Já senti vergonha de meu país muitas vezes, desde muito cedo, na época da ditadura, quando escolhi me ausentar do Brasil.
Um país dominado por uma ditadura militar, sob repressão constante, censura à imprensa, trogloditas comandando o que se poderia falar, publicar, ver e ouvir nos meios de comunicação, tudo isso me dava um profundo desgosto. Tentei lutar contra isso, mas eles eram mais fortes, conclui que era melhor para a minha saúde saír do país.
Fiquei sete anos ausente, na fase mais dura da ditadura, e só voltei no começo da abertura, que aliás experimentou uma recaída no autoritarismo logo depois, em 1977. Durante esse tempo todo, na Europa, eu senti vergonha de meu país várias vezes. Não necessariamente por causa da repressão contra "nós", os da oposição. Afinal de contas tínhamos escolhido lutar contra a ditadura, escolhemos (mal), as "armas do ofício" (literalmente), fomos derrotados, alguns pagaram com vida, outros se exilaram, muitos se esconderam, se conformaram, aguentaram, enfim, tudo isso afetava um número mínimo de brasileiros, enquanto a maioria aproveitava as benesses do crescimento econômico na era militar, comprava automóveis, televisões a cores, etc. A vida melhorou para todos, a despeito da desigualdade e da repressão política.
Mas eu me envergonhava cada vez que lia, na imprensa internacional, uma notícia sobre crianças mortas, desastres naturais atingindo pobres, criminalidade disseminada, corrupção, atentados aos direitos humanos dos cidadãos comuns (não da minoria de esquerda que eram os da minha tribo, pois isso era um pingo d'água no oceano de barbaridades humanas), devastação das florestas, índios sacrificados, enfim, tudo aquilo que chamava a atenção da imprensa mundial, pelo seu lado de catástrofes, de sofrimentos humanos, de corrupção e de ditadura, mesmo.
Depois passou: os militares saíram do poder e entramos, ao que parece, em democracia. A corrupção aumentou, os políticos se tornaram ainda mais medíocres e focados em seu enriquecimento pessoal, e o Brasil foi sendo mediocrizado continuamente pelo que se pode chamar de ascensão dos idiotas ao poder.
Voltei a sentir vergonha de meu país quando o vi alinhado a ditaduras e ditadores, quando o vi ficar do lado errado nos direitos humanos, quando o vi privilegiar a ideologia em lugar da eficiência, quando eu vi novamente agigantarem-se os medíocres, quando não os larápios e os mentirosos.
Agora, contemplando o espetáculo abaixo, volto a sentir profunda vergonha do meu país. Como é possível que pessoas normalmente constituídas -- ou seja, alfabetizadas, de classe média, alguns até com títulos universitários -- se mobilizem para, de maneira truculenta e troglodita, impedir alguém de falar?
Para mim isso é fascismo, e por isso me envergonho profundamente de meu país, pelo espetaculo de baixeza moral, de indigência mental, de degradação cultural, numa palavra, de descalabro humano.
Sinto vergonha pelo espetáculo que nos é oferecido atualmente.
Vergonha, apenas isto...
Paulo Roberto de Almeida
Manifestação cancela sessão de autógrafos de Yoani Sánchez na livraria Cultura
Taísa Sganzerla
No Estadão online, 21/02/2013
SÃO PAULO – Manifestações contra e a favor da blogueira Yoani Sánchez provocaram o cancelamento de uma reunião na qual ela conversaria com blogueiros brasileiros no fim da tarde desta quinta – antes de uma sessão de autógrafos da nova edição de seu livro De Cuba, com Carinho.
O evento na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, foi encerrado prematuramente pela organização por falta de condições de segurança. Na segunda-feira, uma exibição do documentário Conexão Cuba-Honduras, de Dado Galvão, também foi cancelada em razão dos protestos na Bahia. Como nos atos organizados anteriormente pela União da Juventude Socialista (UJS), em Recife (PE), Salvador (BA), Feira de Santana (BA) e Brasília, os manifestantes de esquerda entoaram slogans a favor do regime cubano, além de qualificar a blogueira de “mercenária” e “agente da CIA”.
Em razão dos protestos após a sua chegada no Brasil, a blogueira recebeu proteção das Polícias Militar e Civil e da Guarda Municipal de Feira de Santana e os organizadores de sua visita ao Nordeste reforçaram a segurança particular, fazendo com que agentes a acompanhassem 24 horas por dia.
Os contrários a Yoani eram muito mais numerosos do que seus simpatizantes nas mobilizações de ontem – havia cerca de 200 manifestantes no local. Um deles levantava um cartaz que dizia: “Cuba, o único país com vacina contra o câncer”. Com a ajuda de megafones e batendo tambores, os manifestantes de esquerda saudavam Fidel Castro e Ernesto Che Guevara.
Os simpatizantes da blogueira levavam cartazes de apoio: “Fale, Yoani, fale”, afirmava um deles.”Comunistas de iPhone”, gritavam contra os adversários.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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