...e ainda sem respeitar meus "moral rights", já que mudaram meu texto sem autorização e sem sequer mencionar a fonte original.
Conto a história completa.
CESPE pirateia Paulo Roberto de Almeida num concurso de bolsas para afro-descendentes
Eu sabia que alunos de Relações Internacionais do Brasil afora usam textos meus, disponíveis no meu site ou neste blog, para “apoiar” trabalhos acadêmicos.
Só não sabia, pelo menos não ainda, com comprovação visual, digamos assim, que professores também utilizam-se das mesmas práticas, mas com requintes de pirataria mal feita.
Graças ao Edimar Marcelo Silva, um amigo de Brasília, tomei conhecimento de que o CESPE, o Centro de concursos da UnB, utilizou-se (mal e desonestamente) de um texto meu para preparar uma das questões no mais recente concurso (dezembro de 2010) de seleção de bolsistas para o Programa de Ação Afirmativa (não se perca pelo nome) do Instituto Rio Branco, aquele que, sem qualquer complexo discriminatório seleciona candidatos negros (ou afro-descendentes) à diplomacia, concedendo-lhes uma generosa bolsa para que eles possam preparar-se para o concurso do ano seguinte.
Na prova de Redação do que é oficialmente chamado de “Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia” de 2010, os professores encarregados de preparar questões para os candidatos apresentaram, na parte I, de redação em Língua Portuguesa, o seguinte texto, supostamente meu:
O Brasil vem experimentando, igualmente, mudanças sensíveis em seu papel regional e em seu papel de ator global. Essas mudanças na posição relativa do Brasil na região e no mundo decorrem tanto da imposição de dados objetivos da realidade externa regional e global que afetam de modos diversos o gigante da América do Sul quanto de decisões adotadas pelas lideranças políticas brasileiras.
Com o objetivo de fortalecer a capacidade do Brasil de influenciar políticas no nível regional e no global, diversas modalidades de ação diplomática estão sendo mobilizadas e desenvolvidas tanto no plano bilateral, no regional e no multilateral, com a proposição de foros e grupos mais flexíveis de ação, quanto no plano governamental, no da sociedade civil e no de contatos políticos com partidos e organizações não governamentais. As áreas que possuem interface direta com a sociedade civil, tais como as relacionadas a meio ambiente e a luta contra a AIDS, servem de terreno de manobra ao que já foi descrito como uma diplomacia engajada e especialmente ativa.
Paulo Roberto Almeida, O Brasil como ator regional e como emergente Global.
Internet: <www.dcomercio.com.br> (com adaptações)
Pois bem: procurei extensivamente no site do que é o “Diário do Comércio”, e não existe absolutamente nada, nem sob o meu nome, nem com o título desse trabalho. Ou seja: os professors – ou quem quer que tenha preparado a questão nunca achou nada parecido no Diário do Comércio, e nem poderia.
O texto em questão foi retirado de um trabalho publicado com outro título e subtítulo: “O Brasil como ator regional e global: estratégias de política externa na nova ordem internacional”, na revista Cena Internacional (Brasília: UnB-IREL, vol. 9, n. 1, 2007, p. 7-36; ISSN: 1982-3347), e pode ter sido retirado de algum outro site ou a partir de reprodução pirata.
Independentemente, porém, da cópia em si, algo a que já estou acostumado, são as adaptações que foram feitas no texto.
Seu teor exato, no que concerne o primeiro parágrafo, é este aqui:
Da mesma forma (mas talvez não no mesmo ritmo ou intensidade) como o mundo passa por novas configurações políticas e econômicas desde o final da Guerra Fria e do término do desafio socialista ao capitalismo, com a conformação de uma ordem mundial de mercados abertos e globais e a emergência progressiva de novos atores, o Brasil vem experimentando, igualmente, mudanças sensíveis em seu papel regional e enquanto ator global. Essas mudanças na posição relativa do Brasil na região e no mundo têm ocorrido tanto por imposição dos dados objetivos da realidade externa – regional e global – que afetam de modos diversos o gigante da América do Sul, quanto em função de decisões adotadas por suas lideranças políticas, com destaque para as iniciativas de política externa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais conhecido como Lula, que concluiu seu primeiro mandato (2003-2006) e iniciou, em janeiro de 2007, um segundo período na presidência do Brasil (até 2010).
Quanto ao segundo parágrafo, o texto correto é este aqui:
Todas as modalidades de ação diplomática – nos planos bilateral, regional, multilateral, bem como propostas de foros e grupos mais flexíveis de ação, tanto no plano governamental, da sociedade civil e de contatos políticos com partidos e organizações não-governamentais – estão sendo mobilizadas e desenvolvidas, com vistas a reforçar a capacidade do Brasil de influenciar políticas nos níveis regional e global. Aquelas áreas que possuem uma interface direta com a sociedade civil – como a questão do meio ambiente e a luta contra a Aids, por exemplo – servem de terreno de manobra ao que já foi descrito como uma “diplomacia engajada” e especialmente ativa.
E eu remeto, neste ponto, a um outro trabalho meu que é este aqui:
Paulo Roberto de Almeida, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília: IBRI, v. 47, nº 1, 2004, p. 162-184.
Disso tudo, permito-me chegar às seguintes conclusões. Os professores contratados pelo CESPE para fazer provas para o Rio Branco ou para a tal de Bolsa-Afirmativa não fazem corretamente o seu trabalho. Como qualquer aluninho de primeiro grau, eles ficam “pescando” na internet textos que sirvam a seus propósitos, não se incomodam de fazer as adaptações que julgam mais apropriadas a seus objetivos e sequer controlam as fontes originais de publicação. Se é para fazer assim, melhor contratar, e pagar (menos), aluninhos de primeiro grau.
Paulo Roberto de Almeida
Em tempo: meu trabalho pode ser lido, em sua versão original e completa, nas seguintes coordenadas:
4 comentários:
Professor,
Isso é um absurdo. "Erro" primário.
Certa feita encontrei um texto meu que era atribuído ao senhor. O que é lisonjeiro para mim, mas evidentemente um demérito ao professor. Mas, já notifiquei o autor que "linkava" corretamente o texto para colocar o autor correto.
Abs,
O senhor tem todo o direito de achar ruim, é claro.Agora me pergunto se o senhor ainda se "assusta" com este tipo de coisa, num país onde propriedade privada e mesmo intelectual não significa nada (só estampada em lei com efeito figurativo).E pergunto ao senhor sua opinião, o acesso à produtos piratas (a população acha "justo",já que não teriam dinheiro para comprar estes filmes ou jogos, desenvolvedores de jogos e produtores de filmes já tem muito dinheiro), que são uma verdadeira farra aqui,o acesso fácil à cópias de trabalhos, trechos de livros, downloads, dos mesmos, etc.Em resumo,como o senhor acha que estará o pensamento da população jovem daqui a uns 20 anos com relação à direitos de propriedade intelectual?
Caro pseudointelectualizando,
Não, não me surpreende a cópia, ou apropriação indébita de meus textos, pois sei que qualquer autor, atualmente, é passível de cópia indevida por alunos, ou até colegas professores.
O que me surpreende é o descaso, o descuido, a incompetência com que isso se faz -- pegando de terceiras fontes, quando o mesmo trabalho se encontrava disponível em meu site -- e o fato de se mudar alegremente o texto, sem sequer se preocupar em consultar o autor, para ver se ele está de acordo.
Quanto ao Brasil, creio que ele vai evoluir para melhor, embora muito lentamente.
Essa questão da pirataria ou compra de fakes deve também ser vista no contexto da supertaxação existente no Brasil, na média superior a 40% do preço de mercado. Se o governo fosse menos extorsivo, provavelmente os produtos seriam mais baratos (existem outros fatores claro) e não houvesse tanto contrabando e pirataria.
Aos poucos a sociedade vai aprendendo...
Paulo Roberto de Almeida
PREZADO Ilustre Dr. PauloRoberto
O meu nome é João Batista, sou professor de Língua Inglesa da Rede Municipal de Ensino da cidade de Pouso Alegre,Sul das Minas Gerais. Gostaria de lhe informar de que fiquei perplexo do fato ocorrido, pois sempre fui seu fã, um admirador assíduo de suas obras literárias por sempre ter tido grande apego a e sonho pela área de assuntos diplomáticos.Sou um afrodescendente e sempre achei que ser funcionário público e concorrer com um grande número de pessoas nunca seria matéria fácil de se lidar, contudo,apesar do Programa de Ação Afirmativas ter tido início desde 2002, confesso ao senhor que só tomei conhecimento em 2009 e, pensando que realizando às inscrições ao programa de bolsa pelo Cnpq, finalmente, mesmo sendo uma pessoa negra e um mero professor de Rede Pública, agora, meu sonho de um dia me tornar um diplomata, poderá vir à tona. Pois bem,nos dias 11 e 12 de dezembro de 2010 fiz a prova da chamada Bolsa-Prêmio de Vocação Para A Diplomacia e digo ao senhor que não foi nada de extraordinário em termo de facilitação por ser afrodescendente, pois encontrei naquela prova objetiva, eliminatória de 100 questões 20% fáceis e 80% delas eram bem difíceis ao meu ver, teria que pensar e refletir muito antes do tiro. No dia seguinte, na fase classificatória de português e inglês,sendo este, até agora, o único fato surpreendente, pois a redação de inglês seria apenas classificatória ao invés de eliminatória. Já tenho conferido a prova eliminatória e consegui 60% das 100 questões e aguardo o resultado de redação de português e inglês. Ai quero perguntar ao Sr.,diante da invasão de forma abusada e desapropriada que houve em sua obra “O Brasil como ator regional e global: estratégias de política externa na nova ordem internacional” - Então,como ficará a posição dos candidatos a tal chamada bolsa-prêmio, seremos prejudicados pelo fato ocorrido?
De qualquer maneira, por ser um afrodescendente de africanos, escravos que muito construíram para construção de nosso país, achei que encontraria situações mais amenos, todavia, não foi nada disso.
Cordialmente,
Prof. João Batista
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