Eu conduzo este exercício desde as primeiras eleições livres da redemocratização, e vou atualizar meus trabalhos sobre a questão.
Revista Veja, 18/01/2014
Eleições 2014
Programa do PSB prevê estatização de indústrias e
fazendas e até o fim do ensino particular; parceria com grupo de Marina Silva
também pode causar dor de cabeça ao presidenciável
Gabriel
Castro, de Brasília
A
construção de uma candidatura presidencial envolve esforços
múltiplos, como a formação de alianças, a arrecadação de
fundos, a montagem de palanques regionais robustos e a definição de
um programa consistente de governo. Eduardo Campos (PSB) vai bem em alguns
deles, mas enfrentará dificuldades em outros. O governador de
Pernambuco não poderá recorrer à base ideológica do PSB se quiser
apresentar um discurso modernizador. Além disso, o relacionamento com os aliados
da Rede Sustentabilidade, o quase partido idealizado pela ex-senadora Marina
Silva, pode causar problemas ao projeto do presidenciável, especialmente
nas coligações estaduais.
Adequar
o discurso à prática será uma das missões de Campos nos próximos meses.
Os fundamentos teóricos do estatuto do Partido Socialista Brasileiro
ainda ecoam o discurso da Guerra Fria. As ideias expostas pelo PSB em seu
programa começam pela "abolição do antagonismo de classes". No Brasil
dos sonhos do PSB, o Estado não apenas interviria na economia: ele
assumiria as rédeas de toda a produção industrial, das exportações e da divisão
das riquezas. Instituições privadas de ensino com fins lucrativos estariam com
os dias contados.
O
programa partidário tem entre seus pontos centrais a estatização dos
"meios de produção", o que inclui indústrias e propriedades
rurais. Prega a cartilha: "A socialização realizar-se-á gradativamente,
até a transferência, ao domínio social, de todos os bens passíveis de criar
riquezas". No campo, os donos de grandes propriedades teriam de ceder
espaço a cooperativas controladas pelo Estado. O texto cita
ainda outras medidas impensáveis, como a "nacionalização do
crédito e das operações de seguro" e a "exclusividade da
navegação de cabotagem, inclusive fluvial, para os navios brasileiros".
Campos
não pode nem afirmar que discorda das ideias do PSB: ele é o próprio presidente
da legenda, que teve em seu avô, Miguel Arraes (1916-2005), um de seus
principais nomes. O pré-candidato à Presidência – que fez parcerias com a
iniciativa privada em sua gestão à frente do Estado – nunca se preocupou
em patrocinar uma mudança programática.
Como se vê, o ideário do partido de
Eduardo Campos não deve ajudar muito a divulgação do candidato que se apresenta
como um bom gestor público e um político livre das amarras
ideologizantes. Mas os integrantes do PSB minimizam o problema.
O
deputado Júlio Delgado (PSB-MG) diz que, mais do que no programa, o partido vai
se basear no exemplo demonstrado por seus governadores, como o próprio Eduardo
Campos e o governador Renato Casagrande, do Espírito Santo. "Eu acho
que o programa do PSB já é praticado nas nossas gestões, e são programas que
mostram que nós praticamos um socialismo moderno", afirma. Delgado
admite, no entanto, que alguns pontos mais radicais podem atrapalhar: "Nós
temos um congresso previsto para fevereiro. Talvez nós precisemos atualizar
essas linhas que não são mais imagináveis numa sociedade competitiva como a de
hoje".
O
incômodo é ainda maior para Paulo Bornhausen, secretário de Desenvolvimento
Sustentável de Santa Catarina e herdeiro de uma política que nunca esteve no
campo político da esquerda. Ele admite que seu ingresso no PSB – acompanhado do
pai, o ex-governador Jorge Bornhausen, que foi presidente do extinto PFL (hoje
Democratas) – não ocorreu por causa da solidez programática dos socialistas:
"O que me encantou foi essa possibilidade de estar ao lado do Eduardo
Campos, que é um reformador, um político moderno, um homem
atualizado, e uma pessoa que tem a capacidade de fazer as
modificações de que o Brasil precisa", diz Paulo Bornhausen.
A
dissonância entre as propostas do candidato e as ideias do partido são apenas
mais um exemplo do caos em que se transformou a organização partidária no
Brasil. O Partido Socialista Brasileiro teve entre seus filiados, até o ano
passado, o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf –
potencialmente, o primeiro alvo dos socialistas caso eles chegassem ao poder
central. Hoje, Skaf migrou para o PMDB para disputar o governo de São Paulo.
Vanderlan Cardoso, pré-candidato do PSB ao governo de Goiás, é outro milionário
que resolveu aderir à legenda. "A estrutura política do Brasil é
esquizofrênica", reconhece Paulo Bornhausen.
Rede – As
bandeiras do PSB também estão em desarmonia com as da Rede, o movimento
político de Marina Silva. Apesar de ter um conteúdo ideológico amorfo, o
grupo marinista, que migrou para o PSB depois de não conseguir o registro
partidário na Justiça Eleitoral, não prega soluções tão extremistas para a
economia – até porque há grandes empresários patrocinando a Rede.
Além
disso, o programa do PSB não faz menção ao meio-ambiente. Na verdade, o
programa utópico dos socialistas prevê a manutenção das grandes propriedades
rurais (que passariam a ser geridas por cooperativas) e, ao mesmo tempo, a
criação de novas áreas de plantio no entorno de cada cidade. É quarto item na
categoria "reivindicações imediatas": "Libertação de uma área em
torno das cidades, vilas e povoados, destinada à produção de gêneros de
imediato consumo alimentar local".
A harmonização das propostas de PSB e
Rede deve ser formalizada apenas depois que a chapa majoritária estiver
definida. O mais provável é que Marina Silva se candidate a vice-presidente. A
partir desse acerto (que pode sair em fevereiro), os candidatos devem
apresentar aos eleitores sua base programática.
Pedro
Ivo, uma das lideranças nacionais da Rede, diz que as divergências
ideológicas não incomodam porque a parceria tem foco em 2014:
"Estamos discutindo o futuro programa da campanha de Eduardo Campos,
e não o do PSB. Não há nenhuma preocupação", diz. Os integrantes
do grupo de Marina Silva se fiam na garantia de que a plataforma presidencial
terá a defesa do meio-ambiente como um dos pontos centrais. O acerto foi feito
durante o processo de adesão da ex-senadora ao partido socialista.
De qualquer
forma, quando resolveram se filiar à legenda de Eduardo Campos, Marina e
seus aliados automaticamente consignaram seu apoio ao que diz o item 10 do
manifesto do PSB: "O partido admite a possibilidade de realizar algumas de
suas reivindicações em regime capitalista, mas afirma sua convicção de que a
solução definitiva dos problemas sociais e econômicos (...) só será
possível mediante a execução integral do seu programa".
Alianças – As
alianças estaduais são outro obstáculo à harmonia entre os dois partidos: a
Rede não aceita parcerias com o PSDB, por exemplo, e pode atrapalhar os planos
do PSB em São Paulo. Lá, o partido pretendia apoiar a reeleição do tucano
Geraldo Alckmin, mas o grupo de Marina se opõe – porque defende o lançamento de
uma candidatura própria, com o deputado Walter Feldman ou a
ex-prefeita Luiza Erundina.
Já o PSB
não quer trocar a coligação com o candidato favorito por um projeto
aventureiro. "Marina é uma mulher idônea, com uma história de vida linda,
mas a sensação que ela passa para o eleitor comum é de que tanto faz se ganha
ou se perde, o que importa é a luta", diz Márcio França, presidente do PSB
paulista.
A
própria Marina já afirmou que, nos Estados em que o acerto não for
possível, o melhor seria PSB e Rede adotarem soluções distintas:
"Existirão alguns momentos em que poderemos caminhar juntos com o PSB e
outros não. Somos dois partidos independentes", afirmou ela, em outubro.
Acontece
que os acordos estaduais, como em São Paulo, são fundamentais para o projeto
presidencial de Campos, que poderia ser favorecido pela aliança estadual com os
tucanos. A formação de um palanque frágil no maior colégio eleitoral do
país poderia prejudicar o projeto presidencial. Além disso, Marina tem
condicionado o lançamento de uma candidatura própria do PSB e da Rede ao
governo paulista para, em troca, assumir desde já o posto de vice na chapa
presidencial – o que ajudaria o projeto de Eduardo.
Os
desacertos se repetem em outras partes do país. Um cenário semelhante se
desenha no Maranhão: o PSB tem um acordo com Flávio Dino (PCdoB), enquanto a
Rede apoia a candidatura da deputada estadual Eliziane Gama (PPS). Mais
uma vez, surge o dilema entre um palanque forte para a candidatura presidencial
e o lançamento de uma candidatura própria para marcar posição.
No
Distrito Federal, o PSB deve lançar o senador Rodrigo Rollemberg ao governo.
Mas o deputado Reguffe, filiado ao PDT e adepto da Rede, também já iniciou sua
caminhada eleitoral. Ele é o preferido de Marina. Até agora, não há sinal de
que alguns dos lados vai ceder.
Campos
vai ter de decidir se intervém nos diretórios estaduais ou deixa que cada
unidade da federação decida como agir: "Dada as circunstâncias, acho que a
definição não vai sair antes da convenção estadual, em junho", diz Márcio
França.
O que o PSB pensa para o
Brasil
1. Abolição das classes
sociais
O programa do
PSB prega o "estabelecimento de um regime socialista acarretará a abolição
do antagonismo de classe". É um eco da pregação marxista pelo fim do
suposto conflito entre as classes sociais – e a favor a sobrevivência apenas de
uma: a dos proletários
2. Estatização dos meios de Produção
Aplicada a
cartilha do Partido Socialista Brasileiro, todos os meios de produção,
incluindo indústrias e fazendas, serão retirados das mãos de seus donos e
estatizados. "A socialização realizar-se-á gradativamente, até a
transferência, ao domínio social, de todos os bens passíveis de criar
riquezas".
3. Taxação progressiva
"Serão suprimidos os impostos indiretos e
aumentados, progressivamente, os que recaiam sobre a propriedade territorial, a
terra, o capital, a renda em sentido estrito e a herança, até que a satisfação
das necessidades coletivas possa estar assegurada sem recurso ao imposto".
Enquanto o Estado assume o controle dos meios de produção, os impostos sobre a
propriedade serão elevados progressivamente. O objetivo é sufocar a livre
iniciativa.
4. Comércio exterior estatal
Exportadores e importadores terão com o que se
preocupar caso Eduardo Campos resolva ser fiel ao programa partidário do PSB.
Nesse caso, as transações internacionais serão exclusividade do governo. Diz o
programa do partido: "O comércio exterior ficará sob controle do Estado
até se tornar função privativa deste".
5. Fim da educação privada
Aplicada a cartilha socialista, as instituições de
ensino com fins lucrativos estariam com os dias contados. Eis o que o PSB quer:
"Plano nacional de educação que atenda à conveniência de transferir-se
gradativamente o exercício desta ao Estado e de suprimir-se, progressivamente,
o ensino particular de fins lucrativos".
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