Permito-me reproduzir abaixo um manifesto
de apoio ao povo cubano escrito por intelectuais argentinos. Mas ele poderia ser aplicado, mutatis mutandis, ao povo venezuelano, nas mesmas circunstâncias. Assim diz o texto,
no original, com cortes mínimos por conter informações desnecessárias:
Ante la situación política de Cuba, un grupo de
intelectuales argentinos dio a conocer una declaración, en la que expresa su
apoyo moral al pueblo de ese país en su lucha para restablecer el imperio de la
libertad y la justicia en la tierra de Martí. La declaración dice así:
Los escritores y artistas argentinos que subscriben
(...) expresan su solidaridad con quienes, en otros pueblos de América, luchan
por la liberación de sus respectivos países, sometidos a regímenes de fuerza.
Desean manifestar especialmente su apoyo moral al pueblo cubano, que,
tremendamente agraviado y despojado de las garantías elementales de la
civilización política, sufre persecución, vejamen y tortura, y lucha con
admirable decisión y valentía para abatir la dictadura y restablecer, en la
tierra de Martí, el imperio de la libertad y la justicia, cimentados en la
soberanía del pueblo y la vigencia del derecho.
Firmaram
esse documento dezenas de nomes de intelectuais conhecidos na história
artística e literária argentina, entre eles Adolfo Bioy Casares e Jorge Luis
Borges. Pois bem, como ambos escritores, como se sabe, já não estão mais entre
nós desde algum tempo, cabe fazer um esclarecimento a respeito e agregar um comentário
pessoal sobre esse tipo de exercício, se eventualmente conduzido atualmente, e em direção da mesma Cuba, e da Venezuela, atualmente.
O
texto, na verdade, não é atual, tendo sido publicado no diário El Mundo, de Buenos Aires, em 2 de março
de 1958, e se referia, portanto, à luta dos democratas e revolucionários
cubanos contra a ditadura de Fulgencio Batista.
Os argentinos,
então, saiam de uma outra ditadura, ainda que alguns a classificassem
simplesmente de regime populista: o governo peronista, que tinha durando dez
anos, desde o imediato pós-segunda guerra. Os intelectuais argentinos se
orgulhavam, assim, de ter deixado para trás um triste período de sua história e
se dispunham a ajudar outros povos da América Latina que também lutavam contra
a ditadura em seus respectivos países, antecipando um pouco o que seria a
chamada “doutrina Betancourt”, formulada depois de superada uma outra ditadura
na Venezuela nesse mesmo ano de 1958 (e que levou inclusive o governo
venezuelano a suspender relações diplomáticas com o Brasil, quando instalada aqui
a ditadura militar de 1964).
Se
me permito, agora, fazer um comentário atual, na verdade uma triste
constatação, seria esta. Não creio que, atualmente, intelectuais brasileiros ou
argentinos, ou de qualquer outro país latino-americano, se dispusessem a assinar
um manifesto do mesmo teor – que poderia ter, inclusive, exatamente o mesmo
texto – em favor do povo cubano ou do povo venezuelano, em luta pelo restabelecimento da democracia e
do império da liberdade, da justiça e do direito naquela ilha e no grande país caribenho, a primeira desde cinqüenta
anos dominada por um regime que prometeu acabar com uma ditadura opressiva, o segundo dominado por uma clique que na verdade obecede aos ditamos daquela ditadura caribenha.
Pode
ser patético fazer tal tipo de constatação “regressiva”, mas ela nos revela o quanto
recuaram os intelectuais latino-americanos na defesa da democracia e da
liberdade em nossos países. Em nome de não se sabe qual ‘soberania popular’ e
de não se sabe qual ameaça de ‘dominação imperialista’, intelectuais dos países
latino-americanos se mostram muito mais dispostos, na verdade, a assinar, de
forma totalmente servil e incompreensível, manifestos em favor da continuidade
da ditadura na ilha caribenha. Se pretendesse citar nomes, eu poderia alinhar
alguns acadêmicos brasileiros que cometeram a indignidade de apoiar o regime
cubano quando este condenou à morte alguns balseros
(boat-people) que tentavam fugir da
ilha, em 2003. Triste constatação, sem dúvida, que talvez merecesse adjetivos
mais fortes.
Da mesma forma, nenhum, não venho nenhum intelectual brasileiro, salvo dois ou três articulistas, se pronunciarem sobre o regime venezuelano.
Tristes tempos...
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 14 de fevereiro de 2015
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