sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Brasil gasta dinheiro secretamente com ditaduras - Jose Casado


José Casado
O Globo, 18 de Outubro de 20

Negócios de US$ 6 bilhões mostram como o governo avança, entre o sigilo e o embaraço, nas relações com ditaduras

Os brasileiros estão obrigados a esperar mais 14 anos, ou seja, até 2027 para ter o direito de saber como seu dinheiro foi usado em negócios bilionários e sigilosos com Angola e Cuba.
Pelas estimativas mais conservadoras, o Brasil já deu US$ 6 bilhões em créditos públicos aos governos de Luanda e Havana. Deveriam ser operações comerciais normais, como as realizadas com outros 90 países da África e da América Latina por um agente do Tesouro, o BNDES, que é o principal financiador das exportações brasileiras. No entanto, esses contratos acabaram virando segredo de Estado.


Todos os documentos sobre essas transações (atas, protocolos, pareceres, notas técnicas, memorandos e correspondências) permanecem classificados como “secretos” há 15 meses, por decisão do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, virtual candidato do PT ao governo de Minas Gerais.

É insólito, inédito desde o regime militar, e por isso proliferam dúvidas tanto em instituições empresariais quanto no Congresso — a quem a Constituição atribui o poder de fiscalizar os atos do governo em operações financeiras, e manda “sustar” resoluções que “exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.

Questionado em recente audiência no Senado, o presidente do banco, Luciano Coutinho, esboçou uma defesa hierárquica: “O BNDES não trata essas operações (de exportação) sigilosamente, salvo em casos como esses dois. Por que? Por observância à legislação do país de destino do financiamento.” O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) interveio: “Então, deve o Brasil emprestar dinheiro nessas condições, atendendo às legislações dos países que tomam emprestado, à margem de nossa legislação de transparência absoluta na atividade pública?” O silêncio ecoou no plenário.

Dos US$ 6 bilhões em créditos classificados como “secretos”, supõe-se que a maior fatia (US$ 5 bilhões) esteja destinada ao financiamento de vendas de bens e serviços para Angola, onde três dezenas de empresas brasileiras mantêm operações. Isso deixaria o governo angolano na posição de maior beneficiário do fundo para exportações do BNDES. O restante (US$ 1 bilhão) iria para Cuba, dividido entre exportações (US$ 600 milhões) e ajuda alimentar emergencial (US$ 400 milhões).

O governo Dilma Rousseff avança entre segredos e embaraços nas relações com tiranos como José Eduardo Santos (Angola), os irmãos Castro (Cuba), Robert Mugabe (Zimbabwe), Teodoro Obiang (Guiné Equatorial), Denis Sassou Nguesso (Congo-Brazzaville), Ali Bongo Odimba (Gabão) e Omar al Bashir (Sudão) — este, condenado por genocídio e com prisão pedida à Interpol pelo Tribunal Penal Internacional.

A diferença entre assuntos secretos e embaraçosos, ensinou Winston Churchill, é que uns são perigosos para o país e outros significam desconforto para o governo. Principalmente, durante as temporadas eleitorais.

José Casado é jornalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.