Reflexões ao léu: o Brasil a caminho de novo desastre econômico
Paulo Roberto de Almeida
Calma, não estou anunciando mais uma dessas crises de balanço de pagamentos ou de hiperinflação, como já tivemos várias vezes no passado, ou seja, no último meio século.
Desde os anos 1960, o Brasil conheceu seis moedas (acho que não estou errando as contas) e quase todas as vezes eliminou três zeros da moeda que se enterrava, o que deve dar pelo menos quinze zeros eliminados, ou seja, tivemos uma inflação de milhões por cento, cumulativamente (parcialmente neutralizada pelos mecanismos de indexação monetária e cambial).
Mas, observando o cenário de empreendimentos públicos esquizofrênicos patrocinados pelo próprio Estado – entre eles, Copa de 2014, Olímpiadas em 2016, trem-bala, dinheiro para o BNDES, para a Petrobras, para qualquer empresário que consegue o dinheiro barato do BNDES, tudo isso financiado pelo Tesouro, ou seja, por todos nós – só posso prever um aumento extraordinário da dívida pública, em todos os níveis, nos próximos anos.
Nos anos 1995-1998, foi um enorme sacrifício para as autoridades da Fazenda colocar em ordem e depois renegociar a imensa dívida pública dos estados e municípios, e colocar um termo às emissões clandestinas e irresponsáveis de moeda pelos bancos estaduais, refazendo todo o imenso cipoal de finanças públicas surrealistas que tinha sido criado ao longo dos anos de caos econômico vivido pelo Brasil no período anterior ao Plano Real. Como consequência disso, a União assumiu toda as dívidas das unidades subfederadas, trocando os títulos das dívidas estaduais e municipais por novos títulos da dívida federal, com prazo de 30 anos e juros razoáveis, em lugar dos juros de banqueiros que antes eram pagos por dirigentes irresponsáveis.
Como consequência, a dívida interna, que até então se situava em torno de 30% do PIB saltou para mais de 50%, sob as acusações irresponsáveis de líderes da oposição que acusavam o governo de ser “neoliberal”. Como? Como ser neoliberal estatizando dívidas públicas? Neoliberais simplesmente deixariam estados, municípios e bancos públicos quebrar simplesmente, com o que a conta seria paga pelos que emprestaram dinheiro a esses irresponsáveis. O governo foi até estatizante demais sob esse aspecto. E ainda acusam o governo de ter aumentado a dívida pública, a despeito de ter promovido um dos mais gigantescos programas de privatização já vistos na história do capitalismo mundial. Imaginem onde estaria a dívida pública total brasileira na ausência de privatizações!
Pois bem: atualmente, este governo irresponsável – a despeito de não ter acabado com a Lei de Responsabilidade Fiscal, e de não ter, ainda, permitido nova farra de gastos e endividamentos pelos estados e municípios, mesmo abrindo brechas aqui e ali – conduz, alegremente, nova fase de irresponsabilidade fiscal, autorizando grandes obras e grandes gastos, sempre com garantia do governo, ou seja, com dinheiro do Tesouro. Já passam de 200 bilhões de reais, provavelmente, o dinheiro que o Tesouro repassou ao BNDES, dinheiro que vai para a Petrobras – que podia tranquilamente capitalizar-se no mercado internacional – e para grandes grupos brasileiros, que também poderiam abastecer-se de outro modo.
Estados e municípios apressam-se para aproveitar o maná da Copa e das Olimpíadas para fazer passar goela abaixo dos fiscais do TCU e do Ministério Público projetos megalomaníacos supostamente necessários para cumprir essas obrigações com a FIFA e o COI – e de fato o são – aproveitando-se, obviamente, da “urgência” e da “relevante função social”. No mesmo movimento – aliás atrasadíssimo tendo em conta os calendários apertados para fazer isso – eles vão aproveitar para pedir dispensa da lei de licitações assim como vão abrir a porta para todo tipo de abuso que administradores públicos conseguem cometer com a “ajuda” de empresas sempre dispostas a “apressar as obras” em troca de menos controles: vai ser um festival de superfaturamento e de desvio de dinheiro público, como todos podem imaginar.
Aí que entra o meu título: a dívida pública de todos esses entes vai aumentar, além das possibilidades reais, e como todos sabemos, o fim é aquele mesmo dos filmes que já vimos: crise fiscal e crise econômica. Só existem três maneiras de os governos fazerem mais do que podem: inflação, dívida pública, calote. Em todas as três, alguém vai pagar a conta: vocês, contribuintes, ou os seus filhos, vão pagar essa fatura que começa a ser construída agora (de fato já está sendo desde 2003). Não se iludam: o Brasil vai continuar a sua trajetória de baixo crescimento, finanças públicas desarranjadas e irresponsabilidade fiscal. Temos um encontro marcado com a crise, no futuro de médio prazo. Aguardem (ou façam algo desde já).
Brasília, 27 de fevereiro de 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.