O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

domingo, 10 de março de 2024

Percepção de inconsistência da política externa brasileira é anterior a governo Lula - Daniel Buarque (Portal Interesse Nacional)

Percepção de inconsistência da política externa brasileira é anterior a governo Lula
Daniel Buarque
Portal da revista Interesse Nacional

07 de março de 2024 

Artigo publicado pela Economist apontou avanços na 'volta' do país ao contexto global, mas indicou que inconsistências do presidente ameaçam o prestígio brasileiro. Estudo sobre status internacional do Brasil mostra que essa visão de um país sem uma estratégia global clara é antiga e se aplica historicamente à busca por reconhecimento internacional

Por Daniel Buarque*

Em um balanço do primeiro ano da política externa do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a revista The Economist listou uma série de avanços no trabalho do governo para projetar a ideia de "volta" do Brasil ao cenário internacional, especialmente com a Presidência do G20. Ao mesmo tempo, o artigo Lula's gaffes are dulling Brazil's G20 shine, publicado na última semana, também adotou um tom crítico, apontou que há sérias inconsistências na postura internacional do país e indicou a percepção global de que o Brasil "não decidiu que tipo de país vai ser"

Segundo a revista, inconsistências como as críticas a Israel e a aproximação com a Rússia ameaçam enfraquecer o efeito global da política externa de Lula. "Lula quer que o Brasil seja tudo para todas as pessoas: um amigo do Ocidente e um líder do Sul global, um defensor do meio ambiente e uma potência petrolífera global, um promotor da paz e um aliado dos autocratas. O Brasil pode muito bem estar de volta, mas o papel que desempenha no cenário mundial é mais obscuro do que deveria ser", destacou.

'Avaliação da revista reflete de forma muito mais ampla a percepção das grandes potências a respeito do status internacional do Brasil'

A avaliação da revista editada em Londres ressoou internamente no Brasil, e foi muito usada em declarações críticas ao atual governo. Mas ela reflete de forma muito mais ampla, e sob uma perspectiva histórica, a percepção das grandes potências a respeito do status internacional do Brasil como um todo - não apenas sob Lula.

Apesar de as nações mais poderosas conhecerem a ambição brasileira de ter um lugar de destaque nas relações internacionais, elas acham que o país foi incapaz de desenvolver uma estratégia clara para tentar alcançar o nível de prestígio que quer alcançar. Isso está muito associado também à ideia de que o Brasil não sabe bem que papel quer ter no mundo, e que fica sempre em cima do muro em grandes disputas internacionais.

Estes são alguns dos resultados da minha pesquisa de doutorado sobre o status do Brasil, desenvolvida a partir de 94 entrevistas com a comunidade de política externa dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Reino Unido, França, China e Rússia). O trabalho completo acaba de ser publicado no livro Brazil's International Status and Recognition as an Emerging Power (Palgrave Macmillan). A percepção externa é que o Brasil sempre quer ser amigo de todos, sempre evita tomar lados e assumir posturas arriscadas e sempre evita se alinhar com blocos específicos em disputas globais. Ao mesmo tempo, o país quer ser reconhecido como "um dos grandes", mesmo que não tenha uma estratégia clara para buscar isso. A ideia de que o Brasil "não sabe o tipo de país que quer ser" é evidente nessa percepção externa que traça o status dele desde 1989, bem antes das recentes movimentações de Lula.

'Embora o Brasil tenha um longo histórico de ambição por reconhecimento internacional, seu comportamento internacional é percebido como errático'

Um argumento muito comum entre os entrevistados é que embora o Brasil tenha um longo histórico de ambição por reconhecimento internacional, seu comportamento internacional é percebido como errático, não baseado nas reais capacidades do Estado e formado apenas por retórica.

Da perspectiva das grandes potências, todas as diferentes tentativas de projetar o Brasil e aumentar seu status revelam uma falta de capacidade de focar na criação de um plano claro para o Estado e seu lugar no mundo. O Brasil, afirmam eles, parece estar atirando em todas as direções possíveis e, portanto, acaba sem um caminho claro e possível para melhorar sua posição.

'O Brasil não parece ter uma agenda consistente para alcançar o status que deseja e acaba sem um papel claro nas relações internacionais'

Ainda que o Itamaraty e muitos pesquisadores brasileiros possam argumentar que existem bases sólidas bem consolidadas para uma estratégia nacional de projeção global, isso claramente não é percebido por observadores externos há bastante tempo. Para a maioria dos entrevistados, o Brasil não parece ter uma agenda consistente para alcançar o status que deseja e acaba sem um papel claro nas relações internacionais. "Não sei dizer exatamente o que o Brasil quer", disse um pesquisador francês.

Um problema dessa percepção de falta de uma agenda consistente para aumentar o status do Brasil é que observadores externos veem que há muito tempo o país tenta se inserir internacionalmente de forma caótica e desorganizada. Em vez do que é visto como uma tentativa de ter relevância em todas as partes das relações internacionais, a análise das entrevistas com os entrevistados do mostra que eles acreditam que o Brasil deveria "escolher suas lutas" e "aproveitar seus pontos fortes" para promover seus interesses.

O governo Lula até fez um pouco isso ao anunciar a prioridade que daria à questão ambiental, reconhecidamente uma força do país. O artigo da Economist até menciona isso como um avanço da política externa brasileira. Ainda assim, sob a perspectiva externa faz sentido apontar que parece continuar faltando um foco e uma estratégia clara para o país.

*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador no pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP), doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King's College London (KCL) e do IRI/USP. Jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de livros como Brazil's international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial) e O Brazil é um país sério? (Pioneira).

artigos de Daniel Buarque

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


Nenhum comentário: