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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

G20 no Brasil: Reuniões começam hoje com encontro inédito no Itamaraty (O Globo)

 G20 no Brasil: Reuniões começam hoje com encontro inédito no Itamaraty 

O Globo, 11 dezembro 2023

Ideia do governo brasileiro é apresentar a agenda de trabalho e os pilares do mandato brasileiro: combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global O Brasil dá a largada nesta segunda-feira na agenda de trabalho à frente da presidência do G20. 

Os primeiros encontros serão no Palácio do Itamaraty, em Brasília, com uma proposta inédita da presidência brasileira: pela primeira vez, as duas trilhas que norteiam os trabalhos do G20 no Brasil, Sherpas e Finanças, vão se reunir no começo de um novo mandato. No encontro, a ideia do governo brasileiro é apresentar a agenda de trabalho e os pilares da sua gestão: combate à fome e à pobreza, as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental) e a reforma da governança global. 

O Brasil tenta unir desde o princípio o debate político com as soluções financeiras. Uma das propostas que será levada pelo governo brasileiro no encontro é uma iniciativa global para a erradicação da pobreza e combate à fome e à desnutrição. Começarão, ainda, as negociações sobre as declarações e outros atos a serem adotados pelos líderes do G20 na cúpula do Rio de Janeiro. Nos dias 11 e 12 de dezembro, o encontro será da Trilha de Sherpas, formada por emissários pessoais dos líderes do G20, que supervisionam as negociações, discutem os pontos que formam a agenda da cúpula e coordenam a maior parte do trabalho. 

 No dia 13 ocorrerá a reunião conjunta com as duas trilhas e com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve reforçar a importância do diálogo dos dois eixos e as prioridades da gestão brasileira à frente do G20. Nos dias 14 e 15 é a vez do encontro da Trilha de Finanças, comandada pelos ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais dos países-membros e responsável pelos debates econômicos do G20. A previsão é que, além de Lula, haja uma declaração dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores), além da diplomata Tatiana Rosito, coordenadora do Brasil na Trilha de Finanças, e o embaixador Maurício Lyrio, sherpa indicado pelo Brasil. Reuniões no ano que vem Ao todo, serão 130 reuniões ao longo do ano que vem espalhadas por 13 cidades do país: Brasília (DF), Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Foz de Iguaçu (PR), Maceió (AL), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Salvador (BA), São Luís (MA) e Teresina (PI). 

 O resultado final da agenda de trabalho construída ao longo deste ano será apresentado na Cúpula de Líderes do G20, prevista para acontecer nos dias 18 e 19 de novembro do Rio de Janeiro. Até lá, representantes dos países vão debater propostas, ideias e soluções para as principais pautas internacionais, que vão nortear a declaração final dos presidentes e as cooperações que serão estabelecidas entre os países membros. Prioridades do Brasil O Brasil trouxe para a presidência do G20 as principais bandeiras do governo Lula e tem o desafio de pautas esses debates no cenário internacional até novembro de 2024. São elas: combate à fome e à pobreza, as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental) e a reforma da governança global. A presidência brasileira terá três forças-tarefa, que são grupos de trabalho para tratar de assuntos propostos pelo país que ocupa a presidência. São elas: Finanças e Saúde, combate à fome e à desigualdade e contra as mudanças climáticas. O governo brasileiro espera ao final da gestão deixar como marca contribuições inéditas e concretas nessas áreas. 

Haverá, ainda, uma iniciativa pela bioeconomia. Outro assunto que será pautado pela gestão brasileira é o da governança global. Lula tem criticado a baixa influência e a formação do Conselho de Segurança da ONU na mediação de conflitos internacionais, além de ter defendido que instituições multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, deem prioridade às necessidades das nações em desenvolvimento, sobretudo na área de infraestrutura, e estudem formas de renegociação de dívidas de países em dificuldades. O governo quer criar um ambiente que evidencie as falhas no modelo atual. Por isso, as críticas feitas por Lula e por outros membros do governo seguirão sendo feitas de maneira frequente. Outro caminho para essa demonstração é criar um debate robusto sobre os pilares da presidência brasileira: o desenvolvimento sustentável, o combate à fome e à desigualdade, para provar que o modelo das instituições financeiras antigas, em vigor até o dia de hoje, não sustenta essas políticas. O desafio é envolver todos os países nesses debates. A avaliação é que o combate à fome, à desigualdade e às mudanças climáticas são mais tangíveis, enquanto o assunto da governança pode ter mais desavenças. 

 O que é o G20 A presidência do G-20, inédita para o Brasil, é considerado o ponto alto da agenda internacional de Lula e o evento mais importante para a posição internacional do país. O Brasil assume o comando do grupo da Índia, e passará para a África do Sul em dezembro de 2024. O G-20 reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e, a partir deste ano, a União Africana. O grupo responde por cerca de 85% do PIB mundial, 75% do comércio internacional e 2/3 da população mundial. São membros fixos do G20, além do Brasil, África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia, União Africana e a União Europeia. A presidência brasileira terá ainda oito países convidados: Angola, Egito, Nigéria, Espanha, Portugal, Noruega, Emirados Árabes Unidos e Singapura. 

Desde o primeiro mandato de Lula, a política externa tem buscado um alinhamento com outros países em desenvolvimento. Na lista, constam três países da África: Angola, Egito e Nigéria. O G20 nasceu em 1999 como um fórum de ministros de Fazenda e presidentes de Bancos Centrais. Em 2008, durante a crise econômica mundial, os chefes de governo entraram em cena e o Brasil mobilizou os países membros para o enfrentamento da crise.  

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Trade and geopolitics: Five key takeaways from the G20 summit - Mekhla Jha

Trade and geopolitics

Five key takeaways from the G20 summit

Mekhla Jha, 12 September 2023

 

    The recently concluded G20 summit may be better remembered for its watered-down consensus on the war in Ukraine, but it also saw the US and India seizing an opportunity to lay down the conceptual underpinnings of what might be an answer to China’s Belt and Road Initiative, in the form of a new economic corridor. 

Here are our five key takeaways from the India G20 summit:

 

Takeaway #1: Dithering over Ukraine

G20 leaders have been deeply divided over the Russian invasion of Ukraine. The 2022 Bali summit stated that "most members strongly condemned the war in Ukraine," but added "there were other views" under pressure from Moscow and Beijing. This year, while the group reached consensus on a joint declaration, there was a discernible softening of the language around Russia’s role in the Ukraine war. All references to Russia, Russian aggression, and calls for Russia’s “complete and unconditional” withdrawal from the war that featured in last year’s joint statement were removed. The declaration instead emphasized that states must “refrain from the threat or use of force to seek territorial acquisition” and that “the use or threat of use of nuclear weapons is inadmissible”. The watering down of the G20’s position on Russia was the most notable takeaway for many commentators. The Ukraine war continues to bedevil global trade, and is cited as among the key headwinds to the world economy. Moscow said last month it was pulling out of a United Nations-led deal to allow safe passage of Ukrainian grain, a key export to global markets. India and China remain big buyers of sanctioned Russian oil. Kyiv's foreign ministry spokesman Oleg Nikolenko hit out at this year’s G20 statement, saying the G20 had “nothing to be proud of”.

 

Takeaway #2: The US broaches a trade super-corridor

The US laid out a multinational rail, shipping, and trade and investment connectivity project linking India with the Middle East and Europe on the sidelines of the summit, in a step seen as a challenge to China’s ambitious economic expansion plans in these regions. The so-called “India-Middle East-Europe Economic Corridor”, hailed as a ‘really big deal’ by President Joe Biden, includes India, Saudi Arabia, the United Arab Emirates, Jordan, Israel, and the European Union. While exploratory by nature, it aims to boost trade, deliver energy resources, and improve digital connectivity by providing infrastructure support such as rail links as well as undersea and power cables, a hydrogen pipeline, and other high-speed data infrastructure. The memorandum of understanding can be viewed as a plan to counter China’s Belt and Road push to develop global infrastructure by pitching Washington as an alternative partner and investor for developing countries. It remains to be seen whether and how the ambitious project will pan out but if the group can pull it off, this could mean huge gains for trade and investment.

 

Takeaway #3: Small gains on climate

For the first time, the G20 backed a target of tripling renewable energy capacity and laid out the need for global emissions to peak before 2025. The group also agreed in the summit’s statement that limiting warming to 1.5 degrees Celsius will require reducing greenhouse gases by 43% by 2030 from 2019 levels and that developing countries will need US$5.9 trillion in funding to achieve their climate targets. However, G20 leaders failed to agree on a phase-out of fossil fuels, with the member states, home to 93% of the world’s operating coal power plants and around 80% of global emissions, committing only to a “phase down” of coal. A Global Biofuels Alliance (GBA), launched by India in its role this year as the chair of the summit, is meant to help accelerate this “phase down” by promoting the adoption of biofuels through technological advancements, increasing the use of sustainable biofuels, and establishing robust standards and certification processes. Supported by the US, Brazil, Italy, and other nations, the alliance is expected to assist G20 nations in reducing their reliance on fossil fuels over the next three years.

 

Takeaway #4: The implications of China’s absence

Xi Jinping, who has never missed a G20 summit since taking power in 2012, was conspicuously absent from the New Delhi summit. China’s absence has invited a wide array of speculation and interpretations including a possible snub to India, whose relations with China have frayed over a border dispute, Beijing’s perception that the G20 harbors an anti-China agenda, and plans to reshape global governance by strengthening forums and platforms where China has a more central role. While China has provided no explanation for his absence, Beijing’s reticence has raised questions about Xi’s scheduled attendance at the upcoming Asia-Pacific Economic Cooperation summit in San Francisco in November. Much depends on whether the US and China can effectively rebuild some trust, even through symbolic gestures, in the next few months. Beijing last week called on Washington to “show real sincerity”.

 

Takeaway #5: India’s shift from non-alignment to multi-alignment

India’s G20 presidency is the culmination of a year of the evolution of India’s foreign policy from non-alignment to multi-alignment. With a foot in seemingly all camps, New Delhi is emerging as a big winner from global bifurcation. In May 2022, India participated in the leaders’ summit of the Quadrilateral Security Dialogue (Quad) in Tokyo, On the sidelines of the Quad Summit, India also became a member of the US-led Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity (IPEF), though New Delhi later pulled out of one of the framework’s four pillars. A month later, Prime Minister Narendra Modi attended the 14th BRICS (Brazil, Russia, India, China, and South Africa) Summit, hosted by Beijing, though he did so virtually. Modi later last year attended the Shanghai Cooperation Organisation (SCO) Summit, a grouping established by China and Russia on political, economic, and security cooperation, and took over the presidency of the SCO for 2023. India is gaining from US friend-shoring and now is part of the proposed Middle East-Europe trade corridor. While India’s G20 presidency is a confirmation of India’s status as a major emerging global power and its role as the bridge between the developing and developed world, it is also a reminder of a skilful – if some might say cynical – multi-alignment foreign policy in an increasingly polarized world. As it reaps gains from this power broker role, one question remains: Can India be in this enviable position for long?

 

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domingo, 17 de setembro de 2023

O G20 (doravante G21) NÃO É o grupo mais importante - Jim O’Neill, Paulo Roberto de Almeida (Project Syndicate)

 O criador do acrônimo BRIC em 2001 (como mera carteira de investimentos para fundos institucionais), já deformado para BRICS em 2011, e agora totalmente desfigurado para BRICS+, com a inclusão de seis novos membros muito pouco representativos, acha que nem esse “grupo” (a serviço da China), nem o G7, a coalizão formada nos anos 1970 com as economias então dominantes, representam a base de um entendimento global. Ele está totalmente enganado: a declaração final do G20 de Nova Delhi — a partir de agora G21, com a inclusão da União Africana — não reflete nenhum consenso global, nem sobre os desafios comuns (meio ambiente e problemas sociais e desequilibrios entre regiões), nem sobre o mais importante desafio à paz e segurança internacionais: a guerra de agressão contra a Ucrânia pela Rússia de Putin (sequer mencionados na Declaração). Adicionalmente, a UA não é, nem nunca será o equivalente da UE, na economia  mundiais. Jim O’Neill equivocou-se na sua análise: o mumdo está tão fragmentado atualmente como esteve na primeira Guerra Fria.

Paulo Roberto de Almeida

The G20 Wins the Group Battle

Jim O’Neill
Project Syndicate, September 16, 2023

The joint declaration that emerged from last week’s summit in New Delhi offered further confirmation that the G20 is the only body with the scope and legitimacy to offer truly global solutions to global problems. Alternative groupings such as the G7 and the new expanded BRICS look like sideshows in comparison.

London - NDON – Following the recent summit of the BRICS (Brazil, Russia, India, China, and South Africa), where the group agreed to add six new  members I argued 


that neither it nor the G7 (Canada, France, Germany, Italy, Japan, the United Kingdom, and the United States – plus the European Union) has the credibility or the capacity to tackle global challenges. That leaves the G20 (comprising 19 of the world’s largest economies, plus the EU) as the only grouping with the legitimacy to offer truly global solutions to global problems.

The joint declaration that emerged from last week’s G20 summit in New Delhi provides further confirmation of this. Member states reached a consensus to address a wide range of issues. Despite obvious challenges – such as the considerable differences in how member states operate – they managed to reassert the G20’s relevance after a lengthy period in which its role had been called into question.


We should applaud those who played the biggest roles – presumably India and the US – in pushing through the final communiqué. The New Delhi declaration could be the first step in a stronger concerted effort to address global issues like climate change, the need for a revamped World Bank, infectious disease control, economic stability, the war in Ukraine, and other matters. Though this agenda was agreed in the absence of Russian President Vladimir Putin and Chinese President Xi Jinping, the Russian and Chinese representatives who did attend would not have signed on to anything without having cleared it with their respective governments.

Many speculate that Xi skipped the summit in order to snub India – one of China’s longstanding rivals – and Indian Prime Minister Narendra Modi. Whatever the motive, his decision had the effect of undermining the significance of the recent BRICS meeting, which many saw as a victory for China.

As I argued last month, the lack of Indo-Chinese solidarity will be a major stumbling block for the new BRICS. Now, Xi’s absence from the G20 summit has deepened the divide between the two countries. If Xi wants to convince us otherwise, he will need to reach out to Modi. As matters stand, the success of the G20 meeting makes Modi the clear winner in this season of summitry. Perceptions matter, and right now he looks more like a visionary statesman than Xi does.

Moreover, the G20 achieved another subtle, but important, step by agreeing to expand its ranks to include the African Union – making it a G21. This breakthrough gives Modi a clear diplomatic victory, allowing him to burnish his image as a champion of the Global South. It also further underscores the seemingly random nature of the BRICS’ own expansion, which includes Egypt and Ethiopia, but not other, more important African countries, such as Nigeria. The big question now is whether a permanent seat at the table will make the African Union itself a more effective body.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O abraço dos párias - Editorial, O Estado de S. Paulo

O abraço dos párias

Editorial, O Estado de S. Paulo (15/09/2023)

O apelo de Putin ao lunático Kim mostra que suas cartas estão acabando, mas pressagia riscos para a Ucrânia, para as democracias, a estabilidade na Ásia e para a segurança global

Depois da primeira invasão da Ucrânia, em 2014, a Rússia foi expulsa do G-8. Após a segunda invasão, Vladimir Putin faltou às duas cúpulas do G-20 e foi “desconvidado” da última cúpula do Brics pela África do Sul, que se veria obrigada a cumprir uma ordem de prisão expedida pelo Tribunal Penal Internacional. Com efeito, sua única visita internacional (sem contar os antigos satélites soviéticos que hoje integram o Tratado de Tasquente, a Otan russa) foi ao Irã. Agora, Putin estendeu o tapete vermelho para Kim Jong-un, o neto do tirano fantoche imposto por Stalin à Coreia do Norte, o Estado mais fechado e totalitário do mundo – uma versão em miniatura, mas com esteroides, do que a Rússia está se transformando sob Putin.

O conclave na base espacial de Vostochny foi celebrado com pompa e circunstância pelas mídias dos dois regimes, e Kim prometeu “apoio pleno e incondicional” à Rússia em sua “luta sagrada contra o Ocidente”. Mas não houve comunicados oficiais. É certo, no entanto, um acordo para o fornecimento de armas à Rússia.

Isso representa um risco iminente para a Ucrânia. Após o fracasso fragoroso de seu Plano A, uma blitzkrieg contra a Ucrânia, Putin aposta numa guerra de atrito, na expectativa de que o tempo exaurirá as forças ucranianas e a solidariedade ocidental. Mas Kiev tem realizado avanços, ainda que modestos, em sua contraofensiva. O Kremlin está com dificuldades de repor sua munição, e os recrutamentos compulsórios têm gerado desgosto na população. A Coreia do Norte tem amplos estoques e fábricas de bombas e foguetes, a maioria baseada em tecnologias soviéticas compatíveis com o arsenal russo. O acordo pode envolver ainda mísseis balísticos de curto alcance, blindados, drones e até mesmo tropas.

Em troca, a Rússia pode oferecer óleo cru e grãos a um país famélico e falido. O principal interesse de Kim, contudo, está na transferência de tecnologia para modernizar seu arsenal. Isso intensificaria as tensões na Ásia. Vizinhos apreensivos com um Estado errático e agressivo poderiam responder escalando sua corrida por arsenais.

A China, que exerce um poder tutelar sobre os dois países, não tem interesse nessa instabilidade e pode interferir para limitar esse escambo sinistro. Mas só em parte. Pequim não vê nenhum problema em uma guerra prolongada na Europa e certamente se compraz com a tal “luta sagrada” contra o “imperialismo” ocidental.

O pacto pode ainda intensificar a degradação do controle global de armas nucleares, já no seu ponto mais periclitante desde a guerra fria. Nem à Rússia nem à China interessa robustecer as capacidades nucleares de Kim. Mas, a depender da barganha, Moscou pode violar seus compromissos com as sanções da ONU à Coreia do Norte e cooperar com o desenvolvimento não só de satélites de espionagem, como de mísseis e submarinos nucleares.

O conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, advertiu que os países “pagarão um preço”. Mas anos de sanções unilaterais e mesmo multilaterais tiveram impacto limitado sobre a Coreia do Norte, e a Rússia tem engendrado meios de contornar essas barreiras para financiar sua guerra. No G-20, as potências ocidentais se viram obrigadas a aliviar as pressões pela condenação da Rússia para garantir uma declaração conjunta e impedir o malogro da presidência rotativa da Índia, com quem contam para reequilibrar as relações de poder na Ásia. O presidente americano, Joe Biden, legitimamente preocupado com uma escalada, tem hesitado em enviar mísseis de longo alcance para a Ucrânia, apesar do apoio bipartidário do Congresso. A hesitação pode se transformar em franca recusa se Donald Trump for eleito no ano que vem, algo com que Putin conta.

Nada de bom pode sair desse abraço sombrio dos párias. Ele pressagia ameaças para a Ucrânia, para a estabilidade na Ásia, para o eixo democrático e para a segurança global. Se há um aspecto positivo, é o fato de que ele revela que as cartas de Putin estão se esgotando. Mas mesmo esse consolo é ambivalente. Déspotas desesperados são mais, não menos, perigosos.


quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Uma aposta sobre o futuro do G20 na gestão do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Uma aposta sobre o futuro do G20 na gestão do Brasil

Creio que Lula ainda não se deu conta que está diante do mais crucial desafio à paz e à segurança internacionais desde a IIGM, justo ao começar a sua presidência do G20 em 2024. 

Ou seja, ele vai tentar presidir esse foro de debates focando sua atenção sobre questões totalmente secundárias em relação aos temas tradicionais do G20, mas deixando a guerra de agressão à Ucrânia completamente de lado? 

E ainda aderindo ao lado errado?

Ele tem certeza de que quer continuar do lado da China e da Rússia?

Ele pensa ter algum sucesso com seus dotes de retórica grandiloquente em torno apenas de questões sociais?

Tenho a impressão de que a diplomacia profissional terá de fazer enormes esforços de convencimento de parceiros externos para conseguir algum consenso em torno dos seus temas preferenciais numa deterioração constante das relações internacionais.

Não gostaria de parecer pessimista, mas vou registrar esta postagem no meu calendário justo na cúpula do G20 no segundo semestre de 2024, para verificar se acertei ou errei redondamente.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8/09/2023

terça-feira, 12 de setembro de 2023

A face brasileira do G20 - Marcos Magalhães (Metrópoles, Blog do Noblat)

 

A face brasileira do G20

Marcos Magalhães

Lula na busca da construção de um mundo mais justo e de um planeta sustentável

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/a-face-brasileira-do-g20-por-marcos-magalhaes

Ricardo Stuckert/PR
Lula na Índia, com lenço no ombro e marca indiana na testa -- Metrópoles

“Um mundo justo e um planeta sustentável”. Esses são os dois ideais que vão orientar, a partir de dezembro, a presidência brasileira do G20, segundo anunciou no domingo em Nova Dehli o presidente Luís Inácio Lula da Silva, ao final da cúpula do grupo.

As duas metas fazem sentido em um mundo ainda marcado por enormes desigualdades e por uma crise climática que começa a mostrar sua face em diversas partes do planeta.

Não basta, porém, que estejam em destaque na declaração final a ser aprovada na cúpula do Rio de Janeiro, em 2024.

Ambas precisam encontrar seu caminho no mundo real, onde as disputas de poder entre os Estados mais poderosos ditam a agenda de maneira mais intensa que as imagens de pessoas famintas e de fenômenos climáticos extremos.

Nas palavras do presidente brasileiro, a busca da construção de um mundo mais justo e de um planeta sustentável atende às duas prioridades estabelecidas pelo país para o comando rotativo do G20: a inclusão social e a transição energética. Ao lado de uma terceira prioridade – a reforma da governança global.

A pobreza só alcança os olhos dos habitantes dos países mais ricos por meio de fotos e imagens distribuídas por redes de televisão e canais de notícias na internet. Os números mostram, porém, como ela está presente no dia a dia da metade menos desenvolvida do planeta.

Mais de 700 milhões de pessoas enfrentam a fome, segundo o mais recente relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Outros 2,4 bilhões de seres humanos passam por insegurança alimentar moderada ou grave. Ou seja, quase 30% da população mundial.

Em artigo publicado na imprensa brasileira durante a cúpula da Índia, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, anunciou a intenção de estabelecer uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, com foco na garantia de acesso a alimentos e no financiamento à geração de renda às populações mais vulneráveis.

“Desejamos cooperar e inspirar”, escreveu Vieira. “Já provamos uma vez que só podemos eliminar a fome por meio de políticas públicas que reduzam as desigualdades, eliminem a pobreza e garantam às populações a possibilidade de acesso a alimentos adequados, saudáveis e produzidos de forma sustentável”.

No mesmo artigo, o ministro lembrou ser prioridade do governo a adoção de medidas de combate à mudança climática, como o controle do desmatamento. Ao lado de estímulo à bioeconomia, com destaque para produtos derivados da biodiversidade brasileira.

O próprio presidente Lula, por sua vez, defendeu no encerramento da cúpula de Nova Dehli maior participação de países emergentes nas decisões de órgãos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – além do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Dessa forma, por um lado seria possível equacionar de maneira mais favorável as dívidas contraídas por países em desenvolvimento junto às instituições multilaterais. Por outro, dar a esses países mais voz em decisões que afetam a estabilidade global.

Todas essas metas parecem dignas, pelo menos, de constar da pauta dos grandes debates globais. Mas elas vão concorrer, tanto nas mesas de negociação quanto nas manchetes dos principais órgãos mundiais de imprensa, com temas bem mais ligados às disputas de poder.

Os fatos que precederam a conferência na Índia já indicavam os desafios políticos do momento global. Ainda envolvido com a guerra na Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não foi a Nova Dehli. O presidente da China, Xi Jinping, também evitou o encontro devido a tensões crescentes com o país vizinho, onde se reuniria o G20.

Após a cúpula, contabilizaram-se perdas e ganhos. Políticos, naturalmente. A Índia saiu como grande vencedora, ao conseguir aprovar por consenso uma declaração final – com palavras mais leves sobre o conflito na Ucrânia. E se posicionou como líder do chamado Sul Global.

A Índia também anunciou a criação de uma frente de países em defesa dos biocombustíveis, como Brasil e Estados Unidos, e de uma nova conexão ferroviária do sul da Ásia com a Europa – em direta competição com os caminhos da chinesa Belt and Road Initiative.

Cientistas políticos ouvidos antes e depois da cúpula também demonstraram o peso das disputas políticas entre as principais potências. Foi o caso do professor John Ikenberry, da Princeton University, em entrevista à publicação Foreign Policy.

“Existe uma crescente divisão no mundo entre um bloco ocidental, do G7, e um bloco oriental, liderado por China e Rússia”, expôs Ikenberry. “Entre eles estão os países do Sul Global, que, por motivos pragmáticos, buscam uma oportunidade de apresentar sua agenda de desenvolvimento e de justiça social”.

Agora será a vez de o Brasil levar adiante essa agenda. Em um mundo de crescentes rivalidades geopolíticas, não será fácil colocar em primeiro plano temas como combate à pobreza e desenvolvimento sustentável. Mas vale a pena tentar.

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018



sexta-feira, 8 de setembro de 2023

O que esperar de aliança por etanol que o Brasil, Índia e EUA devem lançar amanhã no G20 - Felipe Frazão (O Estado de S. Paulo)

 O que esperar de aliança por etanol que o Brasil, Índia e EUA devem lançar amanhã no G20

Por Felipe Frazão


ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLHI - 
Brasil, Índia e Estados Unidos planejam lançar neste sábado, 9, uma aliança global de biocombustíveis, como forma de fomentar, sobretudo, a produção e o consumo do etanol no mundo. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden, e o anfitrião, o primeiro-ministro Narendra Modi, lideram a iniciativa e participam do evento de lançamento, em paralelo à 18ª Cúpula do G-20, em Nova Délhi. A iniciativa conta com o apoio do setor produtor de etanol no Brasil, e o governo vê na Índia um mercado potencialmente interessante para o biocombustível brasileiro. Analistas alertam, no entanto, que a demanda mundial pelo produto ainda é muito baixa. A aliança de biocombustíveis reúne três dos cinco principais produtores de etanol do mundo. Os EUA, com seu etanol de milho, respondem por 55% da produção mundial, segundo a RFA (Associação de Combustíveis Renováveis). Na vice-liderança do ranking, o Brasil produz o equivalente a 27% desse total. A Índia é a quinta colocada, com 3%, atrás da UE, com 4,8% e da China, com 3,1%. De olho em mercados emergentes 

A ideia da aliança, batizada de Global Biofuels Alliance – GBA (em inglês) surgiu de uma demanda da indústria de produção de etanol, que começou a se articular em janeiro com representantes do setor nos demais países. Participam as associações do setor privado de cada país: a brasileira Única, a indiana Isma - Indian Sugar Mills Association -, a norte-americana US Grains Council e a europeia ePure. Elas acabaram adiando o projeto, para inserir o setor público. Em julho, os ministros de Energia dos três países que encabeçam a estratégia lançaram a iniciativa em Goa, em reunião preparatória do G-20. O plano é vender biocombustível a nações em desenvolvimento, que podem ter no uso do etanol uma forma de redução da pegada de carbono no setor de transporte, seja terrestre, aéreo ou marítimo. 

 Nesse cenário, governo e setor privado apostam que a expansão do mercado global de etanol vai abrir caminho ainda para maior inserção no mundo da engenharia automotiva brasileira, que poderá virar uma referência por já ter consolidado o desenvolvimento de veículos a etanol, bi-combustíveis e autopeças. Biocombustíveis e descarbonizaçao Evandro Gussi, presidente da principal associação brasileira do setor, a Única (União da Indústria de Cana de Açúcar e Bionergia), afirma que o futuro é da coexistência de alternativas aos combustíveis fósseis. Segundo ele, o mercado vai se expandir globalmente nos próximos 25 anos com demanda crescente pelos biocombustíveis – até três vezes maior no transporte terrestre - e o desafio é convencer as indústrias a considerarem o etanol como alternativa em diversos mercados, para adaptação de automóveis, de aviões e embarcações. O argumento da Única é que nem sempre a solução da eletrificação basta. A Índia é considerada um caso que exemplifica o problema. Cerca de 76% da energia elétrica do país vem de combustíveis fósseis, sobretudo a queima de carvão mineral, um grande emissor de poluentes, que responde por cerca de 70%. Portanto, eletrificar a frota nacional não bastaria. É daí que vem a aposta no etanol. 

A África do Sul é outro exemplo de mercado potencial. “Temos que descarbonizar. Como vamos fazer depende da melhor solução, do que é mais apto para a situação econômica, social e ambiental de cada país e região”, afirma Gussi. “Eletrificação não é sinônimo de descarbonização. Se a energia elétrica é mais suja, o carro a etanol pode ser melhor do que o elétrico. Vamos ter espaço para os dois. " “Desde segurança para motores, sistema de injeção dos veículos, até controle da pegada de carbono, o Brasil produziu muita informação. A troca com indianos em larga escala fez com que entendêssemos mais e criamos um centro de excelência virtual onde tem um repositório desse material. A ideia agora é que isso se expanda numa aliança global de modo a acelerar esses processos nos demais países com vocação na Ásia, na África e na América Latina.” Índia como mercado estratégico 

Além do setor privado, o Itamaraty também vê o mercado indiano é estratégico. O governo de Narendra Modi anunciou recentemente um plano para aumentar a mistura do etanol na gasolina para 20%, até 2025. O primeiro-ministro passou a considerar o etanol como uma das prioridades estratégicas do país. Em 2019, a mistura era de 1,4% na gasolina, e agora está no patamar de 10%. “Não vamos exportar etanol para a Índia, mas garantir que possa ser parte da solução de descarbonização. Já existe na Índia a definição política de que o etanol é parte da solução, medida de segurança energética e de criação de empregos”, diz o embaixador do Brasil em Nova Délhi, Kenneth Nóbrega. “Vamos consolidar o etanol como rota tecnológica. Vamos exportar conhecimento, A oportunidade de ganharmos dinheiro é com o motor flexfuel, na cadeia de produção industrial, com propriedade intelectual, know-how, melhoria de processos na indústria do açúcar, máquinas e tecnologia de autopeças”, acrescenta. Baixa demanda internacional Na avaliação de João Victor Marques, pesquisador da FGV Energia,no entanto, um dos desafios da aliança será lidar com um mercado global que ainda tem uma baixa demanda pelo biocombustível. “Precisa criar uma demanda que muitos países não têm”, diz Marques. Hoje, a participação do biocombustível na matriz de consumo energético nos transportes é de 21% no Brasil, mas, na média global, é de apenas 4%. “Não tenho clareza de quais serão os instrumentos dessa cooperação que vai surgir entre os países, mas deve trazer algum tipo de geração de fomento de negócios”, afirma o pesquisador. Ainda de acordo com o especialista da FGV, a nova aposta no etanol precisa alcançar mais países para funcionar. “Esforços foram feitos no passado, no governo Bush e nos primeiros governos Lula, para tornar o etanol uma commodity internacional. Era uma iniciativa mais bilateral e que acabou sem um alcance global”, lembra. A Única também reconhece a necessidade de expansão do etanol para outros países. “Temos uma solução tecnológica que entrega a descarbonização que o mundo precisa, mas ela está muito concentrada no Brasil. 

Ficar com uma solução isolada, ilhada, em energia, não é inteligente. Ninguém quer um novo gás russo, ninguém quer um novo Oriente Médio da década de 1970″, cita Evandro Gussi. Como funcionará a aliança A aliança deve ser lançada com 19 países participantes, segundo estimativas de fontes envolvidas no projeto. Os países já deixaram prontos os protocolos de adesão e participação, com minutas de textos negociadas por diplomatas e os respectivos órgãos governamentais de energia. Eles vão criar uma organização interna da GBA. Brasil, Índia e Estados Unidos querem criar um “cinturão de bioenergia”, na zona tropical, para irradiar conhecimento, disseminar o consumo e estimular a produção etanol pelo mundo. A aliança vai fomentar ainda o biodiesel, o biometano e os SAF (Sustainable Aviation Fuels), cujo desenvolvimento também pode incluir o uso do etanol, por meio do processo conhecido como ATJ (Alcohol‐to‐Jet), para obtenção de bioquerosene de aviação. Entre os membros confirmados estão Argentina, Canadá, Paraguai, Bangladesh, Ilhas Seychelles, Ilhas Maurício, Quênia, Uganda e Emirados Árabes Unidos. Há interesse do setor de abrigar mais países em desenvolvimento na Ásia e na África. Na Europa, a Itália foi um dos únicos a manifestar interesse em ingressar, de acordo com embaixadores a par das negociações. 

Países da América Central também são vistos como potenciais integrantes. Além do Brasil, Índia e Estados Unidos, estarão representados no lançamento a África do Sul, a Argentina, os Emirados Árabes Unidos, a Itália e as Ilhas Maurício, dentre os membros da aliança; e Bangladesh, Canadá e Singapura, como observadores, segundo o governo federal. Entre os países vistos como potenciais produtores em grande escala, mapeados pelo setor privado, estão Indonésia, Tailândia, Vietnã, Paquistão, Filipinas, África do Sul, Moçambique, Angola, Quênia, Etiópia, Colômbia, Panamá e El Salvador. 
COLABOROU LUIZ GUILHERME GERBELLI 

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia - Paulo Roberto de Almeida (Revista Crusoé)

Meu artigo na Crusoé desta sexta-feira 1/09/2023, mas escrito antes do encontro, que é só na semana que vem:

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre a reunião de cúpula do G20 na Índia.

Revista Crusoé (1/09/2023; link: https://oantagonista.com.br/mundo/crusoe-o-brasil-de-lula-3-no-g20-da-india/). Relação de Originais n. 4465; Relação de Publicados n. 1521. 

 

A 18ª reunião de cúpula do G20, a ser realizada em New Delhi, capital da Índia, não será propriamente uma novidade para Lula, que já participou dos primeiros encontros desse grupo desde que ele foi originalmente convocado para tratar da crise financeira de 2008, pelo próprio presidente George Bush, em Washington. O grupo deriva diretamente, embora em nível hierárquico inferior, do Financial Stability Forum, que por sua vez tinha nascido na crise financeira anterior, na segunda metade dos anos 1990. A diferença entre a natureza de um e outro grupo das economias mais relevantes do planeta está em que o antigo Forum tinha no seu certificado de nascimento uma crise, mais uma, de países em desenvolvimento, ao passo que o G20 deu seu primeiro passo, em nível de chefes de Estado, após a implosão da bolha imobiliária no mercado americano, seguida de seu impacto no sistema bancário e de seguros, se espalhando logo depois para os demais países desenvolvidos, devido aos efeitos sistêmicos dos derivativos financeiros criados a partir das hipotecas avalizadas por agências financeiras oficiais do governo americano e alegremente adquiridos por investidores da Europa e do Japão, certos de que o Triplo A atribuído a esses derivativos era para valer.

(...)

O G20 de Nova Delhi ocorre em outras condições, bem mais difíceis do que os exercícios anteriores, sob o impacto do segundo ano da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, de certo modo uma extensão da mudança de humor já iniciada quando da invasão e anexação ilegal da península da Criméia em 2014, quando a Rússia foi expelida do então “puxadinho” do G8, uma das várias sanções econômicas introduzidas contra o agressor pelos países ocidentais. Naquela ocasião, rompendo com a tradição do Itamaraty de estrito respeito às normas do Direito Internacional e de absoluto respeito à Carta da ONU, a presidente Dilma Rousseff não tomou qualquer posição a respeito da grave violação da soberania ucraniana, a pretexto de que tal invasão era um “problema interno da Ucrânia”. Foi um primeiro exemplo do baixo acatamento, pela diplomacia presidencial, dos padrões habituais do Itamaraty de adesão a princípios consagrados da legalidade internacional, práticas mais adiante continuadas, sob diferentes pretextos, pela diplomacia de Bolsonaro e de Lula 3.

(...)

Num contexto no qual o encantamento inicial com a terceira presidência Lula já deu mostras de arrefecimento junto aos principais governantes dos países ocidentais – em princípio, exatamente por causa da violação ao Direito Internacional causada pela Rússia e pouco enfatizada pelo governo Lula –, essa presidência do G20 pode ajudar a corrigir um pouco essa má percepção de suas atuais “alianças” internacionais, ou continuar a empanar a sua imagem  junto ao Ocidente e até a liderança na própria região, onde outros líderes progressistas – como Boric do Chile, ou Petro da Colômbia – já deram mostras de maior comprometimento com uma diplomacia fundada no respeito à Carta da ONU. Esperava-se mais de um governo declaradamente a favor, assim como o próprio Itamaraty, da estrita solução pacífica das controvérsias entre Estados. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Lula visita a ditadura cubana antes de seguir para os EUA

 É uma mentira que o povo cubsno passe necessidades por causa do embargo americano: remédios e alimentos estão isentos do embargo, e os EUA são o PRIMEIRO FORNECEDOR DE ALIMENTOS para a ilha-prisão do Caribe. Ela é miserável como são todos os socialismos!

Lula fará visita a Cuba em setembro Presidente brasileiro fará visita ao país no dia 15 de setembro, antes de seguir para Nova York, onde participa da Assembleia Geral da ONU 

O Globo, AFP, Bloomberg, 30/08/2023

 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá viajar para Cuba no dia 15 de setembro. Ele cumprirá agenda no país caribenho, antes de seguir para Nova York, onde participará da Assembleia Geral da ONU. Nos EUA, a agenda presidencial seguirá do dia 16 até 22 de setembro. No início do mês, entre os dias 7 e 11, Lula ainda viajará para a Índia, para participar do encontro do G20, grupo de países em desenvolvimento. Em Cuba, Lula participará de uma agenda do chamado G77, grupo que congrega os países em desenvolvimento. Esta será a segunda agenda bilateral entre Lula e o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel. Em junho, os dois se reuniram em Paris, na França, o que foi celebrado pelo governo petista como uma "retomada do diálogo com Cuba, abandonado nos últimos anos pelo governo anterior". Há cerca de 20 dias, o assessor para assuntos internacionais do Palácio do Planalto, Celso Amorim, viajou para Havana e esteve com o presidente cubano. Foi mais um passo de reaproximação do Brasil com países que se distanciaram no governo do ex-presidente Michel Temer e perderam totalmente a importância na gestão de Jair Bolsonaro. A situação do povo cubano, devido às sanções aplicadas há mais de 40 anos pelos Estados Unidos, é uma das preocupações do governo Lula. Existe a possibilidade de o presidente brasileiro voltar a defender o fim do embargo americano, para melhorar as condições de vida da população da ilha caribenha, durante sua ida aos EUA, onde participará da Assembleia-Geral da ONU. Em 2022, o comércio bilateral entre Brasil e Cuba totalizou US$ 292,6 milhões, tendo registrado um aumento de 60,3% em relação a 2021. Em 2023, entre janeiro e maio, as exportações, importações e balança comercial registram um superávit para o Brasil de US$ 67,7 milhões. Encontro na ONU Nos EUA, em um evento conjunto durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula e o presidente americano, Joe Biden, defenderão melhores condições de trabalho nos dois países, segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Marinho disse em entrevista à Bloomberg nesta segunda-feira que os dois líderes “vão lançar uma espécie de manifesto” sobre a necessidade de melhorar as relações trabalhistas, ambiente de trabalho e remuneração. A reunião está marcada para 19 de setembro, em Nova York, após os dois presidentes discursarem na Assembleia Geral, segundo pessoas do governo brasileiro familiarizadas com os planos, que pediram anonimato. Biden e Lula divergem sobre questões como a guerra na Ucrânia e relações com a China. Mas as autoridades brasileiras disseram que os líderes estão em sintonia no apoio aos sindicatos em seus países. Biden se diz o presidente mais pró-sindical da história dos EUA e tomou medidas para fortalecer os sindicatos, um ponto-chave para sua coalizão para as eleições do ano que vem. Os presidentes conversaram pela última vez por telefone em 16 de agosto, quando discutiram objetivos comuns sobre o clima e outras questões. Biden recebeu Lula na Casa Branca em fevereiro. A reunião ocorrerá em um momento em que o Brasil trabalha com aliados para aumentar a influência do Brics. Na semana passada, os líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul concordaram em convidar Arábia Saudita, Irã, Egito, Argentina, Etiópia e Emirados Árabes Unidos a se unirem ao bloco. Com AFP e Bloomberg)


terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Brasil, com G20 em 2024, pode liderar aliança global pró-democracia? Ilusão completa de ativista pró-democracia - Fernanda Mena (FSP)

Brasil, com G20 em 2024, pode liderar aliança global pró-democracia, diz ativista

Após ataques em Brasília, Salil Shetty, da Open Society Foundations, vê Lula capaz de unir forças contra avanços da extrema direita

Fernanda Mena

Folha de S. Paulo, 16.jan.2023


Ainda sob o impacto dos ataques golpistas em Brasília no último dia 8, ter a oportunidade de presidir a reunião do G20 em 2024 dá ao Brasil condições de ser protagonista de uma aliança global pró-democracia —de resto uma prioridade estabelecida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a recolocação do país na arena da diplomacia.

Mais ainda porque o encontro das principais economias do mundo, que costuma ser palco de debates cruciais para as relações internacionais, não deve avançar na construção de pactos do tipo no encontro deste ano, presidido pela Índia.

O primeiro-ministro Narendra Modi vem implementando com sucesso a cartilha iliberal das novas lideranças da ultradireita nacionalista —incluindo ataques à imprensa e a instrumentalização da Justiça. Não à toa, nos principais índices que medem a saúde das democracias do planeta o país foi rebaixado para "democracia parcialmente livre" (Freedom House), "autocracia eleitoral" (V-Dem) ou "democracia deficiente" (The Economist).

É uma história familiar para o indiano Salil Shetty, vice-presidente global de programas da Open Society Foundation (OSF), organização filantrópica do megainvestidor George Soros, hoje impedida de atuar em Nova Déli sob Modi.

"Na Índia a situação é difícil para muitas organizações. A OSF foi colocada numa lista de vigilância do governo e não pode financiar atividades", conta ele, que foi secretário-geral da Anistia Internacional de 2010 a 2018. "O escritório da Anistia foi fechado, assim como o do Greenpeace. E a licença da Oxfam está com os dias contados."

Ativista de longa data em justiça e combate à pobreza, Shetty hoje também lidera pesquisas no âmbito da Universidade Harvard sobre resistência a regimes autoritários que foram eleitos, nas quais esquadrinha os movimentos de base e da sociedade civil organizada que lutam contra retrocessos nas democracias de sete países: Brasil, EUA, Filipinas, Hungria, Índia, Quênia e Turquia.

Para ele, é o Brasil sob Lula a nação capaz de unir forças pró-democracia e direitos humanos para fazer frente aos avanços da extrema direita global.

"O país pode começar essa aliança desde já, a partir do Sul Global, e envolver outras democracias no encontro de 2024", avalia ele, que também dirigiu a Campanha do Milênio das Nações Unidas e foi diretor-executivo da ONG ActionAid.

Shetty afirma que as semelhanças entre o ataque em Brasília e a invasão do Capitólio nos EUA, dois anos antes, não passaram despercebidas. "Assim como as forças antidemocráticas estão colaborando umas com as outras globalmente, é crucial a reunião de forças pró-democracia e de direitos humanos em nível global, entre atores públicos e privados. O governo Lula, e ele pessoalmente, podem desempenhar um papel fundamental nisso."

Para o executivo da OSF, o vandalismo do 8 de Janeiro, além de chocar o mundo pela destruição nas sedes dos Três Poderes e pela inação das forças de segurança do Estado, representa "um lembrete sombrio do enorme trabalho necessário ao novo governo para garantir o cumprimento da lei e reverter as profundas divisões da sociedade" no Brasil.

"Foi um chamado para o país todo despertar sobre a fragilidade da democracia brasileira e a necessidade de que movimentos sociais sigam alertas e mobilizados em apoio maciço aos direitos humanos e à democracia", afirma.

Nesse sentido, continua, os desafios pós-eleitorais são tão grandes quanto os vencidos no pleito que derrotou Jair Bolsonaro (PL). "Foi uma vitória importante, mas muito apertada. O novo governo tem que apertar o passo na aproximação das divisões da sociedade e numa educação para a democracia."

Shetty esteve no Brasil no início de dezembro para se reunir com ativistas e colher estratégias que potencialmente corroboraram para a derrota nas urnas do agora ex-presidente, que tinha a máquina do Estado a seu favor. "O que os ativistas brasileiros parecem ter feito, e que não vi em outros lugares, foi superar os próprios círculos. Talvez a situação estivesse tão ruim que as pessoas se articularam para se tornar parte de algo maior."

Enquanto alguns grupos impuseram desafios ao governo por meio de ações na Justiça, outros articularam protestos públicos ou atuaram nas plataformas digitais, expondo abusos do governo em posts, vídeos e sites a partir de linguagens de denúncia e de humor. "Essa comunicação em público fez um trabalho incrível e quebrou barreiras entre grupos", diz Shetty.

Ele avalia que Bolsonaro impôs uma crise existencial a diversos grupos sociais, que uniram esforços diante do desafio. "Afro-brasileiros, indígenas, ambientalistas, feministas e outros ativistas se uniram. E esses são grupos que não se juntam facilmente", diz, aos risos. "No Brasil, eles atravessaram suas fronteiras de maneira impressionante. E essa articulação se tornou fonte de inspiração para a resistência em outras partes."

Para Shetty, outros países têm muito a aprender com o Brasil no campo da resistência articulada de movimentos —que serão fundamentais, em sua visão, para sustentar e monitorar o novo governo. "O mundo está olhando para o Lula, para que cumpra um papel importante no cenário internacional e na política externa. Para desafiar ataques à democracia e fazer propostas, tanto na resistência a autocratas quanto na construção de uma democracia que entregue resultados para as pessoas na ponta."

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/01/brasil-com-g20-em-2024-pode-liderar-alianca-global-pro-democracia-diz-ativista.shtml

 

sábado, 12 de março de 2022

O G7 adotou a única postura possível, a do Direito Internacional, a da Justiça; o G20 e o Brasil não têm a mesma postura digna

 O G7 já se pronunciou, claramente e unissonamente, em favor da Ucrânia, contra a agressão russa contra o país. Já o G20, em função da postura vergonhosamente "neutra", "imparcial" ou "equilibrada" de países como o Brasil, não conseguiu tomar posição.

O Brasil de Bolsonaro está realmente do outro lado do mundo.

Paulo Roberto de Almeida


 G7 Leaders’ Statement 


Berlin, 11 March 2022 


We the Leaders of the Group of Seven (G7) remain resolved to stand with the Ukrainian people and government who heroically resist Russian President Vladimir Putin’s military aggression and war of choice against their sovereign nation. This unprovoked and unjustified attack is causing enormous suffering and a tragic loss of life, including through the increasingly indiscriminate bombing and shelling of civilians in schools, homes, and hospitals. 


We are united in our determination to hold President Putin and his regime accountable for this unjustified and unprovoked war that has already isolated Russia in the world. The world should join together in calling on President Putin and his regime to immediately stop its ongoing assault against Ukraine and withdraw its military forces. We stand in solidarity with those who are bravely opposing the invasion of Ukraine. 

We urge Russia to ensure safe and unhindered humanitarian access to victims of its assault in Ukraine, and to allow safe passage for civilians wishing to leave. We call for, and commit to provide, humanitarian, medical and financial support to refugees from Ukraine. 

Since President Putin launched the Russian Federation’s invasion on February 24, our countries have imposed expansive restrictive measures that have severely compromised Russia’s economy and financial system, as evidenced by the massive market reactions. We have collectively isolated key Russian banks from the global financial system; blunted the Central Bank of Russia´s ability to utilise its foreign reserves; imposed sweeping export bans and controls that cut Russia off from our advanced technologies; and targeted the architects of this war, that is Russian President Vladimir Putin and his accomplices, as well as the Lukashenko regime in Belarus. 


In addition to announced plans, we will make further efforts to reduce our reliance on Russian energy, while ensuring that we do so in an orderly fashion and in ways that provide time for the world to secure alternative and sustainable supplies. In addition, private sector companies are leaving Russia with unprecedented speed and solidarity. We stand with our companies that are seeking an orderly withdrawal from the Russian market. 

We remain resolved to isolate Russia further from our economies and the international financial system. Consequently, we commit to taking further measures as soon as possible in the context of our ongoing response and consistent with our respective legal authorities and processes: 


First, we will endeavor, consistent with our national processes, to take action that will deny Russia Most-Favoured-Nation status relating to key products. This will revoke important benefits of Russia’s membership of the World Trade Organization and ensure that the products of Russian companies no longer receive Most-Favoured-Nation treatment in our economies. We welcome the ongoing preparation of a statement by a broad coalition of WTO members, including the G7, announcing their revocation of Russia’s Most-Favoured-Nation status. 


Second, we are working collectively to prevent Russia from obtaining financing from the leading multilateral financial institutions, including the International Monetary Fund, the World Bank and the European Bank for Reconstruction and Development. Russia cannot grossly violate international law and expect to benefit from being part of the international economic order. We welcome the IMF and World Bank Group’s rapid and ongoing efforts to get financial assistance to Ukraine. We also welcome the steps the OECD has taken to restrict Russia’s participation in relevant bodies. 


Third, we commit to continuing our campaign of pressure against Russian elites, proxies and oligarchs close to President Putin and other architects of the war as well as their families and their enablers. We commend the work done by many of our governments to identify and freeze mobile and immobile assets belonging to sanctioned individuals and entities, and resolve to continue this campaign of pressure as a matter of priority. To that end, we have operationalised the task force announced on February 26, which will target the assets of Russian elites close to President Putin and the architects of his war. Our sanctions packages are carefully targeted so as not to impede the delivery of humanitarian assistance. 


Fourth, we commit to maintaining the effectiveness of our restrictive measures, to cracking down on evasion and to closing loop-holes. Specifically, in addition to other measures planned to prevent evasion, we will ensure that the Russian state and elites, proxies and oligarchs cannot leverage digital assets as a means of evading or offsetting the impact of international sanctions, which will further limit their access to the global financial system. It is commonly understood that our current sanctions already cover crypto-assets. We commit to taking measures to better detect and interdict any illicit activity, and we will impose costs on illicit Russian actors using digital assets to enhance and transfer their wealth, consistent with our national processes. 


Fifth, we are resolved to fighting off the Russian regime’s attempts to spread disinformation. We affirm and support the right of the Russian people to free and unbiased information. 


Sixth, we stand ready to impose further restrictions on exports and imports of key goods and technologies on the Russian Federation, which aim at denying Russia revenues and at ensuring that our citizens are not underwriting President Putin’s war, consistent with national processes. We note that international companies are already withdrawing from the Russian market. We will make sure that the elites, proxies and oligarchs that support President Putin’s war are deprived of their access to luxury goods and assets. The elites who sustain Putin’s war machine should no longer be able to reap the gains of this system, squandering the resources of the Russian people. 


Seventh, Russian entities directly or indirectly supporting the war should not have access to new debt and equity investments and other forms of international capital. Our citizens are united in the view that their savings and investments should not fund the companies that underpin Russia’s economy and war machine. We will continue working together to develop and implement measures that will further limit Russia’s ability to raise money internationally


We stand united and in solidarity with our partners, including developing and emerging economies, which unjustly bear the cost and impact of this war, for which we hold President Putin, his regime and supporters, and the Lukashenko regime, fully responsible. Together, we will work to preserve stability of energy markets as well as food security globally as Russia’s invasion threatens Ukraine’s capacity to grow crops this year. 


We continue to stand with the Ukrainian people and the Government of Ukraine. We will continue to evaluate the impacts of our measures, including on third countries, and are prepared to take further measures to hold President Putin and his regime accountable for his attack on Ukraine


sábado, 30 de outubro de 2021

O discurso do mentiroso no G20: um texto alternativo, mais condizente - Bozo e Paulo Roberto de Almeida

 O discurso do mentiroso no G20: um texto alternativo, mais condizente 


Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Em todos os encontros internacionais, é costume a autoridade – dirigente nacional, ministro da área, representante diplomático – ler um discurso oficial, preparado pelo setor responsável, lido cerimoniosamente conforme as instruções, para registro formal. Muitas vezes, a versão proclamada tem pouco a ver com a realidade, mas assim é que se procede nesses encontros diplomáticos, onde se tenta vender a melhor imagem possível. Poucas vezes, contudo, a versão apresentada distorce tanto a realidade que chega a tornar-se ridícula de tão mentirosa. É o caso de todos os discursos oficiais do indivíduo que passa por dirigente do Brasil. Não foi diferente o seu discurso no G20, em 30 de outubro de 2021, em Roma. Abaixo, um exercício de recomposição do que seria um discurso sincero do sujeitinho.

 

Senhoras e senhores líderes do G20,

Senhores, 

É uma grande satisfação para mim participar, presencialmente, deste importante encontro de lideranças em um momento de recuperação econômica mundial. Apesar de termos motivos para comemorar, ainda restam desafios para alcançarmos crescimento econômico mais estável e equitativo.

Confesso que só vim aqui por insistência de meus assessores, que ficaram me chateando o tempo todo, para fazer esta viagem e representar o Brasil neste foro, ao qual não dou a menor importância. Vim mesmo para encontrar o Salvini, talvez o Berlusconi, e receber um prêmio na cidade dos meus antecessores. Apenas isso. 

O Brasil se comprometeu com um programa extensivo e eficiente de vacinação, em paralelo a uma agenda de auxílio emergencial e preservação do emprego para a proteção dos mais vulneráveis. Estamos igualmente comprometidos com uma agenda de reformas estruturantes, essenciais para uma retomada econômica sustentada. Já conseguimos atrair um volume superior a US$ 110 bilhões em investimentos nos setores de infraestrutura e temos a expectativa de alcançar valores ainda superiores até 2022.

A minha ideia, na verdade, era infectar o maior número possível de brasileiros, para que todos ficassem protegidos contra o vírus chinês, pois não há melhor remédio contra uma doença do que pegar a doença e depois ficar curado dela. Eu sou um exemplo dessa realidade. Tive de dar uns trocados para o povo pobre, que perdeu o emprego por culpa dos governadores, mas o STF me proibiu de impedir os lockdowns. Olha, eu não sei quanto dinheiro já saiu do Brasil, mas vocês que são ricos poderiam dizer aos seus capitalistas para não retirar dinheiro do Brasil, pois logo, logo teremos juros nas alturas outras vez.

O histórico acordo concluído pelo G20 e por outros países sobre tributação internacional, no âmbito da OCDE, é também uma contribuição significativa para a sustentabilidade fiscal e econômica

Eu também acho que essas multinacionais deveriam pagar mais impostos, do contrário como é que poderíamos manter a máquina do Estado funcionando?

Os trabalhos do G20 na trilha de finanças renderam resultados importantes para a recuperação da crise econômica, como ilustram a nova alocação de Direitos Especiais de Saque pelo FMI e as medidas para enfrentar desafios relacionados ao meio ambiente e à saúde.

Olha, eu não tenho a menor ideia do que seja essa coisa do FMI, mas se o meu ministro da Economia disse que era bom, fico com ele. Aliás, queria pedir um pouco mais para o Brasil, pois somos o quinto maior país em população do mundo e acho que merecemos mais dessa coisa.

Gradualmente, nossas economias recuperam-se à medida em que a crise sanitária é superada. Esses dois processos de recuperação caminham lado a lado. Ambos têm mostrado a relevância de promovermos um comércio internacional livre de medidas distorcidas e discriminatórias. Eis por que a integração de nossas economias, por meio de fluxos cada vez maiores de comércio e investimentos, constitui parte das soluções que buscamos com vistas à recuperação e ao desenvolvimento sustentável.

Posso dizer a verdade aqui para vocês: o Brasil já se recuperou em V, como disse o meu ministro, e mais um pouco vamos avançar ainda mais no alfabeto, ficando na frente de todos os demais países. Pena que o meu amigo Trump não esteja mais na frente do governo americano, pois ele saberia reconhecer o quanto nossas duas economias avançaram na defesa da soberania nacional e na luta contra algumas potências que querem comprar o Brasil ou internacionalizar a Amazônia, que nunca esteve melhor defendida do que sob o meu governo. Já deslocamos milhares de soldados para a Amazônia, prontos para qualquer eventualidade.

No Brasil, mais da metade da população nacional já está plenamente imunizada de forma voluntária. Mais de 94% da população adulta já recebeu pelo menos uma dose da vacina. Ao todo, aplicamos mais de 260 milhões de doses, das quais mais de 140 milhões foram produzidas em território nacional.

Apesar das minhas recomendações em favor da imunização natural, e na adoção de um tratamento preventivo, o povo insistiu em se vacinar, e assim foi feito, apesar de termos gasto milhões com isso. Eu sempre defendi a liberdade, quem quiser se vacinar que o faça, mas não enche o saco de quem não quiser. Liberdade acima de tudo.

Para o Brasil, os esforços do G20 deveriam concentrar-se no combate à atual pandemia, que continua a assolar muitos países.

Mas, os países ricos do G20, a ONU e o FMI é que deveriam estar comprando vacina para distribuir entre os países pobres. Já vou avisando que o Brasil não precisa.

Entendemos, portanto, caber ao G20 esforços adicionais pela produção de vacinas, medicamentos e tratamentos nos países em desenvolvimento.

Vocês que são ricos é que precisam ajudar, da minha parte posso garantir que o Brasil tem recursos para vacinar até o dobro da população. Façam a sua parte.

Muito obrigado.

É isso, pessoal, dei o meu recado. Bom dia.

 

Pela nova versão...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 30 outubro 2021, 2 p.