diferença alguma entre condenados e legisladores.


PORTO ALEGRE, 30 DE AGOSTO DE 2013.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Pausa para... uma crianca feliz... e um avo desabituado...

Sem palavras...


Brasil-FMI: companheiros ainda mantem relacao esquizofrenica - materias de jornais

Ué? A gente não era autônomo do FMI? Não éramos credores do organismo? Por que reter um relatório sobre nossa excelente situação econômica e nossa mais excelente ainda política econômica?
O que temos a esconder?
Paulo Roberto de Almeida

FMI sugere ao Brasil reduzir empréstimos a bancos públicos
Sergio Lamucci
Valor Econômico, 29/08/2013

Washington - O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda ao Brasil uma redução gradual da política de empréstimos aos bancos públicos, ressaltando a importância da adesão a uma meta de superávit primário que coloque a dívida pública numa trajetória de queda, segundo documento divulgado ontem, que elogia o ciclo de alta de juros promovido pelo Banco Central (BC) para conter a inflação.
Para o FMI, a economia brasileira está se recuperando da desaceleração que começou em meados de 2011, observando que os "ventos contrários" provocados pelas condições externas, "restrições domésticas de oferta e incertezas sobre políticas" parecem segurar o crescimento no curto prazo.
As informações fazem parte de nota de três páginas, que trata da conclusão das consultas ao artigo IV, o capítulo do estatuto do FMI que prevê raio-X anual da situação da economia dos países-membros. Não é contudo, o relatório completo, cuja publicação depende de autorização do Ministério da Fazenda, ainda pendente. (ver ao lado)
O FMI faz algumas críticas à política fiscal, na linha das realizadas por parte dos especialistas em contas públicas no Brasil, mas em tom mais brando. O aumento expressivo dos empréstimos do Tesouro para bancos públicos, especialmente ao BNDES, é malvisto pelos analistas por elevar a dívida bruta.
Segundo a nota do FMI, alguns diretores-executivos consideraram que "uma avaliação mais detalhada do que compreendem os conceitos da dívida pública bruta e líquida permitiria uma interpretação melhor da evolução e das perspectivas fiscais do país". A dívida líquida desconta ativos do governo, como reservas internacionais e créditos do Tesouro junto aos bancos públicos.
Em julho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mandou carta para a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, pedindo uma mudança nos critérios de cálculo da instituição da dívida bruta brasileira. Nas conta do FMI, o endividamento bruto do país fica mais alto por incluir todos os títulos que estão na carteira do BC.
Os diretores-executivos da instituição, diz o documento, estimulam esforços do país para "manter a disciplina fiscal de Estados e municípios, o relaxamento da rigidez orçamentária para aumentar a poupança pública", além de encorajar o "reconhecimento mais completo de riscos fiscais associados a ativos de bancos públicos e acordos de concessão de infraestrutura." Eles ressaltaram a necessidade de ajuste fiscal firme e comedido, "ancorado à meta de longo prazo de superávit primário".
"Alguns diretores" acreditam, segundo a nota, que o estímulo fiscal pode ter papel de instrumento contracíclico. O FMI se mostrou satisfeito com o começo do ciclo de aperto monetário, destacando que a política monetária deve se voltar para conter pressões inflacionárias e ancorar expectativas de inflação. Para o FMI, a política monetária deve ter o papel principal na administração da demanda.
Ao falar da atividade econômica, o FMI aponta uma retomada gradual. "O consumo continuou resistente no ano passado, apoiado pelo baixo desemprego e amplos ganhos nos salários reais, embora tenha havido uma desaceleração mais recentemente", afirma. "Depois de período prolongado de fraqueza, o investimento começou a se recuperar nos últimos trimestres, enquanto a confiança dos empresários se firmou. Com a economia operando perto do potencial, restrições de oferta afetaram o crescimento de curto prazo e exacerbaram pressões inflacionárias."
Para o FMI, o baixo desemprego contribuiu para pressionar a inflação, impulsionando a demanda e elevando custos. O documento nota que o índice de preços ao consumidor tem rodado no limite superior da banda de tolerância da meta, de 6,5%, enquanto as expectativas de médio prazo acima do ponto central, de 4,5%. Nota que o déficit em conta corrente aumentou, refletindo demanda externa mais fraca, consumo forte e também aumento do investimento e interrupções temporárias na produção de petróleo. "A taxa de câmbio se depreciou ao longo do último ano, mais recentemente como parte de um amplo realinhamento nos vários mercados emergentes."
A nota destaca que fluxos de capitais, especialmente de carteira (para ações e renda fixa), diminuíram em 2012, devido à perspectiva de crescimento mais fraco, juros mais baixos no Brasil e ao uso de medidas de controle de capitais. "Mais recentemente, a volatilidade financeira global e o aumento da aversão global ao risco reduziram ainda mais os fluxos de carteira para ao Brasil." Os fluxos de investimento estrangeiro direto, porém, continuaram robustos, nota o FMI.
O fundo diz apoiar a decisão das autoridades brasileiras de limitar as intervenções no câmbio para moderar a excessiva volatilidade, destacando que o câmbio flutuante deve permanecer como o principal amortecedor de choques num cenário de turbulência. O documento, contudo, foi concluído antes de o real sofrer pressão mais forte, que levou o BC a decidir por uma atuação mais firme no mercado de moeda estrangeira.

Fazenda 'proíbe' FMI de divulgar relatório
 Adriana Fernandes, Laís Alegretti, Renata Veríssimo
O Estado de S. Paulo, 29/08/2013

Brasília - Fundo publicou apenas sumário de documento com dados da análise anual sobre a economia brasileira; governo cobra ajustes técnicos

Em mais um episódio envolvendo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo brasileiro não autorizou o organismo a publicar o relatório completo com os dados da análise anual feita sobre a economia brasileira.A entidade limitou-se a divulgar ontem apenas o sumário da publicação.
O Brasil cobra do FMI modificações e ajustes técnicos no documento antes de autorizar a publicação da íntegra do relatório. O Ministério da Fazenda não informou quais são as mudanças pleiteadas pelo Brasil. A assessoria do ministro Guido Mantega disse que se trata de discussões técnicas. O Brasil alega que precisa de mais tempo para autorizar a divulgação.
"A decisão sobre a publicação do artigo 4.º será tomada depois que esse diálogo (com o FMI) for concluído", comunicou a assessoria de Mantega.
Conhecido como "artigo 4.º", o relatório é feito depois de uma avaliação e troca de informações com a área econômica do governo sobre a estratégia de política econômica. Economistas do FMI visitam o País e, após o retorno, a equipe apresenta o documento para a discussão na diretoria do Fundo.
O relatório foi concluído pela diretoria executiva do FMI no dia 26 de julho, mas apenas o sumário foi divulgado ontem, nos Estados Unidos, com recomendações ao País como: a redução gradual na concessão de crédito por bancos públicos, disciplina fiscal e adoção de uma meta de superávit primário que coloque o déficit público em trajetória de queda. No sumário, o FMI também avalia que uma política monetária mais apertada vai ajudar o País a lidar com pressão de preços. Ou seja, sugere juros mais altos para combater a inflação.
Pressão. Nos últimos meses, o Brasil vem pressionado o FMI para revisar a metodologia de cálculo da dívida bruta do governo federal. Mantega chegou até mesmo a enviar uma carta à diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde. A mudança passou a ser questão de honra para o Brasil porque, pelos critérios do FMI, a dívida pública brasileira fica quase 10 pontos porcentuais mais elevada em comparação aos cálculos feitos pelo Banco Central brasileiro. A preocupação do governo é que o cálculo mais elevado prejudique a imagem do Brasil, justamente no momento de maior crítica à política fiscal.
Na carta, o governo critica a metodologia, considera que os dados do FMI estão "substancialmente superestimados" e que isso prejudica a percepção sobre a situação fiscal brasileira. Pelos dados do FMI, a dívida bruta do País fechou 2012 em 68% do Produto Interno Bruto (PIB). Já pelos dados divulgados pelo BC, o endividamento ficou em 58,7% ao final de dezembro do ano passado.
Grécia. Em outro episódio mais recente, o representante do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista, se absteve na votação de liberação de mais uma tranche de ajuda à Grécia. O procedimento foi desautorizado pelo ministro Mantega, que telefonou para a diretora do FMI para explicar que essa não era a posição do governo. Em seguida, Batista foi chamado a Brasília, mas não perdeu o cargo.

O FMI e a escuridão do Brasil
Editorial O Estado de S. Paulo, 29/08/2013

Mistério insondável ou segredo? Não há cenário prospectivo da economia brasileira, nem para este ano nem para o próximo, no informe divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), na quarta-feira passada, sobre a recém-concluída coleta de informações sobre a situação e a evolução provável do País. Quem quiser conhecer as mais amplas e recentes projeções econômicas para Estados Unidos, Alemanha, China, Japão, Geórgia e República Eslovaca - para citar só uns poucos exemplos - poderá consultar os últimos relatórios do Fundo Monetário Internacional sobre as consultas realizadas periodicamente, quase sempre de ano em ano, com fontes oficiais, empresariais e acadêmicas desses países.
Os documentos e mesmo os comunicados breves à imprensa contêm, no mínimo, os números estimados para este ano e para o próximo. As estimativas alcançam, em alguns casos, os próximos cinco anos. No caso do Brasil, a série dos números termina, estranhamente, no ano passado. A nota publicada em julho de 2012 continha, pelo menos, as projeções para o ano. Naquele momento ainda se esperavam, por exemplo, um crescimento econômico de 2,5% e uma inflação de 4,8% - números fornecidos pelo governo, incorporados no relatório e errados.
Neste ano, nem as projeções para 2013 aparecem na tabela divulgada. Não foram citadas sequer as últimas estimativas do FMI: 2,5% de expansão do PIB neste ano e 3,2% no próximo. O governo terá, por insegurança diante dos maus resultados obtidos até agora, interferido para limitar os detalhes numéricos?
Mesmo com poucos números e com uma tabela encerrada em 2012, a nota evidencia uma avaliação pouco favorável da economia brasileira. Documentos desse tipo são em geral redigidos em linguagem diplomática, mas sem grandes contorções. A produção do texto recém-divulgado foi obviamente mais complicada, com muita interferência brasileira. A análise relevante, em geral crítica, aparece quase sempre depois de alguma referência positiva.
Exemplo de contorção: a economia melhora gradualmente, o investimento começou a recuperar-se e a confiança dos empresários se firmou. Mas - e aqui entra a parte substantiva - a economia deve estar operando perto do potencial, restrições do lado da oferta limitaram o crescimento no curto prazo e exacerbaram as pressões inflacionárias, com o baixo desemprego também contribuindo para pressões inflacionárias de custo e de demanda.
Qual o potencial de crescimento? Deve estar na faixa de 3% a 3,5%, pelas estimativas do Fundo, porque a projeção para o próximo ano indica 3,2%. No Brasil, há quem calcule margem ainda menor para uma expansão segura, isto é, sem pressão importante sobre os preços e sem desajustes perigosos nas contas externas. Sem entrar nesses detalhes, pelo menos no informe inicial para a imprensa, o pessoal do FMI é, no entanto, bastante claro quanto a esse ponto: o Brasil precisa de muito mais investimentos para crescer mais rapidamente.
A piora das contas externas também é mencionada. O câmbio desvalorizou-se, mas o custo da mão de obra em dólares se manteve. O rápido aumento do salário real e a estagnação dos ganhos de produtividade limitaram o efeito benéfico da depreciação do real sobre a competitividade. A mensagem é nítida: a deterioração do balanço de pagamentos, especialmente da conta de comércio, é atribuível apenas em parte à fraqueza da demanda externa. Neste, como em outros pontos importantes, o diagnóstico dos técnicos do Fundo diverge das explicações, ou justificativas, do governo.

Na avaliação da junta de diretores executivos, o crescimento deve estar sendo contido, no curto prazo, pelas limitações internas da oferta (dificuldades de produção) e pelas incertezas quanto à política econômica. O aperto monetário, segundo essa análise, é bem-vindo e seria conveniente mantê-lo para conter a inflação e ancorar as expectativas. Cuidar das contas públicas também seria, segundo essa análise, uma boa ideia.

Alho: um produto altamente estrategico, essencial, excepcional (protecionismo ridiculo)

Seria risível se não fosse patético.
Desde que o Mercosul começou, mais de 20 anos atrás, o alho sempre figurou em todas as listas de exceções. Deve ter alguma coisa com o alho que eu não percebo, e não deve ser só para espantar vampiros...
Paulo Roberto de Almeida

Produtores querem barrar alho chinês; importador fala em aumento de preço
MAURO ZAFALON (Vaivém das commodities / Coluna)
Folha de S. Paulo, 29/08/2013

Produtores e importadores de alho estão em pé de guerra por causa do produto vindo da China. Os agricultores brasileiros querem aumentar as barreiras impostas ao alho chinês, enquanto os importadores pretendem derruba-las.
O Brasil produz só 35% do alho que consome, e mais da metade do produto importado vem da China --quase todo o resto sai da Argentina.
Para entrar no país, o alho chinês é submetido, desde 1996, ao pagamento de tarifa antidumping. A medida é reavaliada de tempos em tempos e a revisão mais recente ocorreu em 2007, com previsão para expirar no final deste ano.
Os produtores brasileiros se anteciparam e pediram ao Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério do Desenvolvimento, a renovação do antidumping e o aumento da tarifa, de US$ 0,52 por quilo para US$ 1,01.
"Nossos estudos mostram que esse é o valor do dumping praticado pelos chineses", diz Rafael Corsino, presidente da Anapa (Associação Nacional dos Produtores de Alho).
Dumping é quando um produto é vendido com preço mais baixo que no país de origem. Segundo Corsino, o quilo do alho chinês é vendido no Brasil cerca de US$ 1 mais barato que na China.
Os importadores negam o dumping. O presidente da Ania (Associação Nacional dos Importadores de Alho), Herculano Gonçalves Filho, diz que algumas empresas chinesas abriram os seus números ao Decom para comprovar que não há essa prática.

Segundo ele, se a tarifa subir, o consumidor vai pagar mais pelo alho, já que a produção nacional não é suficiente para abastecer o país. A alta, diz, pode chegar a R$ 1,20 por quilo, que é vendido entre R$ 12 e R$ 15 ao varejo.

Argentina: quando um governo persegue cambistas, a crise esta' proxima

Argentina pressiona cambistas de dólar
Ariel Palacios
O Estado de S. Paulo, 29/08/2013

Governo ordenou uma série de blitze no centro portenho, fechando algumas agências de câmbio, além de perseguir nas ruas cambistas que vendiam dólares aos turistas

BUENOS AIRES - A derrota da presidente Cristina Kirchner nas eleições primárias do dia 12 de agosto e a perspectiva de um novo fracasso do governo nas urnas nas eleições parlamentares do dia 27 de outubro está provocando uma nova disparada do dólar na Argentina. A cotação oficial da moeda americana - o refúgio financeiro preferido dos argentinos há quatro décadas - encerrou ontem em 5,65 pesos. A cotação paralela "light" ficou em 8,75 pesos, enquanto que a versão do dólar paralelo aplicada pela maioria dos cambistas chegou a 9,69 pesos. Desta forma, a brecha entre a cotação oficial e a extraoficial ultrapassa os 70%.
No entanto, no fim do dia o secretário de comércio interior, Guillermo Moreno, ordenou uma série de blitze no centro portenho, fechando algumas agências de câmbio, além de perseguir nas ruas cambistas que vendiam dólares aos turistas. Moreno é o homem forte da presidente Cristina na cruzada antidólar deflagrada pelo governo em outubro de 2011.
Nos últimos dois anos, a Casa Rosada aplicou uma série de restrições que tornam quase impossível a compra de dólares por parte dos cidadãos argentinos. Sem a possibilidade de comprar pela via oficial, os argentinos recorrem ao paralelo, mercado que havia praticamente desaparecido nos 20 anos anteriores.
O governo tenta manter as aparências cambiais com o dólar oficial. No entanto, desde junho, em diversas reuniões com os donos de agências de câmbio - e também com cambistas ilegais -, o secretário Guillermo Moreno exerceu fortes pressões para que o dólar paralelo seja "moderado". Por este motivo, os cambistas fazem as operações ilegais anunciando um paralelo mais "light" - o denominado "blue" - para agradar o governo, embora, na realidade, protagonizem um câmbio mais elevado, chamado de "dólar-cueva" (dólar-caverna).
Repatriação. Em julho o governo anunciou o "Plano de Exteriorização Voluntária de Divisas", nome do mecanismo que implementa a anistia para os dólares não declarados que poderão entrar no sistema financeiro do país durante três meses. Além de tentar trazer fundos frescos para o país, a lei pretendia provocar uma queda do dólar. No entanto, o plano fracassou e o dólar voltou a crescer, embora de forma gradual. Mas a derrota do governo nas urnas provocou uma nova disparada na última quinzena.
O resultado eleitoral coloca a pique os planos do governo de reformar a Constituição com o objetivo de permitir reeleições presidenciais indefinidas para Cristina Kirchner.

Nesta semana, o dólar paralelo voltou a subir a partir do anúncio da presidente Cristina sobre uma nova - e polêmica - reestruturação da dívida pública com os "holdouts" (denominação dos credores que não entraram nas trocas de títulos realizados em 2005 e 2010).

O deputado-presidiario importa menos: o objetivo sempre foi salvar outros bandidos, maiores - Reynaldo Rocha

Reinaldo Rocha
Blog de Augusto Nunes, 29/08/2013

No país de pernas para o ar, da inversão absoluta de valores, não são os mensaleiros que serão beneficiados com a absolvição de Natan Donadon. Foi Donadon que se beneficiou do processo do mensalão.

A causa primeira do apodrecimento do Congresso está no PT e no projeto de poder sem limites, sem vergonhas e sem respeito ao país.
Os que roubaram se associaram à maior quadrilha de bandidos já vista no Brasil, que usa o poder como pé-de-cabra para arrombar cofres públicos e protege bandidos como membros da Cosa Nostra. São os responsáveis diretos pela absolvição parlamentar de um criminoso condenado a 13 anos de cadeia.
Isto não exime os covardes que zombaram da nossa cara nesta quarta-feira, em mais uma noite de infâmia. São venais e esperavam somente a oportunidade de reafirmar ao Brasil o que sempre fazem: viver no esgoto fétido onde convivem na alegre confraria das ratazanas.
Mas que não se acuse o salafrário condenado pela alegria incontida dos mensaleiros. Ou se debite ao Donadon o que é do PT. A César o que é de César. Ao PT a primazia da canalhice. O deputado que reclama do banho frio e da qualidade do repasto servido somente seguiu a trilha do PT e repetiu a cantilena dos inocentes ladrões de Ali Baba.
Que não se acuse o presidiário-deputado de ser a falta de decência explícita. Somente copiou quem nunca foi decente.
São estes os pioneiros que merecem – na visão de alguns ministros da defesa em ação no STF – uma pena minorada? É este exemplo – seguido por Donadon, que exige o mandato mesmo precisando de camburão para ir ao trabalho – que protege os mandatos de João Paulo Cunha e Genoíno?
Não seria a “elasticidade” das penas, tão citada por Ricardo Lewandowski, o argumento usado ontem por centenas de juízes? O ministro deve estar feliz. Ao menos uma de suas teses foi aplicada.
A interpretação a favor do réu (mesmo contra a sociedade) foi levada ao extremo. Preso? Sim. Condenado? Também. Mas deputado sempre!
Natan Donadon se valeu da desavergonhada exegese jurídica que ministros do STF propõem como uma nova prestação jurisdicional. A que se rebela contra a sentença (direito de qualquer réu) e consegue apoios entre os próprios julgadores.
Não foi isso que aconteceu onde no Circo dos Farsantes? Um ajuntamento de bandidos inocentando e protegendo um deles que – coitado – caiu em desgraça.
O exemplo está sendo dado há mais de oito meses em outro prédio da Praça dos Três Poderes. O Estado de Direito substituído pelo direito de alguns que lesam o Estado.
Donadon será eternamente grato ao PT, aos mensaleiros, aos blogueiros “progressistas” e chapas-branca, aos milicianos histéricos, aos movimentos sectários que defendem o indefensável, aos ministros que caíram de para-quedas no Plenário do Supremo, aos cordatos que mesmo discordando aceitam a podridão como normal, aos advogados medalhões regiamente pagos, ao poder.
Os mensaleiros nada devem a Donadon. Este sim deve e muito aos mensaleiros. Eles criaram o caldo de cultura onde mais é menos, onde roubo é malfeito, onde a mentira é dado oficial e onde o poder é passagem liberada para a corrupção.

Os mensaleiros devem ao Brasil. E esta conta – juro! – eu vou cobrar.

Martin-Luther King: Americano, nao Afro-Americano - Demetrio Magnoli

E ele não disse 'África' 
Demétrio Magnoli
O Estado de S. Paulo, 29/08/2013

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Meio século atrás, à sombra do Memorial de Lincoln, em Washington, Martin Luther King pronunciou 1.667 palavras. Nenhuma delas era "África" - ou "africanos", ou mesmo "afro-americanos". Nessa ausência se encontra a prova da atualidade do discurso mais célebre do século 20. Deveríamos ouvi-lo novamente, prestando atenção no contraste entre aquela linguagem e a utilizada hoje pelos arautos das políticas de raça.
King aludiu à Proclamação de Emancipação, de Abraham Lincoln, "um grande farol de esperança para milhões de negros escravos", mencionou as "algemas da segregação" e as "correntes da discriminação" que, cem anos depois, ainda aleijavam "a vida dos negros", e falou sobre a "solitária ilha de pobreza, em meio a um vasto oceano de prosperidade material", na qual viviam os negros. No discurso de agosto de 1963, os negros eram definidos por referências situacionais (escravidão, segregação, pobreza), não por uma essência identitária (raça, etnia, cultura ou origem).
Americanos, não "afro-americanos" - isso são os negros, na linguagem de King. Os negros, que experimentam "o exílio em sua própria terra", marcharam à "capital de nossa nação" para cobrar uma promessa de igualdade escrita "pelos arquitetos de nossa República" na Declaração de Independência e na Constituição. A luta para resgatar aquela "nota promissória" ergueria "nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a sólida rocha da fraternidade". Ela não deveria "conduzir-nos a desconfiar de todas as pessoas brancas", pois "muitos de nossos irmãos brancos (...) compreenderam que o destino deles está preso ao nosso" e que "a liberdade deles está inextricavelmente ligada à nossa".
A linguagem de King não desafiava apenas as leis de segregação, seu alvo imediato, mas uma narrativa sobre a origem dos Estados Unidos, seu alvo distante. Tal narrativa, uma versão da ideia do melting pot, se coagulara no final do século 19 como reação à libertação dos escravos e como chave lógica para a segregação racial oficial. Ela descrevia os Estados Unidos como uma nação de colonos brancos rodeada por minorias raciais (indígenas, asiáticos e negros africanos). No discurso que completa 50 anos, King contestava todo esse cortejo de noções identitárias emanadas do pensamento racial. Não, dizia, a nação é outra coisa - é aquilo que está escrito nos textos fundadores!
A contestação de King separava-o de uma longa tradição da política negra nos Estados Unidos. W. E. B. Du Bois entalhara o mito da raça na fachada da venerável NAACP, a principal organização negra americana. Ele não acreditava no valor explicativo de "grosseiras diferenças físicas de cor, cabelos e ossos", mas invocava "forças sutis" que "dividiram os seres humanos em raças claramente definidas aos olhos do historiador e do sociólogo".
"Nós", dizia Du Bois, "somos americanos por nascimento e cidadania" e "em virtude de nossos ideais políticos, nossa linguagem, nossa religião". Contudo, acrescentava, "nosso americanismo não vai além disso", pois, "a partir desse ponto, somos negros, membros de uma raça histórica que se encontra adormecida desde a aurora da criação, mas começa a acordar nas florestas escuras de sua pátria africana". Afro-americanos: o termo, cunhado muito depois na bigorna do multiculturalismo, foi concebido no início do século 20 como um fruto do pensamento racial. A atualidade do discurso de King encontra-se precisamente na sua ruptura com a visão de Du Bois, que era um reflexo da narrativa racista sobre a nação branca.
Du Bois, revisitado pelo multiculturalismo, não o universalismo de King, é a fonte das políticas oficiais de raça no Brasil. Um documento de "orientações curriculares" para a "educação étnico-racial" da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, datado de 2008, sintetiza as diretrizes que, a partir do MEC, disseminam entre os jovens estudantes a noção de divisão da humanidade em raças. O texto deplora a vasta diversidade de cores utilizada pelos indivíduos em declarações censitárias, que contribuiria "para diminuir o potencial político da população afro-brasileira".
"A pluralidade de cores no país diz quem é o povo brasileiro, mas não sua identidade étnico-racial", segundo os sábios da secretaria. A solução para a carência identitária residiria numa especial reinterpretação das palavras dos declarantes. Operando como "um agente social de reconhecimento eficaz do outro", transformando-se "em alguém mais ativo no processo de identificação", o recenseador produziria em tabelas e gráficos a "população afro-brasileira" que não emerge das autodeclarações. Em termos diretos, trata-se de manufaturar uma fraude censitária com a finalidade de gerar as tais "raças claramente definidas aos olhos do historiador e do sociólogo" de que falava Du Bois. Destinado a professores, o texto veiculava a mensagem inequívoca de que na sala de aula a linguagem da raça é um imperativo absoluto, em nome do qual se deve ignorar a informação censitária factual.
"Eu tenho o sonho de que meus quatro pequenos filhos viverão, um dia, numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo teor de seu caráter." A sentença nuclear do discurso de King não solicitava o reconhecimento de identidades étnicas ou de direitos raciais. Ela exigia que os Estados Unidos aplicassem o princípio, contido nos seus documentos fundadores, segundo o qual "todos os seres humanos são criados iguais". A igualdade entre indivíduos livres de todas as cores, não um acordo político entre coletividades raciais distintas, era a reivindicação do 28 de agosto de 1963. Eis por que aquele dia permanece tão atual, lá e aqui.

Eu também tenho um sonho. Sonho com o dia em que milhões de exemplares do discurso de Martin Luther King sejam distribuídos, clandestinamente, como material subversivo nas escolas brasileiras.

Mais Medicos: apenas um embuste para esconder uma ilegalidade anterior - Folha de SP

29/08/2013 - 03h30

Convênio para importar cubanos foi firmado antes do Mais Médicos

Folha de S.Paulo, 29/08/2013
SHEILA D'AMORIM
JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

Mais de dois meses antes do lançamento oficial do programa Mais Médicos, o governo brasileiro já tinha assinado com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde, braço da OMS) o contrato que abriu caminho para importar 4.000 médicos cubanos.
Com data de 26 de abril deste ano, o "80º termo de cooperação técnica para desenvolvimento de ações vinculadas ao projeto de acesso da população brasileira à atenção básica em saúde" traça regras gerais para parcerias com a entidade.
Válido por cinco anos prorrogáveis por igual período, ele serviu de base para que fosse firmado em agosto o convênio com Cuba.
Apesar de o contrato já estar valendo no lançamento do Mais Médicos, em julho, o Ministério da Saúde insistiu, na época, que os profissionais brasileiros eram a prioridade do programa.
Finalizada a primeira rodada de seleção do Mais Médicos, no início de agosto, apenas 10% das vagas foram ocupadas. Depois disso, o governo indicou que a solução seria um acordo para trazer os profissionais de Cuba.
Essa sinalização confirmou o que o então ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) já havia citado três meses antes como uma possibilidade em exame. Na época, a fala de Patriota criou um constrangimento ao governo diante da reação negativa.

Carlos Bueno a Eduardo Saboia: carta de solidariedade (O Globo)

From: "carlos antonio bueno" <cxxxxxxx@xxxxxx.com>
To: <
Cartas@oglobo.com.br>
Sent: Tuesday, August 27, 2013 9:58 PM
Subject: Itamaraty. 
Nem tudo está perdido.

Caro colega Eduardo Saboia, 


Poucas vezes durante os quarenta e três anos de carreira, senti orgulho em constatar a existência de homens de coragem, despreendimento e inusitada lucidez, ao seguirem a sua consciência e corretamente interpretarem o verdadeiro interesse nacional resgatando um asilado político vítima de manobras protelatorias e confinado a quatro paredes na chancelaria da nossa embaixada em La Paz. 
O seu gesto, Eduardo, é mais que um exemplo do que podemos, nós diplomatas, fazer por zelar pelos princípios que defendemos, pela integridade da instituição a que pertencemos e pela carreira que abraçamos com patriotismo e destemor de uma diplomacia hoje orientada para objetivos duvidosos. 
Aquí deixo o meu respeito e admiração pelo seu desempenho. 
Nem tudo está perdido. 

Abraço solidário do colega 

Carlos Bueno (embaixador aposentado) 
tel.(021) xxxx-xxxx 
Rua Gastão Bahiana xxx, Lagoa, RJ

Brasil-Bolivia: quem deve sentar-se no banco dos reus? - Ricardo Noblat

Quem deveria sentar-se no banco dos réus

Ricardo Noblat


Finalmente apareceu alguém sem medo de confrontar a presidente da República - o diplomata Eduardo Saboia, cérebro da operação que resultou na retirada da Bolívia do senador Roger Pinto Molina, refugiado em nossa embaixada de La Paz há mais de 450 dias.
O Brasil acatara o pedido de asilo político do senador, que denunciara autoridades do seu país por envolvimento com narcotráfico. A Bolívia negara o salvo-conduto para que Roger deixasse o país em segurança sob a acusação de que é corrupto.
Saboia disse que Roger não podia receber visitas. Nem circular dentro do prédio da embaixada. Nem se comunicar com a família. Nem tomar banho de sol. Uma autoridade do governo boliviano comentou certa vez que ele ficaria ali até morrer.
- Você imagina ir todo dia para o seu trabalho e ter uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai? Aí vem o advogado e diz que você será responsável se ele se matar. Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi.
Presidente não bate-boca com funcionário de escalão inferior. Dilma bateu, ao dizer ter provado da desumanidade dos DOI-Codis. O dia sequer terminara e Saboia já replicava Dilma. "Eu que estava lá, eu que posso dizer. O carcereiro era eu. Ninguém mais viu aquela situação", respondeu. Desautorizou a presidente. E sugeriu que ela nada poderia falar a respeito porque não estava lá.
Nenhum ministro, senador, deputado ou presidente de um dos poderes da República foi tão longe em relação a Dilma como Saboia, um mero encarregado de negócios que respondia por uma embaixada de segunda classe na ausência do embaixador.
De duas, uma. Dilma e o bando de assessores que a cercam não prestaram atenção no que afirmou Saboia. Ou prestaram, mas a presidente quis bancar a esperta e mudar o foco da discussão. Até agora, a discussão é favorável a Saboia.
Recapitulemos. Disse Saboia: "Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi". Era Saboia, bancando o carcereiro, quem se sentia como se estivesse no DOI-Codi. Não disse que o senador enfrentava condições semelhantes às dos DOI-Codis.
As palavras ditas por Dilma: "Eu estive no DOI-Codi, sei o que é o DOI-Codi. E asseguro a vocês que é tão distante o DOI-Codi da embaixada brasileira lá em La Paz como é distante o céu do inferno". Em resumo: Saboia disse uma coisa. Dilma, outra.
No sábado, ao ficar sabendo que Roger chegara a Corumbá, após rodar mais de 1.500 quilômetros em um carro da embaixada, acompanhado por Saboia e dois fuzileiros navais, Dilma só faltou escalar as paredes do Palácio da Alvorada. Cobrou a demissão imediata de Saboia ao ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores. Patriota estava em São Paulo, pronto para ir à Finlândia.Dilma foi grosseira com ele, como de hábito. Mandou que retornasse a Brasília. E o demitiu.
A indignação de Dilma tem a ver com duas coisas. A primeira: ela ficou mal diante do presidente Evo Morales, que acusou o Brasil de desrespeitar tratados internacionais ao providenciar a fuga de Roger, sem que ele tivesse obtido salvo-conduto.A segunda: Dilma tem medo de que reste provada a negligência do governo no caso do senador boliviano. Saboia tem como provar negligência. Para evitar que o governo tente pôr fim em sua carreira diplomática de mais de 20 anos, está disposto a provar.
- Eu perguntava da comissão bilateral para resolver a questão do senador, e me diziam: "Olha, aqui (no Brasil) é empurrar com a barriga." Tenho e-mails dizendo: "A gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita".
Tem um filme na praça chamado "Hannah Arendt". Conta a história do julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann. E da cobertura do julgamento feita para a revista americana "The New Yorker" pela filósofa judia de origem alemã Hannah Arendt. A teoria da "banalidade do mal" começou a nascer ali, quando Hannah se convenceu de que Eichmann não se sentia responsável pela morte de milhões de judeus. Ele repetia em sua defesa: cumprira ordens.
Ninguém ordenou que Saboia tentasse salvar a vida do senador que ameaçava se matar, segundo atestados médicos. Sentindo-se responsável por ele, Saboia decidiu obedecer ao que mandava a sua consciência. Despachou para o Itamaraty mensagem antecipando o que iria se passar. A resposta foi o silêncio. Quem por aqui se lixava para a sorte do senador boliviano? Quem em La Paz se lixava?
Por negligência, omissão e desumanidade, Saboia não poderá ser punido. Não deverá ser punido. Não merece ser punido. Por tais crimes, são outros que deveriam sentar-se no banco dos réus.

O Brasil e a nao-intervencao: ABC Color lembra a intervencao nos assuntos internos do Paraguai

Dilma dice que su gobierno “no interfiere en vida de otros países”
ABC Color (Paraguai), 29/08/2013

La presidenta brasileña, Dilma Rousseff, afirmó ayer que su gobierno no interviene en asuntos internos de otros países, a poco más de un año de que, junto a los otros miembros del Mercosur y Unasur buscara impedir que el Paraguay cambiase el gobierno que, en ese momento, le era adicto.

“No interferimos en la vida de otros países, no colocamos la vida de quien quiera que sea en riesgo, adoptamos rigurosamente el concepto de la no intervención y solo respaldamos acciones excepcionales si pasamos por el debido escrutinio de la ONU”, dijo Dilma Rousseff, olvidando obviamente lo que su gobierno llevó a cabo hace poco más de un año en el Paraguay.

En Sudamérica, dijo Rousseff, “somos 12 países hermanos, iguales en derechos, merecedores del mismo respeto, democráticos, en un continente como el nuestro, que estuvo marcado por dictaduras y que hoy vive un estadio de modernización política”.

El año pasado, en junio de 2012, una “patota” de cancilleres llegó hasta el “hermano” Paraguay para intentar impedir que sus representantes políticos (el Congreso) aplique una norma de la Constitución paraguaya (el juicio político) para cambiar legalmente a un presidente que le era adicto, el entonces mandatario Fernando Lugo.

Estas declaraciones las pronunció la Presidenta en el Palacio del Planalto durante la ceremonia de toma de posesión del nuevo canciller brasileño, Luiz Alberto Figueiredo, en reemplazo de su predecesor Antonio Patriota, quien fue el enviado de Rousseff al Paraguay en 2012.

El relevo en Itamaraty se produjo luego de la huida de la Embajada del Brasil, en La Paz, del senador opositor boliviano Roger Pinto, asilado en esa legación desde hacía más de un año.

Esa acción, según el Gobierno brasileño, no contaba con el conocimiento ni consentimiento del Ministerio de Relaciones Exteriores ni de la Presidencia del Brasil.

La gobernante brasileña reiteró la postura oída frecuentemente en las alocuciones oficiales referentes a las relaciones internacionales en la región.

“El fundamento de nuestra política externa es la relación armoniosa y respetuosa con nuestros hermanos latinoamericanos, a ellos siempre debemos dar lo mejor de nosotros, la mayor de nuestras prioridades es la integración regional”.

La Presidenta brasileña realizó estas declaraciones en relación al caso ocurrido con el senador boliviano, días atrás.


Sus palabras, no obstante, hacen referencia a los “12 países hermanos” de Sudamérica, donde queda incluido el Paraguay, una nación que aún recuerda la intervención brasileña (y de otros países) en sus asuntos constitucionales, tras lo cual fue suspendido de diversos órganos internacionales, en un intento de aislarlo diplomáticamente, al haber cambiado de Gobierno, en contra de lo que aquellos países pretendían.