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segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Bicentenário da Independência: A Construção da Nação e o seu futuro - Canal YouTube do IAB, 5/09/2022, 10:00hs

Nesta manhã, 5/09/2022, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), promove mais um evento da série Bicentenário da Independência, desta vez sobre A Construção da Nação e o seu futuro

O Evento será transmitido pelo Canal YouTube/IABNacional.

Clique no link abaixo para assistir ao webinar: 

www.youtube.com/user/tviab


terça-feira, 31 de maio de 2022

Guerra do Paraguai: livro de Francisco Doratioto: nova edição; entrevista - Daniel Buarque (Portal Interesse Nacional)

 


A invasão da Ucrânia, a Guerra do Paraguai e as lições do isolamento de ditadores na tomada de decisões

Francisco Doratioto fala sobre a nova edição do seu livro Maldita Guerra e sobre o acesso a novos documentos históricos pela internet, discute os mitos por trás do conflito no Paraguai, analisa como ele ajudou a formar a diplomacia brasileira no Império e explica como o comportamento de tiranos não respeita a vida dos cidadãos

Por Daniel Buarque

Um governante tirano atuando de forma isolada, em um país sem oposição política e sem liberdade de imprensa, decide invadir um país vizinho e gera uma situação “desgraçada” para todos os envolvidos no confronto, com denúncias até de genocídio. Essa descrição simplificada sobre a Guerra do Paraguai, mais de 150 anos atrás, parece ecoar na narrativa atual sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia. Para o historiador Francisco Doratioto, a comparação faz sentido ao se pensar sobre o comportamento tradicional de ditadores, que não respeitam a vida dos seus cidadãos.  

“Entre as características de ditadores está o fato de que eles não têm o mínimo respeito pela vida dos seus subordinados. A vida do cidadão comum e o sofrimento têm pouco valor para ele.O que tem valor é o Estado, é o seu poder pessoal, e para manter o seu poder pessoal, desenvolve-se naturalmente o medo de uma conspiração. Então o processo decisório é sempre muito restrito, e os que estão em volta, por sua vez, não questionam nada. Existe uma lógica no comportamento dos ditadores que facilita o desencadear de guerras”, explicou Doratioto em entrevista à Interesse Nacional.


O historiador está lançando uma nova edição atualizada do seu livro Maldita Guerra, obra fundamental sobre a Guerra do Paraguai. Na entrevista abaixo, ele discute a complexidade do contexto histórico do conflito que ajudou a moldar a identidade do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, o que ajuda a criar mitos e simplificações. Para Doratioto, a principal lição da Guerra do Paraguai para a diplomacia brasileira foi mostrar a desgraça que é a guerra, ajudando a desenvolver a valorização da cooperação e da busca por informações. 

Leia a entrevista completa abaixo

Daniel Buarque – Parece impossível tratar da Guerra do Paraguai sem pensar sobre o contexto atual e do que acontece na Europa com a invasão da Ucrânia. A descrição do Solano López como um tirano em um país que não tinha partido político, não tinha tolerância, não tinha liberdade de imprensa, é muito próximo da forma como se fala sobre Putin e a Rússia. Assim como as controvérsias em torno de causa da guerra. Isso mostra que guerras são muito permeadas por essas mesmas narrativas. O que acha disso?

Francisco Doratioto – Eu leciono história da América Latina, e meus dois eixos de preocupação são a questão da pobreza, do desenvolvimento econômico, e a questão da democracia.  Nós estamos em um continente povoado de ditadores. À esquerda, com Fidel Castro, por exemplo, e à direita, com Médici, Pinochet e outros. Há ditadores por toda a parte, e há ditadores de esquerda e de direita, mas eles têm algo em comum. Eles não confiam em ninguém e não existe um processo decisório para tomar decisão de política externa. No caso do paraguaio Solano López, que decidiu aquela estratégia de invadir a Argentina e o Brasil partia de uma série de premissas muito vulneráveis, mas ninguém falou isso para ele. pois ele provavelmente não expôs todo o seu plano para aqueles que o cercavam, e mesmo que tenha exposto, ninguém ia falar nada, ninguém ia questionar para não ser acusado de traidor. A mesma coisa acontece com Putin, assim como com Hitler na invasão da União Soviética. Entre as características de ditadores está o fato de que eles não têm o mínimo respeito pela vida dos seus subordinados. A vida do cidadão comum e o sofrimento têm pouco valor para ele. O que tem valor é o Estado, é o seu poder pessoal, e para manter o seu poder pessoal, desenvolve-se naturalmente o medo de uma conspiração. Então o processo decisório é sempre muito restrito, e os que estão em volta, por sua vez, não questionam nada. Existe uma lógica no comportamento dos ditadores que facilita o desencadear de guerras. 

‘Existe uma lógica no comportamento dos ditadores que facilita o desencadear de guerras’

Daniel Buarque – A Guerra do Paraguai parece um desses eventos controversos sobre o qual a historiografia parece que nunca consegue parar de se atualizar e sempre está trazendo novidades.  A edição original do livro Maldita Guerra tem mais de duas décadas e já discutia essa questão. O que há de novidade nesta edição mais recente? 

Francisco Doratioto – Quando eu escrevi o livro, a internet ainda era pouco desenvolvida, quase não tinha material na rede. Havia arquivos muito importantes que estavam inacessíveis. São milhares de documentos que estavam guardados e que não podiam ser manuseados para garantir a segurança dos papéis originais. O material estava lá, fechado, e nenhum pesquisador podia ter acesso. Mais recentemente, faz uns 5 ou 6 anos, o material foi colocado online. Graças à nova tecnologia, passamos a ter acesso a milhares de documentos. Além disso, passamos a ter acesso a relatos de memórias da Argentina, do Uruguai, do Brasil. Outro material de memórias do Paraguai foi descoberto na universidade do Texas comprovando que López era realmente um ditador, que não houve processo decisório para decidir pela guerra, que se sabia que a guerra ia ser um equívoco, que ia ser ruim para o Paraguai. E a própria hemeroteca da Biblioteca Nacional, que foi colocada online, também ajudou. Quando eu pesquisei para a primeira edição do Maldita Guerra, tinha que ir ao Rio de Janeiro pedir material em papel ou microfilme. Era um trabalho braçal, difícil e custoso financeiramente porque implicava em ficar em hotel e tudo isso. E tudo isso agora também está online. Antes a gente tinha que buscar informação. Agora o problema é o excesso de informação.

‘López era realmente um ditador, não houve processo decisório para decidir pela guerra, sabia-se que a guerra ia ser um equívoco, que ia ser ruim para o Paraguai’

Depois que eu escrevi o livro, houve um grande desenvolvimento de estudos sobre a história da Guerra do Paraguai no Brasil. Houve uma coincidência de publicações de obras importantes e que, por sua vez, abriram caminhos para a produção posterior. Desde 2002, a quantidade de informações inéditas é incrível, e além disso novas análises historiográficas muito interessantes, com novas metodologias, novos objetos. Eu incorporei tudo isso na nova versão do livro. A nova edição tem 80 páginas a mais que a anterior. Ela fundamentalmente ratifica, aprofunda o que estava na primeira edição. A única alteração de  informação que fiz nessa edição foi sobre a construção da Fortaleza de Humaitá, às margens do Rio Paraguai, que era uma fortaleza muito importante para controlar a navegação. Toda a historiografia brasileira afirmava que na construção da fortaleza haviam participado engenheiros militares brasileiros. E nesta edição, eu retifico, porque um historiador paraguaio questiona isso e comprova que engenheiros brasileiros não participaram

Daniel Buarque – Considerando esse movimento todo dos últimos 20 anos, ainda pode-se falar que a história da Guerra do Paraguai é dominada por mitos e simplificações como era no passado? Estamos mais bem informados em relação à guerra?

Francisco Doratioto – Com certeza estamos mais bem informados. Mas também com certeza há mitos e vai continuar a haver mitos.

Estamos mais bem informados, pois temas como a questão da influência inglesa sobre a guerra, por exemplo, era algo que era ensinado nas escolas e universidades até o fim do século passado. Mas muitos estudos mostram que não houve essa influência, como o do professor Moniz Bandeira, que foi o pioneiro no Brasil em falar que não foi a Inglaterra que causou a guerra. Ainda assim, a visão predominante era de que tinha sido a Inglaterra. Então, quando eu comecei a escrever o livro em 2000, era muito importante essa questão. Mas hoje é raríssimo encontrar algum historiador defendendo essa posição, porque não há documentação, não há lógica histórica para responsabilizar a Inglaterra.

A questão dos mitos é relevante pois a Guerra do Paraguai faz parte da identidade nacional do Paraguai, da Argentina, do Brasil, do Uruguai, e não tem como interesses do presente não construírem imagens, interpretações sobre personagens dessa história. O Duque de Caxias, por exemplo, foi comandante do Exército do Brasil no Paraguai e é patrono do Exército brasileiro, então existe um óbvio vínculo entre a análise do personagem no século XIX com aspectos do presente. Solano López é um herói nacional no Paraguai. Ele levou o país ao desastre final, porque não soube o momento de render-se, e ainda assim é considerado um herói, é um mito. É um Francisco Solano López inventado pelo que a sociedade paraguaia gostaria que ele tivesse sido. 

‘Dada a complexidade das origens da guerra, é muito mais sedutor para quem lê e para quem escreve sem uma preocupação académica simplificar e jogar a responsabilidade em uma figura só’

É natural que existam exageros e simplificações. Dada a complexidade das origens da guerra, é muito mais sedutor para quem lê e para quem escreve sem uma preocupação académica simplificar e jogar a responsabilidade em uma figura só. Então o confronto de interpretações, da documentação, do método utilizado ajuda a reduzir os mitos e as simplificações, mas é inevitável que eles existam

Daniel Buarque – Você mencionou a questão de identidade e, apesar da Guerra do Paraguai, o Brasil construiu sua identidade internacional em cima da ideia do pacifismo, da resolução pacífica de conflitos por via diplomática. Acha que tem alguma influência da guerra do Paraguai na formação desse perfil? 

Francisco Doratioto – Não vejo essa relação. Não existia uma teoria de relações internacionais na época, mas a teoria da elite do Brasil imperial, principalmente do partido conservador que vai construir uma política externa para o Rio da Prata, era baseada na ideia de que o Brasil era a única monarquia entre repúblicas. Um dos aspectos apresentados ao público no século XIX para legitimar a monarquia era que os nossos vizinhos eram instáveis, tinham caudilhos, guerras civis, e o Brasil, a partir de 1840, não é instável politicamente, não tem guerras. Então o sistema monárquico de governo é superior, etc. A interpretação era de que o vizinho não era confiável, e o Brasil devia evitar uma união entre os vizinhos, negociar de forma bilateral e estar pronto para evitar que surgisse uma Grande Argentina que ocupasse todo aquele espaço do Vice-Reino do Rio da Prata no período colonial, ou seja, o que é hoje o Uruguai, o Paraguai, a Bolívia, a própria Argentina. Porque seria uma República muito forte ao sul, uma ameaça militar potencial. Em segundo lugar, o exemplo de uma República bem sucedida ia desarticular o discurso de que a monarquia era uma forma de governo superior. E ademais, mesmo que fosse uma república pacífica, controlaria os rios internacionais da região, que eram importantes para o Rio de Janeiro manter contato regular e de comércio com a província de Mato Grosso. 

Se fosse fazer uma referência às teorias de relações internacionais, diria que o governo, a elite imperial, era realista em termos de relações internacionais. As relações com a Grã-Bretanha foram muito duras, por exemplo, os Estados Unidos também teve momentos de forte tensão. Essa coisa do pacifismo, de resolver através de negociações, de não ingerência nos assuntos internos dos outros países, vai ser construída na gestão do Barão do Rio Branco. E há um certo exagero na afirmação que o Barão do Rio Branco era pacifista. Ele dizia que as guerras eram uma solução horrível, uma coisa desgraçada, então ele não era a favor de ação de força. Mas, se você pegar a questão do Acre, por exemplo, antes de começar a negociação, ele mandou um regimento do Exército brasileiro para o Acre, para criar um fato consumado. Ele era a favor de relações internacionais pacíficas, mas apoiou, por exemplo, o rearmamento naval. Essa imagem do Rio Branco pacifista, esquecendo esse pragmatismo é o fato de que a diplomacia brasileira posteriormente teve interesse em dar ênfase ao pacifismo, e aí deu ênfase em Rio Branco como uma figura pacifista, o que permitiu efetivamente construir uma política externa muito eficiente

Daniel Buarque – Alguma coisa desse realismo de 150 anos atrás persiste na realidade da diplomacia brasileira até hoje? Existe influência da Guerra do Paraguai na poítica externa do país?

Francisco Doratioto – Até a década de 1980, predominou o sentimento de que Buenos Aires era um rival potencial no Rio da Prata e que se deveria disputar a hegemonia com eles e se impor. O Itamaraty foi fortemente influenciado pelo realismo de contenção de Buenos Aires no Rio da Prata. Hoje essa questão não se coloca mais. De qualquer forma, nas Forças Armadas sempre existe aquela coisa de hipótese de guerra. Por mais que hoje a principal hipótese de guerra seja relacionada à proteção da Amazônia, a maior concentração de tropas do Brasil está no sul do país. Claro que isso é um pouco por inércia, mas no meio militar existe ainda muito desse realismo. Até o começo do século XXI  houve uma notável mudança de mentalidade na diplomacia brasileira em favor da redução desse realismo, em substituir efetivamente a rivalidade pela ideia de cooperação. 

‘Se alguma lição a Guerra do Paraguai deixou para a diplomacia brasileira é exatamente a desgraça que é a guerra’

Se alguma lição a Guerra do Paraguai deixou para a diplomacia brasileira é exatamente a desgraça que é a guerra. A palavra do Barão está certa. E há necessidade de cooperação e de se manter muito bem informado e ter uma presença no Rio da Prata, e em outros países, para para saber o que está acontecendo, fazer análises corretas. No Paraguai pré-guerra, o Brasil era pessimamente representado e a delegação brasileira no pré-guerra não sabia o nível de organização militar, os preparativos de Solano López para uma ação militar. Então é importante ter uma presença diplomática, e essa é uma boa lição da Guerra do Paraguai em termos diplomáticos. 

Daniel Buarque – Estamos falando muito sobre o Barão do Rio Branco, mas você escreveu um artigo sobre o pai dele, o Visconde do Rio Branco, que teve uma importância muito grande no período Imperial, mas que acaba sendo esquecido. Qual a relevância dele nesse para essa formação da diplomacia Brasileira? 

Francisco Doratioto – Até o final do século XIX, até a questão de Palmas, com a Argentina, em que o laudo arbitral do presidente dos Estados Unidos foi favorável ao Brasil, o Barão do Rio Branco, o filho, era absolutamente desconhecido. E o Visconde do Rio Branco era o grande personagem da história do Brasil Império, e um dos grandes estadistas do Brasil Império. Ele teve uma carreira inteira dentro do Estado brasileiro. Ele foi senador, ministro da Guerra, ministro das Relações Exteriores, primeiro-ministro, negociador experiente no Rio da Prata. É uma figura fascinante do Brasil Império. Com certeza o José Maria da Silva Paranhos, o pai, o Visconde do Rio Branco, é tão importante para a história do Brasil e para o Estado monárquico quanto a figura do José Maria da Silva Paranhos Filho, o Barão, é para o Estado republicano. 

Daniel Buarque – Que tipo de influência a guerra tem até hoje na relação entre o Brasil e o Paraguai? 

Francisco Doratioto – O Paraguai perdeu a guerra, e qualquer país derrotado evidentemente tem uma sensibilidade muito grande para um tema como esse. E isso precisa ser levado em consideração. Mesmo que o Brasil não tivesse, em 1864, nenhum interesse, nenhum projeto de fazer uma guerra contra o Paraguai, é uma questão sensível, e que permanece sensível, porque, afinal, o país foi derrotado, perdeu território. No geral, a sociedade paraguaia encara as relações com o Brasil com muita simpatia. Existe um pequeno núcleo do revisionismo Lopista, que construiu a imagem do Solano López herói. É um projeto político da extrema-direita paraguaia, uma instrumentalização da história para para defender interesses no presente.

sexta-feira, 18 de março de 2022

MALDITA GUERRA: Nova história da Guerra do Paraguai (nova edição, impressa e e-book) - Francisco Doratioto

 

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MALDITA GUERRA (nova edição)
Nova história da Guerra do Paraguai

Com sólida base metodológica e documental, Doratioto analisa as origens e a dinâmica militar da Guerra do Paraguai e descobre ou recupera informações surpreendentes sobre os cinco anos de luta. Este vasto trabalho é acrescido, nesta terceira edição, de novas pesquisas e estudos recentes proporcionados pelo avanço historiográfico.

Apresentação:

Escrito em linguagem clara e objetiva, este livro é fruto de mais de quinze anos de pesquisas em arquivos e bibliotecas do Brasil, do Rio da Prata e da Europa. Francisco Doratioto, graduado em história pela USP e doutor em história das relações internacionais pela Universidade de Brasília, viveu durante três anos no Paraguai, o que lhe permitiu visitar locais e conhecer a memória oral ainda existente sobre a guerra. A utilização de fontes tão diversificadas resultou em descobertas surpreendentes e na recuperação de informações publicadas no final do século XIX e começo do XX.

Doratioto explica o início do conflito através do processo histórico regional, rejeitando a interpretação de que o imperialismo inglês seria o responsável pelo desencadear da luta. O autor relata o duro cotidiano das tropas aliadas e paraguaias, mostrando toda a dinâmica da guerra e reavaliando a atuação de chefes militares como Mitre, Tamandaré e Caxias. As principais batalhas são contextualizadas de forma didática em 23 mapas, enquanto personagens e situações encontram-se representados num interessante conjunto de ilustrações e fotografias. Outro aspecto investigado é o contexto internacional do conflito: a simpatia da opinião pública pelo lado paraguaio, a neutralidade das potências europeias e a postura favorável ao Paraguai por parte dos Estados Unidos e países sul-americanos.

A Guerra do Paraguai foi um marco na história dos países envolvidos. No caso do Brasil, sorveu recursos humanos e financeiros de que a economia brasileira carecia para sua expansão. Com sólida base documental e metodológica, Maldita guerra desfaz mitos antigos e recentes sobre o conflito, constituindo-se em obra de referência sobre o tema.

Páginas: 664
Acabamento: Livro brochura (agora também em e-book)
Lançamento: 11/03/2022
ISBN: 9786559212866
Selo: Companhia das Letras

FRANCISCO DORATIOTO
FRANCISCO Fernando Monteoliva DORATIOTO nasceu em 1956, em Atibaia, São Paulo. Graduou-se em história (1979) e em ciências sociais (1982) pela Universidade de São Paulo. É mestre e doutor em história das relações internacionais pela Universidade de Brasília e autor de livros, capítulos de livros e artigos científicos sobre a história da política exterior brasileira e a história militar brasileira. É membro correspondente da Academia Nacional de la Historia (Argentina), da Academia Paraguaya de la Historia, do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em Brasília, foi professor de história das relações internacionais do Brasil no Instituto Rio Branco e nos cursos superiores da upis, ceub e da Universidade Católica de Brasília. Desde 2008 é professor nos cursos de graduação e pós-graduação em história da Universidade de Brasília. Pela Companhia das Letras, publicou General Osorio – A espada liberal do Império (2008).

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Doratioto tem outros livros, inclusive dois publicados pela Funag, disponíveis em sua Biblioteca Digital: 

Relações Brasil-Paraguai: afastamento, tensões e reaproximação (1889-1954) (2012)

Relações Brasil-Paraguai: afastamento, tensões e reaproximação (1889-1954) é um livro que analisa tema inédito, tendo como fonte principal a documentação diplomática brasileira. Francisco Doratioto também utiliza vasta e atualizada bibliografia para mostrar as conexões dessa relação bilateral com as realidades interna brasileira e paraguaia e, ainda, com o subsistema platino de relações internacionais. O autor é especialista na história das relações entre o Brasil e os países do Rio da Prata e esta nova obra, pela qualidade das informações e de análise, constitui contribuição fundamental á compreensão da evolução da politica exterior brasileira quanto aos nossos vizinhos meridionais.


O Brasil no rio da Prata (1822-1994) (2014)

Este livro analisa as relações entre o Brasil e os países do Rio da Prata, desde a independência brasileira até o final do século XX. Para tanto, o historiador Francisco Doratioto utilizou-se de vasta bibliografia sobre o tema e, ainda, de documentos diplomáticos. O resultado é a descrição de como, progressivamente, essa região deixou de representar para o Brasil um espaço geopolítico de rivalidade e tornou-se vizinhança de integração econômica e cooperação política. 

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Francisco Doratioto:?Guerra do Paraguai, 150 anos depois (OESP)

‘Guerra do Paraguai mostra que politização não é boa para Exército’, diz historiador


Francisco Doratioto lembra, 150 anos após a Guerra do Paraguai, como divisões políticas afetaram a condução do conflito

Marcelo Godoy
O Estado de S. Paulo, 3 de maio de 2020

Poucas obras recentes na historiografia brasileira tiveram o impacto que Maldita Guerra teve quando foi lançada há 19 anos. Escrita pelo historiador e professor da UnB Francisco Doratioto, de 63 anos, ela consolidou a visão de que a Guerra do Paraguai, o maior conflito da história da América do Sul, foi fruto de um processo regional, rompendo com a visão que o vinculava à ação do imperialismo inglês. O livro será relançado com novos documentos pela Companhia das Letras em razão dos 150 anos do fim da guerra. Com base no período, Doratioto diz que a profissionalização e o distanciamento da política são fundamentais para o Exército e a para a defesa nacional. Eis a sua entrevista.

Como o conflito se projeta com suas consequências na região do Rio da Prata 150 anos depois? A guerra faz parte da identidade nacional dos países. Em alguns deles com mais intensidade do que outros. No Paraguai, derrotado e com mais perdas humanas e de território, a guerra está entranhada desde o nascimento de cada cidadão. Solano López é um herói nacional. No Brasil é algo inconsciente. Não se fala em Guerra do Paraguai, mas nomes como Humaitá e Itororó estão presentes em todas as partes do País como praças e ruas. Faz parte de nossa identidade. Na Argentina e no Uruguai também. O fundador da República Argentina, em 1862, é Bartolomé Mitre, que vai ser o comandante aliado na Guerra do Paraguai. Nas províncias argetninas que sofreram, como Corrientes, a invasão paraguaia, o sentimento da presença do dia a dia da guerra ainda está lá em mausoléus e cemitérios. Há as mulheres correntinas que foram levadas à força para o Paraguai e são consideradas heroínas. E, no Uruguai, cuja guerra civil foi o estopim da guerra, a guerra do Paraguai está sempre presente. Uma vez o historiador paraguaio Manuel Peña Villamil me disse um coisa interessante: ‘A guerra devia ser vista como primeiro momento da integração, pois foi a primeira causa comum vivenciada pelos quatro países’. Os processos de independência deles foram todos diferentes. E a guerra foi o primeiro evento comum e trágico dos quatro.


O custo da guerra teve alguma influência na escolha da diplomacia para a resolução posterior dos problemas entre os países? 

Não creio. Na minha interpretação da guerra, todos nós hoje no mundo acadêmico que trabalhamos o tema, é raríssimo quem não diga que a guerra não é fruto de um processo histórico regional. E isso está vinculado ao fato de não existirem estados nacionais definidos na região do Rio da Prata. Até Guerra do Paraguai tínhamos tentativas de Estado. Buenos Aires tentava se impor ao interior em 1862 e o Uruguai era uma criação da diplomacia britânica, que antes da guerra tinha 200 mil habitantes. Ele não era um país consolidado com identidade nacional. O Paraguai tinha uma população pequena submetida ao absolutismo de uma família; o Estado era uma propriedade privada. Formalmente era um Estado, mas as estruturas eram muito precárias. Os dois Estados que foram centralizados precocemente na América Latina foram o Império do Brasil, na década de 1840, e o Chile também na década de 40. Não é à toa que esses dois países quando se envolvem em guerras saem vitoriosos; o Chile, na guerra do Pacífico, apesar da desvantagem numérica. Eles tinham Estados mais organizados, com serviço diplomático para defender seus interesses. Nessa visão, a Guerra do Paraguai era o fim de um processo, com o confronto de caudilhos que tinham suas milícias e com o Império, que se organizara contra uma facção argentina, em 1852, contra Rosas. Depois vai ser privilegiada a diplomacia, porque até a Guerra do Paraguai, o Rio da Prata era um espaço vital economicamente para a elite de Buenos Aires, que era agroexportadora. O espaço geoeconômico era vital para os criadores de gado. Mas o final da Guerra do Paraguai coincide com a segunda revolução industrial, com a criação do navio frigorífico, que permite exportar carne fresca, e a compra de cereais. De repente, vão ter início os milagres econômicos argentino e uruguaio. Como consequência, o espaço do Rio Prata, apesar de ainda importante, deixa de ser vital. E o Império brasileiro está em crise política e econômica, em razão dos gastos com a guerra. O Rio da Prata não vale mais uma guerra. E a diplomacia se torna o instrumento. Por fim, uma guerra implicaria na perturbação da agroexportação argentina, o que não interessava às suas elites.

A mentira muitas vezes tem um papel na história. Na Guerra do Paraguai existe a do falso acordo entre Brasil e Argentina para dividir o Uruguai, que se transforma em um dos dentes da engrenagem que leva ao conflito. Qual o seu peso para a eclosão da guerra? 

Eu tenho dúvidas sobre o papel do fator aleatório, do acidente na história. Pois há coisas que parecem acidentes, mas quando você vai ao arquivo, à micro-história, você percebe que tem uma lógica. E o historiador é por definição alguém que busca a lógica dos acontecimentos. Mas há momentos em que há o fator aleatório. Um exemplo: Tancredo Neves pega uma septicemia e morre, mudando a história recente do país. Na Guerra do Paraguai, tomo como exemplo a Batalha do Riachuelo, pois a derrota paraguaia inviabilizou a vitória de Solano López, impedindo o acesso à Buenos Aires. O ataque podia ter sido bem sucedido. A ideia era a flotilha paraguaia chegar aonde estavam fundeados os navios brasileiros ao amanhecer, quando os navios a vapor não estariam com fornalhas acesas e não poderia se movimentar. Só que a pá de um dos navios da flotilha paraguaia teve um problema e atrasou a partida. Ela chegou duas horas depois do planejado e aí já estavam acesas as fornalhas e a frota brasileiro conseguiu reagir. Se não fosse esse atraso o resultados seria outro. E por que não deixaram para o dia seguinte? Aí tem a lógica. Solano López punia qualquer chefe militar que não seguisse uma ordem dele. Preferiu-se então atacar mesmo com o bom senso dizendo que as condições seriam outras. No desencadear da guerra em si não vejo fator aleatório, mas muitos fatores racionais explicados. No caso da mentira, não havia plano de se dividir o Uruguai, mas o fato concreto é que Solano López acreditou nisso e eu não sei se o governo uruguaio não acreditava. Brasil e Argentina nunca haviam agido em acordo antes no Rio da Prata. Seria razoável se pensar que pretendiam dividir o Uruguai. O fato concreto é a convicção de Solano López de que aquilo era verdade e que teria um desdobramento: o ataque ao Paraguai. Solano López já tinha interesse de participar dos negócios do Rio da Prata. Enfim, não é a mentira ou informação duvidosa que leva ele à guerra, mas ela é um pretexto, uma justificativa.

Os principais atores tinham consciência para onde se dirigiam nos momentos que antecedem a guerra? 

Eu acho quer ninguém acreditava na guerra. Do lado brasileiro e argentino como pensar em um país como Paraguai, com 400 mil habitantes, isolado dentro do continente e sem armamento moderno, fosse atacar o Brasil, que tinha 9 milhões de habitantes, um comércio externo muito maior que o Paraguai e tinha marinha de guerra e a Argentina, que tinha uma população de 2 milhões de habitantes e com saída para o mar? Não era razoável supor que haveria esse ataque. Nem a elite brasileira - nem a argentina - acreditava a guerra. Os blancos uruguaios tinham esperança no socorro militar paraguaio, mas Solano López fica adiando. Ele tinha 70 mil homens em armas e um serviço de espionagem, mas talvez não acreditava que fosse ter usar essa força efetivamente. E, quando ele dá o ultimato em agosto de 1864 ao governo brasileiro, ele acredita que aquilo ia resolver. López não acreditava muito que o Brasil fosse intervir no Uruguai.

Qual o peso da pressão dos fazendeiros gaúchos no Uruguai e da subsequente intervenção brasileira naquele país para a decisão de Solano López iniciar o conflito? 

É muito importante. Têm as circunstâncias da época. De 1844 a 1862, o poder no Rio era controlado pelo Partido Conservador e foi ele que montou a política externa do Brasil para o Rio da Prata, que vigorou até recentemente, até o processo de integração Brasil-Argentina. E seu objetivo era conter Buenos Aires. As elites do Império temiam que essa república grande e forte no sul acabasse desintegrando o Brasil. O objetivo delas era ainda garantir a livre navegação do Rio Paraná e o acesso à Mato Grosso. Essa elite do Partido Conservador tinha uma visão de Brasil, não estava submetida às elites econômicas, ela ia além disso. O Visconde do Rio Branco, pai do Barão do Rio Branco, era um sujeito da maçonaria, um político profissional, um quadro weberiano no sentido da burocracia do Estado. O Partido Conservador defendia os grandes fazendeiros? Sim, porque todo mundo os defendia. Era uma realidade da época. Mas não era um instrumento dócil. Não era, numa visão marxista clássica, uma corrente que retransmitia os interesses dos senhores de escravos. Também fazia isso, mas não só isso. Ele cai em 1862 e sobe ao governo o Partido Liberal, que, por sua vez, vai incorporar dissidentes do Partido Conservador. O Partido Liberal assume e logo tem de enfrentar a Questão Christie, que foi uma desmoralização, com os navios britânicos na Guanabara ameaçando bombardear o Rio e, sob a mira dos canhões ingleses, o Brasil pagou a indenização exigida pela Inglaterra. Depois houve uma quebra de bancos no Rio. Havia um governo frágil, precisando melhorar sua popularidade e sem política externa definida. E aí vem os fazendeiros do Rio Grande do Sul, que tinham propriedades no Uruguai e tinham tomado um lado na guerra civil, o dos colorados, pois o governo uruguaio, que era blanco, tinha proibido a escravidão e proibido a exportação de gado em pé para o Rio Grande do Sul, pois o charque gaúcho era feito com gado uruguaio. O governo liberal de então não tinha condições de resistir à pressão da elite gaúcha. Assim, o papel dos fazendeiros é grande, pois leva o Rio de Janeiro a se envolver em uma assunto que interessava a Buenos Aires, mas não ao Brasil.

Sartre aborda em Questão de Método o papel do indivíduo na história. Como podemos classificar o papel de Solano López na história da Guerra? É possível dizer que a guerra não existiria sem a figura de López? 

É um tema altamente complexo e qualquer resposta seria defensável . Se você me perguntasse há 20, 30 anos atrás eu diria que não, que o homem não faz a história. Hoje temos dois pensadores diferentes: Marx diz que os homens fazem a história, mas não como gostariam e Ortega y Gasset que diz que o homem é ele mesmo e seu contexto. Um guerra é sempre fruto de um contexto. Um homem nunca a faz sozinho. Mas aí tem de pensar o contexto do que era o Paraguai. Sempre tinha vivido ditaduras e não tinha uma elite que se exprimisse em Parlamento. E o estado funcionava quase como uma propriedade pessoal de Solano López e de sua família. Durante a guerra, o maior fornecedor de gado ao exército paraguaio eram as fazendas da família López. As outras não conseguiam fornecer porque os homens foram todos convocados no começo da guerra, menos a família López. E a ideia de que um homem podia mandar e fazer o que queria era a realidade de López. O processo decisório era nenhum. A guerra é fruto do contexto, mas também é fruto da postura do governante. Sem ele aquele processo histórico não adquiriria a forma que adquiriu e, principalmente, a continuidade da guerra em si. A única explicação é a relação de Solano López com o poder. Ele sabe que vai perder, que não tem saída e sacrifica um país inteiro, uma população inteira. Pode-se falar em uma liderança carismática? Esse é um ponto polêmico. Há autores paraguaios, que se dividem entre lopistas e antilopistas, que vão dizer que ele era um tirano e eu concordo. Em alguns momentos, ele parecia carismático, mas não se sabe até onde ele era carismático ou era o terror que infundia e levava as pessoas a segui-lo. O fato concreto é que, como os paraguaios não tinham jornal e acesso á informação comum, eles acreditavam piamente que lutavam pela independência do país e que Brasil e Argentina iam anexá-lo. Durante a guerra, os soldados paraguaios foram muito corajosos.

Como muda a imagem dos chefes militares brasileiros depois da guerra do Paraguai? No caso dos chefes militares brasileiros, desde sempre eles foram apresentados como pessoas dignas de admiração. Não que não houvesse críticas, mas a maior parte das críticas em relação a Tamandaré ou a Caxias se davam em razão da política partidária. Caxias era senador do Partido Conservador e Osório era de uma facção liberal do Rio Grande do Sul que era detestada pela outra, a do (visconde de) Porto Alegre e do (almirante) Tamandaré. O que há de mudança é sobre a figura do herói máximo da guerra. No século 19 e no começo do 20 não havia a figura do patrono do Exército brasileiro. O maior herói era Osório e não o Caxias. Osório era verdadeiramente popular, inclusive na Argentina e no Uruguai. O que houve foi essa alteração. Osório tinha vindo de baixo para cima, ficava com a soldadesca, contava piada e Caxias era uma figura aristocrática, distante do soldado comum, disciplinador. Essa é a grande alteração que vejo. Mas não vejo surgir nenhum vilão nem um vilão se tornar herói. Todos eram respeitados como chefes militares.

No livro o senhor descreve a morte de Solano López e diz que ele não foi apenas lanceado, mas também recebeu um tiro de fuzil. E que os soldados brasileiros em Cerro Corá perderam o controle e o combate se transformou em degola. O que leva a esse comportamento na Guerra do Paraguai? 

Ele foi lanceado, mas a causa da morte vai ser o tiro. Depois que eu publiquei o livro, pesquisando para uma biografia do Osório, fiz contato com um tetraneto do general, professor de história da Universidade de Pelotas, Mário Osório Magalhães. Ele era parecidíssimo com o Osório e me cedeu os originais que tinha do senador Homem de Mello que, em 1869, foi ao Paraguai. Ele esteve com o cabo Chico Diabo, que lanceou o Solano López. Ele o descreve como uma pessoa extremamente simples, primária, que não articulava pensamento e que falava que a grande arma da guerra era a lança, que ela vencia canhões. A ordem do imperador era não matar Solano López. O objetivo era tirá-lo do Paraguai. Se você pegar o Chico Diabo, ele teve dificuldade de receber prêmio e não ganhou nenhuma condecoração e nenhum reconhecimento do império. Isso prova que não se queria matar Solano Lopez. E o tiro foi dado à revelia do general (José Antônio Correia da) Câmara. Um soldado veio e deu o tiro. Essa violência toda em Cerro Corá – não chega nem ser uma batalha propriamente dita, visto a diferença de forças entre um lado e outro - tem a ver e é fruto dos cinco anos de guerra, as condições em que o conflito foi travado. As violências foram de parte a parte também, dos dois lados. Há ‘n’ descrições de soldados aliados feridos sendo mortos em Curupaiti. Foi algo muito violento e, no final de 1969, teve uma enorme fome na tropa, faltou comida na tropa aliada. As descrições, como a do diário do conde D’Eu, mostram que a fome da tropa é inacreditável. Teve muita deserção. Não tem controle mais para se manter a ordem. O sujeito (Solano Lopez) que durante cinco anos foi apresentado como cruel e desumano está na sua frente e aí a soldadesca perdeu o controle. Em outros momentos também perdeu, como em Peribebuí e no saque de Assunção. Cerro Corá não foi o único momento.

Como a falta de unidade de comando e as lutas entre conservadores e liberais paralisaram as forças brasileiras no começo da guerra e qual o papel do imperador para contornar essas divisões? 

A Constituição permitia que os oficiais fossem filiados a partidos políticos e tivessem mandatos. Caxias era senador. O problema é que na frente de batalha o comandante de um partido privilegiava filiados à sua agremiação. E depois havia as acusações. A imprensa liberal atacava os chefes militares conservadores e vice-versa. Isso dificultou o processo decisório na frente de batalha. O caso maior foi Curupaiti e o período entre 19865 e 1866, em que não havia um comandante em chefe das forças brasileiras. Existiam três oficiais generais da mesma patente, dois do partido liberal que eram primos, o visconde de Porto Alegre e o Tamandaré e havia Polidoro Jordão, que era do partido conservador. Tinha uma imobilidade no processo decisório que, em parte não era o fator principal, mas que agravava as dificuldades de se montar uma estratégica frente a algo que não se conhecia bem, que era o complexo defensivo paraguaio de Humaitá. Esse processo apareceu ainda na invasão paraguaia do Rio Grande do Sul até Uruguaiana, porque não interessava a setores do partido liberal gaúcho fortalecer outro setor que estava no poder. O imperador teve de ir até Uruguaiana para pôr ordem naquilo. E é dali a única foto que temos dele vestindo uniforme militar. A intervenção dele também foi vital depois da derrota de Curupaiti, quando ele retira o Tamandaré, que foi afastado por ordem do imperador e teve de voltar ao Rio. E manda Caxias, que consegue unificar o comando para enfrentar o inimigo. O terceiro momento acontece a partir do segundo semestre de 1868, quando o Brasil só continua na guerra porque o imperador ameaça abdicar do trono se fosse diferente. Isso está comprovado por documentação de diplomatas estrangeiros que contavam o que estava acontecendo. Pois se dependesse das lideranças políticas, inclusive do partido conservador, o Brasil sairia do conflito. Em 1868, o próprio Caxias escreve: ‘Vamos parar essa guerra, não temos mais nada a ganhar, o inimigo está destruído e partir de agora, se continuarmos, não sabemos quanto vai custar em vida e em dinheiro para o Brasil'. E a ordem do imperador foi uma só. A guerra vai até o fim. São três intervenções vitais. A primeira para derrotar a invasão do Rio Grande do Sul, que não se estava conseguindo. A segundo para evitar a débâcle do exército aliado após a derrota de Curupaiti e, depois, a finalização da guerra. Apanhar Solano López só foi possível pela posição intransigente de d. Pedro II, que encontra, por sua vez, uma posição intransigente do lado oposto, que é Solano López, que diz que a guerra tem de ir até o fim e, quem não concordava, ele mandava matar.

A queda do gabinete liberal de Zacarias de Góes ocorre após o conflito com o Duque de Caxias. Sua ação teria servido de exemplo para os militares nos anos subsequentes? Como figuras como Caxias ajudam a moldar o comportamentos dos militares no Império e na República? 

No Segundo Reinado não há intervenções militares na política. A única que houve claramente é o golpe de Estado de 1889, que foi feito por uma uma minoria, vinculado a uma minoria civil e à revelia – apesar de o Deodoro estar à frente – da oficialidade mais antiga. É um pessoal que adquire espírito de corpo na guerra – capitães e majores – que vão dar o golpe. Essa questão de junho de 1868 é bem debatida. Não é que o Caxias impôs a queda do gabinete. O gabinete queria sair de um lado e o imperador, por sua vez, queria tirar o gabinete, queria fazer um rodízio para conseguir resultados concretos na guerra. As cartas do Visconde de Rio Branco para o Barão de Cotegipe, expoentes do Partido Conservador, mostram que eles não queriam o poder em 1868, pois a guerra é um abacaxi e o partido só iria se desgastar. Caxias tampouco queria derrubar o gabinete, mas está exaurido e não acredita mais na guerra. Depois ele que tomou a fortaleza de Humaitá, Solano López deixou de ser uma ameaça. A guerra não tem mais sentido e só prossegue porque o imperador ordena. Caxias era um chefe militar obediente à hierarquia. E isso é uma coisa interessante, porque a imagem que foi construída dele durante todo o século 20 e, principalmente depois de 1964, é do Caxias militar e durão, disciplinador, mas se esqueceu totalmente que o Caxias era obediente à Constituição, subordinado ao Poder Civil. Ele era um chefe militar que não intervinha no processo político. Ele intervinha como político, porque a Constituição permitia ele fosse senador. Em 1868, Caxias estava sendo atacado constantemente no Rio pela imprensa ligada ao gabinete. Sentiu-se boicotado e injustiçado. Ele estava havia dois anos na frente de batalha em meio a péssimas condições e queria ir embora. Caxias não introduz a intervenção dos militares no processo político interno. Na verdade, o gabinete se autoderrubou. Depois, o que vai acontecer é que, com a guerra, passa a haver um espírito de corpo entre os militares que não havia. Os soldados do pré-guerra eram desqualificados. Não havia um exército coeso, com hierarquia. Iso vai ser construído na guerra e vai continuar depois. O Exército adquire uma identidade que não tinha e esse espírito de corpo vai ser fundamental para ele se tornar uma instituição armada moderna.

Caxias e Osório eram militares e ao mesmo tempo políticos. O primeiro Conservador e o segundo do Liberal. Depois, na República, assistimos à ascensão e à queda do que Oliveiros Ferreira chamou de 'partido fardado'. Hoje há uma volta de militares à política. A presença de militares na política contribui para o fim do Império e se manteve na República. Por quê? Se você pegar a República Velha, de Prudente de Moraes e do Campos Salles até o tenentismo, temos duas décadas em que a presença militar é normal. Mesmo entre 1945 até 1963, so uma parte dos militares estava envolvido no processo político; a maior parte da tropa e da oficialidade estava cuidando de sua carreira, dos afazeres profissionais. Creio que assim como não existe só o lado militar na figura do Caxias, o processo político do século 20 não teve só intervenção militar. Agora, de fato, tivemos duas décadas de regime militar a partir de 1964 e isso nos impacta por motivos óbvios.

Quais as lições que a guerra do Paraguai deixa para os militares ainda hoje? 

O que se viu em 1864 - e acho que é uma lição - é que você precisa ter Forças Armadas preparadas profissionalmente porque. mesmo em situações aparentemente tranquilas. você não sabe qual é o futuro. Se em 1862 alguém dissesse que o Paraguai ia atacar o Brasil e ficaríamos cinco anos em uma guerra, seria ridicularizado. No entanto, isso aconteceu. Quando acontece tem a dificuldade de defender o Rio Grande do Sul por causa da atividade política dos oficiais, dos comandos politizados e partidarizados, e sa dificuldade no teatro de operações. Você precisa ter Forças Armadas preparadas para exercer a soberania. Precisa ter um núcleo militar profissional, treinado, bem armado para exercitar a defesa do País. A outra liação é que cada vez que os militares se envolveram em assuntos políticos, independente das intenções, por melhores que ela possam ser, eles tiveram menos tempo para se preparar profissionalmente para uma emergência. A politização das Forças Armadas não é boa para as Forças Armadas por um lado – não é à toa que o Castelo Branco fez as reformas que fez – e por outro lado não é boa para o País, pois você perde um instrumento eficaz de defesa, vide o caso das Malvinas (guerra em 1982 em que a Inglaterra derrotou a Argentina), o que aconteceu com a Argentina. Não fosse a politização, as disputas internas, a história seria outra.

Professor, o senhor acredita que ainda existam aspectos que precisem ser melhor iluminados sobre o conflito com o Paraguai. O que pode ainda desafiar os historiadores?

Existe uma enormidade. Você sabe que quase todo mundo decidiu ser historiador porque era péssimo em matemática. Eu conheci o Oliveiros Ferreira na (Ciências) Sociais da USP, que eu fiz história e depois ciências sociais. Lá nas Sociais tinha estatística 1 e 2 que eram matérias obrigatórias. Era um horror. Passei sempre raspando. São poucos os historiadores que dominam estatísticas instrumental e matemática. Não sabemos exatamente, só temos números aproximados de quantos soldados foram enviados para a guerra, de quantos morreram e como morreram. È preciso estudar as perdas da população paraguaia e argentina. Há ainda os dados sobre os gastos com a guerra - fiz um cálculo a grosso modo que dava mais de 600 toneladas de ouro pelos padrões de época. Também há o cotidiano do soldado - o que nós temos, normalmente, é dado pelo relato de oficiais, porque o soldado era analfabeto; fora que o ato de escrever era penoso, era com pluma e tinha de carregar um estojo grande com tinta e tinha de ter papel. Enfim, com novas metodologias e novas teorias talvez se consiga avançar. A Justiça militar na guerra não foi estudada. Não temos estudos sobre a Justiça Militar na Guerra do Paraguai e na Segunda Guerra Mundial também. A Justiça militar seria um caminho, apesar de seus registros sintéticos. E a retaguarda? Tinha banco, bordel? Isso não está estudado. A questão dos negros está razoavelmente estudada. Um coisa que me chama atenção é o estudo sobre os processos decisórios na Argentina, no Uruguai e no Brasil, um estudo comparativo sobre como funcionavam as políticas externas dos países e como isso pode ter contribuído ou não para o encadear da guerra. E mesmo a história econômica. Bem, desde que escrevi o livro apareceram inúmeras fontes inéditas. Apareceu, por exemplo, toda a correspondência do chanceler argentino da época, com 3 mil documentos. E de um chanceler do Solano López surgiram fragmentos escritos. Você tem centenas de publicações sobre a guerra e, no entanto, 150 anos depois continuam aparecendo documentos.

Marcelo Godoy

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Guerra do Paraguai: entrevista com Francisco Doratioto (Cafe Historia)

Este pequeno site de história (que está ficando grande) traz uma excelente entrevista com o historiador, professor da UnB e do IRBr, de quem já resenhei alguns livros, nas não o mais importante.
Paulo Roberto de Almeida

Nova História da Guerra do Paraguai
Entrevistamos o historiador Francisco Doratioto, professor da Universidade de Brasília. Doratioto é um dos principais expoentes da chamada “Nova História da Guerra do Paraguai”. Em 2014, o conflito sul-americano completa 150 anos de seu início.
Com um trabalho baseado em farta documentação, Francisco Doratioto, professor da Universidade Nacional de Brasília e do Instituto Rio Branco, se tornou um dos principais especialistas em História da Guerra do Paraguai. Mais do que batalhas e personagens, suas pesquisa trazem o lado humano, social e político do conflito. Em 2002, Doratioto lançou pela Companhia das Letras o livro “Maldita Guerra”, que rapidamente se tornou um livro de referência na área, especialmente daquilo que convencionou chamar de “nova história da Guerra do Paraguai”. Se você ainda acha que o Brasil foi forçado a fazer a guerra pelo imperialismo britânico ou que o Paraguai era uma ilha de prosperidade que ameaçava ingleses na América do Sul, você vai se surpreender.
Bruno Leal: Professor, em abril de 1863, no Uruguai, o Partido Colorado, apoiado pelo Brasil Imperial e pela Argentina de Bartolomeu Mitre, se rebelou contra o Partido Blanco, eleito em 1860. Acuados, os blancos, então, foram atrás do apoio de Solano López, presidente do Paraguai. Um ano depois começava a Guerra do Paraguai, conflito que durou seis anos e que neste ano de 2014 completa 150 anos de seu início. Por que o Paraguai (Solano López) apoiou os blancos contra oponentes tão poderosos? Até que ponto esta decisão se deu pela oportunidade do Paraguai conquistar acesso ao mar e/ou pelo medo de um provável desmantelamento das nações menores do Cone Sul, oriundo de uma aliança entre Brasil e Argentina?
Francisco Doratioto: Não se tem certeza sobre a motivação do Francisco Solano López em envolver-se na questão uruguaia; não temos documento escrito ou testemunho que permita dar uma resposta taxativa. No entanto, há uma concordância de que interessava a López a manutenção dos blancos no poder em Montevidéu, de modo a utilizar este porto para o comércio externo paraguaio, de modo a dar continuidade à inserção do Paraguai no comércio internacional iniciada no governo de Carlos Antonio López. Os blancos procuraram, é verdade, convencer López de que a Argentina e o Brasil pretendiam pôr fim à independência do Uruguai, dividindo entre si o território uruguaio e, depois, se voltariam contra o Paraguai. Teria ele acreditado nisso? Possivelmente não, mas com certeza se deu conta que a derrota dos blancos uruguaios fragilizaria o Paraguai frente à Argentina e ao Império, que passariam a atuar coordenadamente no Prata em lugar de rivalizarem-se e isso quando ambos tinham litígio de fronteiras com o país guarani.
Bruno Leal: Nas décadas de 1960 e 1970, uma certa leitura historiográfica obteve bastante êxito ao explicar a Guerra do Paraguai como fruto imperialismo inglês na região do Cone Sul, como se o Brasil tivesse sido arrastado para a guerra por uma Inglaterra temerosa com o crescimento econômico do Paraguai na região. O senhor é bastante crítico desta teoria, não? Qual foi exatamente o papel da Inglaterra no conflito e porque essa teoria teve e ainda tem tanto sucesso?
Francisco Doratioto: Não sou eu que sou crítico a essa explicação mas, sim, os fatos. Não existe lógica e nem um fiapo de prova nesse sentido. Ademais, não sou o único que afirma isso; outros colegas no Brasil e em outros países também criticam essa explicação. Quanto à Inglaterra, há que se distinguir o seu governo de seus banqueiros. O governo inglês manteve-se neutro no conflito – aliás, foi ele que tornou público o Tratado da Tríplice Aliança, que era secreto -, enquanto seus diplomatas no Rio da Prata eram antipáticos à Solano López, pelas características da ditadura que ele impunha ao Paraguai. Já os banqueiros ingleses fizeram o que todo banqueiro faz: tentaram ganhar dinheiro com a guerra. Assim, emprestaram dinheiro para aqueles governos que tivessem condições de pagar os empréstimos, ou seja, para o Império e para a Argentina, mas não para o Paraguai. Registre-se, porém, que apenas uns 12% dos gastos brasileiros com a guerra foram financiados por esses empréstimos, enquanto o restante foi obtido internamente por meio de impostos, empréstimos, desvio de recursos do orçamento público, etc.
Bruno Leal: Professor, é bastante conhecida a participação de negros, ex-escravos ou não, na Guerra do Paraguai. Na historiografia sobre o tema, no entanto, parece não haver um consenso quanto ao número de soldados negros na frente de batalha. Como o senhor avalia a participação desse contingente na Guerra do Paraguai? A vitória do exército brasileiro na guerra impactou na forma como o negro ou mesmo a escravidão era vista pelas elites do país?
Francisco Doratioto: A falta de consenso não é somente quanto ao número de soldados negros na guerra, mas quanto ao número de brasileiros que foram para a guerra. Se fala de 100.000 até 150.000; também não sabemos ao certo qual foi o número de mortos brasileiros, com os estudiosos citando algo entre 50.000 e 100.000, uma enormidade se considerarmos que o Império tinha 9.000.000 de habitantes (cerca de um terço da população escrava). O Conde d’Eu elogiou o valor da participação dos “zuavos” na guerra, enquanto Caxias e outros chefes militares, em suas correspondências privadas, criticaram os negros. Suspeito que negros e brancos não se diferenciaram muito: a guerra foi duríssima, as condições do teatro de operações eram terríveis e, a partir do final de 1866, o desalento era geral, independente da cor da pele do soldado brasileiro.
Bruno Leal: Quando o assunto é Paraguai, fala-se muito na destruição do país após os anos de conflito, desde a destruição completa de cidades até a morte de boa parte de sua população, passando por operações que hoje, talvez, poderia ser classificadas como “crimes de guerra”. O que há de exagero e o que há de real nessas imagens de terra arrasada?
Francisco Doratioto: Seria um anacronismo falar em “crimes de guerra”. Esse é um conceito desenvolvido no século XX; no século XIX era comum o saque, os abusos contra mulheres e civis em geral, a morte do prisioneiro ou seu uso em trabalho forçado. Os paraguaios saquearam Corumbá e Uruguaiana, perpetraram violências contra os civis e, ainda, contra prisioneiros. As forças brasileiras saquearam Assunção e também fizeram violências prisioneiros e civis. Após 6 anos de guerra o Paraguai ficou, de fato, arrasado. Há polêmica sobre qual seria o número de habitantes do país no pré-guerra, mas há concordância percentual, ou seja, de que o país perdeu mais de metade da população e mais de 2/3 dos homens. No entanto, tal qual ocorreu entre as forças Aliadas, a maior parte da mortandade paraguaia foi causada por doenças ou fome, esta decorrente da migração imposta por López que obrigava a população a ir para o interior do país, na medida em que as forças aliadas avançadas. Era uma política de terra arrasada, ou seja, de esvaziar o território paraguaio de recursos humanos e alimentícios para que os soldados aliados que avançavam não os utilizassem no esforço de guerra.
Bruno Leal: Embora a guerra tenha terminado em 1870, O Brasil manteve um efetivo de aproximadamente 2 mil soldados no país por seis anos. Esse é um dado que nem todos conhecem. Professor, o senhor pode falar mais um pouco dessa ocupação? Quer dizer, porque um período tão longo? O Paraguai perdeu sua autonomia política neste período? Qual era a missão das forças brasileiras em solo paraguaio no pós-guerra?
Francisco Doratioto: Entre 1870 e 1876, o Paraguai foi praticamente um protetorado brasileiro. O governo imperial agiu para evitar que se instalasse no país um governo que fosse composto por homens favoráveis ao fim de sua independência, mediante a incorporação à Argentina. Os governantes brasileiros estavam convencidos de que esse era o plano do governo argentino e nesse período agiu para conter a influência argentina no Paraguai. Além de uma eficiente ação diplomática nesse sentido, o Império se respaldava em uma Divisão de Ocupação, aquartelada a poucos quilômetros de Assunção. Para o governo imperial essa tropa, um instrumento de manter a ordem política em Assunção, favorável ao Brasil, e, ainda, para impedir uma eventual ação sustentada pela Argentina no sentido de impor pela força um governo paraguaio com homens que fossem favoráveis a ela.
Bruno Leal: Geralmente, conflitos contra países estrangeiros produzem sentimentos nacionalistas, criam comunidades imaginadas, enfim, geram sentimentos de unidade. A Guerra do Paraguai gerou esse tipo de sentimento no Brasil?
Francisco Doratioto: Não vejo que isso tenha ocorrido de forma significativa, inclusive porque a guerra tornou-se impopular e, a partir de 1868, todos eram favoráveis a uma solução negociada, inclusive Caxias. No entanto, Pedro II exigiu que a guerra terminasse somente quando fosse cumprido o que estabelecia o Tratado da Tríplice Aliança, ou seja, a saída de Solano López do poder.
Bruno Leal: Professor, quais eram as principais leituras historiográficas sobre a Guerra do Paraguai quando o senhor começou a pesquisar o tema? Em que medida os seus trabalhos divergem destas leituras?
Francisco Doratioto: Na realidade, minha única leitura era a que eu tinha feito no curso de graduação em História, no final dos anos 1970: a guerra tinha sido causada pelo imperialismo britânico e Brasil e Argentina tinham sido marionetes dos interesses ingleses. Eu dei aula no 2º. Grau, em São Paulo, apresentando essa explicação! Posteriormente, fui fazer meu Mestrado na Universidade de Brasília e o tema que propus inicialmente era sobre as relações entre o Brasil e o Paraguai no pós-guerra pois, pensava eu então, o que ocorrera na guerra já se sabia. No entanto, ao ir às fontes primárias (documentação diplomática brasileira e argentina) percebi que eu tinha de entender qual tinha sido o relacionamento entre Brasil e Argentina durante a guerra, para poder compreender a origem e a lógica da disputa entre os dois países pela influência sobre o Paraguai no pós-guerra. Fui, então, ler a documentação sobre a guerra e seu contexto e ela desmentia o que revisionismo brasileiro afirmava, quer quanto ao suposto imperialismo inglês, quer quanto à leitura maniqueísta de que Francisco Solano López tinha sido um governante progressista, quase socialista, vítima de seus dois poderosos vizinhos. Esse revisionismo, em sua versão mais maniqueísta, apresenta a guerra quase como uma disputa entre um “mocinho”, López, e bandidos, a Argentina e o Brasil.
Bruno Leal: Em geral, conhecemos o que a produção historiográfica brasileira produz sobre a Guerra do Paraguai. Como o tema é tratado, de uma forma geral, atualmente, pela historiografia de países como Argentina, Uruguai e Paraguai? Há grandes diferenças de abordagem em comparação com o Brasil?
Francisco Doratioto: No Brasil, no meio acadêmico, há consenso entre historiadores que se dedicam ao estudo da guerra de que suas origens se encontram no próprio processo histórico regional e não no imperialismo inglês. Na Argentina, no Uruguai e no Paraguai essa interpretação também está presente entre os maiores estudiosos do conflito, mas há personagens influentes, nem sempre historiadores, que persistem na explicação imperialista. Para tanto há, inclusive, motivos políticos, como é o caso do governo argentino que estimula a interpretação revisionista por ser antiliberal quando o peronismo também o é. O mesmo ocorre no Paraguai, onde a mistificação da figura de López, de sua ditadura e de seu papel na guerra, tornou-se ideologia oficial da ditadura de Alfredo Stroessner. Um ditador buscou legitimidade em outro... A redemocratização paraguaia alterou um pouco essa situação, mas, afinal, Solano López foi construído como herói nacional nos governos de três militares: Rafael Franco, em 1936; Higino Morínigo (1941-1948) e Alfredo Stroessner (1954-1989).
Bruno Leal: Professor, sabemos que há uma defasagem significativa entre aquilo que é produzido em âmbito acadêmico e aquilo que está nas salas de aula. Que leituras tradicionalistas ou já questionadas por pesquisas acadêmicas sobre a Guerra do Paraguai ainda sobrevivem no ensino de história?
Francisco Doratioto: Não tenho acompanhado diretamente essa questão; sei dela por meio de meus ex-estudantes, que hoje são professores, e alunos que fazem estágio nas escolas de primeiro e segundo grau. Noto que há, crescentemente, o abandono da explicação imperialista e um ou outro livro didático que ainda a sustenta. Na realidade, há uma grande defasagem cronológica do que é produzido pela historiografia acadêmica ser incorporado no ensino fundamental e secundário. Em parte isso se explica pela dificuldade que o professor desses níveis de ensino tem para atualizar-se. Esse professor é um verdadeiro herói, pois para sobreviver tem de dar uma enormidade quantidade de aulas semanais, não lhe restando tempo para fazer cursos de atualização ou recursos financeiros para comprar livros com os avanços historiográficos. Vejo, porém, que as novas gerações de professores já tiveram acesso, nas Universidades, a esses avanços e, mais, estes já estão incorporados no conteúdo dos vestibulares em todo o país.
Bruno Leal: Ano passado, o Museu Imperial, em Petrópolis, região serrada do Rio de Janeiro, fez um levantamento de mais de 3 mil documentos sobre a Guerra do Paraguai, muitos dos quais desconhecidos por boa parte dos historiadores. Entre o material, por exemplo, estão várias cartas de Solano López e um diário do Conde d’Eu. Professor, em que medida essa documentação pode acrescentar ou até mesmo mudar nossos conhecimentos sobre a história do conflito?
Francisco Doratioto: Toda documentação inédita e, mesmo, a releitura daquela já pesquisada pode trazer novas informações e, portanto, ampliar nosso conhecimento sobre a história da Guerra do Paraguai. Há vários aspectos dela a serem melhor estudados: estatísticos; financeiros; tecnologia do armamento empregado; processos decisórios; o papel dos negros, dos índios; questões de gênero, etc. Acredito que a nova geração de historiadores que hoje está fazendo Mestrado ou Doutorado produzirão trabalhos que avançarão no conhecimento sobre a guerra. Veja bem que utilizo a palavra “avançarão”, ou seja, não retornaremos à explicação imperialista e, menos ainda, à explicação “patriótica” que havia predominado antes. No entanto, por questão de justiça, quero ressaltar que mesmo no início do século XX, tivemos trabalhos muito cuidadosos sobre o tema como, por exemplo, o admirável “História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai”, do general Tasso Fragoso, ou as memórias do barão de Jaceguai.
Bruno Leal: E sobre a polêmica envolvendo a desclassificação de documentos sigilosos no Brasil sobre a Guerra do Paraguai? O senhor acha que medidas como essas são diplomaticamente delicadas ou deve-se mesmo tornar acessível todo tipo de material sobre a questão?
Francisco Doratioto: Essa é uma “lenda urbana”. Não existe um arquivo secreto “Guerra do Paraguai” no Arquivo Histórico do Itamaraty, mas isso é afirmado e reafirmado por aqueles que não são estudiosos do assunto. De todo modo, como historiador e cidadão sou favorável ao acesso a todos os documentos públicos, exceto aqueles que tratam de assuntos do presente que podem ocasionar graves danos à sociedade brasileira. É normal que seja sigilosa por algum tempo a documentação diplomática e aquelas referentes a negociações econômicas internacionais e à segurança do país. Nossa Lei de Acesso à Informação não encontra equivalente nos países vizinhos.
Bruno Leal: Professor, chegamos ao fim de nossa conversa. Para finalizar, voltemos a um dos motivos que nos motivou a procura-lo para a conversa: os 150 anos da Guerra do Paraguai. Que eventos importantes a respeito ocorreram ou ainda vão ocorrer este ano, tanto no âmbito acadêmico quanto fora dele? Como o senhor avalia esse momento de lembrança? A historiografia ainda pode revelar muito mais coisas sobre a guerra?
Francisco Doratioto: Há vários seminários sendo feitos no Brasil e a TV Escola, do MEC, apresentou um excelente documentário, em três episódios, sobre a guerra, com pesquisas realizadas em todos os países envolvidos na guerra. Sei que também está sendo produzido um documentário sobre o tema para o History Channel. Este momento e os próximos anos, até 2020, quando então teremos os 150 anos do fim da guerra, devem ser motivo de reflexão e de encontro dos países que participaram da guerra. Penso no que ocorreu na Europa, onde Alemanha e França preocuparam-se em entender a I e da II Guerra Mundial a partir da metodologia histórica e não de um nacionalismo pernicioso, mostrando o sofrimento de suas populações e seus soldados e as consequências dessas guerras. Essa postura favoreceu a integração europeia, a construção de um espaço de paz em um continente que, até então, vivenciara guerras seguidas desde a criação do Estado Nação. Também para nós, na América Meridional, a Guerra do Paraguai deve ser motivo de reflexão que permita-nos superar preconceitos e avançar no processo de conhecimento mútuo e de integração regional.

Francisco Doratioto: Possui graduação em História pela Universidade de São Paulo (1979), graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1982), mestrado em História pela Universidade de Brasília (1988) e doutorado em História pela Universidade de Brasília (1997). É Professor Adjunto, de História da América, no Departamento de História da Universidade de Brasília; atua no programa de Pós-Graduação em História da mesma instituição e leciona História das Relações Internacionais do Brasil e História da América do Sul no curso de formação de diplomatas do Instituto Rio Branco (Ministério das Relações Exteriores). Trabalha com História do Rio da Prata; História das Relações Internacionais do Brasil, com ênfase nas relações com os países da América Meridional, e com História Militar do Brasil. É membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; da Academia Paraguaya de la Historia, Paraguai, e da Academia Nacional de la Historia, Argentina, e do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Economia brasileira de 1889 a 1930 - livro coleção Mapfre


O mundo, deve-se admitir, não teve todas as culpas
Vanessa Jurgenfeld
Valor Econômico, 04.09.2012

A Abertura para o Mundo: 1889-1930
Coleção História do Brasil Nação, vol. 3
Vários autores. Org.: Lilia M. Schwarcz
Editora: Objetiva. 344 págs., R$ 44,90

Gustavo Franco: uma reinterpretação da história econômica do Brasil distante das visões preferidas por heterodoxos.

A Primeira República (1889-1930) é um rico momento da história brasileira: envolve transição para o trabalho livre, as origens do desenvolvimento da indústria nacional, aceleração da urbanização e um conflito de política econômica em torno, principalmente, das políticas de valorização do café e da questão cambial. Mas, como todo period histórico, é vasto em permanências e rupturas, ambiguidades e conflitos de interesses. O passar dos anos costuma trazer o benefício de ampliar a perspectiva de sua observação.
Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e o ex-diretor do Banco Central e também professor da PUC-RJ Luiz Aranha Corrêa do Lago assinam 56 páginas em que fazem uma (re)interpretação da história econômica dessa fase como parte do livro "A Abertura para o Mundo (1889-1930)", o terceiro volume da coleção "História do Brasil Nação".
O texto solto, sem tabelas nem notas de rodapé comuns aos escritos acadêmicos de economia, busca um público mais vasto do que os leitores especialistas, integrando uma certa "norma de conduta" da coleção. Mas é preciso advertir que não se trata de um passeio: há densa análise sobre a política econômica do período, que perpassa o debate entre papelistas e metalistas, a adoção do padrão-ouro, o papel de bancos brasileiros no período, questões relativas a balanço de pagamentos e à taxa de câmbio. Além disso, é terreno arenoso, se levado em conta que há um debate importante sobre o período, alvo de diversos intérpretes, como Caio Prado Jr., Celso Furtado, Warren Dean, Carlos Pelaez, Wilson Cano, João Manuel Cardoso de Mello, dentre outros, com posicionamentos distintos.
Franco e Lago optam por uma análise histórica focada especialmente no que denominam de "economia política da taxa de câmbio". Mas deixam ao leitor a árdua tarefa de buscar as divergentes visões do período, se pretenderem ter uma compreensão maior do debate. Diferentemente de interpretações heterodoxas, que entendem o Brasil como economia dependente/reflexa/subordinada, os autores não dão tanto peso às restrições externas colocadas por essas outras análises como parte essencial (e muitas vezes determinante) no entendimento da economia política do país.
Em certo recado às ideias de outras linhas de pensamento, aliás, os autores escrevem que a "historiografia parece guardar ressentimentos dessa curta e tumultuada experiência internacionalista, durante a qual nada teria sido feito para atacar vulnerabilidades estruturais, que passaram a parecer óbvias depois de 1930 e que são sempre associadas às maneiras de descrever como perversa e assimétrica a relação do país com a economia global.

Como se não existissem outros constrangimentos internos ao crescimento".
Como fica posto, pretende-se mostrar que o Brasil, "em face de suas próprias limitações", teria deixado passar uma "oportunidade". Isto é, em momento de crescimento da economia internacional, teria ampliado seu atraso em relação a outras nações da América Latina, tendo, inclusive, aumentado sua distância em relação a nações mais ricas, como os Estados Unidos, numa análise comparativa baseada, especialmente, em PIB per capita. Assim, a preponderância global do país tanto em café quanto em borracha não era capaz de deflagrar um processo "de desenvolvimento sustentado".
Numa perspectiva comparada, o "fraco desempenho do país" durante a Primeira República teria mais a ver com "deficiências internas": "qualidade do capital humano, produtividade, instituições e ambiente de negócios, do que com a tão frequentemente vilipendiada vulnerabilidade externa". Uma consideração que certamente levará o leitor a ter certo "flash back" de algumas discussões costumeiras do tempo atual.
Do namoro mais intenso da economia com a literatura, presente em recentes livros de Franco, há nesta interpretação também referências a Machado de Assis, Euclides da Cunha e Mario Vargas Llosa, que tão bem teriam captado a complexidade do período. Machado é relembrado em três passagens, uma delas sobre a reforma cambial de 1890, à qual costumava se referir como "o primeiro dia da criação". Euclides da Cunha e Vargas Llosa aparecem com indicações de narrativas que mostravam resistência em relação às mudanças trazidas pela República.
A antropóloga Lilia Schwarcz, da Universidade de São Paulo, diretora-geral da coleção e coordenadora deste volume, considera que o texto de Franco e Lago é polêmico, tendo os autores "comprado várias brigas".
Além da análise de Franco e Lago, o volume é composto por mais quatro partes. O tema "população e sociedade" é discutido pela própria Lilia; a "vida política" recebeu a interpretação de Hebe Mattos (da Universidade Federal Fluminense); as "relações internacionais" estão a cargo de Francisco Doratioto (da Universidade de Brasília); e a parte de "cultura" recebeu análise de Elias Saliba (da Universidade de São Paulo).
A coleção faz parte do projeto "América Latina na História Contemporânea", da Fundación Mapfre. No Brasil, a série é constituída de cinco volumes de história (dois ainda serão lançados), que tratam de 1808 até 2010, e mais um volume todo dedicado a fotografias.
Em todos os volumes há interpretações específicas sobre a economia do período. O próximo livro, que cobre acontecimentos entre 1930 e 1960, receberá texto de Marcelo de Paiva Abreu, também professor da PUC-RJ, organizador do "A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Republicana, 1889-1989", leitura bastante conhecida dos que prestam a prova da Anpec - Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia. O período posterior, entre os anos 1960 e 2010, trará texto do economista Paul Singer, da USP, conhecido por suas análises de orientação marxista.
Lilia entende que as interpretações de escolas de pensamento distintas sobre a economia – como ocorre quando se olha o projeto da primeira à última publicação prevista - é algo positivo para a coleção. Encampa-se, assim, a difícil missão de torná-la plural (sem perder a coerência) em assunto tão controverso como é a história econômica brasileira.