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segunda-feira, 24 de maio de 2010
Politica Externa brasileira: pro e contra o "acordo" com o Irã
Primeiro um artigo a favor, do ex-presidente da Câmara e ex-líder do PT, deputado federal por SP. Depois o editorial do Globo.
Um acerto para a paz
Arlindo Chinaglia
O Globo, 24 de maio de 2010
O memorando de entendimento sobre enriquecimento de urânio assinado pelo Irã com Brasil e Turquia é uma realização extraordinária da diplomacia brasileira e do presidente Lula. Os especialistas concordam com isso. A imediata consequência é que agora não há argumentos defensáveis para insistir na escalada de sanções.
O acordo dissipa um foco de tensão e pavimenta o caminho para uma solução do impasse que envolve o Irã, as superpotências e a Agência Internacional de Energia Atômica.
O processo aberto exigirá maior empenho de negociação, como o documento trilateral prevê, e garantias de segurança complementares, mas é inegável que o esforço diplomático do Brasil e da Turquia abriu a possibilidade de diminuir as preocupações da comunidade internacional. O principal entrave às negociações, o envio do estoque de urânio levemente enriquecido do Irã ao exterior, foi superado.
A diplomacia brasileira agiu à altura do novo papel do Brasil no mundo e contribuiu para o Irã firmar um compromisso que até então resistia a fazer. Não é tarefa fácil definir quem vai enriquecer o urânio, acertar as garantias formais e outros ajustes. Mas o que parecia impossível era firmar o acordo, e isto foi conquistado.
Evidentemente, tudo deverá ser submetido à análise da AIEA e do Conselho de Segurança da ONU.
Não há mais uma justificativa técnica e racional para não entabular negociações sérias com o Irã. A entrega dos 1,2 mil quilos de urânio iraniano e a não condicionalidade sobre o recebimento prévio do combustível geraram uma situação absolutamente nova. A questão agora é fundamentalmente política. Os EUA e seus aliados estão dispostos a adentrar pela porta aberta pelo Brasil e negociar com o Irã, ou o interesse maior é no isolamento e desestabilização do regime iraniano? O curioso é que, em nosso país, parte da oposição e da mídia fica na torcida contrária à diplomacia brasileira. Diziam que o Brasil não tinha influência e que as gestões não dariam em nada; agora dizem que o acordo é inútil, embora quase todo o mundo tenha dado destaque ao êxito da operação diplomática. Até o comandante em chefe da Otan na Europa, general James Stavridis, afirmou que o acordo é um “exemplo do que todos buscamos, um sistema diplomático que vise a um bom comportamento por parte do regime iraniano”. Houve elogios também de França, China, Rússia e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
A atuação do Brasil junto ao Irã abre novas portas para a distensão. Exemplo é a libertação da professora francesa Clotilde Reiss, depois de uma retenção de dez meses no Irã. Temos muito a ganhar. O Irã é um país-chave para o equilíbrio geopolítico do Oriente Médio, que interessa a nós e ao mundo.
As relações econômicas e comerciais também são importantes: o Irã, com uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo e um PIB de US$ 336 bilhões, desponta como potência emergente.
Diante disso, o presidente Lula, em sua viagem ao Irã, anunciou que disponibilizará, ao longo de cinco anos, uma linha de crédito de US$ 1 bilhão para o país persa importar alimentos brasileiros. O comércio bilateral pode quintuplicar em cinco anos, dos atuais US$ 2 bilhões para cerca de US$ 10 bilhões.
O mundo e o Oriente Médio não precisam de mais uma guerra. O Brasil abriu as portas para o diálogo e para a paz
O curioso é que parte da oposição e da mídia fica na torcida contrária ao país.
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Agora o editorial do Globo, que não acha a aventura tão extraordinária assim:
Suicídio diplomático
Editorial, 24/05/2010
A temerária operação diplomática empreendida pelo governo Lula para salvar o mundo no Irã terminou como cena de contos em que tapetes persas voam e magos saídos de garrafas curam todos os males: esfumaçou-se no ar.
Infelizmente, ao contrário das fábulas, há previsíveis desdobramentos objetivos contra os interesses do Estado brasileiro — instituição perene, ao contrário de governos.
Ao menos a descuidada operação feita em aliança com a Turquia, levada à frente apesar dos alertas sobre a baixa ou nenhuma confiabilidade do regime iraniano em conversações sobre o programa nuclear do país, ajudou a se concluir de vez que, na diplomacia brasileira, tudo vale para atingir um alvo estratégico: contrapor-se a interesses dos Estados Unidos e aliados do Primeiro Mundo, o “Norte”.
No mesmo balaio, encontra-se a preocupação quase obsessiva — embora legítima — de aumento da influência mundial do Brasil, alvo também perseguido pela sócia Turquia, desde o pósguerra candidata frustrada a entrar no bloco europeu.
Apenas muita convicção ideológica podia levar o governo a ir adiante numa empreitada com todas as condições de dar errado. E deu, no melhor estilo das frases cômicas do Barão de Itararé. Recolocar sobre a mesa, em Teerã, os mesmos termos do acordo proposto aos iranianos, em outubro do ano passado, pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), era infrutífero.
Naquela época, considerando-se os estoques de urânio do Irã, as quantidades de material a ser enriquecido fora do país representavam cerca de 2/3 do total. Agora, pouco mais da metade. Ou seja, se levado a sério pela comunidade internacional, o acerto seria muito menos eficaz como instrumento para reduzir a margem de manobra de Ahmadinejad e aiatolás no seu pouco disfarçável projeto de dotar a ditadura teocrática de armamentos nucleares.
Em 2009, o Irã aceitou as condições encaminhadas pela AIEA — com os Estados Unidos, é claro, por trás, apoiados por Rússia e China —, para logo depois recuar. Na semana passada, a cúpula de Ahmadinejad patrocinou uma festa em Teerã, com direito a braços erguidos de Lula e Erdogan (Turquia), em comemoração ao fechamento do acordo de outubro do ano passado.
A indiscutível manobra para adiar a decisão do Conselho de Segurança da ONU — em que Brasil e Turquia têm assentos não permanentes — sobre novas sanções durou apenas horas. Os Estados Unidos aceleraram as conversas com a reticente China e, logo na manhã seguinte àquela festa — pelos fusos de Brasília e Nova York —, a secretária Hillary Clinton anunciava o consenso com chineses e russos para apertar torniquetes das sanções para obrigar Teerã a negociar a sério.
Nas declarações oficiais na ONU, a tentativa de Brasil e Turquia foi considerada positiva.
Nas conversas francas, off the record, entre auxiliares de Barack Obama na Casa Branca e repórteres, não se escondeu a irritação com Brasília e Ancara. Com razão, pois postergar os trabalhos no CS é dar tempo para Ahmadinejad obter mais urânio das suas centrífugas, cujo número tem sido ampliado para elevar a taxa de enriquecimento do urânio.
Ao ter ajudado, na prática, o Irã a buscar a bomba nuclear, Brasília perdeu parte da credibilidade nos principais centros da diplomacia mundial. Ficou mais longe do assento de titular no CS — entre outros prejuízos, inclusive para a pessoa de Lula, visto agora com menos daquele glamour de simpático metalúrgico que venceu na vida.
4 comentários:
Caro Paulo
tudo bem? não é editorial, mas artigo de Arlindo chinaglia
na verdade o editorial é Suicídio diplomático
24/05/2010
abraço
Reginaldo Nasser
Meu caro Reginaldo,
Muito grato pela importante correção, que já foi feita. Eu tinha mesmo achado muito estranho e já estava entrando em conjeturas conspiratorias quanto a "mudanca de posicao" do "Globo" quando voce me chamou a atencao para esse fato simples, descurado num "assemblador" de noticias (o funcionario que fez a coleta nao conseguiu fazer a distincao).
Se voce tiver o editorial do jornal sobre a mesma questao eu agradeceria, pois nao tive acesso.
O abraco, desde Shanghai, do
Paulo Roberto de Almeida
Caro
Algumas observações. Depois do constrangedor “pra traz” que a iniciativa da diplomacia brasileira recebeu do CS da ONU, a retórica governista e dos seus apoiadores nos meios de comunicação em torno do “Acordo de Teerã" aos poucos vai dando lugar à dura realidade. Ontem o presidente Lula, em evidente manifestação de recuo na retórica, tratou de relativizar o que antes era um tido como um absoluto: a “vitória da diplomacia”. Disse Lula em seu programa de rádio Café com o Presidente, ao analisar os fatos de Teerã nos seguintes termos:
“Nós não fomos lá [ao Irã] para negociar acordo nuclear. Nós não temos procuração para isso. Nós fomos lá foi para tentar convencer o Irã a aceitar uma proposta feita pela Turquia e pelo Brasil, de sentar à mesa de negociações, e isso nós conseguimos”. (Lula em 24/05/2010).
Áudio está disponível aqui:
http://blog.planalto.gov.br/precisamos-falar-mais-em-paz-do-que-em-desavencas/
Ontem o Itamaraty divulgou nota que segue no mesmo diapasão presidencial:
“O Governo brasileiro manifesta a expectativa de que esse primeiro passo para a implementação da Declaração de Teerã ajude a construir um ambiente de confiança e contribua para uma solução negociada sobre a questão do programa nuclear iraniano.”
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/entrega-de-carta-do-ira-ao-diretor-geral-da-aiea
Ora, se o governo brasileiro “não foi lá para negociar um acordo” por que então somente se falava por aqui justamente o contrário?
Não se trata de torcer contra o Brasil, como dizem os propagandistas do governo, mas sim do direito sagrado de manifestar livremente opinião e análise dos fatos e, principalmente, chamar as coisas pelos seus nomes certos.
A inflexão no discurso governamental fica evidente se confrontarmos as declarações acima com as primeiras manifestações de Celso Amorim sobre a assinatura da Declaração de Teerã: Do Blog do Planalto em 18/08/2010:
“Entrevista exclusiva do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) ao Blog do Planalto concedida no voo de volta ao Brasil após visita presidencial a Teerã. Na entrevista, Amorim comemora o resultado da reunião tríplice Brasil-Turquia-Irã em que foi firmado o ACORDO sobre o enriquecimento do urânio iraniano na Turquia”. [Grifo meu]:
http://blog.planalto.gov.br/entrevista-com-o-ministro-celso-amorim-persuasao-foi-mais-eficiente-do-que-a-pressao/
PS: Essa elevação retórica para efeito de propaganda da Declaração de Teerã à categoria de Acordo não ocorreu no Irã. Em todas as notas publicadas no site da agencia governamental de notícias iraniana (IRNA) a coisa desde o inicio é chamada pelo seu nome: a “Tehran Declaration”.
Muito grato pelos comentarios, meu caro Paulo Araujo. Vou promovê-los a post, pois eles merecem esse destaque.
Paulo Roberto de Almeida
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