Dilma em Cuba
29 de janeiro de 2014 | 2h 10
Editorial O Estado de S.Paulo
Sem entrar no mérito das negociações diplomáticas e comerciais do governo brasileiro com o de Cuba, que resultam no momento em decisiva contribuição dos cofres públicos nacionais para a implantação da Zona de Desenvolvimento Especial do Porto de Mariel na ilha dos irmãos Castro, este mais recente afago à ditadura cubana reitera o carinho de Dilma Rousseff pelo dogmatismo ideológico que o lulopetismo compartilha com os Castros e só não logrou ainda consagrar plenamente entre nós por duas razões. Primeiro, porque, pragmaticamente, sua prioridade passou a ser manter-se no poder a qualquer custo; depois, pela razão histórica de que a superação de dois regimes discricionários no século passado, o getulista e o militar, teve o dom de fortalecer nossas instituições democráticas e dificultar a escalada de aventuras autoritárias, especialmente a partir da promulgação da Carta Magna de 1988 - a cujo texto, aliás, o PT fez ferrenha oposição.
A conquista do poder e seu exercício por onze anos converteram o lulopetismo, nunca é demais repetir, em um pragmatismo que hoje o identifica com as piores práticas políticas que são, desde sempre, a principal característica do patrimonialismo. Mas, principalmente para efeito externo - mas também para satisfazer a militância que ainda imagina pertencer ao velho PT -, o discurso "libertário" do "socialismo do século 21" mantém-se inalterado e foi para exercitá-lo que Dilma Rousseff decidiu encerrar na ilha dos Castros seu último périplo internacional. Pois precisava de algum modo exorcizar eventuais fluidos negativos remanescentes de sua passagem por Davos, o covil do capitalismo, onde foi praticamente implorar por investimentos estrangeiros no Brasil.
Ao lado de Raúl Castro e no indispensável beija-mão de Fidel, Dilma esteve perfeitamente à vontade. Não se poupou de reafirmar que tem "muito orgulho" da boa relação que mantém com a dupla que há mais de meio século domina a ilha com mão de ferro e nenhum apreço pelas liberdades democráticas. Derreteu-se em agradecimentos ao favor que Cuba presta ao Brasil ao fornecer, para o programa Mais Médicos, a um custo altíssimo só parcialmente repassado aos profissionais, os doutores que aqui desembarcam para suprir a deficiência de atendimento básico nos grotões que a incompetente política nacional de saúde não tem conseguido alcançar. Para conferir maior brilho a esse tópico de sua agenda em Havana, Dilma levou a tiracolo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que brevemente será o candidato do PT ao governo de São Paulo.
Mas foi no Porto de Mariel, no qual o nosso Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já havia investido mais de US$ 800 milhões e agora vai colocar outros US$ 290 milhões - menos mal que com a condição de serem gastos com fornecedores brasileiros de bens e serviços -, que Dilma escancarou sua admiração pela mítica ilha dos sonhos da esquerda inconsequente. Chegou mesmo a enaltecer o fato de que "Cuba gera um dos três maiores volumes de comércio do Caribe", algo assim tão relevante e extraordinário para a economia globalizada quanto, para o futebol mundial, saber que o Confiança Futebol Clube, de Aracaju, é uma das três maiores forças do ludopédio sergipano.
A presidente foi a Havana também para bater ponto na 2.ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos (Celac), preciosa oportunidade para mais uma manifestação de simpatia pela ideologia "libertária" que irmana o lulopetismo aos Castros e a outros aventureiros bolivarianos do continente.
Ao procurar sua turma, Dilma Rousseff deixa no ar uma questão fundamental para o futuro da democracia brasileira, que a tão duras penas tenta se consolidar: o que o PT planeja para o Brasil é o mesmo que, para ficar apenas no continente, os amigos de fé de Lula e Dilma oferecem a cubanos, nicaraguenses, venezuelanos, bolivianos, equatorianos e argentinos? Sonho por sonho, melhor acreditar que tudo é apenas jogo de cena.
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