sábado, 4 de abril de 2020

Ives Gandra Martins sobre Bolsonaro, Mourão e o impeachment

Parabéns mestre Ives Gandra pelo equilíbrio e ponderação.

Ricardo Bergamini


 Como dizia o mestre Roberto Campos: 

A paixão mobiliza, mas só a razão constrói (Roberto Campos).

 

 

Entrevista Ives Gandra Martins, jurista

 

“Bolsonaro está perdendo a credibilidade”

 

 

 

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Germano Oliveira


Edição 03/04/2020 - nº 2621/ISTOÉ

 

O advogado Ives Gandra Martins, 85 anos, está internado há um mês no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, primeiro por causa de uma cirurgia no esôfago e, na sequência, por ter contraído a Covid-19. Mesmo isolado em um leito de UTI, ele tem falado ao telefone com empresários, advogados e jornalistas que desejam obter suas abalizadas reflexões sobre um dos momentos mais críticos do País. Escritor de diversos livros em que analisa a Constituição, Ives Gandra entende que o presidente Jair Bolsonaro tem colocado, de forma acertada, a sua preocupação em relação à crise econômica que surgirá da tragédia do coronavírus, mas julga que ele tem sido “inadequado” em seus posicionamentos contra o isolamento social. Para o jurista, o presidente mostra-se “equivocado” ao atacar a imprensa e os governadores, fazendo uma advertência: “ele precisa falar menos”. Segundo Gandra, antes de tentar resolver os problemas econômicos, Bolsonaro precisa se preocupar em salvar vidas, como pregam o ministro da Saúde e todos os líderes mundiais. Embora reconheça que Bolsonaro perde credibilidade e que o general Mourão “é muito bem preparado”, Ives Gandra não defende o impeachment. “Não acredito que seja o momento adequado para falarmos em afastamento do presidente. O momento é de união nacional”, diz ele, com a autoridade de quem deu sustentação técnica para o impeachment de Fernando Collor e foi um dos juristas que formulou o processo de afastamento de Dilma Rousseff.

 

Bolsonaro tem sido contestado por todos, sobretudo governadores e especialistas em saúde, por recomendar o fim do isolamento social determinado por conta do coronavírus. Como o senhor vê essa postura do presidente? 

 

Temos que analisar alguns aspectos. Bolsonaro tem colocado coisas certas de forma inadequada. Por exemplo. Se 150 países estão adotando o confinamento, e o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, diz o mesmo, do ponto de vista médico essa é a melhor solução. O que deve estar preocupando o presidente é que, enquanto houver o confinamento, vamos ter que gastar muito mais dinheiro e ter muito menos receita.

 

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Atacar governadores e jornalistas neste momento é um equivoco do presidente. O ministro Mandetta está tomando a medida certa, que é o isolamento social

 

O que isso causará? 

 

Equivale a dizer que vamos entrar em um processo dramático. Tínhamos um déficit programado no início do ano de R$ 129 bilhões e agora vamos passar muito além disso. Já eliminamos o teto de gastos para ultrapassar esse valor e não vamos ter receitas durante esse período. Há previsão de uma receita no Orçamento que não vai acontecer, porque as empresas estão paradas. Agora, indiscutivelmente, estamos em uma dupla batalha: como recuperar a economia e como salvar vidas. Estamos em uma guerra. Quando há o avanço das tropas inimigas, e uma cidade pode ser destruída, todos defendem a cidade primeiro, pensando em salvar vidas. Depois é que se vê como reconstruir a cidade. A Europa foi destruída na Segunda Guerra Mundial e se não fosse o Plano Marshall não haveria a recuperação rápida que houve. Tenho a impressão de que a preocupação dele é com a economia, mas a posição do governo sobre o assunto tem sido manifestada claramente pelo ministro Mandetta e pelo próprio vice-presidente Hamilton Mourão: o confinamento social é o que precisa acontecer agora.

 

O problema é que Bolsonaro, na contramão dos demais líderes mundiais, está minimizando a pandemia do coronavírus, não? 

 

Eu tenho conversado por telefone com muita gente que me liga aqui no hospital e o ideal seria um entendimento do presidente com os governadores. O presidente tem uma equipe boa, mas o ideal é que, em primeiro lugar, ele parasse de atacar a imprensa, por que isso não leva a nada. É bobagem ele brigar com a imprensa, campo onde leva uma desvantagem monumental. Cada frase mal colocada, vira manchete de jornal no dia seguinte. Então, eu recomendo a ele: em primeiro lugar, falar menos. Em segundo lugar, dizer aos seus ministros, como o Mandetta (Saúde) e Paulo Guedes (Economia), que eles falam em seu nome. São ministros nomeados por ele e estão indo muito bem. Incluo aí o vice-presidente Mourão, que é um homem extremamente culto e que eu conheço bem, como general do Exército, como presidente do Clube Militar e até como coronel.

 

Como o senhor o conheceu? 

 

Quando ele fez o curso da escola de formação do Exército, para ser promovido a general, eu dei aulas para ele lá. É um sujeito extremamente preparado e que está agindo com muita racionalidade. Temos que lembrar que o general Mourão foi convidado por ele para ser seu vice. Tenho a impressão de que o presidente está fazendo coisas certas, mas externando-as de forma errada e inadequadamente. Os dois problemas são seríssimos, mas a questão maior agora é salvar vidas. Embora tenhamos que reconhecer que quanto mais atrasarmos a retomada econômica, mais problemas teremos no futuro, como o desemprego, etc. Concluindo: se ele falasse menos e desse mais autoridade aos ministros, ele solucionaria a crise política e os ministros conversariam melhor com os governadores, facilitando a união nacional contra o cornavírus.

 

Quando ele diz que os governadores são lunáticos e a imprensa é histérica, o senhor entende que o presidente esteja sendo irresponsável? 

 

Acho que ele está sendo inadequado. É o estilo dele, mas usa uma estridência desnecessária nesse momento. Repito: se ele falasse menos, estaríamos melhores. Mas cada vez que ele ataca a imprensa e os governadores, em vez de conquistar aliados, ele cria inimigos. Por isso, tenho ligado para pessoas próximas a ele para recomendar que deixe os ministros falarem. Ele tem parar de criar inimigos desnecessários.

 

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Não acredito que agora seja a hora adequada para falarmos em afastamento do presidente. O Brasil não aguentaria outro processo de impeachment. O momento é de união nacional

 

Ao afirmar que a Covid-19 é uma gripezinha ou um resfriadinho, o presidente faz chacota com a grave crise de saúde? 

 

Do ponto de visto clínico, ele até está correto. Houve mais mortes no Brasil por gripe do que pelo coronavírus. A H1N1 matou mais gente proporcionalmente do que a Covid-19. Não é só porque a letalidade é menor. A diferença é que esse é um vírus universal. Temos uma guerra mundial. 

 

Mas o presidente está contrariando a ciência, que manda todo mundo se isolar em casa, não?

 

Ele pode estar pregando isso sim, mas o Luiz Henrique Mandetta, seu ministro da Saúde, nomeado por ele, e que continua ministro, está pedindo o confinamento social. O vice-presidente também está defendendo o isolamento social.

 

Isso significa dizer que Mandetta e Mourão têm mais credibilidade do que o presidente?

 

É exatamente por isso que eu tenho a impressão de que Bolsonaro está perdendo a credibilidade. O que ele está fazendo, eu chamo de estridência desnecessária. O general Mourão uma vez disse uma coisa importante: não devemos entrar em batalha que não podemos ganhar. É bobagem o que ele está fazendo. Atacar governadores e jornalistas nesse momento é um equivoco. O Ministério da Saúde e o Ministério da Economia estão tomando as medidas certas. O presidente, então, poderia fazer mais, se delegasse poderes ao ministro Mandetta, que está se baseando em questões técnicas para agir. A questão é que as prioridades do presidente não são as mesmas das do ministro da Saúde.

 

Como assim, Bolsonaro está pensando mais na reeleição do que em salvar vidas?

 

Não tenho essa certeza. Ele foi deputado federal por sete mandatos, quando a postura era ser atacado e ele reagir. Mas, como presidente da República, tem que ser diferente. Não tem que reagir, a priori, aos ataques. E ele continua reagindo aos ataques desnecessariamente. Outra coisa importante: ele não tem valorizado o ministro que ele colocou lá. Embora esteja mantendo o Mandetta no cargo, ele o faz porque sabe que há um elo fundamental do ministro no combate ao coronavírus com as medidas tomadas de acordo com as orientações da OMS.

 

Já há políticos, economistas, juristas e até ministros do STF dizendo que o presidente está perdendo as condições de governabilidade. O senhor acha que há clima para o impeachment?


O impeachment é apenas uma hipótese, mas não acredito que seja o momento adequado. Não vejo essa possibilidade por enquanto. O Brasil não aguentaria outro processo de impeachment. O momento é de união nacional. Quando o Collor sofreu o impeachment, eu lancei, e o Paulo Brossard relançou, um livro sobre o impeachment. Depois, o primeiro parecer do impeachment da presidente Dilma foi meu. Nos comentários sobre os “Direitos da Constituição” que eu e o Celso Bastos fizemos, em 15 volumes, o capitulo sobre o Poder Executivo foi meu. O impeachment tem que ter apoio jurídico, o que não é difícil de se encontrar em qualquer circunstância. Mas, para que ele vá em frente, depende fundamentalmente de apoio político. É um processo menos jurídico e mais político. Tentaram derrubar o Michel Temer e ele tinha apoio político. Foi um fracasso. A Dilma não tinha apoio político e caiu. O presidente Bolsonaro ainda tem apoio político.

 

A própria população começa a pedir isso, com frequentes panelaços. O senhor acha que esse movimento pode levar ao afastamento do presidente?

 

Quem poderá responder a essa questão é o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Ele é que pode avaliar se há ou não ambiente para um pedido de impeachment. Eu tenho a impressão de que esse é um assunto prematuro. Quanto aos panelaços, eles aconteceram com a Dilma. Começaram em março e um ano depois ela sofreu o impeachment. Mas o que eu vejo hoje é que a equipe do presidente está funcionando, o ministro da Saúde está funcionando. Por isso, acredito que o presidente tenha capacidade de recuperação. Eu gostaria que não houvesse impeachment e que ele falasse menos e delegasse mais. Ele tem que entender que o inimigo dele agora é o coronavírus.

 

Se houvesse impeachment, o vice-presidente Hamilton Mourão teria condições de governar melhor o País?

 

Não conheço Bolsonaro pessoalmente, mas o Mourão conheço bem. É um homem excepcionalmente preparado. General de quatro estrelas, comandou no Amazonas, serviu nos Estados Unidos, na Bélgica, na Costa do Marfim, fala cinco idiomas. É um homem com grande visão universal dos problemas políticos. Eu o conheci na época em que ele era coronel. Fez escola para general onde sou professor há 31 anos. É profundamente democrata. Poucos sabem disso. Ele é patriota, dedicado à Nação, mas acredito que se o presidente conseguir controlar essas estridências, ele poderá levar seu governo até o final. Conheço o Exército muito bem. Os generais são todos democratas e não fariam nada fora da lei. Não acredito em movimento a favor de Mourão nas casernas. A única possibilidade do impeachment seria partindo dos políticos e não vejo condições para isso.

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, está tomando medidas adequadas que permitirão enfrentarem a pandemia?

 

Está indo bem. Vi o depoimento de diversos economistas no jornal “O Estado de S. Paulo”, mas nenhum deles apresenta soluções. A retomada da crise vai ser muito difícil. As empresas não vão ter capitais e o governo vai ter que amparar as pessoas socialmente mais desprotegidas. Como ter investimentos se não haverá dinheiro? Aí surgem alguns parlamentares que falam em imposto sobre grandes fortunas. Mas como pagar esse imposto se as empresas vão ter que sustentar os empregados mesmo sem trabalhar e gerar produção? Como elas vão pagar os empréstimos que terão que fazer agora? O governo vai ter que encontrar caminhos para sair desse impasse. O Paulo Guedes está tomando medidas competentes, mas não vai ser fácil. Ou o governo vai tirar dinheiro da sociedade ou terá que emitir dinheiro, com consequências na inflação. Estamos diante de um problema tão grave que leva o presidente a priorizar em seus discursos a recuperação econômica, quando, na verdade, ele deveria pelo menos esperar passar o pico da crise para fazer isso.

 

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Conheço muito bem o general Mourão. É um homem excepcionalmente preparado, fala cinco idiomas, tem uma visão universal dos problemas brasileiros e é profundamente democrata

 

Recentemente, o presidente estimulou seus aliados a pedirem o fechamento do Congresso e do STF. O senhor acha que foi uma atitude irresponsável e que poderia provocar uma ruptura institucional?


Mas ele mesmo desautorizou depois a manifestação. O artigo 2º da Constituição prevê a harmonia e a independência dos Poderes. Nenhum Poder pode interferir no outro. Tanto assim que o presidente Bolsonaro vinha mantendo um bom relacionamento com o ministro Dias Toffoli (STF). Eu tenho a impressão de que essa linha de fechar o Congresso e o Supremo é uma mentalidade antidemocrática. É fundamental que os Três Poderes sejam harmônicos e independentes. Uma interferência de um sobre o outro provoca trepidação na democracia.

 

Essas declarações de Bolsonaro contra o Congresso podem atrasar ainda mais as reformas necessárias para a retomada da economia, sobretudo após o coronavírus?


Temos que partir do seguinte. Todas as reformas, como a tributária e a administrativa, serão paralisadas. Quando derrotarmos o coronavírus, todos os projetos serão no sentido da recuperação econômica. As reformas como a tributária e administrativa são para serem analisadas em tempos de paz e nós vamos estar em um tempo de pós-guerra. Como vamos financiar, como vamos ter crédito? Vamos ou não vamos emitir dinheiro? Vamos controlar a inflação ou vamos taxar a sociedade para não emitir dinheiro? Como vamos pedir apoio internacional, em um momento em que todas as nações também estarão destroçadas? Tudo isso teremos que analisar depois do pós-guerra, pois o problema social do País vai se agravar muito.

 

Dentro do que o senhor chama de estridência do presidente, sabemos que ele é muito influenciado pelo radicalismo dos filhos, como Carlos Bolsonaro, que dirige o gabinete do ódio. O senhor acha que os filhos atrapalham o presidente?

 

Eu não conheço os filhos do presidente. E com Bolsonaro só falei uma vez por telefone. Agora, indiscutivelmente ele tem ministros de altíssimo nível. Os ministros da Infraestrutura (Tarcísio de Freitas), ministra da Agricultura (Tereza Cristina), ministro da Economia (Paulo Guedes), ministro da Justiça (Sergio Moro), ministro da Saúde (Luiz Henrique Mandetta). O general Ramos é outro excepcional quadro, assim como o general Mourão. Todos estão ao lado dele, nomeados por ele. Bolsonaro deveria dar mais ouvidos a esses ministros do que aos filhos, que nem oficialmente estão no governo.

 

Diante da crise política e da pandemia, o senhor acha que as eleições de outubro devam ser adiadas?

 

Acho que elas já estão adiadas. Tóquio também disse que não adiaria as Olimpíadas de julho e adiou. O pico da crise do coronavírus começará a cair no final de agosto ou começo de setembro. Como é que poderemos ter eleições em outubro? Apesar dos ministros do TSE dizerem que ainda é prematuro falar em adiamento, não há a menor condição de termos eleições. Como vamos realizar convenções e comícios? Para mim, devemos prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos para 2022 e realizarmos eleições gerais para todos os cargos de uma vez só. As nossas urnas eleitorais são rápidas e haverá, inclusive, menos gastos com campanhas eleitorais.

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