domingo, 8 de dezembro de 2019

Meu próximo livro: Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo - Paulo Roberto de Almeida

Parece que as altas autoridades nacionais estão em luta contra uma coisa chamada "marxismo cultural". Acho que sei, mais ou menos, o que é isso, mas não pretendo sair em cruzada contra essa coisa meio gelatinosa.
Conheço mais o marxismo clássico e o socialismo real, tanto por ter estudado profundamente os chamados "clássicos do marxismo", como por ter conhecido o socialismo real, nas suas diversas formas (todas fracassadas). Passei três ou quatro décadas lendo e escrevendo a respeito.
O livro que vou publicar em breve retoma textos dos últimos 20 anos, na sucessão do meu anterior: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (1999), hoje livremente disponível neste link:  
https://www.academia.edu/41037349/Velhos_e_Novos_Manifestos_o_socialismo_na_era_da_globalizacao_1999_
Este livro também estará livremente disponível, assim que terminar a revisão. Por enquanto disponibilizo o sumário e o prefácio: 
Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo
Trajetória de duas parábolas da era contemporânea

Paulo Roberto de Almeida
  

Índice


Minhas relações com o marxismo e o socialismo: à guisa de prefácio 

1. A parábola do marxismo em perspectiva histórica  
1.1. Ascensão e declínio de uma ideia  
1.2. A “acumulação primitiva” da economia planejada  
1.3. O marxismo enquanto “concepção burguesa” da História   
1.4. Desventuras da dialética na periferia capitalista 
1.5. O marxismo como doutrina da globalização capitalista 
1.6. A astúcia da razão e as surpresas da História  

2. A ideia de revolução burguesa no marxismo brasileiro  
2.1. Itinerário teórico-prático da revolução burguesa no Brasil
2.2. Demiurgos e epígonos: os grandes mestres do marxismo brasileiro 
2.3. Caio Prado Jr. e o capitalismo incompleto no Brasil 
2.4. Werneck Sodré e a trajetória da revolução nacional democrática 
2.5. Florestan Fernandes e a revolução burguesa na periferia 
2.6. Os intelectuais marxistas e a revolução burguesa no Brasil 
Orientações de leitura   

3. Agonia e queda do socialismo real      
3.1. O exterminador de futuros  
3.2. Qual é a maior “invenção” da humanidade? 
3.3. Uma contradição insanável     
3.4. O socialismo é contra o mercado? 
3.5. Um modo de produção “inventivo”? 
3.6. O fim do socialismo e o laboratório da história

4. O modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil
4.1. Uma falácia persistente: a deformação do marxismo nas academias 
4.2. Marxistas e “marquissistas”: duas espécies, de duas classes diferentes   
4.3. As forças produtivas do modo repetitivo   
4.4. As relações de produção do modo repetitivo   
4.5. As contradições insanáveis  
Referências bibliográficas   

5. O Fim da História, de Fukuyama: o que ficou?
5.1. O que restou, finalmente, da tese controversa de Fukuyama?  
5.2. O que Fukuyama de fato escreveu?  
5.3. Fukuyama tinha razão? 
5.4. Do fim da História ao fim da Geografia 
5.5. Existem opções aos órfãos do socialismo? 

6. Os mitos da utopia marxista   
1. O que é uma utopia e como o marxismo se encaixa no molde? 
2. Utopia marxista e falácias acadêmicas: qual sua importância relativa? 
3. Quais são os mitos da utopia marxista?  
4. As falácias econômicas do marxismo  

7. O fracasso do marxismo teórico e do socialismo prático 
7.1. Cercando o “animal” e mostrando a arma 
7.2. Sete anos que mudaram o mundo   
7.3. Resistível reação à decadência irresistível do socialismo  
7.4. A seleção natural das espécies mais resistentes  

8. A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos  
8.1. Antimercado   
8.2. Igualitarismo 
8.3. A esquerda é contra a democracia formal 
8.4. A esquerda é estatizante 
8.5. A esquerda é anti-individualista 
8.6. A esquerda é populista e popularesca 
8.7. A esquerda é voluntarista e antirracionalista  

9. Sobre a responsabilidade dos intelectuais 
9.1. Uma visita rápida a Norberto Bobbio   
9.2. Desvios cristãos e marxistas: similares, semelhantes, comparáveis?  
9.3. O que Marx tem a ver com o socialismo do século XX?  
9.4. O que fez Lênin para aplicar as ideias de Marx, e as suas próprias... 
9.5. O que isso tem a ver com a responsabilidade dos intelectuais? 

10. Pode uma pessoa inteligente pretender-se comunista, hoje em dia?  
10.1. Uma tradição passadista que não passa 
10.2. Um exemplo, entre outros, da crença persistente: Antônio Cândido  
10.3. Comunismo: apenas um sistema de crenças, sem consistência real 

Apêndices:
Notas sobre os originais dos ensaios coletados   
Breve nota biográfica: Paulo Roberto de Almeida 

Livros e trabalhos de Paulo Roberto de Almeida 



Minhas relações com o marxismo e o socialismo
À guisa de prefácio

Este livro – na verdade, uma coletânea de ensaios escritos em diferentes etapas dos últimos vinte anos – tem um modesto predecessor, publicado justamente mais de vinte anos atrás: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999). Era um pequeno volume, de menos de cem páginas, cuja peça de maior importância consistia numa releitura do Manifesto original de Marx e Engels, de 1848, revisto, reescrito, corrigido, adaptado para as novas condições do capitalismo global, um século e meio depois que os dois jovens revolucionários alemães atendiam ao convite de uma liga de operários alemães, emigrados na Inglaterra vitoriana, para redigir o documento fundador de um novo partido socialista. O panfleto  passou quase despercebido, mas foi traduzido paulatinamente em outras línguas europeias, antes de iniciar uma carreira de estrondoso sucesso mundial no decorrer do século XX, desempenho glorioso que provavelmente não se repetirá neste século.
A razão pela qual decidi redigir um Manifesto Comunista alternativo deveu-se a convite recebido de colega acadêmico para colaborar com um novo periódico de ciência política – que já nem existe mais –, justamente no ano em que o velho Manifesto completava 150 anos de vida, e as editoras lançavam reedições daquele texto caído no domínio público. Os marxistas realmente existentes no Brasil se dedicavam, de seu lado, a cantar loas ao panfleto “gótico”, concordando com sua atualidade e utilidade reafirmada, um século e meio depois de um obscuro lançamento em Londres. Decidi fazer diferente, consoante meu espírito sempre contrarianista: tendo lido, relido e estudado o velho Manifesto desde minha precoce juventude marxista, resolvi reescrever aquela peça ultrapassada em sua forma e na sua essência, para adaptá-lo a um fin-de-siècle decididamente pós-comunista. Afinal, a grande pátria do socialismo, a União Soviética, já tinha deixado de existir desde o início daquela década, e a outra promotora de suas recomendações, a China “socialista”, já tinha empreendido, desde a década anterior, uma vigorosa marcha em direção a uma economia de mercado, ainda que formalmente tutelada por um Partido Comunista que continua exercendo o poder em nome do proletariado e dos camponeses.
Eu mesmo, de um marxismo juvenil bem mais teórico do que prático, já tinha começado a evoluir para um socialismo nouvelle-manière desde minha partida para a Europa no início dos anos 1970, para um novo estágio de estudos universitários e de visitas aos socialismos realmente existentes, estabelecendo comparações com os capitalismos avançados e outros em diferentes estágios de desenvolvimento na periferia da economia global. Voltei da Europa sete anos depois, para iniciar uma carreira de burocrata estatal, na diplomacia profissional, com uma dedicação acadêmica invariavelmente mantida desde sempre. A combinação de atividades mantidas sucessivamente nos planos do setor privado, no mundo universitário e no serviço exterior do governo brasileiro, as duas últimas simultaneamente, me permitiu agregar a um conjunto de observações registradas naquelas muitas viagens e experiências de vida o estudo intensivo para a redação de uma tese de doutoramento, ao cabo da qual emergi com novas credenciais políticas e intelectuais. O marxismo acadêmico é inerente a qualquer estudioso ou praticante da sociologia, como é o universo conceitual no qual me desempenho. Mas, a capacidade de interpretar os novos dados da realidade econômica e política, no terreno mundial e no âmbito brasileiro, impõe a necessidade de elaborar novas explicações, e propor novas respostas, aos problemas permanentes do desenvolvimento de uma sociedade como a brasileira, que justamente combina velhos vícios de uma sociedade escravista-patrimonialista com novas deformações de um sistema político formalmente democrático, embora de muito baixa qualidade, contaminado pela promiscuidade de elites atrasadas com capitalistas protegidos e subvencionados, adeptos da corrupção em larga escala.
O livro de 1999 abria-se, portanto, pela reescritura do velho Manifesto, seguida por duas provocações que eu fazia a meus amigos e colegas acadêmicos ainda socialistas (mas de estilo vieille-manière), um dedicado aos elogios que Marx fez ao livre comércio, no seguimento da abolição das Corn-laws na Inglaterra, o outro ainda mais iconoclasta, encontrando méritos e virtudes na velha “exploração do homem pelo homem”. O volume engajava então uma discussão sobre a ascensão e queda do marxismo e do socialismo no decorrer do século XX, o único dos ensaios retomado nesta nova coletânea, ainda que revisto em questões de caráter tópico; ele finalizava pela reprodução do Manifesto original, para efeitos de comparação com minha versão contrarianista. Aquele primeiro experimento de revisão de um texto consagrado inaugurou, aliás, a minha série de “clássicos revisitados”, que continuou com Maquiavel (O Moderno Príncipe), com Tocqueville (duas vezes enviado ao Brasil e à América Latina, para examinar o frágil estado do regime democrático), Benjamin Constant (l’ancienne et la nouvelle diplomatie, sob o governo dos companheiros), Sun Tzu (A Arte da Guerra para diplomatas) e que ainda deve continuar com vários outros clássicos no pipeline.

Esta nova coletânea, com a repetição indicada de uma versão revista do capítulo sobre a parábola do marxismo em perspectiva histórica, reúne ensaios elaborados no decorrer dos vinte anos que se seguiram ao pequeno livro de 1999; estes novos escritos representam modalidades diversas de meu “ajuste de contas” com o marxismo e o socialismo, processo que já tinha sido iniciado nas três décadas anteriores, desde meu autoexílio na Europa e o contato direto com todos os socialismos realmente existentes no centro-leste europeu. Nunca houve a intenção deliberada de enfrentar os “demônios” da academia ou os desafios do debate público sobre a qualidade e o conteúdo específico das políticas econômicas aplicadas no Brasil desde a grande estabilização da segunda metade da última década do século XX, mas o fato é que os dez ensaios aqui coletados foram concebidos e elaborados como respostas a tomadas de posição por parte de acadêmicos da grande tribo marxista e socialista que ainda pontifica impavidamente em auditórios geralmente receptivos de estudantes de humanidades e ciências sociais, quando não em outras vertentes do ambiente universitário. Como membro de comitês editoriais de periódicos da área, ou na qualidade de colaborador de alguns veículos desse universo, sou frequentemente levado a ler, a comentar, a oferecer pareceres sobre essa produção engajada.
Vários dos ensaios aqui reunidos, escolhidos entre dezenas de outros que pertencem à mesma família de “escritos de combate”, foram justamente publicados num típico pasquim da esquerda universitária, com o qual colaborei durante uma dezena de anos, sempre a contra corrente das tendências majoritárias (e recebendo críticas e contestações diretas a vários deles). Minha colaboração foi descontinuada sintomaticamente depois que sustentei uma discussão sobre a responsabilidade dos intelectuais nas grandes tragédias do socialismo totalitário, vindo ela finalmente a termo depois que eu questionei a inteligência daqueles que continuavam aderindo à liturgia comunista. Depois de minha proposta para um novo “manifesto comunista” adequado aos nossos tempos de globalização capitalista, um dos ensaios mais acerbamente criticados nesses meios foi exatamente aquele no qual eu tentava ajudar a esquerda a se liberar de “sete pecados dialéticos” que atrapalham o seu desenvolvimento mental. Mesmo pertencendo ao que eu chamei de “cultura da esquerda”, nunca abandonei a racionalidade econômica, e uma estrita adesão a valores e princípios democráticos, para seguir de forma quase religiosa essas crenças nascidas no século XIX – que acompanhei na fase juvenil – e que se prolongaram de forma irracional durante décadas de experimentos brutais de engenharia social e de desastres econômicos e humanitários.
Minha impressão, retirada desses embates e diatribes, é a de que esses acadêmicos sonhadores não tiveram, justamente, a mesma oportunidade que eu tive de conhecer diretamente os diversos socialismos reais que visitei ao longo das últimas décadas de sua existência, e que por isso mesmo continuavam mantendo um conhecimento apenas livresco sobre seus princípios de funcionamento. Raramente puderam perceber que, bem mais do que a miséria material de todos esses regimes – abastecimento precário, lacunas disseminadas no plano do bem-estar, ausência de progressos econômicos reais –, o que mais os caracterizava, de fato, era uma espécie de miséria moral, sustentada por um Estado policialesco, repressor, obscurantista, promotor da mediocridade burocrática e apoiada na violação sistemática de todas as liberdades democráticas que eles diziam defender num país pobre, corrupto e desigual como o Brasil. Sobre isso ainda agregavam a defesa de regimes estatizantes e de políticas econômicas que justamente tinham o objetivo de preservar privilégios corporativos e contribuiam para aprofundar as desigualdades sociais que pretendiam combater, numa inconsciência espantosa sobre os efeitos nefastos que essas orientações econômicas provocavam em termos de prosperidade e criação de riqueza.
Não foram poucas as vezes em que fui acusado de ser “neoliberal”, uma designação tão ridícula quanto totalmente desprovida de qualquer fundamento real. Mas essa é uma vertente que pertence mais ao terreno dos debates sobre políticas econômicas, e que escapa, portanto, ao universo estrito do “diálogo” – se ele existiu – em torno do marxismo e do socialismo, que constitui o núcleo da dezena de ensaios aqui oferecidos. Os interessados em conhecer a antologia de 1999, para efeitos de comparação com a atual, podem agora descarregar o arquivo livremente em Academia.edu, na seção de livros de minha página nessa plataforma de interação acadêmica. Vários outros artigos e ensaios nesse mesmo universo – que eu classificaria de contestação do “socialismo para os incautos”, ou de críticas aos defensores do “fetiche do Capital”, de Marx, obviamente – foram publicados em veículos diversos, e a maior parte pode ser consultada nessa minha página de divulgação aberta de meus escritos.
Objetivo diverso teve a reavaliação feita em torno dos argumentos defendidos por Francis Fukuyama, em seu famoso artigo sobre o “fim da História”, não exatamente para sustentar sua tese principal, e mais para debater a validade do posicionamento sobre a ausência de alternativas às democracias liberais de mercado, depois da derrocada dos sistemas socialistas e do início do processo de transição nos antigos países do sistema socialista. Minha opinião é a de que a tese de Fukuyama é válida em sua concepção geral, mas que os processos concretos de transição não obedecem a um padrão único de organização política, econômica e social, já que o processo histórico sempre se desenvolve por vias únicas e originais. O Brasil oferece justamente uma demonstração de como se pode avançar, ainda que lentamente, no caminho da modernidade superficial, mesmo preservando os vícios do velho patrimonialismo e do populismo renovado.

Esta antologia resume e expõe, portanto, minhas relações de afinidade e distanciamento em relação ao marxismo e ao socialismo, mas ela não tem o objetivo de supostamente me situar no campo de uma “direita conservadora”, que de toda forma não existe no Brasil, nem no plano teórico, nem no terreno da prática. Detesto rótulos redutores e simplificadores, preferido exercer meu direito ao ecletismo doutrinário e ao ceticismo sadio, e por isso mesmo estou sempre pronto a defender argumentos de estrita racionalidade econômica, na busca das melhores soluções aos angustiantes problemas do Brasil, que sempre estiveram no coração de minhas leituras, estudos, reflexões e escritos no último meio século pelo menos. A coletânea aqui realizada é uma pequena amostra dessas preocupações com a educação dos mais jovens, com base em meu conhecimento adquirido nos livros, na atenta observação da realidade, na experiência adquirida ao longo de uma dupla carreira extremamente absorvente, no exercício da diplomacia profissional e nas lides acadêmicas desempenhadas de modo voluntário.
Acredito que eu ainda tenho muito mais a oferecer no campo da divulgação de escritos produzidos no âmago ou à margem dessas duas atividades, no decorrer desse longo período de intensas atividades intelectuais, prometendo, portanto, compor novas seleções de trabalhos dotados de alguma resiliência expositiva ou interpretativa, em outros setores que não mais o debate histórico-político num pequeno círculo de iniciados no marxismo. A parábola descrita e analisada aqui está praticamente concluída. O que nos resta fazer, aliás desde a independência, é completar a missão de resgatar a nação de um passado de iniquidades e de subdesenvolvimento – não apenas material, mas sobretudo mental – e projetá-la numa trajetória de prosperidade e bem-estar, com base na educação, no conhecimento do itinerário de outros povos mais bem sucedidos do que o nosso, numa visão crítica do passado e apoiados em políticas inclusivas num ambiente de uma vibrante democracia de mercado.
Continuarei nessa missão...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, novembro de 2019

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