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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Irresponsabilidade fiscal - Marcelo de Paiva Abreu

Democracia e responsabilidade fiscal
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 6.9.2010

Depois de longo período em que prevaleceram políticas macroeconômicas sérias, houve significativa deterioração da política fiscal ao final do segundo mandato do presidente Lula, especialmente durante o atual processo eleitoral. Clara indicação de que o governo está disposto a ser imprudente para garantir o sucesso nas urnas. Os sinais de deterioração são conhecidos: transferências maciças de recursos a bancos públicos para a concessão de empréstimos subsidiados de prioridade discutível e aumento de gastos de custeio, inclusive os injustificáveis, no quadro de políticas anticíclicas, para citar só dois exemplos notórios.

E, no entanto, os mercados relevantes têm deixado de refletir integralmente essas preocupações. Não seria o primeiro episódio em que visões de curto prazo prevalecem sobre a prudência que se deveria impor com base em análises de prazo mais longo. Nessas circunstâncias viceja o comportamento de manada, e o que seria normalmente classificado como otimismo infundado toma a forma de demonstração compulsória de patriotismo.

Para os que têm memória longa, é só lembrar a euforia empresarial que marcou a posse do ministro Delfim Netto em 1979, vitorioso em seu embate com o prudente, e impopular, Mário Henrique Simonsen. Ao final, deu "xabú" na planejada fuite en avant: a economia cresceu espetacularmente no ano seguinte, mas, depois, espetaculares mesmo foram a recessão e a aceleração inflacionária.

Outra razão para que os mercados reflitam de forma inadequada as vulnerabilidades de prazo mais longo tem que ver com o sucesso da política econômica prudente. Há grande folga para acomodar erros futuros de política econômica. Isso não quer dizer, entretanto, que os danos deixem de ser significativos e não possam afetar o crescimento futuro da economia.

As manifestações dos dois principais candidatos à Presidência da República tendem a agravar as preocupações. O candidato da oposição, ao manifestar desde cedo na pré-campanha as suas reservas quanto à política monetária, abriu espaço para que a candidata oficial ilegitimamente se apresentasse como defensora de um Banco Central prudente. O candidato adotou a mesma postura de 2002: no melhor dos casos, reticência quanto às conquistas do governo Fernando Henrique Cardoso no terreno econômico. Em linha com a sua relutância em relação ao Plano Real, com sua atitude protecionista e sua discordância quanto a aspectos essenciais das políticas monetária e fiscal então propostas pelo Ministério da Fazenda. Na verdade, uma razão importante para explicar as dificuldades da sua candidatura é a falta de continuidade entre o que o governo do PSDB fez no período FHC e o que o governo do PSDB se propõe a fazer depois de 2010. Agora, já em meio à campanha, houve menções à necessidade de conter o aumento da carga tributária. Parece bem pouco e muito tarde.

A candidata da situação vem demonstrando crescente segurança nas suas manifestações sobre a economia. Desafortunadamente, a segurança não é justificada pela substância do que tem a dizer. Recentemente, perguntada sobre a necessidade de um ajuste fiscal, reagiu com veemência. "Sou contra que se faça ajuste fiscal agora no Brasil." "Déficit fiscal é regime de caixa." "Na despesa você sai cortando: aumento de salário mínimo, aumento de salário." "Tem um lado da receita que todo mundo esquece. Sabe o que você faz? Você aumenta imposto."

Nessa memorável "explicação" a referência essencial é a aumento da receita. Desde o início da década de 1990 a carga tributária tem aumentado - hoje excede 34% do PIB. No governo Lula cresceu em média 0,4% do PIB ao ano. É um peso substancial, especialmente quando se leva em conta a qualidade dos serviços prestados pelo Estado. E tenderá a aumentar rapidamente, especialmente se forem implementadas as ideias da candidata quanto ao Estado no setor produtivo e ao relançamento de taxação vinculada a gastos na área de saúde.

Em outros períodos da história brasileira, foi difícil a convivência entre democracia e responsabilidade fiscal. Na Terceira República, entre 1945 e 1964, déficits públicos crescentes foram financiados de forma inflacionária. Houve enorme complacência quanto às finanças públicas e prevalência de visões de curto prazo com resultados desastrosos, primeiro econômicos, depois políticos. A lição a ser aprendida é que responsabilidade fiscal é condição necessária à preservação da democracia.

Sempre será possível continuar aumentando a carga tributária e enfrentar os custos econômicos e políticos que decorrerão da decisão. Mas não parece o caminho mais acertado. A capacidade de escolher entre objetivos alternativos é requisito fundamental para o exercício da Presidência da República. Para conter o ritmo de crescimento da carga tributária será necessário escolher entre despesas. A candidata deveria ter visão menos rudimentar do que seja ajuste fiscal. Um governo responsável vai ter, sim, de fazer ajuste fiscal. Aceitar os custos de curto prazo para obter os benefícios de longo prazo.

*Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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