O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

1908) A inteligencia nacional regride...

Ou "regressa", alguns poderiam dizer, talvez...
Não sei realmente o que anda pior no Brasil: se a educação ou a política.
Talvez ambos, a se reforçarem mútua e reciprocamente, caminhando de mãos dadas direto para o brejo...
Eu fico cada vez mais surpreendido em constatar que, quando a gente acha que já viu tudo de ruim, sempre surge algo pior para nos assustar ainda mais.
O autor abaixo é bastante conhecido por suas posições radicais.
Os problemas que ele levanta não deixam de ser menos reais e preocupantes, qualquer que seja o grau de concordância que possamos ter, ou não, com ele.
Deve-se focar nas questões concretas que ele levanta, não no personagem.
Por isso mesmo espero não receber comentários que atirem no mensageiro, como certo estudante anti-Veja que passou o tempo todo condenando a revista, em lugar de tocar na matéria em si.
Estão avisados...
Paulo Roberto de Almeida (1.02.2010)

Caindo sem parar
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 1 de fevereiro de 2010

Em editorial do dia 25 último, a Folha de S. Paulo faz as mais prodigiosas acrobacias estatísticas para induzir o leitor a acreditar que a queda do Brasil do 76° para o 88° lugar em educação básica, na escala da Unesco, representa na verdade um progresso formidável. Não vou nem entrar na discussão. Entre a Unesco, o Ministério da Educação e o jornal do sr. Frias, não sei em quem confio menos. Mas confio nos testes internacionais em que os nossos alunos do curso médio tiram invariavelmente os últimos lugares entre concorrentes de três dezenas de países. Numa dessas ocasiões o então ministro da Educação buscou até consolar-se mediante a alegação sublime de que "poderia ter sido pior". Claro: se ele próprio fizesse o teste, a banca teria de criar ad hoc um lugar abaixo do último. Seríamos hors concours no sentido descendente do termo.

Confio também na proporção matemática entre o número de profissionais da ciência em cada país e o de seus trabalhos científicos citados em outros trabalhos, tal como aparece no banco de dados da Scimago (v. o site do prof. Marcelo Hermes, http://cienciabrasil.blogspot.com/2010/01/citacoes-por-paper-numero-minimo-de.html). Aí vê-se que, em número de citações -- medida da sua importância para a ciência mundial --, os cientistas brasileiros vêm caindo de posto com a mesma velocidade com que, forçada pelo CNPq e pela Capes, aumenta de ano para ano a sua produção de trabalhos escritos. Ou seja: quanto mais escrevem, menos utilidade o que escrevem tem para o progresso da ciência. Em medicina, passamos do 24° lugar, em 1997, para o 36° em 2008. Em bioquímica e genética, no mesmo período, do 19° para o 36°. Em biologia e agricultura, do 18° para o 32°. Em química, do 15° para o 28°. Em física e astronomia, do 18° para o 29°. Em matemática, do 13° para o 28°. Não houve um só setor em que os nossos cientistas não escrevessem cada vez mais coisas com cada vez menos conteúdo aproveitável para os outros cientistas. Em doses crescentes, o que se entende por ciência no Brasil vai-se tornando puro fingimento burocrático, pago com dinheiro público em doses também crescentes. Segundo o prof. Hermes, a coisa começou em 2003, mas piorou muito (ele grafa "muito" com letras maiúsculas) entre 2005 e 2008.

No entanto, de 1999 a 2009 "houve um aumento de 133 por cento no número de artigos científicos publicados em revistas especializadas. O investimento do ministério da Ciência e Tecnologia neste setor duplicou de 2000 a 2007. O investimento privado também aumentou nesse período" (v. http://labjor09.blogspot.com/2009/03/desafios-serem-enfrentados-neste-novo.html).

Obviamente, portanto, o que está faltando não é dinheiro. É o CNPq, a Capes e o governo em geral admitirem que há uma diferença substantiva entre fazer ciência e mostrar serviço para impressionar o eleitorado.

Se essa diferença parece obscura ou inexistente para os atuais senhores das verbas científicas no Brasil (bem como para a mídia que os bajula), fenômeno similar ocorre na educação primária e média, onde o governo dá cada vez menos educação a um número cada vez maior de alunos, democratizando a ignorância como jamais se viu neste mundo.

Mas, esperem aí, coisa parecida também não acontece no ramo editorial, onde a produção crescente de livros para o público de nível universitário acompanha pari passu o decréscimo de QI dos autores que os escrevem? Confio, quanto a esse ponto, na minha própria memória de leitor. Vejam bem. Entre as décadas de 50 e 70 ainda tínhamos, vivos e em plena efusão criativa, alguns dos mais notáveis escritores e pensadores do mundo. Tínhamos Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília Meirelles, José Geraldo Vieira, Graciliano Ramos, Herberto Sales, Josué Montello, Antonio Olinto, João Guimarães Rosa, Jorge Andrade, Nélson Rodrigues, Vicente Ferreira da Silva, Mário Ferreira dos Santos, Miguel Reale, José Honório Rodrigues, Gilberto Freyre, José Guilherme Merquior, além dos importados Otto Maria Carpeaux, Vilém Flusser, Anatol Rosenfeld e tutti quanti. Que me perdoem as omissões, muitas e volumosas. O Brasil era um país luminoso, capaz, consciente de si, empenhado em compreender-se e compreender o mundo. Agora temos o quê? Fora os sobreviventes nonagenários e centenários, dos quais não se pode exigir que repitam as glórias do passado, é tudo uma miséria só, uma fraqueza, a obscuridade turva do pensamento, a paralisia covarde da imaginação e a impotência da linguagem. "Cultura", hoje, é rap, funk e camisinhas, "educação" é treinar as crianças para shows de drag queens ou -- caso faltem aos pimpolhos as requeridas aptidões gays -- para a invasão de fazendas, "pensamento" é xingar os EUA no Fórum Social Mundial, e "debate nacional" é a mídia competindo com a máquina estatal de propaganda para ver quem pinta a imagem mais linda do sr. presidente da República. Nesse ambiente, em que poderia consistir a "ciência" senão em imprimir cada vez mais irrelevâncias subsidiadas?

Será possível que todas essas quedas, paralelas no tempo e iguais em velocidade, tenham sido fenômenos autônomos, separados, casuais, sem conexão uns com os outros? Ou, ao contrário, compõem solidariamente, como efeitos de um mesmo processo causal geral, o quadro unitário da autodestruição da inteligência nacional?

E será mera coincidência que toda essa corrupção mental sem paralelo no mundo tenha sobrevindo ao Brasil justamente nas décadas em que a intromissão do governo na educação e na cultura veio crescendo até ao ponto de poder, hoje, assumir abertamente suas intenções dirigistas e controladoras sem que isto cause escândalo e revolta proporcionais ao tamanho do mal?

A resposta a essas duas perguntas é: Não, obviamente não. A História não se compõe de curiosas coincidências. A debacle da vida intelectual no Brasil é um processo geral, unitário, coerente e contínuo há várias décadas, e o fator que unifica as suas manifestações nos diversos campos chama-se: intromissão estatal, governo invasivo, controle oficial e transformação da cultura e da educação em instrumentos de propaganda, manipulação e corrupção.

A cultura, a arte, a educação e a ciência no Brasil só se levantarão do seu presente estado de abjeção quando a máquina governamental que as domina for totalmente destruída, quando toda presunção de autoridade dos políticos nessas áreas for abertamente condenada como um tipo de estelionato.

A Segunda Conferência Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Direitos Humanos não passam de conspirações criminosas destinadas a agravar consideravelmente esses males que já deveriam ter sido extirpados há muito tempo.

7 comentários:

Rozenbaum disse...

Prezado PRA,

Você não acredita que tenhamos nos dias de hoje escritores tão criativos e "iluminados" como os supracitados da década de 50 a 70?
Creio que o José Murilo de Carvalho seria um digno exemplo.
O quê você acha?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Rozembaum,
Voce mesmo pode listar os escritores que considera iluminados hoje em dia. Eu, com esforço, poderia pensar em 3 ou 4, apenas, et encore...

O Brasil, quando se ve quem ocupa cargos de cupula, nao so no Executivo e no Legislativo, mas tambem no Judiciario e nos meios empresariais, é um pais a caminho rapido para a mediocrizacao.
Acho que seria preciso acentuar isso: mediocridade completa de pensamento e ação.
Quando você tem um presidente de um "sindicato de ladrões" como é a FIESP, mas que supostamente representa a nata do empresariado barsileiro, se inscrevendo num Partido Socialista (!!!???) para concorrer a um cargo público, é porque não se tem mais parâmetro para nada: ele por acaso pretende socializar suas empresas (provavelmente nem tem mais), ou construir o socialismo no país?
Mediocridade galopante e preocupante...
Paulo Roberto de Almeida

José Marcos disse...

INCONGRUÊNCIA RADICAL

O excesso de radicalismo, em geral, acaba produzindo uma argumentação mal fundamentada. O filósofo Olavo de Carvalho acredita que, somente com a destruição da máquina governamental, a arte, a ciência e a educação se levantarão no Brasil. Curioso foi ele enaltecer as décadas de 50 e 70 em que vigorou uma grande intervenção estatal no Brasil - o nacional desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e os governos militares - além de citar várias intelectuais notadamente com tendências esquerdistas, como Graciliano Ramos. Enfim, se lermos a biografia da maioria dos intelectuais citados por Olavo de Carvalho, há de se observar que muitos devem ao Estado a sua formação educacional e o seu emprego.

Fernando Araújo, vulgo "Equiano Santos" disse...

Parcialmente Olavo de Carvalho está certo. Pelo menos no diagnóstico...no que diz respeito às produções intelectuais na academia. Há uma pobreza intelectual principalmente nos centros de pesquisa do nosso país. Um monte de temas e objetos inúteis ou então mal estudados são financiados. O próprio sistema de ensino também não ajuda...somos cada dia mais achatados com os prazos, o fantasma do tempo. É difícil imaginar algo revolucionário saindo em apenas quatro anos de pesquisa em um doutorado, quanto mais em dois, no caso de um mestrado.Também se conta nos dedos os doutores que realmente são geniais...na maioria dos casos apenas figuras especializadas em suas teses e que não são capazes de opinar sobre o clima, caso este não faça parte de seu tema de investigação.
Conto nos dedos as aulas que assisti que realmente valeram a pena.

Até o momento não vi nenhuma expansão, democratização, popularização, seja lá qual for o nome, que realmente se tenha preservado alguma qualidade.

José Marcos disse...

EM TERRA DE CEGO QUEM TEM UM OLHO É REI

No início dos anos 50, podia-se contar nos dedos das mãos a quantidade de universidades federais existentes no país. Nesse contexto, qualquer trabalho acadêmico de qualidade certamente sobressair-se-ia no meio de uma população ignara. Com o incremento do número de instituições de ensino superior e, principalmente, dos cursos de pós-graduação, houve um considerável aumento da produção científica no país. Eu, particularmente, poderia citar milhares de intelectuais brasileiros que desenvolvem trabalhos acadêmicos de grande prestígio em suas áreas de atuação. Teses geniais, que resultam em mudanças de paradigmas, essas são, de fato, raras. Um gênio como Einstein não surge a todo instante, nem no mundo, quanto mais no Brasil. Não compartilho da visão radicalmente pessimista do filósofo Olavo de Carvalho em relação à máquina estatal. Bastaria que ele observasse um dado estatístico para atenuar esse ponto de vista. No Brasil, os trabalhos científicos gerados em instituições privadas de ensino são insignificantes em relação aos produzidos pelas universidades públicas. O setor privado não se interessa pela pesquisa por uma razão de mercado, uma vez que o ensino de graduação aufere mais retorno financeiro devido ao público maior. Cursos de pós-graduação e produção científica não são sustentáveis financeiramente no nosso país.

Fernando Araújo, vulgo "Equiano Santos" disse...

A quem interessar, há uma interessante opinião do historiador Carlos Guilherme Motta a esse respeito:

http://www.youtube.com/watch?v=8QJWxYFld7A&feature=related

Anônimo disse...

Prezado Dr. P.R.A.,

Permita-nos transcrever excertos do diálogo entre Sócrates e Glauco na passagem referente a alegoria da caverna na obra "Politeia" de Platão:

I

"Sócrates- Agora, COM RELAÇÃO À CULTURA E À FALTA DELA, imagine nossa condição da seguinte maneira. PENSE EM HOMENS ENCERRADOS NUMA CAVERNA, DOTADA DE UMA ABERTURA QUE PERMITE A ENTRADA DE LUZ EM TODA A EXTENSÃO DA PAREDE MAIOR. ENCERRADOS NELA DESDE A INFÂNCIA, ACORRENTADOS POR GRILHÕES NAS PERNAS E NO PESCOÇO QUE OS IMPEDEM DE VIRAR A CABEÇA. ATRÁS E POR SOBRE ELES, BRILHA A CERTA DISTÂNCIA UMA CHAMA. ENTRE ESTA E OS PRISIONEIROS DELINEIA-SE UMA ESTRADA EM ACLIVE,(...)ENTÃO PARA ESSES HOMENS A REALIDADE CONSISTIRIA APENAS NAS SOMBRAS DOS OBJETOS.(...)VAMOS VER AGORA O QUE PODERIA SIGNIFICAR PARA ELES A EVENTUAL LIBERTAÇÃO DAS CORRENTES DA IGNORÂNCIA(...)."(grifo nosso)

III

"Sócrates- Agora caro Glauco,(...)Compare o mundo visível à caverna e a chama que alumia ao sol. A subida do cativo para con- templar a realidade superior, você não haveria de se desiludir, se a comparasse à alma que se eleva para o mundo inteligível.(...)

Glauco- Estou de pleno acordo, dentro dos limites de minha capacidade de compreensão.

Sócrates-(...)Não se maravilhe que aqueles que tiverem chegado a esse ponto não queiram mais se interessar pelas vicissitudes humanas, mas espiritualmente tendam a permanecer sempre no alto. De fato, é natural que isso aconteça, se a alegoria apresentada merece realmente crédito.

Glauco-Certamente. É natural.(...)

Sócrates- Um homem sensato,(...)haveria de se lembrar que as perturbações que afetam os olhos são de dois tipos e têm duas causas:a passagem da luz para a sombra e aquela da sombra para a luz.(...)

Glauco-Você tem razão.

Sócrates-Se isso é verdade, deve-se concluir que A CULTURA NÃO É O QUE ALGUNS IMAGINAM QUE SEJA. ELES AFIRMAM QUE PODE(sic) INTRODUZIR A CIÊNCIA NUMA ALMA QUE A NÃO POSSUI, COMO SE COMUNICA A VISÃO AOS QUE NÃO VÊM.(grifo nosso)

Glauco- De fato, dizem isso mesmo.

Sócrates-Mas o discurso atual nos faz ver que na alma de cada um subsiste essa faculdade, junto de um órgão que torna possível o conhecimento, à semelhança dos olhos que não podem se volver das trevas para a luz sem que todo o corpo se volte nessa direção. Assim também a inteligência se deve voltar, com toda a alma, da visão do que nasce à comtemplação do ser e de sua parte mais luminosa, e isto, a nosso ver, é o próprio bem, ou não é?

Glauco-Sim, é isto mesmo.

Sócrates-Deve, pois, haver uma arte para fazer volver da maneira mais fácil e eficaz esse órgão de compreensão. Não se trata de lhe conferir a faculdade visiva que já a possui, ao contrário desviá-la de sua direção equivocada e vovê-la para a direção que deve olhar.

Glauco-Parece que seja assim.

Sócrates-Também as outras faculdades chamadas psíquicas talvez sejam afins às do corpo. QUANDO NÃO SÃO INATAS, PODEM SER ADQUIRIDAS COM O HÁBITO E O EXERCÍCIO, MAS O PENSAMENTO, PELO QUE PARECE, DIZ RESPEITO A UM OBJETO MAIS DIVINO QUE JAMAIS PERDE SEU PODER, EMBORA, DE ACORDO COM A DIREÇÃO A QUE SE VOLTA, PODE-SE TORNAR ÚTIL E VANTAJOSO OU INÚTIL E PREJUDICIAL(...).(grifo nosso)



"Mil perdões pela extensão do texto, mas não tive tempo de ser breve..."

Fazendo uma paráfrase tresloucada da alegoria da caverna; nossos "filósofos" querem nos conduzir ao interior desta!Em direção ao antípoda; quiçá ao Hades! Parece que no Brasil o buraco é mais em baixo!

Sds

Vale!