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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Jerusalem - Leandro Narloch (Crusoe)

O artigo é fraquinho, sem quaisquer argumentos diplomáticos ou de direito internacional, como deve ser o caso nesta questão. Em 2010, quem presidiu à decisão de reconhecer o Estado Palestino foi o presidente Lula, não o estupor da Madame Pasadena.
Sem pretender remontar a toda a questão histórica, desde os anos 1950, quando o Brasil já cogitava – tendo elevado a sua legação em Tel Aviv ao status de embaixada – de patrocinar um plano (apresentado em 1953) para a desmilitarização e neutralização (ela via da internacionalização) de Jerusalém, e de criar um Consulado brasileiro em Jerusalém (criado efetivamente em 1958 pelo presidente JK e pelo chanceler Macedo Soares), permito-me remeter a meu artigo mais sintético, escrito um ano atrás, já reproduzido aqui:

3249. “Um alerta sobre uma delicada questão diplomática: o caso de Israel”, Brasília, 23 fevereiro 2018, 3 p. Chamando a atenção para o apoio político dado por setores religiosos a Israel, como suscetíveis de influenciar a postura diplomática brasileira. Postado no blog Diplomatizzando (31/12/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/embaixada-em-jerusalem-alerta-precoce.html).
Paulo Roberto de Almeida

Eis o artigo de Leandro Narloch:

Israel, capital Jerusalém

Leandro Narloch,
Revista Crusoé, n. 41, 12 fevereiro 2019

Por que a embaixada brasileira na Itália está no centro de Roma? Porque os italianos consideram Roma sua capital. Por que temos uma embaixada em Washington? Porque Washington é a capital dos Estados Unidos. Mas então por que a embaixada brasileira em Israel fica em Tel Aviv e não em Jerusalém Ocidental?
O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a existência do estado de Israel, em 1949. E desde então esse país que nós reconhecemos considera Jerusalém sua capital.
O mesmo vale para o escritório da representação brasileira na Palestina, que existe desde 2004, em Ramala. Em 2010, Dilma reconheceu a existência do estado Palestino segundo as fronteiras de 1967 (ou seja, Cisjordânia e Faixa de Gaza formando o estado Palestino; Jerusalém dividida entre os dois países).
Depois que Bolsonaro anunciou que seguiria Trump e mudaria o endereço da embaixada, o governo tem fraquejado nessa decisão. Não deveria. Israel é um oásis de liberdade, democracia e direitos humanos no Oriente Médio – é importante que o Brasil sinalize apoio a sua autonomia. A atitude não precisa soar como provocação aos árabes. Se algum dia houver um estado Palestino, a embaixada também pode ser em Jerusalém, na parte oriental.
Argumentos muito ruins costumam aparecer nesse debate. “Trata-se de um território em disputa”, me diz um amigo contrário à mudança da embaixada. Sim, territórios da região têm sua posse contestada. É o caso dos assentamentos judeus na Cisjordânia, uma controvérsia que divide até mesmo os israelenses. Estive lá em novembro: a tensão é evidente. Jornalistas e turistas que se aventuram a passear pela região de Eli, no norte da Cisjordânia, costumam usar ônibus blindados para se proteger de pedras e tiros disparados por palestinos. Ao volante, o motorista listava locais de atentados recentes; na porta de uma fábrica, faixa e flores lembravam o atentado contra dois israelenses duas semanas antes.
Mas esse não é o caso de Jerusalém Ocidental. Só o mais radical defensor dos árabes deve achar que os palestinos têm direito ao território onde está a sede do governo israelense desde 1950. O Parlamento, a Suprema Corte e os ministérios ficam em Jerusalém desde quando a cidade ainda era dividida entre Israel e a Jordânia. Ninguém sensato defende controle palestino na área do Museu do Holocausto, por exemplo. Só pensa assim quem reivindica a “Palestina Original”, sem nenhum estado judaico. Mas, para esses, a embaixada até mesmo em Tel Aviv é motivo de ofensa.
“Se mudarmos a embaixada, os países do Oriente Médio vão retaliar e boicotar produtos brasileiros”, diz outro argumento duvidoso. Aqui é preciso levar em conta a tal “soberania nacional”. Tenho calafrios com essas duas palavras – elas já serviram para Ernesto Geisel justificar a proibição de computadores importados no Brasil. Mas esse caso é, sim, questão de soberania. Ora, quem decide onde instalaremos representações diplomáticas somos nós, não a Turquia ou a Arábia Saudita. O Oriente Médio responde por 4% das exportações brasileiras – isso já é o suficiente para baixarmos a cabeça?

Viva o Brasil dos (bem) aposentados - Carlos Brickmann

Bem aposentados

 

Há meses o país debate a reforma da Previdência – e fomos informados de que, se não houver reforma, o Tesouro quebra. Goiás, depois de longo período de Governo tucano, está em situação de emergência financeira. Mas nem todos ficam tristes: a folha de pagamento oficial de auditores fiscais, alguns na ativa, alguns aposentados, mostra que em dezembro o menor salário foi de R$ 54.893,00 – mais de 50% acima do recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, o máximo que poderia ser pago se no Brasil a lei fosse cumprida. O maior pagamento é de R$ 58.797,00.

 

Muito bem aposentados

 

Mas não inveje os auditores fiscais de Goiás: na Bahia, igualmente com imensas dificuldades financeiras, há pagamentos mais substanciosos. Bom exemplo é a folha de dezembro de desembargadores ativos e inativos. O mais bem aquinhoado recebeu, líquidos, após os descontos, R$105.346,66. No meio há quatro ganhando pouco acima de R$ 95 mil (e um, menos favorecido, ganhando apenas R$ 90 mil e algumas quireras). O mais mal pago das Excelências tem de sobreviver com R$ 32.370 mensais – e, como é salário líquido, também superior aos vencimentos dos ministros do STF, que deveriam ser o teto dos pagamentos feitos a servidores públicos.

 

Claro, este salário é em folha. Vantagens extras, como carro com chofer, gasolina, plano de saúde e vale-refeição, são pagas por fora.


Carlos Brickmann, 13/02/2019

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Abertura comercial lenta e gradual - Marcos Troyjo (CB)

'Vamos promover a abertura comercial do Brasil', diz Marcos Troyjo

Secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia garante que governo vai abrir frentes negociadoras e tarifárias, além de simplificar processos e reduzir impostos

Marcos Troyjo participou do seminário Correio Debate: 'Desafios da Economia em 2019' (foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
O Brasil é um país muito fechado comercialmente e o atual governo pretende promover “uma abertura responsável nos próximos quatro anos”. Foi o que garantiu o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, no painel A Importância do Comércio Internacional, realizado nesta terça-feira (5/02) durante o Correio Debate: "Desafios da Economia em 2019".

Troyjo fez um breve relato histórico para analisar os vários milagres econômicos observados no mundo nos últimos 70 anos. Segundo ele, os países que conseguiram mudar de patamar nesse período -- Alemanha, Japão, Chile, CHina, Espanha, Cingapura e Coreia do Sul -- conquistaram essa evolução com base nas relações internacionais. “Essas nações tiveram uma significativa parcela do seu PIB (Produto Interno Bruto) representada pela soma de exportações e importações. Esses países usaram o comércio exterior como trampolim”, destacou.
Enquanto isso, comparou Troyjo, outros países permaneceram “ensimesmados” com pequena parcela de comércio exterior, exportando e importando pouco. “No Brasil, se excluirmos os famosos ciclos da monocultura da exportação (café e cana), raramente veremos um momento em que o país tenha mais de 30% do PIB representado pelo comércio exterior”, ressaltou o secretário.
Segundo ele, a fatia que o Brasil ocupa em todo o comércio internacional também é pequena, oscila entre 1% e 1,3% entre tudo o que se compra e vende no mundo. “O Brasil é um país fechado e precisamos nos abrir. Mas o sucesso não é só pela abertura comercial. Precisa vir acompanhada de outras medidas”, assinalou.
Troyjo afirmou que é preciso considerar três compartimentos: conjuntura, estrutura e abertura. “Atualmente, as circunstâncias apontam para a disputa comercial entre as duas potências China e Estados Unidos. Há quem diga que existe uma guerra fria entre os dois, mas o fato é que existe um alto grau de interdependências entre as duas nações”, disse.
O secretário destacou que o Brasil precisa retomar o foco nas relações com os EUA. “Na nossa conjuntura, não podemos deixar de levar em consideração nossas relações comerciais com os EUA”, reiterou. Mas mercados como o Sudeste Asiático e o Mercosul também não podem ser ignorados. 
“O que precisamos fazer é nos estruturarmos para essa competição. Nossa agenda é de correção de equívocos do passado, que passa pelas reformas. Precisamos ter a capacidade de responder, qual nossa política comercial”, afirmou. A formulação da coordenação interna, destacou o secretário, reside em definir o interesse nacional e melhorar o nosso sistema multiagências.”
Sobre a abertura, Troyjo destacou que o país está fechado por barreiras tarifárias, regras e burocracia. “Vamos abrir o país nos próximos quatro anos. Seja pela frente negociadora ou tarifária, pela simplificação dos processos e pela queda de impostos, ou ainda pela exposição de setores brasileiros, a economia vai se abrir. Será muito mais integrada. Mas não vamos fazer isso de forma irresponsável e sim com sintonia e sincronia”, garantiu.

Paulo Guedes prepara abertura do mercado - Financial Times

Paulo Guedes prepara 'perestroika' de liberalização do mercado 

Após 20 anos de ditadura e 30 de social-democracia, a virada para a direita é saudável, diz guru de Bolsonaro 


Nova York 
Financial Times, 11/02/2019

Paulo Guedes leva o dedo à têmpora. "As pessoas da esquerda têm cabeças moles e bom coração", ele diz. "As pessoas da direita têm cabeças duras, e..." Ele busca a frase correta. "Corações não tão bons".
É um momento de franqueza para o "superministro da economia" do Brasil, já que o presidente para quem ele trabalha, Jair Bolsonaro, é um capitão reformado do exército, direitista, e visto internacionalmente como uma espécie de protofascista com um fraco por ditaduras militares.
A declaração também é indicativa da amplitude das posições de Guedes, e de sua crença de que Bolsonaro não é o monstro extremista que muita gente no exterior acredita. "Estamos criando uma sociedade aberta ao modo popperiano", ele diz, em uma das diversas menções que fez ao filósofo austríaco Karl Popper –proponente de uma democracia liberal dinâmica– em uma conversa ampla com o Financial Times em seu escritório em Brasília.
"Se os modos de Bolsonaro são bruscos, isso é só aparência. Ele vai ser duro com os bandidos", acrescenta Guedes, citando os 64 mil homicídios acontecidos no Brasil em 2017. Que Popper também seja um dos heróis de George Soros, filantropo liberal odiado por alguns dos etnonacionalistas no séquito de Bolsonaro, é uma ironia que parece escapar a Guedes.
"A ideologia é o verdadeiro inimigo", ele diz. "Já eu sou apenas um cientista fazendo meu trabalho. Cada um tem seu papel". Guedes, economista educado na Universidade de Chicago e bem sucedido administrador de fundos de investimento no Rio de Janeiro, pode ser considerado como o segundo homem mais poderoso do governo brasileiro, com cinco ministérios –fazenda, comércio, trabalho, indústria e desenvolvimento– em sua pasta. E certamente é o mais ativo.
Enquanto Bolsonaro se recupera de uma cirurgia, o novo governo vem sendo prejudicado por disputas internas; mais recentemente, o conservador Ernesto Araújo, ministro do Exterior, buscou uma linha mais dura quanto à Venezuela, ante a abordagem militar mais cautelosa apoiada pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão.
Em contraste, a equipe econômica de Guedes já começou o trabalho em ritmo acelerado, com propostas ambiciosas de reforma. "O Brasil é a oitava maior economia do planeta, mas está em 130º lugar em grau de abertura, perto do Sudão. Também está em 128º lugar em termos de facilidade de fazer negócios. Quero dizer... Jesus Cristo!", ele diz, saltando da cadeira.
Guedes –bronzeado, intenso em sua conversação, e movendo as mãos nos gestos largos característicos dos moradores do Rio de Janeiro– diz que deseja cortar essas posições pela metade em apenas quatro anos, por meio de cortes de gastos, reforma do bizantino código tributário brasileiro, eliminação de burocracia e privatização de ativos estatais.
Nascido em uma família de classe média baixa, Guedes bancou sua educação por meio de bolsas de estudo e conquistou um doutorado em economia pela Universidade de Chicago. Mais tarde, trabalhou no Chile durante a ditadura de Pinochet, e só saiu de Santiago com sua mulher depois de ter surpreendido a polícia secreta revistando seu apartamento.
"O Chile que encontrei era mais pobre do que Cuba e a Venezuela hoje, e os 'Chicago boys' consertaram o país. Hoje o Chile é como a Suíça", ele diz, desconsiderando custos sociais como o desemprego de 21% que o país registrava em 1983. "Isso é asneira", ele diz. "O desemprego já estava lá. Mas estava escondido dentro de uma economia destruída". É uma opinião contenciosa.
De volta ao Brasil, ele se tornou administrador de investimentos, "day trader" ocasional, e colunista prolífico na imprensa. Ele diz ter sido apresentado a Bolsonaro "exatamente um ano e um dia atrás", e que rejeitou diversos convites anteriores para postos no governo; Guedes recorre ao jargão dos operadores de mercado para justificar sua escolha de aceitar o convite do presidente.
"Passei a vida gerando alfa [desempenho superior ao mercado] e vendo sucessivos governos destruírem beta", ele diz. "Agora quero melhorar o beta do Brasil", acrescenta, usando a letra grega que descreve o desempenho subjacente do mercado.
Depois de 20 anos de ditadura e 30 anos de social-democracia, a virada do Brasil para a direita é saudável, ele diz. "Quando os liberais chegam ao poder, isso é boa notícia, não má notícia".
Ainda restam dúvidas, no entanto. E quanto à política social, se considerarmos a desigualdade gritante do Brasil? Será que sua magia do livre mercado se manterá compatível com o liberalismo político, dadas as inclinações aparentemente autoritárias de Bolsonaro?
"Certamente. A Rússia e o Brasil tiveram a glasnost antes da perestroika", ele diz, se referindo a políticas de abertura ou liberalização política e econômica, respectivamente. "As duas coisas são necessárias. Com isso você tem crescimento, e uma classe média que traz estabilidade". O caminho alternativo tomado pelo Brasil conduz a um Estado de rentistas, caracterizado pela corrupção.
"Somos uma democracia perneta", ele diz. "O sistema é corrupto. Por que outro motivo Lula, o político mais popular do Brasil, seria condenado a 13 anos de prisão por acusações de corrupção?"
Ele aponta para um televisor, no qual um noticiário acabava de informar sobre a mais recente condenação do ex-presidente. Luiz Inácio Lula Silva já tinha sido sentenciado a 12 anos de prisão. Os críticos dizem que isso foi obra de um Judiciário manipulado pelos políticos, que queriam excluir o líder esquerdista da eleição e abrir caminho à vitória de Bolsonaro.
Guedes aponta que em lugar disso foi o sistema de compadrio profundamente enraizado na política brasileira que o enredou. A receita para corrigir esse problema é "uma economia propelida pelo mercado e não a economia dirigista fracassada que corrompeu a ordem política". Poucos brasileiros discordariam desse diagnóstico, se levarmos em conta que o país continua a sofrer as consequências da pior recessão e do maior escândalo de corrupção de sua história.
A visão econômica de Guedes é mais Ronald Reagan que Donald  Trump, e ele parece realista quanto às limitações políticas. "O presidente [sempre pode dizer] não, os votos são meus". Economista teórico que planeja chegar às estrelas, Guedes aparentemente se satisfaria com atingir a lua, e sabe que a viagem será complicada. "Sim, a economia vai crescer mais rápido. Mas não podemos ser ingênuos. Há muitos danos a consertar". 
Financial Times

Politica nuclear brasileira - Rubens Barbosa (OESP)

POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA: O URANIO É NOSSO?
Rubens Barbosa

Com uma visão de médio e longo prazo, o Brasil deveria rever sua política em relação à pesquisa, prospecção e lavra do urânio.
            O desastre com a usina nuclear de Fukushima no Japão em 2011 determinou o fechamento de usinas na Alemanha e no Japão e ocasionou, em muitos países, a desaceleração de planos para a construção de novas usinas atômicas para geração de energia. Com isso reduziu a demanda do urânio e do plutônio, combustíveis para essas centrais. 
            O mercado internacional para o urânio vem num movimento de alta, cotado ao redor de 65 dólares por quilo, ainda 60% abaixo do pico alcançado em 2011. A situação mudou. Enquanto naquela época os contratos spot eram reduzidos, agora, o custo de produção aumentou e os contratos a longo prazo estão expirando (existem poucos para além de 2020).  Segundo opinião de especialistas internacionais, a tendência de longo prazo parece clara: a demanda global deve aumentar perto de 45% ate 2025. A China tem 19 reatores nucleares em construção e mais 41 planejados. A Arábia Saudita deve construir suas duas primeiras usinas. O Egito, Jordânia, Turquia e os Emirados Árabes Unidos anunciaram programas de construção de plantas. Essa expansão vai requerer novas minas e o preço spot deve crescer. Casaquistão (com 39% da produção global), Austrália e Canadá respondem por mais de dois terços da produção mundial. Nesse mercado, a questão do preço não é o que mais conta, mas a segurança de suprimento. Em um sinal de que considera essa questão séria, a empresa China National Uranium Corporation adquiriu em novembro passado uma mina na Namíbia, garantindo pelo menos 3% da produção mundial do minério. E os EUA estão examinando a possibilidade de restringir as importações e estimular a produção doméstica.
            O Brasil detém a sétima maior reserva de urânio do mundo, mas nossa produção representa apenas 15% do consumo de Angra 1 e 2. O minério é um monopólio da União e a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), sem recursos adequados, é responsável pela prospecção, pesquisa e lavra do Urânio.   Desde 2015, contudo, a produção foi suspensa porque a mina em céu aberto em Cachoeira na Bahia, a única em exploração no Brasil, deixou de ser viável economicamente. Abandonando a lavra subterrânea, a INB decidiu investir  em outra mina a céu aberto na jazida de Engenho, esperando que a partir de meados do corrente ano comece a lavra da mina. De 2000 a 2015, a produção de concentrado de urânio abasteceu Angra 1 e 2, mas a partir de 2016 o Brasil tem importado urânio para abastecê-las. Com a construção de Angra 3 e, nos próximos anos, com a provável a expansão das usinas nucleares, a demanda interna crescerá significativamente. Como podemos lembrar, no governo Lula, com a economia crescendo, foi anunciado um ambicioso programa de construção de oito usinas ate 2030, que nunca saiu do papel.
            As bases para uma nova visão dessa questão foram lançadas em dezembro passado com a consolidação da Política Nuclear Brasileira cuja finalidade seria orientar o planejamento, as atividades nucleares e radioativas no país, levando em conta a soberania nacional, com vistas ao desenvolvimento e à proteção da saúde humana e do meio ambiente. O Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB) coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, produziu documento que trata do fomento à pesquisa e prospecção de minérios nucleares e do incentivo à produção nacional para atender a demanda interna e à exportação, além de assegurar o recurso geológico estratégico do minério nuclear. A nova política é importante porque prevê a abertura do mercado brasileiro.
Levando em conta o novo cenário político interno e a evolução do mercado internacional, será importante evitar-se o equivoco que a sociedade brasileira incorreu no setor de petróleo. Antecipando o debate sobre a privatização, não seria, no momento, do interesse brasileiro empunharmos a bandeira do “O urânio é nosso”. Dada as características estratégicas da utilização do minério, seria importante associar o setor privado aos trabalhos da INB. As restrições orçamentárias, derivadas da crise fiscal, certamente devem ter afetado a capacidade de investimento da empresa estatal. A perspectiva de aumento da produção do minério será facilitada pela eventual parceria com o setor privado na exploração mineral. A solução dessa dificuldade vem sendo buscada e uma das possibilidades é a formação de consorcio entre a INB com empresas privadas. Existe uma série de situações intermediárias onde a venda do urânio secundário extraído pela INB poderia ser lucrativa tanto para o minerador como para a estatal. A solução deste impasse não precisaria, em princípio, passar pela revogação do monopólio, mas provavelmente necessite de alteração na legislação. 
O mercado interno em expansão nos próximos anos e a tendência de um mercado externo em crescimento com preços em alta, representarão incentivos para o investimento privado.
O novo ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, que tão bem conhece o setor nuclear brasileiro, em seu discurso de posse, foi muito claro ao dizer que o novo governo pretende “estabelecer um diálogo objetivo, desarmado e pragmático com a sociedade e com o mercado sobre essa fonte estratégica da matriz energética brasileira”. “O Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação desperdiçando duas vantagens competitivas raras que temos no cenário internacional – o domínio da tecnologia e do ciclo do combustível nuclear e a existência de grandes reservas de urânio em nosso território”.
Mãos à obra.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Mourão entra em campo contra os antiglobalistas - Oliver Stuenkel (El País)

Mourão entra em campo contra os antiglobalistas

Vice-presidente, chamado informalmente de "o adulto na sala" por diplomatas estrangeiros, é visto como âncora de estabilidade de um Governo cuja atuação externa é volátil e confusa


O vice-Presidente, Hamilton Mourão, durante audiência com empresários em 6 de fevereiro.
O vice-Presidente, Hamilton Mourão, durante audiência com empresários em 6 de fevereiro.  VPR

Fica cada vez mais evidente que a estratégia da política externa brasileira, articulada pelo chanceler Ernesto Araújo, o presidente Bolsonaro e seu filho Eduardo, está deixando inseguros investidores internacionais e outros governos. Araújo é visto como ideológico demais (algo que os investidores sempre temem, não importa se a ideologia é de esquerda ou de direita). Já Eduardo, que atua como um ministro das Relações Exteriores informal, passa a imagem de ignorante e muito radical para inspirar confiança no exterior, mesmo por parte de funcionários do governo dos EUA, que veem com bons olhos o Governo Bolsonaro. O péssimo discurso de Bolsonaro em Davos pareceu resumir a atuação da turma antiglobalista até agora, desapontando investidores que tinham aguardado uma fala mais séria  e que, de certa maneira, estavam torcendo para o novo presidente.
"Ainda bem que eles têm Mourão" é um comentário que se ouve com cada vez mais frequência no exterior. De fato, o general da reserva e vice-presidente é agora visto pela comunidade internacional como a âncora de um navio que, sem ele, estaria à deriva no que diz respeito à estratégia internacional.
Mourão difere do resto da equipe de política externa de Bolsonaro em estilo e substância. Enquanto os outros atores do governo são conhecidos por sua retórica estridente e agressiva, Mourão é moderado e calmo. Em uma entrevista recente, o vice-presidente não se esquivou de responder perguntas difíceis  ao contrário de seu chefe, que frequentemente ataca jornalistas quando estes discordam dele. Mourão chamou a atenção no exterior quando, em entrevista a uma repórter espanhola e a um brasileiro, respondeu as perguntas em espanhol fluente, o qual aprendeu como adido militar em Caracas.
Quando se trata de conteúdo, Mourão resiste sabiamente às ideias mais radicais e mal concebidas dos antiglobalistas, como transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, deixar o Acordo de Paris sobre mudança climática, abrigar uma base militar dos EUA e, a mais perigosa de todas, adotar tom agressivo em relação à China. Não é coincidência que um número crescente de embaixadores esteja procurando Mourão, o qual  eles esperam  continuará a impedir Bolsonaro de cometer graves erros políticos no âmbito externo. Nenhum vice-presidente na história recente foi tão necessário para a estabilidade da política externa do Brasil, já nas primeiras semanas de Governo, quanto Hamilton Mourão.
Ainda assim, previsivelmente, o papel estabilizador do vice-presidente na política externa do Brasil lhe rendeu a ira dos radicais (inclusive Olavo de Carvalho e Steve Bannon, dos EUA). A questão-chave é: até que ponto Mourão será capaz de vetar todas as ideias esdrúxulas que certamente ainda virão da ala antiglobalista do governo?
A verdade é que, idealmente, Mourão não deve ser apenas bombeiro-chefe e jogar na defesa para proteger a política externa brasileira de erros graves. Também tem potencial para adotar um papel mais ativo e propor novas iniciativas no âmbito externo. Três em particular vêm à mente.
Primeiro, Mourão seria o homem certo para liderar a posição do Brasil em relação à Venezuela, maior desafio em curto e médio prazos na política externa hoje. De longe a pessoa mais bem informada no gabinete sobre o assunto, Mourão também tem a vantagem de ser um militar, capaz, portanto, de lidar com a instituição que determinará o futuro do país vizinho: as Forças Armadas. Isso envolveria a articulação da resposta complexa à crise migratória venezuelana em todo o continente. Mourão poderia, ainda, convocar uma cúpula regional para discutir o assunto e decidir como coordenar conjuntamente o registro, a distribuição e a integração dos migrantes venezuelanos. Juntamente com outros países da região, ele também poderia organizar a criação de um fundo para compensar os países mais afetados pela crise migratória, como Colômbia, Equador e Peru. Além disso, coordenaria, com a Colômbia e outros, o envio de ajuda médica e humanitária à Venezuela, assim que o Governo Maduro  ou qualquer governo sucessor  o permitir.
Em segundo lugar, como projeto de médio prazo, Mourão poderia liderar um processo de aprofundamento da cooperação entre as Forças Armadas na América do Sul, dando continuidade a um movimento deflagrado por Nelson Jobim, ministro da Defesa de Lula. Isso poderia funcionar por meio de uma instituição existente, como o Conselho de Defesa Sul-Americano, e deveria envolver, entre outras iniciativas, exercícios militares conjuntos, missões para lidar com desastres naturais e participação em missões de paz da ONU. Isso até poderia ajudar a aumentar a pressão sobre suas contrapartes nas Forças Armadas da Venezuela  que perderão muito com uma transição para a democracia, dados os privilégios que acumularam sob Maduro  para permanecerem em seus quartéis independentemente de quem seja o futuro líder. A plataforma revigorada poderia, em futuras crises desse tipo, oferecer aos países vizinhos um canal adicional para o diálogo e a coordenação.
Finalmente, Mourão poderia se tornar responsável pela estratégia do Brasil em relação a Pequim, um tema de extrema relevância para o futuro do Brasil em curto, médio e longo prazos. Isso poderia incluir assumir o portfólio do grupo BRICS, que nem o presidente nem o ministro das Relações Exteriores consideram de grande relevância. Enquanto o presidente Bolsonaro, seu filho e o ministro das Relações Exteriores expressaram, até agora, ideias simplistas e preocupantes sobre a China, Mourão seria capaz de encontrar um meio-termo entre o receio legítimo sobre o que a ascensão chinesa implica e o otimismo quanto às muitas oportunidades na crescente presença do país na América Latina.
A queda de braço entre Hamilton Mourão e os antiglobalistas deverá marcar a estratégia internacional do governo Bolsonaro. Resta saber se Mourão sairá vitorioso e conseguirá salvar a política externa brasileira dos próximos anos.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim e membro do Carnegie Rising Democracies Network.

Os piores inimigos dos livros: os intelectuais - Fernando Baez (resenha de Jeronimo Teixeira)

Sempre amigo dos livros, e relutante em desfazer-me de meus milhares de amigos – não tenho a menor ideia de quantos são, pois eles se espalham em meu apartamento e, sobretudo, numa kit-biblioteca, mantida especialmente com essa finalidade –, sou suspeito para falar da eliminação de livros.
Não sei como – ou melhor, sei, foi escrevendo um artigo sobre os "intelectuais" – acabei caindo nesta antiga resenha de um jornalista da Veja, que fala sobre a destruição de bibliotecas inteiras.
De ordinário sou pacífico, mas acho que eu seria capaz de esganar quem dá ordens de eliminar livros...
Leiam.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de fevereiro de 2019

Recomendação: A História universal da destruição dos livros
Este artigo foi publicado originalmente em Veja On-line no dia 31/05/2006.
Autor: Jerônimo Teixeira

Os livros são objetos frágeis. Suscetíveis a diversas ameaças naturais – traças, inundações, incêndios –, têm de enfrentar ainda as mais destrutivas paixões humanas: o fanatismo religioso e a censura ideológica. História Universal da Destruição dos Livros (tradução de Léo Schlafman; Ediouro; 438 páginas; 49,90 reais), do ensaísta venezuelano Fernando Báez, é um assustador painel histórico da eliminação de bibliotecas. São documentados cinco milênios do que Báez chama de "memoricídio". Nunca houve uma época histórica sem alguma forma de perseguição aos livros (e, por extensão, a seus autores). Mais perturbador é constatar que não são só os brutos e ignorantes que acendem as fogueiras. O típico biblioclasta (destruidor de livros), pelo contrário, é um erudito que conhece em profundidade determinada tradição religiosa ou ideológica – e que por isso mesmo deseja banir qualquer dissidência. Até mesmo Platão teria destruído, segundo testemunhos, a obra de filósofos rivais. 
"Os maiores inimigos dos livros são intelectuais", disse Báez a VEJA.
Especialista na conservação de bibliotecas, Báez trabalha como consultor de órgãos como a Unesco. Sua História Universal é um exaustivo inventário da destruição cultural. O trajeto histórico do livro começa no que hoje é o Iraque. Foi naquela região que apareceram as primeiras evidências da escrita, em tabletas de argila produzidas pelos sumérios, há cerca de 5.000 anos. Sítios arqueológicos da época já revelaram tabletas destruídas e queimadas, como resultado de ações de guerra. A mais célebre biblioteca da Antiguidade, na cidade egípcia de Alexandria, também acabou destruída. Fundada em III a.C., essa biblioteca foi provavelmente o maior acervo de livros do mundo antigo. A causa de seu desaparecimento definitivo ainda é matéria de controvérsia entre historiadores.
O patriarca cristão Teófilo provavelmente foi responsável pela destruição de um anexo da biblioteca de Alexandria, no século IV. A religião sempre foi uma das principais motivações dos biblioclastas. Durante a Contra-Reforma, o rigor da Inquisição foi tal que até Bíblias em língua corrente eram queimadas, pois a Igreja Católica só admitia o livro sagrado em latim. O fanatismo político tem tanto poder destrutivo quanto o religioso. No século XX, não há imagem mais simbólica do obscurantismo biblioclasta do que as fogueiras de livros na Alemanha, em 1933 – um prelúdio sinistro do genocídio que os nazistas promoveriam na Europa. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista e mentor ideológico da destruição, estudou filologia na Universidade de Heidelberg. O livro de Báez registra outras ironias do mesmo naipe – como, por exemplo, a censura e a queima de livros promovidas na China comunista por um movimento que se intitulava Revolução Cultural.
História Universal encerra-se com um capítulo sobre a Guerra do Iraque. Báez fez parte de uma comissão de especialistas que visitou o país pouco depois da invasão americana, em 2003, para aferir os danos causados ao patrimônio cultural iraquiano. Seu relato é desolador: museus, bibliotecas, sítios arqueológicos arrasados. Os danos começaram com os bombardeios, mas a devastação maior se deu quando os primeiros combates cessaram. Turbas enfurecidas saquearam e queimaram a Biblioteca Nacional e o Museu Arqueológico de Bagdá. Foi uma reação de revanche: a população identificava as instituições culturais com o regime deposto de Saddam Hussein, que nomeava seus diretores. O Exército americano omitiu-se vergonhosamente de defender um acervo de importância universal – o Iraque concentra peças de numerosas civilizações antigas, como os sumérios, babilônios e assírios. Contrabandeados para fora do país, livros raros e peças arqueológicas alimentaram o mercado negro internacional. Da Biblioteca Nacional sumiram edições antigas das Mil e Uma Noites. Do museu, foram roubadas algumas tabletas de argila sumérias que estariam entre os primeiros livros da história. É outra melancólica ironia: o primeiro grande "memoricídio" do século XXI aconteceu no lugar onde nasceu a palavra escrita.