sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

1877) Construindo a heranca maldita: contas públicas

Truques fiscais
Regina Alvarez
O Globo - Panorama Econômico, 28/01/2010

Em um ano de crise aguda, como foi 2009, o governo valeu-se de truques e muita criatividade para fechar as contas públicas. O resultado do Tesouro confirma que o superávit primário foi forjado a partir de caminhos muito pouco ortodoxos. Começando pelo uso do BNDES, um banco público de fomento, para reforçar o caixa da União, abrindo espaço para mais despesas, sem comprometer a meta.
De um lado, o BNDES recebeu empréstimo de R$ 100 bilhões do Tesouro em títulos da dívida pública — que não teve impacto fiscal, mas elevou a dívida bruta — para mitigar os efeitos da crise global. De outro, o bancão repassou um valor recorde de dividendos ao caixa da União: R$ 11 bilhões, quase o dobro de 2008; e ainda "comprou" mais R$ 3,5 bilhões de dividendos da Eletrobrás, também repassados ao Tesouro.

A lógica é a seguinte: o BNDES não contribui com o superávit primário da União, tudo que paga de dividendos entra no caixa do Tesouro como receita primária. Enquanto que o repasse direto dos dividendos da Eletrobrás ao Tesouro teria efeito neutro nas contas, já que a estatal contribui com a meta de superávit primário. Se paga dividendos, economiza menos e faz um superávit menor. A operação triangular garantiu mais recursos para a União no ano da crise.

Outro truque foi o uso dos depósitos judiciais para reforçar o caixa federal. No total, foram R$ 15,3 bilhões de depósitos tributários e não tributários. Neste caso, o governo foi com tanta sede ao pote que desconsiderou alguns detalhes importantes.

Primeiro, parte dos R$ 8,9 bilhões de depósitos judiciais tributários ainda estavam sem classificação. Quando forem classificados, dependendo do imposto que os originou, parte do bolo será dividido com estados e municípios (IR e IPI, no caso).

Especialistas em orçamento estimam que pelo menos R$ 1 bilhão dessa receita pertence aos demais entes e foi apropriada pela União. No caso dos depósitos não judiciais, R$ 6,2 bilhões, um detalhe pode complicar as contas de 2010. O valor que o governo computou como receita em novembro e dezembro de 2009 também entrou nas contas do relator de receitas do Orçamento de 2010, senador Romero Jucá, para acomodar o aumento de despesas aprovado pelo Congresso.

Finalmente, tem a história do Imposto de Renda das Pessoas Físicas. O governo prometeu que não reteria devoluções do IR para fazer caixa, mas o fato é que em 2009, pela primeira vez, mais de um milhão de contribuintes caíram na malha fina. E o mais estranho: em janeiro, no primeiro lote de restituições, foram devolvidos R$ 616 milhões a quase 400 mil contribuintes. Em janeiro de 2008, a devolução fora de R$ 75 milhões.

Nunca antes na história deste país a Receita trabalhou tanto e demonstrou tanta eficiência no primeiro mês do ano. Será que havia mesmo motivo para tante gente ter caído na malha? Com todos esses truques, o governo conseguiu um superávit de R$ 42,3 bilhões nas contas de 2009 e com o reforço dos investimentos do PPI/PAC — abatidos das despesas — a meta foi atingida.

Num ano de crise aguda, as receitas cresceram 3,2% e as despesas 15%. Não ocorreu aos equilibristas econômicos fazer o ajuste pela lado da despesa. As receitas "atípicas" viabilizaram o aumento dos gastos.

Herança maldita

No mercado, esses truques para obter superávit primário e o aumento da dívida bruta são vistos com preocupação. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, prevê que haverá uma piora no perfil da dívida pública mais pra frente, em decorrência desses fatores.

— O perfil da dívida está diretamente relacionado à qualidade da política fiscal.

Quanto mais o governo cria subterfúgios para o superávit primário ou aumenta a dívida bruta, aumenta a probabilidade da qualidade do perfil piorar — afirma.

Este ano será muito ruim do ponto de vista fiscal, por conta do fator eleitoral, na visão do economista. A questão em aberto é 2011.

Quem vai fazer o ajuste fiscal necessário e de que tamanho será, quando se sabe que há uma programação enorme de investimentos públicos programados — Copa, Olimpíadas, présal, infraestrutura, etc.?, pergunta.

— Não temos espaço para a festa fiscal que o governo está fazendo nos últimos dois anos de seu governo, tanto que descobriu o uso da dívida bruta para aumentar seus gastos. Essa dívida, que está em torno de 64% do PIB este ano, pode subir facilmente para 67% no final de 2010 e, dependendo do cenário fiscal de 2011, passar dos 70% — estima o economista

2 comentários:

  1. Professor, pelo pouco que conheço de economia, isso me parece grave. Seria uma das causas da saída de dinheiro estrangeiro e da alta do dólar nos últimos dias?
    Os jornais publicaram isso?
    abraço

    ResponderExcluir
  2. Paulo Henrique,
    A saida de dolares, ou de investimentos estrangeiros, das bolsas brasileiras nao tem muito a ver com a deterioracao fiscal no Brasil, pois isso só atua no medio e longo prazo; trata-se de uma volatilidade normal, ou passageira, dos aplicadores de curto prazo, e pode estar mais vinculado à conjuntura externa do que ao cenário brasileiro.
    Os juros no Brasil ainda sao muito altos. Se a situacao fiscal se deteriorar muito, dependendo da sinalizacao do governo, pode provocar efeitos nos movimentos de capitais, mas nao necessariamente.

    Essa situacao é ruim para nós, pois significa que a carga fiscal e a taxa de juros vao continuar altos.

    ResponderExcluir

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.