Processos decisórios na história do Brasil: nacionais e diplomáticos
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Questões relativas a processos decisórios nacionais e setoriais (diplomáticos). Para debate com alunos e pesquisadores de temas de política externa e de diplomacia brasileira.
Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/101378191/4384_Processos_decisorios_na_historia_do_Brasil_nacionais_e_diplomaticos_2023_)
Introdução: processos decisórios, por questões, atores e situações
Não existem decisões tomadas em abstrato. Elas só existem em face de um desafio concreto, apresentadas a pessoas, a empresas, a partidos, a governos, a países. Elas podem se apresentar como resultado de iniciativas próprias, e a reação que se espera a elas, ou em confronto com fatos, eventos, processos objetivos que partem de fora, e exigem uma resposta precisa do tomador de decisão, seja um indivíduo, seja um governo, seja um país.
A literatura sobre decision-making process, o processo de tomada de decisão, é enorme, e cito apenas um exemplo, um clássico dos estudos nesse terreno: o livro de Graham Allison, The Essence of Decision, sobre o momento crucial da Guerra Fria geopolítica, em 1962, quando o mundo esteve à beira de uma conflagração nuclear em outubro de 1962, na reação dos Estados Unidos contra a instalação de mísseis soviéticos em Cuba. Esse autor, da universidade de Harvard, tornou-se novamente célebre mais recentemente ao propagar a possibilidade de uma nova conflagração entre os EUA e a China, baseando-se no precedente histórico da guerra do Peloponeso, por Tucídides, no que ele chamou de “armadilha de Tucídides”, o choque entre uma potência estabelecida e uma ascendente.
Meu capítulo sobre os processos decisórios na diplomacia brasileira, constante do livro Apogeu e Demolição da Política Externa (Appris, 2021) apresenta observações preliminares que fiz sobre a construção formal desse processo ao longo dos séculos XIX e XX no itinerário do Itamaraty e, nas duas últimas partes, minhas críticas a respeito do abandono das características altamente institucionalizadas desse processo por ocasião das diplomacias sob o lulopetismo e sob o bolsonarismo, ambas altamente personalizadas, no pior sentido da palavra possível, mas com alguma preservação de procedimentos no caso do primeiro e procedimentos absolutamente caóticos no segundo. Atualmente, voltamos a ficar com a personalização da política externa sob Lula 3, mas com plena participação do corpo profissional do Itamaraty nesse processo.
Proponho um exercício de reflexão e de retomada de análise sobre alguns dos momentos decisivos da História do Brasil, identificando episódios, atores envolvidos e os problemas da conjuntura, ou seja, o contexto da tomada de decisão. Sem elaborar a respeito, indico apenas alguns exemplos que podem permitir um aprofundamento da questão, cabendo agora aprofundar cada um dos episódios mencionados, seus atores principais e questões atinentes a cada um desses exemplos, mas divido a relação dos “grandes episódios” em duas listas, uma de questões de Estado e da nação, outra especificamente diplomática.
Grandes questões nacionais e seus respectivos processos decisórios
(A) Exemplos de decisões no caso do Brasil, em nível de governo e de nação | ||
Episódios | Decisores | Problemas |
Independência do Brasil | Príncipe regente, círculo | Reconhecimento, validade |
Abolir o tráfico, 1822-23 | Bonifácio; elites dirigentes | Negócio rendoso p/ muitos |
Abolir a escravidão | Governos do Império | Necessidade de mão de obra |
Guerras no Prata | Governo; pressão: criadores | Equilíbrio na região |
Rompimento Grã-Bretanha | Governo e imperador | Orgulho nacional: Christie |
Contratação de empréstimos | Necessidades do governo | Dívida externa, investimento |
Abolição da Escravidão | Gabinete do Império, Isabel | Indenização proprietários |
Golpe da República | Não foi decisão planejada | Sucessão de crises militares |
Ingresso na Grande Guerra | Governo; mobilização: Rui | Despreparo para a guerra |
Revolução de 1930 | Gaúchos, aliados, O. Aranha | Movimento Armado |
Deposição Washington Luís | Exército e Marinha | Evitar a guerra civil |
Revolta de S. Paulo, 1932 | Elites paulistas | Quem manda no estado? |
Intentona Comunista, 1935 | Komintern, PCB | Equívocos em série |
Golpe do Estado Novo 1937 | Complô varguista | Ascensão dos fascismos |
Entrada na Segunda Guerra | O. Aranha, pressão popular | Escolha de aliados externos |
Derrubada de Vargas 1945 | Cúpula Exército, políticos | Novo contexto internacional |
Deposição, suicídio Vargas | Crise do sistema político | Disfunções internas |
Renúncia Jânio; crise 1961 | Embate varguistas-oposição | República Sindical |
Golpe de Estado de 1964 | Políticos, FFAA, Igreja | Inflação, greves, Guerra Fria |
Atos institucionais, AI-5 | FFAA, oposição armada | Guerrilha, ameaça ao regime |
Transição negociada 1985 | FFAA, oposição moderada | Transição democrática geral |
Assembleia Congressual | Monopólio forças políticas | Grande geleia política geral |
Reforma da reeleição, 1997 | Vaidade pessoal de FHC | Oportunismo dos políticos |
Eleição: República Sindical | Mudança estratégia do PT | Crises diversas, humores |
Impeachment Dilma, 2016 | Partidos, classe média | Recessão, crise política |
Ascensão extrema-direita | Setores militares, políticos | Descrédito sistema politico |
Retorno do petismo ao poder | Fracasso da 3ª via; Lula | Ruptura institucional |
Questões decisórias especificamente diplomáticas
(B) Exemplos de decisões na política externa, em nível de diplomacia | ||
Episódios | Decisores | Problemas |
Abolição do tráfico, 1850 | Dirigentes: Paulino, Mattoso | Conflito com Grã-Bretanha |
Rompimento Grã-Bretanha | Governo e imperador | Orgulho nacional: Christie |
Resolução da questão Acre | Rio Branco, exclusivamente | Limites com Peru, etc. |
Rearmamento naval | Rio Branco, Marinha | Conflito com a Argentina |
Enfrentamento Conf. Haia | Rio Branco, Rui Barbosa | Igualdade soberana nações |
Pacto ABC, tripartite | Rio Branco, Lauro Müller | Absorção de conflitos |
Saída da Liga das Nações | Arthur Bernardes, Afrânio | Despreparo diplomático |
Defesa do Gatt, 1947-48 | Cúpula do Itamaraty | Inserção comércio mundial |
Proposta Plano Marshall AL | Itamaraty, altos mandarins | Conferência OEA, 1948 |
Defesa da Cepal contra EUA | Desenvolvimentistas, MRE | Afirmação multilateralismo |
Operação Pan-Americana | JK, Schmidt, Itamaraty | Primeira proposta brasileira |
Integração AL – Alalc 1960 | Diplomatas, aduaneiros | Resposta a Tratados Roma |
Pol. Externa Independente | Jânio Quadro-Afonso Arinos | Diplomacia autônoma |
Oposição EUA, Cuba-OEA | San Tiago Dantas, MRE | Direito Internacional, 1962 |
Rompimento com Cuba-64 | Militares, diplomatas | Questão mais simbólica |
Aliança no G-77, Unctad | Diplomatas, nacionalistas | Desenvolvimentismo, PEI |
Nova Ordem Eco, Norte-Sul | Diplomatas progressistas | Coordenação 3º. Mundo |
Oposição: novos temas Gatt | Diplomatas, fazendários | Serviços, propr. Intelectual |
Negociação coletiva Dívida | Diplomatas, políticos | Estrangulamento cambial |
Solução pacífica A. Central | Sarney, diplomatas | Grupo de Contadora |
Integração Brasil-Argentina | Sarney, diplomatas | Preliminares bilaterais |
Ata Buenos Aires, Assunção | Collor, Menem, diplomatas | Mercado Comum a quatro |
Protocolo Ouro Preto, 1994 | Cúpula MRE, empresários | Não à supranacionalidade |
Negociações com FMI | Fazenda (Malan, equipe BC) | Estrangulamento cambial |
Lula 1: Alinhamento a Cuba | Lula, PT, exclusivamente | Diplomatas cooptados |
Envolvimento no Haiti | EUA-França, PT e MRE | Minustah: ingresso CSNU |
Casa à Unasul: união Sul-A. | Lula, petismo, diplomatas | Assunção liderança Am. Sul |
Ibas, Bric-Brics, Sul Global | Lula, petismo, diplomatas | Megalomania diplomática |
Retorno à normalidade MRE | Temer, chanceleres PSDB | Retorno a padrões Itamaraty |
Ruptura do bolsolavismo | Pequeno círculo lunáticos | Deformação da diplomacia |
Lula 3: diplomacia global | Lula 3, petistas, diplomatas | Mundo mudou; decepções |
Uma nova ordem mundial? | Lula 3, petistas, diplomatas | Fragmentação sistema ONU |
Futuro diplomático incerto | Lula 3, diplomatas? | Desafios Nova Guerra Fria |
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4384: 7 maio 2023, 4 p.
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