Eu tive um sonho
RODRIGO CONSTANTINO
O Globo,
Adormeci e comecei a sonhar. Sonhei que o espírito de Thatcher havia
reencarnado na presidente brasileira. Imediatamente, ela fez uma
coletiva de imprensa para anunciar, sem rodeios, que era uma liberal
convicta, defensora das liberdades individuais e do livre mercado.
O grande inimigo era o coletivismo, a ideia de que a “sociedade”, esse ente abstrato, é mais importante do que indivíduos de carne e osso, transformados, em todo regime socialista, em meios sacrificáveis para o “bem geral”. Seu foco seria, a partir de agora, preservar a liberdade no âmbito individual, com sua concomitante responsabilidade.
O “Estado Babá” seria coisa do passado. O paternalismo daria lugar a um modelo com ampla liberdade, onde cada um assume as rédeas da própria vida e arca com os riscos de suas escolhas. A Anvisa, por exemplo, teria seu poder arbitrário drasticamente reduzido. O poder seria transferido para cada um de nós.
Uma guerra foi declarada contra as máfias sindicais, que mantinham o povo refém de suas ameaças e greves. Em vez de recuar na primeira tentativa tímida de reformar os portos, ela enfrentava os sindicatos e abria as fronteiras para a concorrência, beneficiando milhões de consumidores.
A inflação seria outro alvo prioritário. Ameaçando sair de controle, ela seria combatida com uma forte redução dos gastos públicos, assim como da farra creditícia dos bancos estatais. O espírito de Thatcher focava nas próximas gerações, não nas próximas eleições.
A presidente sabia que o setor privado é infinitamente mais produtivo e eficiente. Os mecanismos de incentivo fazem toda a diferença. A busca pelo lucro é uma força propulsora sem igual para a inovação e excelência. Foi anunciada a retomada de um amplo programa de privatizações, começando pela Petrobras, cujas ações seriam pulverizadas, e cada brasileiro receberia a sua parcela de fato.
Poucos anos após essa medida, a Petrobras não precisava mais importar gasolina, o país era autossuficiente e tinha combustível mais barato. Os cofres públicos ficaram abarrotados com tantos impostos pagos pela maior lucratividade, e sobravam recursos para segurança e infraestrutura. A empresa deixara de ser cabide de empregos para aliados políticos.
A presidente repetia que o país precisava de mais milionários e mais bancarrotas. O mercado deve funcionar sem tanta intervenção estatal. O governo não usaria mais o BNDES como hospital de empresas, nem para selecionar os “campeões nacionais”. Quem planejou mal e investiu errado tinha que ir à falência mesmo. Faz parte do capitalismo. Mesmo se tiver X no nome da empresa!
A postura geopolítica mudara radicalmente também. Era chegada a hora de não ser mais negligente com governos vizinhos que burlavam acordos e contratos. Os interesses partidários e ideológicos dariam lugar aos verdadeiros interesses do povo brasileiro.
Os “bolivarianos” não teriam mais no governo brasileiro um cúmplice de seus projetos socialistas fracassados. Afinal, a presidente, graças ao espírito de Thatcher, havia aprendido que o problema do socialismo é que você eventualmente acaba com o dinheiro dos outros. Como ele não é capaz de criar riqueza, as punições impostas a quem efetivamente produz acabam afugentando os responsáveis pelo progresso da nação.
Quando os jornalistas a chamaram de “presidenta” e tentaram associar sua coragem ao fato de ela ser uma mulher, a presidente interrompeu, rejeitando o uso da cartada sexual. O que importa é o mérito, não o gênero ou a cor da pele. Ela estava cansada da “marcha das minorias oprimidas”, sedentas por poder. Até porque seu novo espírito era o de uma filha de quitandeiro humilde, que nunca precisou usar isso para chegar ao poder.
Eu já tinha um largo sorriso estampado no rosto durante esse sonho, quando uma voz começou a invadi-lo. No começo, era um som baixo e incompreensível, mas aos poucos ele foi aumentando e se tornando mais nítido. Por fim, percebi do que se tratava: um discurso na TV da presidente Dilma.
Ela estava justificando o baixo crescimento, a alta inflação, a desistência da reforma dos portos, a falta de eficiência da Petrobras, a ampliação das cotas raciais, o aumento do programa de esmolas estatais para os mais pobres, o resgate de grandes empresas quase falidas. O sorriso logo de desfez, e uma lágrima escorreu pelos meus olhos.
Aquilo era apenas um sonho. Thatcher estava morta, e seu espírito nunca nos deu o ar de sua graça. Como eu desejei regressar àquele sonho! Restava-me lutar para transformá-lo em realidade. Algum dia...
Rodrigo Constantino é economista
O grande inimigo era o coletivismo, a ideia de que a “sociedade”, esse ente abstrato, é mais importante do que indivíduos de carne e osso, transformados, em todo regime socialista, em meios sacrificáveis para o “bem geral”. Seu foco seria, a partir de agora, preservar a liberdade no âmbito individual, com sua concomitante responsabilidade.
O “Estado Babá” seria coisa do passado. O paternalismo daria lugar a um modelo com ampla liberdade, onde cada um assume as rédeas da própria vida e arca com os riscos de suas escolhas. A Anvisa, por exemplo, teria seu poder arbitrário drasticamente reduzido. O poder seria transferido para cada um de nós.
Uma guerra foi declarada contra as máfias sindicais, que mantinham o povo refém de suas ameaças e greves. Em vez de recuar na primeira tentativa tímida de reformar os portos, ela enfrentava os sindicatos e abria as fronteiras para a concorrência, beneficiando milhões de consumidores.
A inflação seria outro alvo prioritário. Ameaçando sair de controle, ela seria combatida com uma forte redução dos gastos públicos, assim como da farra creditícia dos bancos estatais. O espírito de Thatcher focava nas próximas gerações, não nas próximas eleições.
A presidente sabia que o setor privado é infinitamente mais produtivo e eficiente. Os mecanismos de incentivo fazem toda a diferença. A busca pelo lucro é uma força propulsora sem igual para a inovação e excelência. Foi anunciada a retomada de um amplo programa de privatizações, começando pela Petrobras, cujas ações seriam pulverizadas, e cada brasileiro receberia a sua parcela de fato.
Poucos anos após essa medida, a Petrobras não precisava mais importar gasolina, o país era autossuficiente e tinha combustível mais barato. Os cofres públicos ficaram abarrotados com tantos impostos pagos pela maior lucratividade, e sobravam recursos para segurança e infraestrutura. A empresa deixara de ser cabide de empregos para aliados políticos.
A presidente repetia que o país precisava de mais milionários e mais bancarrotas. O mercado deve funcionar sem tanta intervenção estatal. O governo não usaria mais o BNDES como hospital de empresas, nem para selecionar os “campeões nacionais”. Quem planejou mal e investiu errado tinha que ir à falência mesmo. Faz parte do capitalismo. Mesmo se tiver X no nome da empresa!
A postura geopolítica mudara radicalmente também. Era chegada a hora de não ser mais negligente com governos vizinhos que burlavam acordos e contratos. Os interesses partidários e ideológicos dariam lugar aos verdadeiros interesses do povo brasileiro.
Os “bolivarianos” não teriam mais no governo brasileiro um cúmplice de seus projetos socialistas fracassados. Afinal, a presidente, graças ao espírito de Thatcher, havia aprendido que o problema do socialismo é que você eventualmente acaba com o dinheiro dos outros. Como ele não é capaz de criar riqueza, as punições impostas a quem efetivamente produz acabam afugentando os responsáveis pelo progresso da nação.
Quando os jornalistas a chamaram de “presidenta” e tentaram associar sua coragem ao fato de ela ser uma mulher, a presidente interrompeu, rejeitando o uso da cartada sexual. O que importa é o mérito, não o gênero ou a cor da pele. Ela estava cansada da “marcha das minorias oprimidas”, sedentas por poder. Até porque seu novo espírito era o de uma filha de quitandeiro humilde, que nunca precisou usar isso para chegar ao poder.
Eu já tinha um largo sorriso estampado no rosto durante esse sonho, quando uma voz começou a invadi-lo. No começo, era um som baixo e incompreensível, mas aos poucos ele foi aumentando e se tornando mais nítido. Por fim, percebi do que se tratava: um discurso na TV da presidente Dilma.
Ela estava justificando o baixo crescimento, a alta inflação, a desistência da reforma dos portos, a falta de eficiência da Petrobras, a ampliação das cotas raciais, o aumento do programa de esmolas estatais para os mais pobres, o resgate de grandes empresas quase falidas. O sorriso logo de desfez, e uma lágrima escorreu pelos meus olhos.
Aquilo era apenas um sonho. Thatcher estava morta, e seu espírito nunca nos deu o ar de sua graça. Como eu desejei regressar àquele sonho! Restava-me lutar para transformá-lo em realidade. Algum dia...
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