quinta-feira, 7 de novembro de 2019

A diplomacia do Twitter: sobre o caso de Cuba na ONU - Paulo Roberto de Almeida


Comentários ao voto do Brasil sobre o embargo a Cuba na Assembleia Geral da ONU

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários pessoais; finalidade: debate público sobre a política externa]
  
No dia 7 de novembro de 2019, a delegação do Brasil votou contra a condenação ao embargo exercido contra o regime comunista da ilha de Cuba, acompanhando nesse voto os Estados Unidos e talvez mais um ou dois países (mas o alinhamento ao governo americano era o mais importante, segundo se depreende das posições adotadas pelo novo governo do Brasil desde o início do ano). O voto causou surpresa, uma vez que invertia quase três décadas de votação uniforme, contra o embargo, exibidos pela delegação do Brasil ao longo desse tempo. O Ministro de Estado fez acompanhar esse voto de suas “explicações”, de uma forma inusitada, via Twitter, quando normalmente um ministro de Estado costuma se explicar por meio de notas formais ou de declarações do porta-voz do Itamaraty. Parece que a comunicação instantânea, por uma via eminentemente frágil, não oficial, não necessariamente registrada na documentação do MRE, tornou-se um instrumento de comunicação e meio de informação sobre atos legítimos de política externa. Regredimos na forma, no estilo e na substância. Mas vamos ao conteúdo dessa “comunicação”.

1/O Brasil hoje votou contra Cuba na ONU. Todo ano, Cuba apresenta na Assembleia Geral da ONU um projeto de resolução condenando o embargo imposto pelos EUA desde os anos 60. Os países em desenvolvimento votam sempre a favor de Cuba. Desta vez o Brasil votou a favor da verdade.

PRA: A lógica, se lógica existe, não faz nenhum sentido. O que estava em causa nesse tipo de resolução não é seu caráter de verdade ou mentira, e sim a adequação de uma medida unilateral como o embargo com regras do Direito Internacional. O Brasil sempre defendeu as regras do comércio multilateral. Cuba, aliás, é parte ao GATT e membro da OMC. Votar a favor do embargo representa fragilizar o funcionamento do sistema multilateral de comércio.

2/Nada nos solidariza com Cuba. O regime cubano, desde sua famigerada revolução 60 anos atrás, destruiu a liberdade de seu próprio povo, executou milhares de pessoas, criou um sistema econômico de miséria e, não satisfeito, tentou exportar essa “revolução” para toda a América Latina.

PRA: O Brasil tem todo o direito de condenar o regime cubano e de denunciar as violações aos direitos humanos em Cuba, mas não era isso o que estava em causa na resolução, e sim a legalidade de um embargo não decretado pelas Nações Unidas e sim pela vontade unilateral de um de seus membros contra outro.

3/Pois o comunismo nunca se satisfaz em destruir apenas o país em que se instala. Precisa sempre sair para destruir os outros. Traz isso no seu DNA. O comunismo é sempre e necessariamente um projeto de dominação transnacional e antinacional.

PRA: Seria preciso uma nova resolução para discutir essa questão do comunismo. Para o nazismo e os crimes contra a humanidade, existiu um tribunal dotado de poderes, e com direito dos réus à defesa, que precedeu à condenação. Não era isso que estava em causa, e a maioria dos países que votaram a fazer da resolução, a quase totalidade, não estava temendo que o comunismo cubano representasse uma ameaça de dominação vinda da ilha.

4/A Cuba castrista nestas 6 décadas tornou-se um centro regional de promoção e assistência a ditaduras comunistas. Procuraram impor esse modelo ao Brasil e praticamente todos os países da América Latina. Nos anos 90, com Lula, Fidel Castro concebeu e instalou o Foro de São Paulo.

PRA: Creio que o governo brasileiro tem todo o direito de se defender de ameaças ao seu sistema democrático, mas o que se debatia era um embargo unilateral contra um membro da ONU.

5/O Foro de São Paulo, esse torpe motor de opressão, continua rodando para impor o socialismo corrupto, narcotraficante e terrorista aos povos da região que o repudiaram.

PRA: Uma alegação claramente política, que se situa ao mesmo nível das acusações cubanas contra o capitalismo explorador e opressor.

6/O Foro de São Paulo é a continuação da revolução cubana por outros meios. Busca o poder já não pela luta armada, e sim – mais insidioso e eficiente - pela manipulação do sistema político democrático e seu controle através da corrupção sistêmica e aliança com o crime organizado.

PRA: Mais um pouco de alegações políticas, que não condizem com os argumentos desenvolvidos por San Tiago Dantas em Punta Del Este, em 1962, quando pela primeira vez se debateu da ameaça do regime cubano para o resto do continente. Ali se defendeu o direito de os países determinarem seu regime político interno, desde que não representasse uma ameaça à paz e segurança internacional. O Foro de São Paulo parece ser um meio de controle dos partidos de esquerda na América Latina pelo Partido Comunista Cubano, no interesse da ilha, como foi o caso dos precedentes soviéticos Komintern e Cominform, mas hoje o Foro quer apenas sustentar um regime falido e necessitado de apoio financeiro de simpatizantes.

7/Cuba é hoje o principal esteio do regime Maduro na Venezuela, o pior sistema ditatorial da história do continente. Desse modo, Cuba está por trás da opressão aos venezuelanos, da catástrofe humanitária, da tortura, da migração forçada de 1/6 da população do país.

PRA: Correto tudo isso, mas não se chegou a deliberar sobre essa questão no âmbito da resolução em questão. A resolução se dirigia a uma medida unilateral não sancionada pelo conjunto de membros da ONU.

8/Então chega de bajular Cuba. A influência que Cuba possui entre os países em desenvolvimento no sistema ONU é uma vergonha e precisa ser rompida. Seu papel de sementeira de ditaduras precisa acabar.

PRA: Seria também algo ilógico supor que Cuba possua tal influência sobre a quase totalidade de países membros da ONU – e não só os em desenvolvimento, pois países avançados também votaram contra o embargo – e não que cada um desses países decide com base em seu entendimento do direito internacional.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7/11/2019

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