quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A questao do aborto: um artigo esclarecedor - Olavo de Carvalho

Independentemente do que se diga, ou se pense, do autor, notoriamente uma figura controversa no cenério político brasileiro, este artigo de sua lavra toca em todos os pontos fundamentais para uma discussão bem informada, e dotada de rigor lógico, sobre o assunto.
Paulo Roberto de Almeida

Lógica do abortismo
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 12.10.2010

O aborto só é uma questão moral porque ninguém conseguiu jamais provar, com certeza absoluta, que um feto é mera extensão do corpo da mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência mesma da discussão interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar. Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na escolha entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de chances de ser uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou de ser, em vez disso, um homicídio premeditado. Nessas condições, a única opção moralmente justificada é, com toda a evidência, abster-se de praticá-lo. À luz da razão, nenhum ser humano pode arrogar-se o direito de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe dizer, com segurança, se é ou não um homicídio. Mais ainda: entre a prudência que evita correr o risco desse homicídio e a afoiteza que se apressa em cometê-lo em nome de tais ou quais benefícios sociais hipotéticos, o ônus da prova cabe, decerto, aos defensores da segunda alternativa. Jamais tendo havido um abortista capaz de provar com razões cabais a inumanidade dos fetos, seus adversários têm todo o direito, e até o dever indeclinável, de exigir que ele se abstenha de praticar uma ação cuja inocência é matéria de incerteza até para ele próprio.

Se esse argumento é evidente por si mesmo, é também manifesto que a quase totalidade dos abortistas opinantes hoje em dia não logra perceber o seu alcance, pela simples razão de que a opção pelo aborto supõe a incapacidade – ou, em certos casos, a má vontade criminosa – de apreender a noção de “espécie”. Espécie é um conjunto de traços comuns, inatos e inseparáveis, cuja presença enquadra um indivíduo, de uma vez para sempre, numa natureza que ele compartilha com outros tantos indivíduos. Pertencem à mesma espécie, eternamente, até mesmo os seus membros ainda não nascidos, inclusive os não gerados, que quando gerados e nascidos vierem a portar os mesmos traços comuns. Não é difícil compreender que os gatos do século XXIII, quando nascerem, serão gatos e não tomates.

A opção pelo abortismo exige, como condição prévia, a incapacidade ou recusa de apreender essa noção. Para o abortista, a condição de “ser humano” não é uma qualidade inata definidora dos membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem decide se o feto em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso social, não a natureza das coisas.

O grau de confusão mental necessário para acreditar nessa idéia não é pequeno. Tanto que raramente os abortistas alegam de maneira clara e explícita essa premissa fundante dos seus argumentos. Em geral mantêm-na oculta, entre névoas (até para si próprios), porque pressentem que enunciá-la em voz alta seria desmascará-la, no ato, como presunção antropológica sem qualquer fundamento possível e, aliás, de aplicação catastrófica: se a condição de ser humano é uma convenção social, nada impede que uma convenção posterior a revogue, negando a humanidade de retardados mentais, de aleijados, de homossexuais, de negros, de judeus, de ciganos ou de quem quer que, segundo os caprichos do momento, pareça inconveniente.

Com toda a clareza que se poderia exigir, a opção pelo abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de bicho, de coisa ou de pedaço de coisa.

Não espanta que pessoas capazes de tamanho barbarismo mental sejam também imunes a outras imposições da consciência moral comum, como por exemplo o dever que um político tem de prestar contas dos compromissos assumidos por ele ou por seu partido. É com insensibilidade moral verdadeiramente sociopática que o sr. Lula da Silva e sua querida Dona Dilma, após terem subscrito o programa de um partido que ama e venera o aborto ao ponto de expulsar quem se oponha a essa idéia, saem ostentando inocência de qualquer cumplicidade com a proposta abortista.

Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável -- concessão da sua parte.

Também não é de espantar que, na ânsia de impor sua vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de mulheres supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram milhões, baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora parece que fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que não passam de oito ou nove. É claro: se você não apreende ou não respeita nem mesmo a distinção entre espécies, como não seria também indiferente à exatidão das quantidades? Uma deformidade mental traz a outra embutida.

Aristóteles aconselhava evitar o debate com adversários incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras elementares da busca da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria de reconhecer que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no fundo, eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um crachá de sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade intrínseca, vivem de parecer que não o são.

6 comentários:

  1. Professor,

    Acho que este post pode lhe dar trabalho. É só se citar o Olavo de Carvalho e muito militante se assanha.

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  2. Prof. Paulo, o artigo realmente possui um grande rigor lógico. Mas gostaria de questionar os dados que o autor mostrou no final do seu texto sobre o número de aborto realizados no país, segundo o SUS. Esses dados não conferem com pesquisa realizada pela primeira vez para dimensionar esse fenômeno. Essa pesquisa pode ser vista no site: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,pesquisa-revela-que-uma-em-cada-sete-mulheres-ja-abortou-no-brasil,562093,0.htm
    Temos realmente um problema de saúde pública, principalmente entre os mais pobres que abortam utilizando medicamentos vendidos de forma clandestina. Já tive alunas que abortaram e relataram o estrago que essa atitude causou aos corpos delas. Sensibilização e educação sexual seria uma opção ao aborto, já que o "casal" não iria ter uma gravidez indesejada.
    Prof. Paulo, isso deve ser discutido pela sociedade, a sansão social deve prevalecer, neste caso, sobre a vontade individual?
    Atenciosamente,
    Marcio Bortolozzo.

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  3. Marcio,
    A questao é especialmente controversa, e os números podem realmente dizer muita coisa, mas o importante seria o respeito aos sentimentos individuais.
    Os brasileiros se posicionam contra o aborto indiscriminado e creio que a lesgislacao atual contempla os casos necessarios.
    Educacao e assistencia social sao importantes nos casos de gravidez indeseja.
    Eu seria favorável a um programa que não recorresse ao aborto e sim à "doação" automática, ou seja, a grávida se inscreve, perde os chamados "pátrios poderes" e no nascimento a criança é encaminhada para adoção diretamente, pois existe uma enorme demanda para isso.
    Deveria ser feito em bases de saúde pública, para evitar o mercado paralelo que sempre existe nessa área.
    Esta é a minha opinião: conservar o feto, sabendo que a criança será encaminhada para adoção legal, sem vínculos de qualquer espécie, determinado legalmente.
    Paulo R. Almeida

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  4. Prof. Paulo, você apresentou um caminho alternativo, que agrega as convenções sociais (preservação da vida) e individual (o direito de escolha dos pais de permanecerem ou não com o filho). Obrigado pelo retorno e argumento utilizado.
    Atenciosamente,
    Marcio.

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  5. Não me ficou muito claro se nesse debate se insere os riscos que uma gravidez indesejada pode acarretar à vida da mãe, v.g., quando é o caso de uma criança estuprada. Penso que haja certos casos em que o aborto é justificado como naquele relativamente recente ocorrido, penso, no Nordeste, em que a criança pode sofrer dos mais diversos danos.

    Abraços,

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    1. A CF garante o aborto nos casos em que há risco real à vida da gestante, como também nos casos de estupro.

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