sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Agronegócio e meio ambiente: uma interação incontornável - Marcos Sawaya Jank

O diálogo necessário entre agricultura e meio ambiente 

Marcos S. Jank (*)

Jornal “O Estado de S. Paulo”, Opinião, 28/02/2020.


Em vez do ‘nós contra eles’, é preciso compatibilizar as agendas globais do clima e da alimentação.

Os dois setores da economia brasileira com maior visibilidade global são a agricultura e o meio ambiente.

O protagonismo da agricultura brasileira se dá no comércio global de commodities agropecuárias. Nossa oferta agrícola é concentrada em produtos (cerca de uma dezena), mas diversificada em destinos, atingindo mais de 200 países e cumprindo papel crucial na segurança alimentar do planeta. Porém, fora do universo da oferta agrícola, pouca gente conhece o agro brasileiro e, no geral, o vê com desconfiança.

Já o meio ambiente brasileiro tem ampla visibilidade no mundo, principalmente por conta das preocupações com biomas sensíveis como a Amazônia e o Pantanal. Aqui o Brasil é reconhecido como potência ambiental, mas atacado pela elevada quantidade de queimadas e desmatamentos – e seu impacto na mudança do clima –, além de invasões de terras indígenas e devolutas, do crescimento de monoculturas como soja e outros supostos males.

Enquanto a opinião global sobre o agro brasileiro é restrita e localizada, no caso do meio ambiente ela é ampla e generalizada. Sabemos que boa parte das críticas negativas tem mais que ver com “percepções” do que com “fatos”, a exemplo do cenário apocalíptico que foi disseminado após as queimadas do ano passado. Mas é fato que o assunto tomou conta da opinião pública internacional e hoje está solidamente presente nos organismos multilaterais, no discurso de governos e no curriculum das escolas de ensino fundamental e médio de todo o mundo.

Nos últimos tempos o tema ambiental também entrou de vez na agenda das grandes empresas e do sistema financeiro internacional, como vimos na última reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos. E o Brasil perdeu protagonismo na agenda da sustentabilidade, após décadas de avanços importantes na redução do desmatamento, de compromissos com o clima e de diversificação para energias renováveis.

Infelizmente, o que temos realmente visto no nosso mundo hiperconectado é um debate de surdos do tipo “nós contra eles”, decorrente de hoje participarmos de redes sociais formadas por pessoas que basicamente pensam como a gente. Nesse sentido me parece um equívoco insistir no autoelogio para plateias limitadas e catequizadas. Ou, ainda, insistir em afirmações do tipo “somos os mais sustentáveis do mundo”, mesmo que isso fosse verdade. Eu prefiro o caminho de assumir nossos avanços e os nossos problemas com mais modéstia, encarando, sem subterfúgios, o diálogo com quem pensa de forma diferente, principalmente no exterior.

Aliás, pensar diferente não deveria ser um problema. Empresas que atuam junto aos produtores entendem melhor a realidade agrícola do que as que atuam na ponta do consumidor. No universo heterogêneo das ONGs, há várias delas que trabalham há anos com produtores rurais brasileiros e têm feito defesas impecáveis da sustentabilidade da nossa agricultura no exterior. Governos europeus criticam o Brasil nessa área muito mais do que governos asiáticos, mas são estes últimos que respondem por dois terços do que exportamos hoje e com quem mais temos de dialogar.

Em suma, o Brasil não deveria tomar posição contra o restante do mundo no tema ambiental. Ao contrário, é preciso formar alianças estratégicas em diversos níveis, reconhecer os problemas existentes, enfrentar as perguntas difíceis, ampliar o diálogo e receber elogios dos outros, e não próprios.

Ao mesmo tempo, o setor privado do agro brasileiro precisa abraçar o combate ao desmatamento ilegal no Brasil, atacando a necessidade de regularização fundiária com critérios sólidos, condição básica para a punição dos abusos.

Na agenda internacional, o Brasil deveria liderar um esforço global para discutir como alimentar quase 10 bilhões de pessoas em 2050, metade delas vivendo na África e no subcontinente indiano. O modelo agrícola atual desses países claramente não permite solucionar o seu gap potencial entre oferta e demanda agrícola.

A melhor solução de longo prazo para mitigar as mudanças do clima é o menor uso de recursos naturais, que em última instância se traduz por aumento da produtividade. Os ambientalistas afirmam que o agro não enxerga que o desmatamento vai prejudicar a própria agricultura no longo prazo. Os agricultores dizem que os ambientalistas não entendem que o Brasil é um dos únicos lugares do mundo capazes de produzir duas a três safras por ano e que o mundo precisará do nosso modelo produtivo tropical para se alimentar. Ambos estão corretos, mas faltam confiança e cooperação.

Hoje sobram observatórios do clima e do uso da terra no mundo. Mas faltam observatórios da agricultura, que tragam respostas concretas para o gap potencial entre oferta e demanda de alimentos no longo prazo. Essa é uma questão que certamente envolve a agenda do clima, mas também envolve demografia, renda per capita, urbanização, modelos de produção e organização de cadeias de suprimentos. Envolve, portanto, o conceito de sustentabilidade nos seus pilares econômico, ambiental e social. Se houvesse maior diálogo entre esses observatórios, com certeza diminuiríamos a intolerância e a surdez que imperam no nosso mundo hiperconectado.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.