Nas últimas semanas recebi vários pedidos para comentar a respeito de um meme que está circulando na internet mostrando que hoje um salário mínimo compra mais gasolina do que comprava em 2002. Meu comentário é que isto é mais uma forma de desviar o assunto do aumento do preço da gasolina e desviar a discussão para um outro assunto, qual seja, a valorização do salário mínimo. O fato é que o salário mínimo tem aumentado de forma quase constante desde 1995 quando ocorreu a estabilização, é natural que nos últimos dez anos seja possível a quantidade de gasolina que pode ser comprada com o salário mínimo tenha aumentado. Arrisco que o mesmo pode ser dito para a quantidade de Coca Cola ou de bacon que é possível comprar com o salário mínimo.
A figura abaixo mostra a evolução do salário mínimo desde 1995, considerei o último salário do ano (a data de reajuste mudou no período, ignorei este fato). A linha azul usa o IPCA, índice oficial de inflação, a linha laranja usa o INPC, um índice voltado para famílias com renda entre 1 e 5 salários mínimos (o IPCA pega até 40 salários mínimos) e a linha cinza mostra o salário mínimo em dólares, não vem muito ao caso, está aí porque já vi outros memes comparando salário mínimo em dólares. Note que pela linha azul, a que considera a inflação oficial, o processo de aumento real do salário mínimo começa em 1995, pela linha laranja começa em 1997.
Visto que o aumento do salário mínimo começa antes dos governos do PT é razoável supor que não foi uma consequência do petismo, na realidade a medida fundamental para permitir o aumento do salário mínimo foi a desvinculação do reajuste dos benefícios previdenciários do reajuste do salário mínimo. Quando todos os benefícios da previdência (regime geral) eram reajustados pelo salário mínimo o impacto do aumento do salário mínimo nas contas públicas era muito grande, isto quase forçava o governo a dar reajustes pequenos para o salário mínimo. A desvinculação em si é tema polêmico e não vão discutir aqui, quem sabe em outro post, mas é muito difícil negar que o fim da vinculação permitiu maiores aumentos para o salário mínimo.
Visto que a tendência de aumento do salário mínimo é anterior à chegada do PT ao poder resta outra pergunta: o crescimento ficou mais intenso nos governos petistas? A resposta é sim, mas deve ser qualificada. A primeira qualificação seria dizer que sim no governo Lula e não no governo Dilma. Usando a série corrigida pelo IPCA como referência o aumento médio do salário mínimo entre 1995 e 2002 foi de 3% ao ano, entre 2003 e 2010 foi de 6,4% e entre 2011 e 2014 foi de 2,9% ao ano, se consideramos o INPC o crescimento médio foi maior tanto com Lula quanto com Dilma, mas também ocorre uma queda no governo Dilma em relação aos governos Lula (os números são 1,9%, 5,3% e 2,9%, respectivamente).
A segunda qualificação diz respeito a natureza do momento econômico em cada governo. Como já falei várias vezes aqui no blog o governo FHC tem de ser analisado em um contexto de combate à inflação. Depois de décadas de inflação descontrolada e uma série de fracassos de combater a inflação via controle de preços o governo FHC era o primeiro a tentar combater a inflação por meios convencionais. Os meios convencionais de combater a inflação costumam funcionar, mas tem efeitos colaterais, entre eles aumento no desemprego e queda no salário real, é cruel, mas, como mostra a experiência brasileira, as técnicas alternativas não funcionam. Por sua vez Lula governou em um período de expansão e não teve de combater uma hiperinflação, a inflação alta de 2002 foi pontual e em menos de um ano foi controlada, os efeitos da retomada do crescimento (abortada em 2001 por conta do racionamento) e da recuperação dos salários depois do período de combate à inflação (um efeito que eu demorei para compreender, confesso) não podem ser ignorados na comparação dos dois governos. Já o governo Dilma conseguiu ter o ritmo de crescimento do salário mínimo real um pouco menor que o do governo FHC enquanto via a inflação aumentar, é um feito. Como eu já disse aqui, entre inflação e recessão o governo Dilma escolheu os dois.
A terceira qualificação diz respeito a definição dos períodos. Quem me acompanha aqui no blog ou no FB sabe que não considero adequada a divisão por governos, prefiro dividir por políticas econômicas. Pensando assim trato o período 1995 a 2005 como o período das reformas, 2006 como o início da transição que foi comprometida pela crise de 2008 de forma que o período das contra reformas começa mesmo com Dilma em 2011 e dura até hoje. Por esta classificação o salário mínimo real cresceu a uma taxa de 4,1% ao ano no período das reformas, 6,2% ao ano durante a transição (5% se tiramos o reajuste excepcional de 2006) e 2,9% durante o período de contra reformas. Os contra reformistas de Dilma prometeram reduzir juros na marra para reduzir os ganhos do rentistas e entregaram redução no crescimento do salário mínimo real, a vida é dura.
Uma quarta qualificação seria quanto a sustentabilidade do aumento do salário mínimo e da renda do trabalho como um todo. Participei de um estudo junto com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) a respeito do tema (link aqui), grosso modo a conclusão é que o aumento da renda do trabalho só será sustentável se ocorrer um aumento na produtividade do trabalho. Particularmente (é redundante, mas ressalto que o que segue é conclusão minha e não da SAE/PR) acredito que os ganhos de produtividade necessários para manter o crescimento da renda do trabalho só virão com a retomada da agenda reformista, mas isto é outra conversa.
E a gasolina? A esta altura espero que tenha percebido que uma questão não tem relação com a outra, o problema da gasolina é que o governo quase quebrou a Petrobras tentando controlar o preço para abaixo e agora vai quase quebrar um monte de gente controlando o preço para cima. Como assim? O governo erra quando coloca o preço para baixo e quando coloca o preço para cima?! Não tem um pouco de má vontade aí? Não. O erro do governo não é colocar o preço para cima ou para baixo, o erro é tentar determinar o preço, o resto é consequência.
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