Após derrotas, direita sul-americana aposta em Bolsonaro para recuperar fôlego
Resultado do primeiro turno brasileiro foi tubo de oxigênio para direita e extrema direita regionais depois de triunfos consecutivos da esquerda
Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires
O Globo, 10/10/2022 04h30
Depois das derrotas sofridas nas eleições presidenciais no Chile e no Peru, em 2021, e na Colômbia, este ano, o resultado do primeiro turno da eleição brasileira foi um tubo de oxigênio para a direita latino-americana. Em Santiago, Bogotá, Buenos Aires, Lima, Quito e Assunção, o desempenho do presidente Jair Bolsonaro e do bolsonarismo devolveu fôlego à direita e à extrema direita da região.
Esses setores apostam na reeleição do brasileiro como uma tábua de salvação que evite, nas palavras de uma fonte que participou de vários governos na Colômbia até a chegada ao poder em agosto de Gustavo Petro, primeiro presidente de esquerda da História do país, “muitos anos de domínio da esquerda em nosso continente”.
Na véspera do primeiro turno no Brasil, a campanha de Bolsonaro divulgou nas redes sociais um vídeo com mensagens de apoio à reeleição gravadas por líderes e dirigentes de direita latino-americanos, entre eles o ex-candidato à Presidência do Chile José Antonio Kast, derrotado no segundo turno pelo presidente Gabriel Boric, e o deputado argentino Javier Milei. Também participaram a senadora colombiana Maria Fernanda Cabal e Juan Guaidó, reconhecido pelo Brasil como presidente legítimo da Venezuela.
No caso de Guaidó, o recado foi mais cauteloso e focou no agradecimento ao acolhimento de refugiados venezuelanos pelo Brasil. Seus assessores quiseram evitar o pedido explícito de voto por Bolsonaro, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez por Nicolás Maduro nas eleições venezuelanas de 2013.
Num contexto de pouca relevância da América Latina para o governo do americano Joe Biden, avaliam fontes da direita colombiana, o Brasil se torna um aliado ainda mais importante. Se Bolsonaro for reeleito, diz a fonte, toda a direita latino-americana recuperaria impulso eleitoral. Em 2023, será a vez dos argentinos.
— O fato de que Jair Bolsonaro, depois de todas as pesquisas terem dito que perdia a eleição por mais de 15 pontos, ter conseguido mais votos do que em 2018 demonstra que o morto de que falavam não estava morto. É uma esperança para todos os movimentos que defendem a liberdade — afirma Álvaro Zicarelli, assessor internacional de Milei.
Para ele, “um bom resultado no Brasil ajudará a frear expressões do populismo e da extrema esquerda na região”.
— Está sendo derrubada a mentira de que nossas propostas não têm apoio em setores populares — diz Zicarelli.
Venezuela de lado
Depois do primeiro turno, Bolsonaro reforçou o discurso de que um eventual terceiro governo Lula transformaria o Brasil numa Argentina, num Chile ou numa Colômbia, hoje os alvos preferidos do chefe de Estado — que deixou um pouco de lado a Venezuela.
Para a direita latino-americana, tão importante quanto a votação de Bolsonaro no primeiro turno é o crescimento do bolsonarismo no Congresso. “Um grande resultado para @jairbolsonaro no Brasil. Derrotando todas as pesquisas e meios de comunicação, conseguiu uma grande votação e resultados no Congresso, se posicionando com força para o segundo turno. A corrupção não pode vencer!”, escreveu Kast no Twitter.
Os resultados no Brasil tiveram grande destaque na imprensa chilena, conta Fernando Schmidt, ex-embaixador do país em Brasília que deixou o posto em março deste ano, após a posse de Boric.
— Participei de alguns programas de TV e minha avaliação é de que o bolsonarismo é um fenômeno social, e não apenas eleitoral — afirma.
Ele explica que “para a direita moderada chilena, que é a grande maioria, Lula não é bem visto. No caso de Bolsonaro, é importante que sejam mantidas atitudes republicanas”. A euforia, frisa, ficou concentrada na figura de Kast.
Na Argentina, a direita mais moderada também evitou tomar partido após o primeiro turno. A aliança Juntos pela Mudança, do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), divulgou uma nota na qual parabeniza os brasileiros por “uma nova demonstração de fortaleza de sua democracia”. O texto foi considerado “morno” por Milei, já em campanha para as presidenciais de 2023. No Twitter, o deputado compartilhou um post da conta The Right Times que destaca “um grande primeiro turno para Bolsonaro, destruindo e deixando no ridículo todos os canais de TV, institutos de pesquisa de ultraesquerda que davam Lula como vencedor por mais de 20 pontos”.
— Bolsonaro mostrou que não é apenas ele, que existem outras figuras com capacidade de conseguir votos e que ele expressa um conglomerado de votos que antes iam para outras direitas. Se o presidente brasileiro vencer o segundo turno, seu segundo governo seria mais forte e poderia projetar-se na região — aponta o historiador e jornalista argentino Pablo Stefanoni, autor do livro “A rebeldia passou a ser de direita?”.
Balanço regional
Em conversas informais e trocas de mensagens, dirigentes da direita sul-americana têm celebrado o fato de a direita não estar morta na região, como muitos pensavam. Segundo contou uma fonte que participou de várias das conversas, eles dizem que apoiar Bolsonaro é uma causa necessária para o futuro de todos.
A eleição de Lula é vista como um grande perigo, por seus antigos vínculos com o chavismo na Venezuela e com Daniel Ortega, presidente da Nicarágua. Na última quinta-feira, na Organização dos Estados Americanos (OEA), uma iniciativa de 11 países que defendia a revogação das credenciais do representante de Guaidó não teve votos suficientes para entrar na agenda. O Brasil e oito países se abstiveram e quatro votaram contra (EUA, Canadá, Guatemala e Paraguai). Num governo Lula, o governo brasileiro provavelmente apoiaria a iniciativa.
Outro país que está de olho no Brasil é o Peru, onde o direitista Rafael López Aliaga acaba de ser eleito prefeito de Lima. O segundo colocado foi o ex-militar Daniel Urresti, indiciado pela morte de um jornalista. O resultado na capital confirmou o desgaste do presidente Pedro Castillo, eleito em 2021. López Aliaga, que obteve 11,75% dos votos nas eleições presidenciais de 2021, é conhecido como o Bolsonaro peruano, mas publicamente se distancia do brasileiro.
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