Conheço mais o marxismo clássico e o socialismo real, tanto por ter estudado profundamente os chamados "clássicos do marxismo", como por ter conhecido o socialismo real, nas suas diversas formas (todas fracassadas). Passei três ou quatro décadas lendo e escrevendo a respeito.
O livro que vou publicar em breve retoma textos dos últimos 20 anos, na sucessão do meu anterior: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (1999), hoje livremente disponível neste link:
https://www.academia.edu/41037349/Velhos_e_Novos_Manifestos_o_socialismo_na_era_da_globalizacao_1999_
Este livro também estará livremente disponível, assim que terminar a revisão. Por enquanto disponibilizo o sumário e o prefácio:
Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo
Trajetória de duas parábolas da era contemporânea
Paulo
Roberto de Almeida
Índice
Minhas relações
com o marxismo e o socialismo: à guisa de prefácio
1. A parábola do marxismo em perspectiva histórica
1.1. Ascensão e
declínio de uma ideia
1.2. A “acumulação
primitiva” da economia planejada
1.3. O marxismo
enquanto “concepção burguesa” da História
1.4. Desventuras da dialética na periferia capitalista
1.5. O marxismo como doutrina da globalização
capitalista
1.6. A astúcia da
razão e as surpresas da História
2. A ideia de revolução burguesa no marxismo
brasileiro
2.1.
Itinerário teórico-prático da revolução burguesa no Brasil
2.2.
Demiurgos e epígonos: os grandes mestres do marxismo brasileiro
2.3. Caio
Prado Jr. e o capitalismo incompleto no Brasil
2.4.
Werneck Sodré e a trajetória da revolução nacional democrática
2.5.
Florestan Fernandes e a revolução burguesa na periferia
2.6. Os
intelectuais marxistas e a revolução burguesa no Brasil
Orientações
de leitura
3. Agonia e queda do socialismo real
3.1. O exterminador de futuros
3.2. Qual é a maior “invenção” da humanidade?
3.3. Uma contradição insanável
3.4. O socialismo é contra o mercado?
3.5. Um modo de produção “inventivo”?
3.6. O fim do
socialismo e o laboratório da história
4. O modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no
Brasil
4.1. Uma falácia
persistente: a deformação do marxismo nas academias
4.2. Marxistas e
“marquissistas”: duas espécies, de duas classes diferentes
4.3. As forças
produtivas do modo repetitivo
4.4. As relações
de produção do modo repetitivo
4.5. As contradições
insanáveis
Referências bibliográficas
5. O Fim da
História, de Fukuyama: o que ficou?
5.1.
O que restou, finalmente, da tese controversa de Fukuyama?
5.2.
O que Fukuyama de fato escreveu?
5.3.
Fukuyama tinha razão?
5.4. Do fim da História ao fim
da Geografia
5.5.
Existem opções aos órfãos do socialismo?
6. Os
mitos da utopia marxista
1. O que é uma utopia e como o marxismo se encaixa no
molde?
2. Utopia marxista e falácias acadêmicas: qual sua importância
relativa?
3. Quais são os mitos da utopia marxista?
4. As falácias econômicas do marxismo
7. O fracasso do marxismo teórico e do socialismo
prático
7.1. Cercando o
“animal” e mostrando a arma
7.2. Sete anos que
mudaram o mundo
7.3. Resistível
reação à decadência irresistível do socialismo
7.4. A seleção
natural das espécies mais resistentes
8. A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos
8.1. Antimercado
8.2. Igualitarismo
8.3. A
esquerda é contra a democracia formal
8.4. A
esquerda é estatizante
8.5. A
esquerda é anti-individualista
8.6. A
esquerda é populista e popularesca
8.7. A
esquerda é voluntarista e antirracionalista
9. Sobre a responsabilidade dos intelectuais
9.1. Uma
visita rápida a Norberto Bobbio
9.2.
Desvios cristãos e marxistas: similares, semelhantes, comparáveis?
9.3. O que
Marx tem a ver com o socialismo do século XX?
9.4. O que
fez Lênin para aplicar as ideias de Marx, e as suas próprias...
9.5. O que
isso tem a ver com a responsabilidade dos intelectuais?
10. Pode uma pessoa inteligente pretender-se
comunista, hoje em dia?
10.1. Uma tradição passadista que não passa
10.2. Um exemplo, entre outros, da crença persistente:
Antônio Cândido
10.3. Comunismo: apenas um sistema de crenças, sem
consistência real
Apêndices:
Notas
sobre os originais dos ensaios coletados
Breve
nota biográfica: Paulo Roberto de Almeida
Livros e
trabalhos de Paulo Roberto de Almeida
Minhas
relações com o marxismo e o socialismo
À
guisa de prefácio
Este livro – na verdade,
uma coletânea de ensaios escritos em diferentes etapas dos últimos vinte anos –
tem um modesto predecessor, publicado justamente mais de vinte anos atrás: Velhos e novos manifestos: o socialismo na
era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999). Era um
pequeno volume, de menos de cem páginas, cuja peça de maior importância consistia
numa releitura do Manifesto original
de Marx e Engels, de 1848, revisto, reescrito, corrigido, adaptado para as
novas condições do capitalismo global, um século e meio depois que os dois
jovens revolucionários alemães atendiam ao convite de uma liga de operários alemães,
emigrados na Inglaterra vitoriana, para redigir o documento fundador de um novo
partido socialista. O panfleto passou
quase despercebido, mas foi traduzido paulatinamente em outras línguas
europeias, antes de iniciar uma carreira de estrondoso sucesso mundial no
decorrer do século XX, desempenho glorioso que provavelmente não se repetirá neste
século.
A razão pela qual decidi
redigir um Manifesto Comunista alternativo
deveu-se a convite recebido de colega acadêmico para colaborar com um novo
periódico de ciência política – que já nem existe mais –, justamente no ano em
que o velho Manifesto completava 150
anos de vida, e as editoras lançavam reedições daquele texto caído no domínio
público. Os marxistas realmente existentes no Brasil se dedicavam, de seu lado,
a cantar loas ao panfleto “gótico”, concordando com sua atualidade e utilidade
reafirmada, um século e meio depois de um obscuro lançamento em Londres. Decidi
fazer diferente, consoante meu espírito sempre contrarianista: tendo lido,
relido e estudado o velho Manifesto
desde minha precoce juventude marxista, resolvi reescrever aquela peça
ultrapassada em sua forma e na sua essência, para adaptá-lo a um fin-de-siècle decididamente pós-comunista.
Afinal, a grande pátria do socialismo, a União Soviética, já tinha deixado de
existir desde o início daquela década, e a outra promotora de suas
recomendações, a China “socialista”, já tinha empreendido, desde a década
anterior, uma vigorosa marcha em direção a uma economia de mercado, ainda que
formalmente tutelada por um Partido Comunista que continua exercendo o poder em
nome do proletariado e dos camponeses.
Eu mesmo, de um marxismo
juvenil bem mais teórico do que prático, já tinha começado a evoluir para um
socialismo nouvelle-manière desde
minha partida para a Europa no início dos anos 1970, para um novo estágio de
estudos universitários e de visitas aos socialismos realmente existentes, estabelecendo
comparações com os capitalismos avançados e outros em diferentes estágios de
desenvolvimento na periferia da economia global. Voltei da Europa sete anos
depois, para iniciar uma carreira de burocrata estatal, na diplomacia
profissional, com uma dedicação acadêmica invariavelmente mantida desde sempre.
A combinação de atividades mantidas sucessivamente nos planos do setor privado,
no mundo universitário e no serviço exterior do governo brasileiro, as duas
últimas simultaneamente, me permitiu agregar a um conjunto de observações registradas
naquelas muitas viagens e experiências de vida o estudo intensivo para a
redação de uma tese de doutoramento, ao cabo da qual emergi com novas
credenciais políticas e intelectuais. O marxismo acadêmico é inerente a
qualquer estudioso ou praticante da sociologia, como é o universo conceitual no
qual me desempenho. Mas, a capacidade de interpretar os novos dados da
realidade econômica e política, no terreno mundial e no âmbito brasileiro,
impõe a necessidade de elaborar novas explicações, e propor novas respostas,
aos problemas permanentes do desenvolvimento de uma sociedade como a brasileira,
que justamente combina velhos vícios de uma sociedade
escravista-patrimonialista com novas deformações de um sistema político
formalmente democrático, embora de muito baixa qualidade, contaminado pela
promiscuidade de elites atrasadas com capitalistas protegidos e subvencionados,
adeptos da corrupção em larga escala.
O livro de 1999
abria-se, portanto, pela reescritura do velho Manifesto, seguida por duas provocações que eu fazia a meus amigos
e colegas acadêmicos ainda socialistas (mas de estilo vieille-manière), um dedicado aos elogios que Marx fez ao livre
comércio, no seguimento da abolição das Corn-laws
na Inglaterra, o outro ainda mais iconoclasta, encontrando méritos e virtudes
na velha “exploração do homem pelo homem”. O volume engajava então uma
discussão sobre a ascensão e queda do marxismo e do socialismo no decorrer do
século XX, o único dos ensaios retomado nesta nova coletânea, ainda que revisto
em questões de caráter tópico; ele finalizava pela reprodução do Manifesto original, para efeitos de
comparação com minha versão contrarianista. Aquele primeiro experimento de
revisão de um texto consagrado inaugurou, aliás, a minha série de “clássicos
revisitados”, que continuou com Maquiavel (O
Moderno Príncipe), com Tocqueville (duas vezes enviado ao Brasil e à
América Latina, para examinar o frágil estado do regime democrático), Benjamin
Constant (l’ancienne et la nouvelle
diplomatie, sob o governo dos companheiros), Sun Tzu (A Arte da Guerra para diplomatas) e que ainda deve continuar com vários
outros clássicos no pipeline.
Esta nova coletânea, com
a repetição indicada de uma versão revista do capítulo sobre a parábola do marxismo
em perspectiva histórica, reúne ensaios elaborados no decorrer dos vinte anos que
se seguiram ao pequeno livro de 1999; estes novos escritos representam
modalidades diversas de meu “ajuste de contas” com o marxismo e o socialismo,
processo que já tinha sido iniciado nas três décadas anteriores, desde meu
autoexílio na Europa e o contato direto com todos os socialismos realmente
existentes no centro-leste europeu. Nunca houve a intenção deliberada de
enfrentar os “demônios” da academia ou os desafios do debate público sobre a
qualidade e o conteúdo específico das políticas econômicas aplicadas no Brasil
desde a grande estabilização da segunda metade da última década do século XX,
mas o fato é que os dez ensaios aqui coletados foram concebidos e elaborados
como respostas a tomadas de posição por parte de acadêmicos da grande tribo
marxista e socialista que ainda pontifica impavidamente em auditórios geralmente
receptivos de estudantes de humanidades e ciências sociais, quando não em
outras vertentes do ambiente universitário. Como membro de comitês editoriais
de periódicos da área, ou na qualidade de colaborador de alguns veículos desse
universo, sou frequentemente levado a ler, a comentar, a oferecer pareceres
sobre essa produção engajada.
Vários dos ensaios aqui
reunidos, escolhidos entre dezenas de outros que pertencem à mesma família de
“escritos de combate”, foram justamente publicados num típico pasquim da
esquerda universitária, com o qual colaborei durante uma dezena de anos, sempre
a contra corrente das tendências majoritárias (e recebendo críticas e
contestações diretas a vários deles). Minha colaboração foi descontinuada
sintomaticamente depois que sustentei uma discussão sobre a responsabilidade
dos intelectuais nas grandes tragédias do socialismo totalitário, vindo ela
finalmente a termo depois que eu questionei a inteligência daqueles que
continuavam aderindo à liturgia comunista. Depois de minha proposta para um
novo “manifesto comunista” adequado aos nossos tempos de globalização
capitalista, um dos ensaios mais acerbamente criticados nesses meios foi
exatamente aquele no qual eu tentava ajudar a esquerda a se liberar de “sete
pecados dialéticos” que atrapalham o seu desenvolvimento mental. Mesmo
pertencendo ao que eu chamei de “cultura da esquerda”, nunca abandonei a
racionalidade econômica, e uma estrita adesão a valores e princípios
democráticos, para seguir de forma quase religiosa essas crenças nascidas no
século XIX – que acompanhei na fase juvenil – e que se prolongaram de forma
irracional durante décadas de experimentos brutais de engenharia social e de
desastres econômicos e humanitários.
Minha impressão,
retirada desses embates e diatribes, é a de que esses acadêmicos sonhadores não
tiveram, justamente, a mesma oportunidade que eu tive de conhecer diretamente
os diversos socialismos reais que visitei ao longo das últimas décadas de sua
existência, e que por isso mesmo continuavam mantendo um conhecimento apenas
livresco sobre seus princípios de funcionamento. Raramente puderam perceber
que, bem mais do que a miséria material de todos esses regimes – abastecimento
precário, lacunas disseminadas no plano do bem-estar, ausência de progressos econômicos
reais –, o que mais os caracterizava, de fato, era uma espécie de miséria
moral, sustentada por um Estado policialesco, repressor, obscurantista,
promotor da mediocridade burocrática e apoiada na violação sistemática de todas
as liberdades democráticas que eles diziam defender num país pobre, corrupto e
desigual como o Brasil. Sobre isso ainda agregavam a defesa de regimes estatizantes
e de políticas econômicas que justamente tinham o objetivo de preservar
privilégios corporativos e contribuiam para aprofundar as desigualdades sociais
que pretendiam combater, numa inconsciência espantosa sobre os efeitos nefastos
que essas orientações econômicas provocavam em termos de prosperidade e criação
de riqueza.
Não foram poucas as
vezes em que fui acusado de ser “neoliberal”, uma designação tão ridícula
quanto totalmente desprovida de qualquer fundamento real. Mas essa é uma
vertente que pertence mais ao terreno dos debates sobre políticas econômicas, e
que escapa, portanto, ao universo estrito do “diálogo” – se ele existiu – em
torno do marxismo e do socialismo, que constitui o núcleo da dezena de ensaios
aqui oferecidos. Os interessados em conhecer a antologia de 1999, para efeitos
de comparação com a atual, podem agora descarregar o arquivo livremente em
Academia.edu, na seção de livros de minha página nessa plataforma de interação
acadêmica. Vários outros artigos e ensaios nesse mesmo universo – que eu
classificaria de contestação do “socialismo para os incautos”, ou de críticas
aos defensores do “fetiche do Capital”,
de Marx, obviamente – foram publicados em veículos diversos, e a maior parte
pode ser consultada nessa minha página de divulgação aberta de meus escritos.
Objetivo diverso teve a
reavaliação feita em torno dos argumentos defendidos por Francis Fukuyama, em
seu famoso artigo sobre o “fim da História”, não exatamente para sustentar sua
tese principal, e mais para debater a validade do posicionamento sobre a
ausência de alternativas às democracias liberais de mercado, depois da
derrocada dos sistemas socialistas e do início do processo de transição nos
antigos países do sistema socialista. Minha opinião é a de que a tese de
Fukuyama é válida em sua concepção geral, mas que os processos concretos de
transição não obedecem a um padrão único de organização política, econômica e
social, já que o processo histórico sempre se desenvolve por vias únicas e
originais. O Brasil oferece justamente uma demonstração de como se pode avançar,
ainda que lentamente, no caminho da modernidade superficial, mesmo preservando os
vícios do velho patrimonialismo e do populismo renovado.
Esta antologia resume e
expõe, portanto, minhas relações de afinidade e distanciamento em relação ao
marxismo e ao socialismo, mas ela não tem o objetivo de supostamente me situar
no campo de uma “direita conservadora”, que de toda forma não existe no Brasil,
nem no plano teórico, nem no terreno da prática. Detesto rótulos redutores e
simplificadores, preferido exercer meu direito ao ecletismo doutrinário e ao
ceticismo sadio, e por isso mesmo estou sempre pronto a defender argumentos de
estrita racionalidade econômica, na busca das melhores soluções aos
angustiantes problemas do Brasil, que sempre estiveram no coração de minhas
leituras, estudos, reflexões e escritos no último meio século pelo menos. A
coletânea aqui realizada é uma pequena amostra dessas preocupações com a
educação dos mais jovens, com base em meu conhecimento adquirido nos livros, na
atenta observação da realidade, na experiência adquirida ao longo de uma dupla
carreira extremamente absorvente, no exercício da diplomacia profissional e nas
lides acadêmicas desempenhadas de modo voluntário.
Acredito que eu ainda
tenho muito mais a oferecer no campo da divulgação de escritos produzidos no
âmago ou à margem dessas duas atividades, no decorrer desse longo período de intensas
atividades intelectuais, prometendo, portanto, compor novas seleções de
trabalhos dotados de alguma resiliência expositiva ou interpretativa, em outros
setores que não mais o debate histórico-político num pequeno círculo de iniciados
no marxismo. A parábola descrita e analisada aqui está praticamente concluída. O
que nos resta fazer, aliás desde a independência, é completar a missão de
resgatar a nação de um passado de iniquidades e de subdesenvolvimento – não
apenas material, mas sobretudo mental – e projetá-la numa trajetória de prosperidade
e bem-estar, com base na educação, no conhecimento do itinerário de outros
povos mais bem sucedidos do que o nosso, numa visão crítica do passado e
apoiados em políticas inclusivas num ambiente de uma vibrante democracia de
mercado.
Continuarei nessa
missão...
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
novembro de 2019
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