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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O Estado da Nação no Limiar de um Novo Governo (1994) - Paulo Roberto de Almeida

 O Estado da Nação no Limiar de um Novo Governo

 

Paulo Roberto de Almeida

Publicado, sob o título de “No Limiar do Novo Governo”, em O Estado de São Paulo (19/12/1994, p. 2). Relação de Publicados n. 171.

 

No triplo aspecto de sua situação econômica, de sua estrutura política e de suas condições sociais, o Brasil aparece, no cenário internacional, como um país complexo e contraditório, de acordo aliás com a própria leitura interna que dele se faz. Do ponto de vista econômico ele é considerado, com razão, como plenamente industrializado e dotado de um grande potencial de crescimento econômico, mas que permanece ainda largamente subutilizado em vista de uma persistente recusa a um modelo de desenvolvimento de tipo interdependente. Alguns consideram que se trata, melhor, de um incompreensível fechamento numa era de globalização econômica, outros de uma saudável rejeição à perda de soberania que decorreria de uma “internacionalização” precoce de sua economia.

Do ponto de vista político, ele é visto, externamente, como decididamente pacífico no contexto das relações internacionais e como razoavelmente democrático no plano institucional interno, ainda que apresentando um sistema político-partidário suscetível de aperfeiçoamentos e adaptações aos novos requisitos e exigências da ordem democrática (integração de novos atores sociais, ética e transparência na vida pública). Na área internacional, o Brasil quer ser visto como um fator de paz e estabilidade, suscetível portanto de ser integrado à estrutura  macro política de decisão (Conselho de Segurança).

Do ponto de vista social, contudo, à parte uma extraordinária capacidade de criação cultural, sobretudo no campo musical, o Brasil é visto também, como injustificadamente injusto em termos de distribuição de riqueza e socialmente perverso no terrenos dos direitos humanos e sociais, em proporção maior talvez ao que seria razoavelmente esperado de um processo de “acumulação para o crescimento”. Em outros termos, o Brasil acumula um grau de miséria incompreensivelmente alto e a todos os títulos não necessário para os objetivos de acumulação e crescimento capitalistas.

O que é, afinal, o Brasil? Um país desenvolvido pobre, um gigante com pés de barro, uma potência cultural emergente? Tudo isso ao mesmo tempo e algo mais ainda? Essas diferentes percepções têm muito a ver com o que a Nação considera como suas prioridades fundamentais em termos de crescimento e de desenvolvimento social. Sempre houve, a partir dos anos 30, um compromisso básico com um projeto nacional de desenvolvimento e de progresso social, mas, a despeito de um culto irrestrito e disseminado à noção de industrialização (considerada como o sustentáculo central desse projeto), todos os demais instrumentos de conquista daqueles objetivos foram perseguidos de maneira bem menos engajada, para não dizer de forma insuficiente: educação primária e técnica, investimentos em ciência e tecnologia, reforma agrária e repartição da renda, reforma administrativa, racionalização do aparelho do Estado, inserção internacional.

Cada inauguração de um novo governo representa, de certa forma, uma espécie de contrato social que a Nação estabelece consigo mesma para, a médio prazo, repensar globalmente sua estratégia de desenvolvimento, reorientar suas escolhas táticas e decidir sobre suas prioridades de investimento. O próximo, encabeçado por um sociólogo e contando sobretudo com economistas e planejadores em sua equipe dirigente, não foge à regra, ao contrário: quando candidato, Fernando Henrique Cardoso, buscou detalhar suas ideias em um programa de governo, muitas vezes quantificando objetivos e proclamando metas precisas a serem atingidas. Seu discurso de posse, em janeiro, e sua primeira mensagem ao Congresso, em fevereiro, deverão esclarecer um pouco melhor suas prioridades de curto e médio prazo.

Caberia, no entanto, superar a discussão sobre os projetos de curto prazo em torno dos quais se concentrou a campanha eleitoral e o debate sobre seu ministério para refletir de maneira ampla sobre as escolhas da Nação, aquilo que em linguagem hoje fora de moda se designa por “objetivos nacionais permanentes”. Estes são, evidentemente, o desenvolvimento material (econômico e tecnológico) do país, o progresso social e cultural da nação, a segurança interna e externa da sociedade, a participação, enfim, nas grandes decisões que afetam a comunidade internacional.

Para atuar em todas essas frentes, a Nação brasileira dispõe, como todas as outras, de um aparelho de Estado, mas apresentando este, como parece óbvio, certas disfunções e insuficiências, algumas típicas de um país ainda em transição para a completa modernidade, outras construídas nestes últimos anos de equívocos administrativos. Deixando de lado, no momento, o funcionamento dos poderes legislativo e judiciário, alguns grandes desafios se colocam atualmente ao novo Executivo para alcançar os objetivos definidos acima de forma muito geral.

O Estado brasileiro, em sua vertente operacional, compõe-se basicamente de três grandes núcleos de atuação institucional e de implementação de políticas, nas frentes interna e externa: uma “ferramenta” militar, um estamento diplomático e uma burocracia civil. As duas primeiras são instrumentos da política externa do país, muito embora possam participar igualmente da formulação da política nacional. O estado atual e as perspectivas de atuação de cada uma dessas duas corporações – a militar e a diplomática – podem obviamente causar preocupações quanto à qualidade de seu recrutamento em face dos baixos níveis de remuneração prevalecentes, mas não em excesso.

O instrumento militar, que teve uma preeminência política no passado, encontra-se hoje relegado a segundo plano, ocupando uma fração relativamente menor da despesa nacional. De certa forma, esse rebaixamento da função propriamente militar da atividade do Estado é normal, considerando-se que o Brasil não enfrenta a qualquer risco externo podendo colocar em perigo a soberania do país, não necessita afirmar seus interesses através do vetor dissuasório ou da ameaça do uso da força, nem apresenta, para sermos claros, um problema de defesa nacional. Tendo renunciado voluntariamente à posse da arma atômica e outras de destruição de massa, o Brasil pode legitimamente colocar-se como candidato a membro permanente do Conselho de Segurança assumindo plenamente sua condição de desnuclearizado e orgulhoso de sê-lo.

Na vertente do serviço exterior, não há muito o que observar, uma vez que o estamento diplomático é reconhecidamente de grande qualidade e profissionalismo. A corporação já forneceu, aliás, muitos quadros a diversos governos. No que concerne, contudo, a máquina do Estado, enquanto tal, a situação é reconhecidamente muito grave, com uma erosão brutal de sua eficiência e capacidade de intervenção. Desde meados dos anos 80, mas com o choque brutal introduzido pela desorganização administrativa do Governo Collor, o setor público enfrenta um de seus mais profundos desafios desde sua primeira estruturação na era Vargas e seu aperfeiçoamento sob o regime militar de 64. 

Pode-se dizer que o sucesso político e administrativo do Governo Fernando Henrique Cardoso se coloca na estrita dependência de sua capacidade em fazer funcionar a pleno vapor uma máquina pública corroída pelas pressões corporatistas e fragilizada pelos baixos níveis de remuneração e de treinamento especializado. Se a continuidade do processo de estabilização macroeconômica parece assegurada, considerando-se a boa qualidade das burocracias do Banco Central e do subsistema fazendário, é de temer-se pela implementação das demais políticas setoriais (inclusive em termos de segurança pública) em vista da inoperância atual da máquina do Estado. Será que o Governo FHC se verá obrigado a passar os próximos quatro anos tentando recompor um aparato estatal destruído pela incúria administrativa de seus antecessores?

 

Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais e funcionário público federal.

[Paris, 396: 08.12.94]

 

465. “O Estado da Nação no Limiar de um Novo Governo”, Paris, 8 dezembro 1994, 4 pp. Artigo jornalístico sobre a agenda de temas do próximo Governo, nas frente interna e externa. Publicado, sob o título de “No Limiar do Novo Governo”, em O Estado de São Paulo (19.12.94, p. 2). Relação de Publicados n° 171. 

 

 

sábado, 29 de setembro de 2018

O estado da nação - Paulo Roberto de Almeida

O estado da nação

Paulo Roberto de Almeida

O Brasil aparece, no mais recente relatório anual do Fraser Institute, Economic Freedom of the World 2018 (dados de 2016), no último quartil de 162 países, os menos livres, num vergonhoso 144. lugar, menos livre economicamente do que a China comunista e supostamente estatizante (classificação 108).
Nosso retrocesso do terceiro quartil se deveu inteiramente às políticas econômicas do lulopetismo exacerbado. Um retrato mais completo, com todas as variáveis incluídas pode ser vista no relatório, cujo link eu postei em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/09/economic-freedom-of-world-2018-report.html?spref=fb&m=1
Minha diferença com a direita rústica do anti-lulopetismo econômico (à parte o fato óbvio que eu não sou de direita, e sim um liberal pragmático e racionalista), se situa no fato de que eu em nenhum momento acredito que os lulopetistas pretendam transformar o Brasil em país socialista, levar-nos ao comunismo, implantar uma ditadura de esquerda ou outras bobagens do gênero.
Os lulopetistas não pretendem, de nenhuma forma, acabar com o capitalismo no Brasil. Ao contrário: eles pretendem fortalecê-lo ao máximo, com grandes empresas internacionais brasileiras, tecnologia própria, essas coisas.  Mas eles pretendem a existência de um capitalismo especial: em estreita simbiose com o Estado, tutelado, guiado e controlado pelo Estado, que eles pretendem obviamente controlar estando em seu poder, legalmente eleitos pelo voto popular para formar governos perfeitamente aparelhados por eles. Pessoalmente, os lulopetistas pretendem enriquecer por todas as formas e vias possíveis, fazendo do partido o mecanismo básico para isso, saqueando empresas e agências estatais, extorquindo capitalistas privados, em colusão com os banqueiros, reforçando os sindicatos e as corporações de Estado, controlando “movimentos sociais” como correias de transmissão do partido, etc. Nada que já não tenhamos observado em outras experiências socialistas no decorrer do século XX, com as variantes e diferenças que se impõem no nosso contexto.
Trata-se de um stalinismo soft — por enquanto baseado em carisma construído—, combinado a maciças doses de propaganda mentirosa e de gramscismo empírico (ou seja, dispensando qualquer teoria ou mesmo estudo das tábuas sagradas da doutrina), o que é tremendamente facilitado pela indigência sub-intelectual de formadores de opinião no jornalismo e na academia (dois poderosos focos de transmissão e alimentação de true believers na causa em todos os estratos da sociedade).
A estratégia tem sido eficaz e exitosa, o que deve levar o Brasil a atravessar mais alguns anos de mediocridade econômica e de indigência cultural, até que uma crise mais séria force uma mudança de maioria política. Mas atenção: não haverá, antes de muito tempo, qualquer mudança de mentalidade, pois isso é muito mais difícil de ocorrer. 
Em resumo: sinto ter de profetizar uma longa decadência ao Brasil, tanto mais constrangedora que o lulopetismo atualmente dominante é do tipo gangsterista, o que me faz acreditar que o país continuará dominado, nos próximos anos, pela mesma organização criminosa que já esteve no poder entre 2003 e 2016.
Estou sendo muito pessimista?
Não creio...

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 29 de setembro de 2018