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domingo, 15 de agosto de 2010
Commodities: previsoes por quem entende do assunto
Roberto Rodrigues
Folha de S. Paulo, Sábado, 14 de agosto de 2010
Há razões para justificar o aumento das commodities, mas não há garantia de que os preços se sustentem
Os preços agrícolas tiveram forte alta nos mercados globais nas últimas semanas. Dois dos maiores especialistas na área, Alexandre Mendonça de Barros e André Pessoa, acreditam que existem fundamentos para isso.
A Rússia foi afetada pela maior seca em 150 anos, o que provocou uma forte queda na produção e na oferta de trigo naquele país, bem como em outros do Leste Europeu e também na Austrália.
Com isso, os preços do trigo subiram, puxando os da soja, do milho e do arroz, seja porque esses produtos são alternativos à alimentação humana, seja para a fabricação de rações. É preciso lembrar que 70% do trigo mundial é produzido no hemisfério Norte. Por outro lado, estamos vivendo uma onda do La Niña, fenômeno meteorológico que traz seca ao hemisfério Sul, notadamente Argentina, Paraguai e Estados do sul brasileiro. A última vez que isso aconteceu com gravidade foi em 2005, com violenta quebra nas produções de soja e de milho do Rio Grande do Sul, principalmente.
Essa expectativa, somada à redução da safra russa, já sinaliza eventual queda na oferta de grãos. Por outro lado, os estoques mundiais de soja estão acima da média, mas os dos Estados Unidos estão baixos. Como esse país é o maior supridor de soja da China neste momento, as atenções estão concentradas na safra americana: ainda é cedo para saber a produção de lá, mas há uma possibilidade de quebra também.
Outro fator da elevação dos preços é a desvalorização do dólar, ainda rescaldo da crise financeira: é um pouco da ressaca retardada dos bilhões de dólares injetados nos bancos centrais. Com essa perda de valor, os gestores financeiros dos fundos se defendem apostando nas commodities agrícolas, dadas as questões referidas, de uma possível oferta menor com demanda aquecida, especialmente nos países em desenvolvimento.
No entanto, não existe nenhuma certeza de que a escassez se concretize. Até meados de setembro teremos clareza dos dados, porque a safra americana estará consolidada. Mesmo assim, os preços atuais oferecem uma oportunidade aos produtores brasileiros de se posicionarem, pelo menos sobre parte da safra futura. Os preços do açúcar, do café e da laranja estão também subindo, mas agora por razões estruturais mais sólidas.
No caso do açúcar, o inverno seco deste ano levará a uma quebra da safra de cana no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil, com consequências na produção de 2011, com a má brotação das socas. Serão dois anos consecutivos de safras menores do que se esperava no começo de 2010.
Esse fato já evidente é ampliado pelo recorrente problema de logística para a exportação do açúcar: dezenas de navios ficam ao largo do porto de Santos esperando semanas para serem carregados, pagando um demurrage que encarece ainda mais os preços do produto.
O café, depois de anos de preços aviltados, abaixo do custo (mesma situação da laranja) finalmente teve alta, devido à falta de cafés finos e de estoques mundiais menores.
Mas a recuperação de preços do café e da laranja não é suficiente para cobrir as perdas de anos anteriores. E, se o La Niña afetar o Sudeste durante a florada de outubro, aí a safra do ano que vem será pequena, e os preços serão ainda mais remuneradores para quem produzir bem. A valorização dos grãos (trigo, soja, milho) ainda não chegou nas proteínas animais, mas, se persistir a alta, chegará também, inflando os custos de produção, com reflexos nos preços finais das carnes bovina, suína e de frango, além do leite.
Em suma, há razões concretas para justificar o aumento dos preços das commodities, e essas razões são potencializadas pela especulação dos fundos que se defendem da perda do valor da moeda dólar. Mas não há, até agora, garantia de que os atuais valores acima da média histórica sejam sustentados.
Assim mesmo, essa alta pode ajudar o produtor brasileiro, já informado das condições do Plano de Safra, a definir o que e quanto deverá plantar, inclusive com hedge de parte da produção futura.
ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp -Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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