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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ordem Livre: meu ultimo ensaio publicado (PRA)

Normalmente, eu diria o "mais recente", mas neste caso é mesmo o último, pelo menos desta série: "Volta ao Mundo em 25 Ensaios".
Encerro, assim, minha colaboração ao site Ordem Livre, compromisso que assumi um ano atrás, para publicações quinzenais durante um ano.
Uma espécie de balanço...

Itinerário percorrido e o que resta fazer

Paulo Roberto de Almeida 
 Ordem Livre, 20 de Dezembro de 2010

Em dezembro de 2009, eu recebia, do OrdemLivre.org, um site promotor de ideias e de lutas em prol da liberdade, um convite para colaborar, durante o espaço de um ano, com textos quinzenais, de 600 a 800 palavras, visando promover pelo menos um dos seguintes princípios: (a) liberdade individual; (b) livre mercado; (c) governo limitado; (d) paz. As recomendações feitas eram a de atacar ou defender ideias, não pessoas ou grupos, e a de contestar argumentos, não meras intenções.
Ao cabo de 24 ensaios, publicados desde o dia 18 de janeiro de 2010 – “Por que o mundo é como é (e como ele poderia ser melhor...)” – até o dia 6 de dezembro – “Nossa contribuição para o mundo: onde o Brasil pode ser melhor” – esforcei-me por atender à demanda formulada um ano antes. Com efeito, procurei oferecer aos leitores e visitantes do site um conjunto de textos sobre o Brasil, seu entorno regional e sobre o mundo, num esforço intelectual que, basicamente, se resumiu no seguinte: traduzir uma razoável experiência de vida, enquanto diplomata, viajante e professor (nessa ordem ou em qualquer outra), bem como os conhecimentos adquiridos ao longo de uma convivência regular, constante e até obsessiva com os livros ou qualquer outra forma de informação escrita, com destaque para ensaios analíticos ou interpretativos nos terrenos da história, da política, da economia, enfim, das humanidades em geral. Pela revisão retrospectiva desses ensaios – disponíveis aqui – os leitores podem verificar se eu cumpri, ou não, com os objetivos fixados, e se eu respeitei, ou não, os critérios estabelecidos para as minha colaborações regulares.
Em todo caso, procurei oferecer um amplo panorama dos problemas mais relevantes do mundo contemporâneo, passando pelas questões: dos direitos humanos; da guerra e da paz; do desenvolvimento (ou da falta de) em diversas regiões e países – inclusive e principalmente no próprio Brasil; das políticas econômicas nacionais e das políticas setoriais (comércio, indústria, orçamentos, competição, etc.); dos velhos problemas das desigualdades sociais e entre países; da dominação e da exploração; das grandes ideias e ideologias que movem os homens e as sociedades neste planeta; terminando com a posição do Brasil no mundo, nosso aprendizado, nossas lições e eventuais contribuições para o bem-estar da humanidade.
Caberia agora, neste ensaio final, fazer a síntese de todas essas questões e tentar oferecer alguns argumentos sobre o caminho que ainda resta a percorrer, para todos e por todos aqueles que, como eu, pretendem fazer deste mundo um lugar melhor do que aquele que encontramos, quando aqui chegamos. Se ouso oferecer um resumo de tudo o que aprendi em incontáveis viagens, leituras, estudos e observação atenta de tantos países e continentes que visitei, ao longo de um itinerário pessoal bastante rico em experiências e ensinamentos, seria mais ou menos o seguinte.
O mundo é, certamente ainda, formado por um conjunto muito desigual de povos e sociedades, organizados em estados e nações dotados de identidade própria – com várias minorias não autônomas, ou dominadas, situação da qual nascem conflitos e guerras – e caracterizados por estágios muito diversos de desenvolvimento político, econômico e social. Alguns desses povos e sociedades (infelizmente ainda em número relativamente reduzido) alcançaram um patamar razoável de satisfação de suas necessidades básicas, apresentam níveis também razoáveis de prosperidade social e econômica, bem como desfrutam de plenas condições para o exercício da liberdade individual e de oportunidades não cerceadas para sua expressão intelectual, espiritual, cultural ou religiosa. A maior parte da humanidade esforça-se para também atingir esses níveis de prosperidade humana, e pode-se dizer que esse objetivo vem sendo cumprido, lenta mas seguramente: existe hoje uma larga “classe média mundial” que desfruta de uma esperança satisfatória de vida, conseguiu debelar as epidemias que, no passado, devastavam boa parte da população, dispõe de boa segurança alimentar e individual (ou seja, estão ao abrigo de guerras e invasões) e vivem em estados medianamente democráticos ou abertos (isto é, dotados de governos representativos).
Mas ainda existem, na maior parte da África, e em largas partes da Ásia e da América Latina, populações imensas que não dispõem de condições mínimas para uma existência digna, que vivem em situação de miséria ou de insegurança alimentar, são desprovidas de infraestrutura e de serviços coletivos básicos (sobretudo saúde e educação) e que não desfrutam de liberdades individuais ou coletivas (ou seja, voto livre ou alternância democrática dos governos), quando não são afetados por guerras e conflitos étnicos, religiosos ou territoriais. Essa situação talvez atinja, ainda, um terço da humanidade, numa demografia também mutável, em função de epidemias, conflitos ou desastres naturais. Não é difícil encontrar exemplos de países que parecem concentrar todo o sofrimento da humanidade, mas dispenso-me aqui de citar seus nomes, por serem eles bem conhecidos.
Mais “curiosa”, no entanto, é a situação daqueles países que poderiam ser ricos, ou razoavelmente prósperos, com base em recursos naturais abundantes e em uma população até medianamente educada, mas que decaem para o autoritarismo político e o descalabro econômico, quando não para lutas internas e conflitos externos que infelicitam suas populações e criam tensões desnecessárias no plano mundial. Posso, sim, citar um desses exemplos – que é, obviamente, o da Coreia do Norte –, e também poderia citar outros, mesmo na região, porém dispenso-me de fazê-lo.
Pois bem, o que poderíamos dizer, ou fazer, em relação a esses casos de sofrimentos desnecessários e esses pontos de tensão, num mundo que avança de modo lento, mas aparentemente irreversível para níveis razoáveis de prosperidade social e econômica? (Não estou diminuindo aqui a importância dos problemas ambientais; mas não sou adepto do malthusianismo implícito a todas essas promessas de desastres anunciados, inclusive porque confio no poder da ciência e da tecnologia, e na modesta racionalidade das sociedades, para resolver os problemas mais dramáticos.) O ponto central das “infelicidades” humanas parece residir na falta de educação da maior parte dessas comunidades para enfrentar seus problemas econômicos, políticos e ambientais, com base nos instrumentos atualmente disponíveis em matéria de ciência e tecnologia (dominadas, não as que ainda virão no futuro da humanidade).
Em outros termos: não vejo limitação técnica, ou material, para que toda a humanidade possa desfrutar de níveis razoáveis de vida, uma vez que a quase totalidade do conhecimento acumulado desde tempos imemoriais por essa mesma humanidade está hoje totalmente disponível nas redes abertas de informação (sendo apenas uma pequena parte ainda objeto de tecnologia proprietária, que, aliás, torna-se pública após 20 anos de monopólio). Praticamente todas as grandes enfermidades humanas podem ser combatidas ou controladas com os medicamentos e prevenções conhecidos; todas as necessidades alimentares podem ser atendidas com base nos níveis atuais de produtividade, sendo as carências detectadas apenas o resultado de problemas de distribuição; os suprimentos energéticos podem ser garantidos com base nas fontes disponíveis (fósseis e renováveis) e nas pesquisas em curso; a segurança individual e do sistema internacional poderia ser atendida (embora não o seja, que fique claro) pelos mecanismos nacionais existentes de tipo policial e dispositivos já utilizados no sistema da ONU (ainda que o princípio da soberania estatal dificulte a tarefa em pontos quentes do planeta).
O que ocorre, então, como obstáculo para que o mundo seja esse lugar melhor para se viver, a que todos aspiramos e desejamos? Não devemos perder de vista, em primeiro lugar, que a humanidade civilizada e próspera tal como a conhecemos hoje é um fato relativamente recente na história da espécie humana: dos mais de cem mil anos de homo sapiens disseminado pelos continentes, apenas um décimo correspondem a sociedades sedentárias, dotadas de alguma tecnologia agrícola e que metade desse tempo integram a chamada história, ou seja, sociedades dotadas de escrita e, portanto, de memória dos progressos alcançados. Temos apenas 4 mil anos, talvez um pouco mais, de formações urbanas, isto é, organizadas na forma de estados, com autoridades identificadas e direitos de propriedade reconhecidos. Mas o processo de socialização e de aprendizado das técnicas que permitiram chegar a sociedades de escrita e de paz interna é um renovar constante de experiências individuais, dado que cada ser humano precisa ser impregnado de cultura e de saber.
Durante a maior parte da história humana conhecida, fenômenos como guerras de conquista, exploração de outros povos, escravidão e castigos físicos foram norma geral de “convivência”, já que apenas nos últimos dois ou três séculos se conseguiu eliminar algumas dessas instituições “primitivas”. Os progressos alcançados nesses últimos dois ou três séculos foram fantásticos, tanto em termos materiais, quanto em matéria de direitos humanos e expressão das liberdades individuais. Mas não podemos nos esquecer de que poucos povos, na verdade, atingiram plenamente esses patamares civilizatórios. Muitos outros, entretanto, não o conseguiram; porém, descarto a hipótese de que isso não foi logrado devido à dominação, dependência ou exploração de povos ou países mais avançados; esses fenômenos certamente existiram; mas eles não tiveram o poder bloqueador – ao contrário – como certas “teorias” apregoam.
Agora, observando-se os povos e sociedades que alcançaram esses níveis razoáveis e positivos de desenvolvimento individual e coletivo, constatamos que se trata de povos bem educados, dotados de instituições políticas favoráveis ao enriquecimento individual, situados num arco de organização econômica e social que combina formas diversas de sistemas de mercado e de representação política de tipo concorrencial (como é, aliás, a ordem produtiva subjacente). Não é fácil reunir todas essas características em povos e sociedades marcados durante muito tempo pelo desrespeito aos direitos individuais – entre eles o da propriedade – e pela baixa representatividade política, o que os impede de reivindicar melhores condições de educação e saúde para justamente organizar suas sociedades segundo aquelas linhas e formas de organização social e econômica mais compatíveis com o crescimento, a riqueza e a prosperidade individual e coletiva. Baixos níveis educacionais, na maior parte dos povos, são em grande medida responsáveis pelas carências detectadas.
O que fazer, finalizando, para que a situação possa mudar em prazos razoáveis (ou seja, nas próximas duas ou três gerações)? Creio, pessoalmente, que os maiores esforços devam ser realizados no campo da educação dos indivíduos. Nenhuma cooperação ou assistência ao desenvolvimento será bem sucedida se não incidir sobre a própria capacitação dos indivíduos; obras materiais, redes viárias, melhoramentos de infraestrutura, fontes de energia, nada disso pode frutificar se representar fatores simplesmente transplantados desde o exterior, sem o envolvimento pleno dos povos e sociedades a que são dirigidos esses esforços de “desenvolvimento”. Sabemos da triste história da deterioração de muitos equipamentos resultantes da cooperação externa em situações de baixa incorporação de recursos humanos locais nas obras de melhorias materiais. O capital humano ainda é o principal fator de progresso social e individual. São os diferenciais de produtividade do trabalho humano que explicam quase todas as desigualdades existentes entre povos e nações.
Nossa tarefa, portanto, é basicamente uma só: educar, educar, educar; o que, aliás, se aplica mesmo em países razoavelmente desenvolvidos como o Brasil. É pela educação que se combate a corrupção, os governos ineficientes, os demagogos e os aproveitadores das crendices populares, os oportunistas de todos os tipos. O Brasil, como parece ficar claro cada vez mais, não é um país desprovido de meios ou de recursos; mas é certamente um país que perdeu e perde muitas oportunidades, devido tanto à ignorância de seu povo quanto à incapacidade de suas elites. Minha suspeita é a de que ele continua perdendo, e muito disso se deve à educação (ou à falta de, ou ainda, à má qualidade da educação) de grande parte da população. Cabe a todos nós, cidadãos conscientes, mudar isso, ou pelo menos se esforçar para que isso seja feito.
O Brasil – todo o mundo em desenvolvimento – necessita uma revolução educacional, um profundo processo de mudanças e de reformas modernizantes que coloque a formação de capital humano como a prioridade das prioridades. Este foi o sentido destes 25 ensaios, que deram uma volta ao mundo dos problemas humanos e nacionais. Espero que eles tenham conseguido preencher sua função educacional, cumprindo, assim, os objetivos previamente fixados. Cabe aos leitores julgar...

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