Itamaraty enfrenta regras demais, que dificultam parcerias, missões e ambições
BRASÍLIA Em 2004, em uma visita ao Senegal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acolheu um pedido de seus anfitriões: um avião para ajudar a combater a praga de gafanhotos que arrasava as lavouras do país, mas a aeronave só foi entregue ao governo do país africano quatro anos depois, porque o processo se alongou com idas e vindas de missões e uma demora na aprovação pelo Congresso.
Esse caso emblemático revela como é inflexível e morosa a burocracia na esfera diplomática brasileira, o que prejudica as crescentes aspirações geopolíticas do país no mundo. Preocupada com a antiquada legislação, criada nos anos 80, após o escândalo das polonetas calote do governo Polonês sobre empréstimos do Brasil , a presidente Dilma Rousseff determinou a elaboração de estudos para ajustar o sistema atual, que atrapalha investimentos, acordos de cooperação e até mesmo doações.
Mediante apoios financeiros ou de cooperação técnica, o Brasil busca aplicar uma teoria de Joseph Nye, cientista político da Universidade de Harvard, que vem se disseminando no Itamaraty desde o início do governo Lula: o chamado soft power. Nye usa o conceito para definir o poder brando, pelo qual um país exerce sua hegemonia com parcerias, ações culturais ou ideológicas livres de imposições bélicas ou comerciais agressivas. O problema é que as regras nacionais hoje impedem, por exemplo, que o Brasil firme acordos livremente com países que tenham dívida conosco ou antes de uma chancela do Senado, entre outros entraves.
Às vezes, uma dívida de US$ 5 milhões impede um negócio de US$ 500 milhões disse uma fonte da área diplomática.
Segundo o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Márcio Cozendey, o Brasil tem crédito de US$ 2,1 bilhões, excluídos os apoios do BNDES às exportações, com alguns países africanos e caribenhos por empréstimos feitos no passado, entre os quais Senegal, Antígua e Barbuda e São Tomé e Príncipe. Ele confirmou que existe uma discussão no governo para adequar as normas do Brasil às aspirações atuais.
Cooperação para melhorar imagem lá fora
Entre as alternativas em estudo, está a criação de acordos guarda-chuva que permitam os mesmos parâmetros e critérios na renegociação de diversas dívidas, o que deve acelerar o processo de análise e aprovação, que hoje leva em torno de dois anos. Outra medida em estudo é tornar os chamados empréstimos concessionais voltados para países de economias menos favorecidas mais atraentes, aplicando descontos maiores e taxas menores, conforme o mercado. Hoje, os empréstimos são corrigidos em 2% ao ano ou pela taxa Libor.
Como hoje as taxas estão muito baixas, a ideia é que não fosse uma coisa fixa, mas com descontos sob condições de mercado. É um pouco como o Fundo Monetário Internacional (FMI) procede quando tem um programa de dívida com países em desenvolvimento. Eles dizem: o país pode pegar empréstimos no mercado até tanto e, acima disso, só se forem concessionais, que têm 35% de desconto, seja no prazo, seja na taxa explicou Cozendey.
Os acordos de cooperação são uma tentativa de o Brasil reforçar a presença no mercado internacional.
O Brasil historicamente era um país mais receptor do que doador em parcerias, mas nos últimos anos surgiram os modelos de cooperação Sul-Sul disse o embaixador Fernando de Abreu, presidente da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), entidade ligada ao Itamaraty.
Por meio da ABC, são possíveis cooperações técnicas, livres de amarras, mas para isso é necessário apoio dos parlamentares. Hoje, há acordos em vigor via ABC com 95 países (US$ 120 milhões até 2014), mas a demanda é muito superior à capacidade da agência.
Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, a apreciação dos acordos internacionais deve ser feita caso a caso, mas de forma mais rápida.
ProSavana quer levar à savana de Moçambique o mesmo avanço agropecuário do cerrado brasileiro
06/10/2012 - 21h00 | O Globo
BRASÍLIA O modelo de apoio brasileiro a países da África na linha soft power é livre de condicionalidades, mas não ignora boas oportunidades de negócios para as empresas nacionais. Exemplo do modelo de parcerias bilionárias que o Brasil quer incrementar é o ProSavana, cooperação entre Brasil e Japão que pretende levar à savana de Moçambique o mesmo avanço agropecuário que o cerrado brasileiro teve nas últimas décadas, inclusive com o apoio do próprio Japão, pelo Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer).
O ProSavana envolve a exportação de tecnologia pela Embrapa e tem orçamento de US$ 500 milhões dos governos em até 20 anos para investimentos no corredor de Nacala, região do Norte de Moçambique para onde serão destinados os recursos e a assessoria técnica. Paralelamente à cooperação, Brasil e Japão já convocaram suas instituições privadas para levantar um fundo de US$ 2 bilhões para efetivamente investir e aproveitar o ganho de produtividade que será possível obter em Nacala. O Japão investe também em capacidade de infraestrutura para escoamento da produção.
O fundo Nacala no Brasil está sendo organizado pela FGV Projetos e pela GV Agro, que atuaram como consultoras da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) no ProSavana. Projetos similares já foram desempenhados pela FGV para outro grupo de países da África (fundo de US$ 1,2 bilhão) e para a República Dominicana (US$ 500 milhões). A FGV já desenvolveu programas desse tipo em 12 países do Hemisfério Sul, sobretudo no setor agropecuário, levando em conta que a produção de alimentos precisará dobrar até 2050 para atender à demanda mundial.
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