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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Um debate sobre a política externa companheira: academicos e diplomatas...

O tema é sempre presente: como diplomatas e como acadêmicos encaram a política externa governamental. Os diplomatas, por sinal, não encaram, simplesmente aceitam...
Os acadêmicos podem discutir, mais livremente, ou pelo menos se supõe que o façam.
Isto a propósito de um comentário ligeiro que fiz a um artigo do professor Guilherme Casarões, neste post

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

e recebi comentários, devidamente postados, embora com algum atraso, em função de trabalho, o que pode ter dado a impressão de censura. Não era o caso, obviamente.
Como o assunto é importante, permito-me retomar o assunto sob a forma de postagem, mais visível, e não como comentários, que se assemelham a  essas notas de final de livro, que eu detesto, pois dá muita preguiça buscar a cada momento (os editores deveriam ser processados por isso).
Vou colocar primeiro a minha crítica ao artigo do professor, e depois os seus três comentários enviados, e já postados, mas aqui elevados, e levados ao conhecimento de todos.
Se eu tiver tempo eu comento, o que nem sempre é possível...
Meu único comentário inicial seria este: conceitos funcionam relativamente bem na academia, menos bem na vida real, ou na atividade dos diplomatas...
Paulo Roberto de Almeida 

1) Meus comentários, inicial e secundário, ao artigo em questão: 
O autor tece considerações genéricas sobre a diplomacia brasileira, sem mencionar o fato de que os problemas apontados não se devem ao Itamaraty, e sim a fatores externos, que ele ignora por completo.
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Depois eu disse, mas infelizmente pela via indevida, que "a origem de todos esses problemas" era conhecida, e que era "preciso apontá-los e talvez denunciá-los."
Acrescentei apenas isto: 
O artigo consegue acusar o Itamaraty de vários pequenos pecados e em NENHUM momento toca em duas coisas fundamentais: partido e partidarização da política externa, e a existência de um conselheiro partidário no Planalto, usualmente chamado de “chanceler para a América do Sul” (mas vai muito além disso). Como explicar esse amor desmedido do Brasil por várias pequenas e grandes ditaduras, como explicar essas alianças estratégicas com regimes de duvidosa reputação na área da democracia e dos direitos humanos, como explicar a brutal diferença de tratamento entre o caso do “golpe” em Honduras e o abrigo de um palanqueiro na Embaixada do Brasil naquela capital, e o tratamento da questão boliviana, como explicar a rispidez no caso do Paraguai e a leniência, a conivência e a tolerância demonstradas em casos bem mais graves de ataques à democracia e à liberdade de expressão? Como explicar tudo isso pela ação do Itamaraty?
Gostaria de ver o professor se explicando em todos esses casos.
Paulo Roberto de Almeida
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2) Recebo agora estes comentários seguidos do professor: 

(1) Caro Prof. Paulo Roberto de Almeida,

Agradeço o comentário e a possibilidade de esclarecer os pontos levantados. Em primeiro lugar, não acuso o Itamaraty de nenhum pecado, pequeno ou grande. A crítica à natureza da diplomacia pode até ser uma via argumentativa para jogar luz sobre a suposta “crise” que se instaurou, mas não é a minha linha de raciocínio. O que sustento – inequivocamente – é que o Itamaraty foi jogado às margens da formulação das prioridades externas do Brasil no governo Dilma, muito em parte pela incompatibilidade de visões de mundo entre a presidente e o corpo diplomático. Não creio que o Itamaraty seja o origem da paralisia que se observou nos últimos dois anos e meio, embora o debate a respeito disso esteja em aberto.

Segundo: não sou adepto da tese de que o Itamaraty transformou-se em quartel-general do Partido dos Trabalhadores nos últimos dez anos. Partidarização, há; em todo governo, aliás. Didaticamente, acredito que seja necessária uma distinção entre o que pertence ao governo e o que pertence ao Estado. O chamado “interesse nacional”, a despeito de toda mutação que possa ter sofrido ao longo das décadas, é atribuído aos homens de Estado e suas práticas. No plano conceitual, alguns autores que se debruçaram sobre isso acabaram chegando à conclusão de que a busca pela autonomia (a partir de um corte realista, que nos foi legado pelo Barão do Rio Branco) é, por excelência, nosso maior objetivo nacional.

(2) Estratégias variam de governo a governo. São dinâmicas e, por isso mesmo, adaptam-se mais facilmente aos tempos. Não vejo o governo Lula, por exemplo, abrindo mão dos objetivos nacionais (como quer que os definam) em prol de uma política externa “partidária” ou “ideológica”, que satisfaça a caciques políticos, sindicalistas pelegos ou líderes bolivaristas. Se as estratégias envolveram uma aproximação com certos regimes, independentemente de inclinação ideológica ou gosto por valores democráticos, devemos, como analistas, nos perguntar por quê. Acredito que, por uma tendência de expansão econômica e crescente importância estratégica, a decisão de diversificar parcerias no chamado “Sul global” foi, em geral, absolutamente pragmática. Trouxe benefícios econômicos, ainda que moderados, e logrou ao Brasil uma projeção política inédita, e muitas vezes positiva. Geisel fez coisa parecida, em outros tempos, e até hoje seu “pragmatismo responsável” é paradigmático de uma condução bem-sucedida de política exterior.

Quando o governo Fernando Henrique decidiu levar adiante as negociações da ALCA, várias vozes na sociedade acusaram-no, muitas vezes de forma agressiva, de estar subordinando o “interesse nacional” às vontades da superpotência. Quando Collor aproximou o Brasil dos Estados Unidos, pressionado pela dívida crescente e pelos entraves impostos pelo nosso próprio protecionismo, muitos – dentro e fora do Itamaraty – chamaram-no, pejorativamente, de neoliberal. Por que o governo Lula detém, nessa leitura bastante maniqueísta que predomina no debate público, o monopólio da partidarização da política externa?

Veja que não estou julgando o mérito do que foi feito. Como analista de Relações Internacionais, fui treinado a pensar os fenômenos a partir de critérios minimamente objetivos, sem me render a bandeiras ideológicas. Partindo-se do pressuposto de que a leitura diplomática brasileira sobre os conceitos de soberania e não-intervenção, por exemplo, manteve-se constante ao longo do último século, relacionar-se com ditaduras não me parece ser um problema intransponível, na medida em que o Brasil não se vê na posição de julgar o que ocorre dentro de tais países. Isso não significa, por um lado, que o Estado brasileiro (ou o governo do momento) não preze pelos direitos humanos – afinal de contas, trata-se de campo que evoluiu, a olhos vistos, nos últimos vinte anos. Por outro lado, não quer dizer que o Brasil subscreva às violações de direitos humanos cometidas por certos regimes. Sabemos muito bem que política pragmática do “business is business” muitas vezes gera contradições no discurso democrático, inclusive na maior potência do mundo – que, no aprofundamento da crise síria, vê na Arábia Saudita um de seus melhores aliados.

Não quero defender o governo Lula, nem é minha intenção justificar erros ou enaltecer acertos. Só ofereço uma interpretação (a meu entender, plausível) que matiza esse suposto “amor por ditaduras” atribuído ao presidente, ou a seu partido.


(3) Terceiro: a política externa para a América do Sul/América Latina é, de fato, uma fonte inesgotável de controvérsias. Acho importante fazer uma distinção de saída. Lula e Dilma comportaram-se de maneiras bastante distintas, o que creio reforçar o próprio argumento do meu artigo. Entendo a política exterior brasileira para a América do Sul um tema delicadíssimo, em que o Brasil vive um dilema permanente: se cresce demais, desperta suspeitas e reações negativas dos vizinhos; se cede em excesso, cria uma imagem de fraqueza – para o público doméstico e entre seus pares. Tudo que o Brasil menos deseja é instabilidade política ou tensões em suas próprias fronteiras – até para poder levar adiante o seu projeto de inserção global. Creio que Lula tenha tentado equacionar essas dificuldades, fazendo concessões pontuais (devidamente amplificadas pela oposição ao governo) para evitar perdas maiores. Num contexto de crescente polarização, para usar um termo de Jorge Castañeda, entre a “má esquerda” (representada por Venezuela e os amigos da ALBA) e a “boa esquerda”, a política brasileira da boa vizinhança foi uma resposta sábia a provocações, como os casos de Bolívia e Equador, que tinham o potencial para escalar rapidamente.

Isso, aliás, me parece uma reação completamente compatível com o que se formula no seio do Itamaraty.


Com relação a Honduras, tenho a impressão de que se tratou de uma interpretação brasileira (também amparada pela tradição da Casa) sobre como reagir a um golpe – que poderia se desdobrar em intervenção. Claro que, nesse caso, parece ter havido a motivação adicional da possibilidade de se marcar presença num espaço geopolítico que tradicionalmente não nos interessou, ferindo os brios dos Estados Unidos e afirmando certos pontos de vista brasileiros (que, novamente, estão ligados à ideia de “interesse nacional”).

(4) Quarto, e finalmente: acredito que a política externa dos anos Lula, para usar um jargão consagrado, “acertou no atacado e errou no varejo”. O desdobramento dos eventos em Honduras foi realmente problemático; assim como certos cortejos a Cuba foram, pra dizer o mínimo, dispensáveis. Aí entra a figura do Marco Aurélio Garcia, que certamente causou ruídos na condução de certos episódios da política externa para a região, contrariando, ou sobrepondo-se pura e simplesmente, à maneira como o Itamaraty conduzia suas relações com os vizinhos. Acredito, contudo, que o papel deletério que frequentemente se atribui ao “Chanceler do B” é superestimado; sua interferência direta reduz-se a relações bilaterais pontuais (que, confesso, ganharam uma centralidade enorme com os últimos episódios) e circunscritas geograficamente, além do fato de que, ao contrário do que muito se diz, essa figura do Assessor para Assuntos Internacionais encontra correspondência histórica. Não teria sido Augusto Schmidt, poeta e amigo pessoal de Kubitschek, a criar projetos grandiosos (e não menos fugazes) como a Operação Pan-Americana?

Em todo caso, o que vejo, hoje, é a total perda de controle sobre os episódios recentes envolvendo nossos vizinhos. Isso, a meu ver – e é um dos pontos centrais do artigo –, está relacionado ao progressivo esvaziamento a que o Itamaraty vem sendo submetido nos últimos tempos. É possível que os interesses partidários, corporificados por Garcia, tenham perdido seu contrapeso natural – a tradição diplomática – em casos como o da Bolívia. Com relação à questão paraguaia, quando do episódio da suspensão do Paraguai e concomitante entrada venezuelana, todo mundo saiu na foto, menos o Patriota! Foi o Advogado-Geral da União, aliás, que fez as vezes de chanceler na defesa pública (estampada na Folha de São Paulo) do ingresso da Venezuela no Mercosul. Estou seguro de que não foi por indisposição do então chanceler, mas, talvez, pelos constrangimentos impostos pela própria lógica governamental do momento.

Enfim: o meu texto é uma defesa, bastante conservadora, do Itamaraty e da política externa praticada por seus homens de Estado. Não entro – e nem haveria motivos para entrar – em discussões sobre partidarização ou ideologização, por mais importantes que sejam, porque este não era o objetivo do debate que propus. Atribuo às recentes reviravoltas de nossa diplomacia um (pesado) dedo governamental, que nada ou pouco tem a ver com partido ou ideologia, mas sim com visões de mundo, de maneira muito profunda.

Perdão pela longa resposta, mas que julguei necessária diante dos questionamentos.

Um abraço,


Guilherme Casarões 

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Retomo, agora, para não retomar, isto é: não tenho tempo, neste momento para comentar cada um dos argumentos expressos acima.
Eu o farei no devido tempo, assim que puder.
Mas tenho apenas duas observações:

A pergunta central me parece ser esta: 
1) o Itamaraty é responsável por todas as escolhas que se fazem em política externa?
A resposta, obviamente, parece ser não, um não rotundo, redondo, indisfarçável.
A pergunta seguinte parece ser: 
2) essas escolhas são condizentes, compatíveis, adequadas a um país como o Brasil?
As respostas estão em aberto.

Creio que todos podem escrever sobre isso...

O debate continua...

Paulo Roberto de Almeida
10/09/2013

2 comentários:

Anônimo disse...

No último parágrafo :"Atribuo às recentes reviravoltas de nossa diplomacia um (pesado) dedo governamental, que nada ou pouco tem a ver com partido ou ideologia, mas sim com visões de mundo, de maneira muito profunda."E o que são as ideologias,senão "visões de mundo",meu senhor?

Guilherme Casarões disse...

Caro Anônimo,

Visões de mundo abarcam ideologias, claro, mas não se limitam a elas. O fato de a presidente Dilma não acreditar em política externa como instrumento de Estado (e isso fica claro na maneira como ela tem conduzido as questões internacionais, esvaziando o Itamaraty e impondo-lhes seus objetivos de curto prazo) nada tem a ver com esquerda, direita ou quaisquer bandeiras partidárias.