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terça-feira, 29 de setembro de 2020

Why I Write? - George Orwell; Por que Escrevo? (1 e 2) - Paulo Roberto de Almeida

 Por que escrevo? (1) 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

 

A pergunta do título poderia, hipoteticamente, sugerir aos leitores deste texto que eu estaria me considerando um escritor, o que não é absolutamente verdade, nem pela suposição implícita, nem, muito menos, pela condição efetiva. Escritor é aquele que faz do ofício da escrita sua atividade principal e que, portanto, vive disso (a menos que seja um milionário despreocupado, ou um proustiano que vive de ar e madeleines). Eu não ganho minha vida escrevendo, muito pelo contrário: até devo perder algum dinheiro (às vezes muito, pela compra de livros), e provavelmente também porque meus textos publicados não constituem exatamente ativos em minha vida profissional (eles podem até ter contribuído para alguns dissabores ao longo da carreira, pelo fato de não aderir às doutrinas oficiais, e possivelmente também na vida acadêmica, onde o desfilar de vaidades é uma constante e as lutas tribais inevitáveis).

Então, retomando a pergunta do título, por que escrevo? Poderia dizer, muito diretamente, assim: por necessidade interior. Ou então, simplesmente, porque me dá prazer. Com efeito, faço da escrita uma segunda natureza (talvez a primeira, junto com a leitura, e não imagino nenhuma outra tão absorvente quanto essas duas; sim tem outras, mas não é o caso aqui de entrar em detalhes). Mas confesso que estou escrevendo este pequeno ensaio por sugestão indireta, em todo caso póstuma, de uma terceira pessoa, ela sim um escritor consumado, deliberado, definitivo, um dos meus preferidos, desde muitos anos, desde quando, ainda na adolescência, li Animal Farm (A Revolução dos Bichos). Sim, Eric Blair, aliás mais conhecido pelo seu nom de plume, George Orwell.

Acabo de receber um livrinho usado, que comprei por pouco mais de quatro dólares (frete incluído) da Thriftbooks (via Abebooks), chamado simplesmente de A Collection of Essays (Harbrace, copyright de 1946 pelo próprio George Orwell e, em vários outros anos, por Sonia Brownell Orwell). A despeito de conter ensaios altamente convidativos – vários dos quais eu já conhecia por outras edições de suas obras – como, por exemplo Shooting an Elephant, Politics and the English Language, Looking Back on the Spanish Civil War – fui direto ao último texto, de 1946, que exibe exatamente o título deste meu pequeno ensaio: Why I write (sem ponto de interrogação). Devo um pequeno copyright ao estate de George Orwell, portanto, ou se não para pagar seus legal rights, pelo menos registro aqui seu moral right quanto ao título e a inspiração. 

Volto à questão da escrita por necessidade, pois ela é real e verdadeira, se me permitem a redundância. E isso não tem nada a ver com as características de escritor de George Orwell, que informa, nesse seu ensaio, que já sabia que queria ser escritor na tenra idade de cinco ou seis anos, quando recitou um poema para que sua mãe escrevesse, provavelmente inspirado – ou plagiado, como ele escreve – num poema de Blake, “Tiger, Tiger”. Em todo caso, já aos onze anos, quando começou a Grande Guerra, ele escreveu um poema patriótico publicado num jornal local. Ele começou assim, escrevendo vers d’occasion, ascendendo numa carreira que enveredou pelo jornalismo, pelo ensaísmo e que chegou até o famoso romance distópico que ainda hoje é referência, tanto na literatura dessa área, quanto para o pensamento político dirigido para a condição humana e a organização das sociedades, naquele tom pessimista que sabemos lhe ter sido precocemente inspirado pelo conhecimento direto do stalinismo, primeiro na Espanha, depois ao tomar conhecimento dos processos de Moscou.

No meu caso, não foi nada disso, nem versos de ocasião, nem experiência traumática em alguma guerra, embora possa reconhecer que o golpe militar de 1964 me despertou também precocemente para a política e para o estudo sistemáticos dos problemas sociais e econômicos do Brasil. Mas, a essa altura, eu já era um escritor não confirmado, mas provavelmente improvisado, mas já totalmente dedicado às artes altamente suspeitas da leitura obsessiva e da escrita compulsiva, talvez um pouco como Orwell. Não que eu pretenda me igualar ao grande escritor, longe disso, mas é que, como no seu caso – e suspeito que isso eu possa compartilhar com ele – eu nunca escrevi nada, absolutamente nada, que não tivesse vontade de escrever, e nunca escrevi qualquer coisa que violasse minha própria consciência quanto ao conteúdo mesmo que estava sendo transposto para o papel, mais tarde para as telas de computador. Jamais. Como Orwell, possivelmente, só escrevi aquilo que motivava minha vontade, que atiçava meu cérebro, que correspondia a algum impulso interior, e que brotava naturalmente da pluma, ou do teclado, segundo alguma reflexão própria, jamais ditada por alguma força externa.

Obviamente, ao longo da carreira profissional fui levado a escrever textos para terceiros, geralmente chefes na hierarquia vaticana do Itamaraty, mas não me lembro de jamais ter recorrido ao diplomatês insosso, no estilo bullshithabitual nesse meio, àquela langue-de-bois (ou chapa branca) que sempre me horrorizou sobremaneira. Sempre escrevi o que queria, e se algum chefe, ou gabinete, quisesse mudar depois, isso não mais me interessava. Nenhum desses escritos entrou na minha lista de trabalhos (só um ou outro cuja estrutura, conteúdo e forma foram preservados, mas de toda forma apenas para fins de registro, não como trabalhos que eu pudesse considerar como sendo meus). 

À diferença de Orwell, comecei a escrever tarde, mas talvez não muito mais tarde do que ele mesmo. As primeiras lembranças da fase de aprendizagem da leitura e da escrita, me remetem ao livro de alfabetização – estilo “Ivo viu a uva” – e ao caderno de caligrafia, com suas três linhas, a superior reservada às maiúsculas iniciais e aos nomes próprios, mas que jamais poderia ser ultrapassada. As ferramentas eram o lápis, o apontador, a borracha e a caneta de pluma de ferro, com o tinteiro de marca americana, creio que Parker, que também era o nome de uma famosa caneta tinteiro que nunca cheguei a possuir. Mais adiante, talvez no terceiro ano do primário, já se trocou a caneta de pluma de ferro – também cheguei a experimentar pluma de ganso, apontada – por uma caneta tinteiro, dessas de bomba de borracha, que costumam fazer a maior sujeira, se manejadas sem cuidado (quantos cadernos e livros estragados com uma ou outra vazão exagerada de tinta...).

Depois do bê-á-bá, os primeiros escritos foram apenas as respostas às perguntas da professora, copiadas da lousa, a mesma para os quatro anos do primário, e que dava todas as aulas das quatro ou cinco disciplinas obrigatórias (e aplicava os corretivos, quando fosse necessário). Havia também os corretivos em casa, quando o boletim ou o caderno vinha com notas vergonhosas, o que era raro, mas em todo caso servia para incutir um alto senso de responsabilidade nos deveres escolares de todo mundo (algo que aparentemente parece ter sido perdido atualmente, ainda mais com a tal de “lei da palmada”). Os casos mais graves de comportamento eram resolvidos no chinelo ou na cinta, mas jamais para deveres escolares, inclusive porque a escola era disciplinadora. 

Mas eu me perco no roteiro deste ensaio: por que escrevo? Bem, comecei com trabalhos escolares, mas jamais respondendo apenas o estritamente necessário, de forma lacônica: sempre passeando pelo Egito antigo, pela Grécia clássica, pela Roma dos tribunos e dos imperadores aloprados, inclusive porque era isso o que eu aprendia nos livros, nas versões infantis das histórias de Monteiro Lobato, dos clássicos de Swift, Cervantes, Hans Staden, Defoe, nos romances de Karl May, Emilio Salgari e muitos outros. O gosto pela história veio muito cedo, na adaptação feita por Lobato da História do Mundo para as Crianças, cujo autor me escapa completamente agora. 

Tudo isso eu tinha à minha disposição na fabulosa Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank, no bairro do Itaim-Bibi, que eu frequentava antes mesmo de aprender a ler, o que só fiz na tardia idade de sete anos. No ano seguinte, já me debrucei sobre coisas mais “complicadas”. Cheguei a decorar os nomes de faraós de várias dinastias egípcias, e sabia perfeitamente distinguir quem foram e o que fizeram os gregos mais famosos, filósofos, dirigentes políticos ou líderes militares. Não sei se foi isso que me levou à incontinência da pena, provavelmente não: esse foi apenas o caminho para a loucura gentil da leitura obsessiva, embora a escrita caminhasse junto, pois era dessa forma que eu realmente absorvia cada livro lido, pelos resumos efetuados a cada vez, e que infelizmente se perderam na passagem da infância para a adolescência. 

Chegada essa fase, minhas preocupações eram outras, não mais puramente históricas, e muito menos literárias, o que nunca foi o meu forte, até hoje (o que, aliás, explica inúmeros defeitos de escrita, inclusive porque nunca cuidei da forma, muito menos da gramática ou do estilo). Elas se tornaram sociais e políticas, sobretudo porque eu procurava entender porque eu e minha família éramos tão pobres, tão desprovidos de coisas básicas (telefone, televisão, carro, ou livros, em casa), em face de tantos colegas da escola, de roupas vistosas e hábitos “burgueses” (sim, aprendi muito cedo o significado desse conceito essencialmente marxista). 

A percepção, real, cruel, dolorosa, da pobreza, da desigualdade social, da carência de meios me impactou desde cedo, e isso porque desde muito cedo fui levado a trabalhar para suplementar o magérrimo orçamento familiar: meu pai era motorista, minha mãe lavava roupas para fora, ambos com primário incompleto, e meu destino, desde o primário, e provavelmente mesmo antes, foi suprir a falta de dinheiro com todos os expedientes aceitáveis então podendo ser desempenhados por um garoto pobre: recolhimento de sucata metálica nos fundos de uma fábrica, pegador de bolas de tênis no clube da vizinhança e empacotador não registrado de supermercado, ganhando apenas gorjetas, portanto. Mais adiante fui ser “office-boy”, que era como se chamavam os contínuos antigamente. Fiz um pouco de tudo, inclusive e principalmente refletir sobre a miséria material da nossa existência.

Daí que, salvo alguns pequenos textos de juventude, para os jornais escolares, meus primeiros escritos tenham sido precocemente impregnados de revolta, logo impulsionada pela leitura de obras como Germinal, de Émile Zola e outros livros dessa mesma feitura. Da revolta instintiva para a “consciência social” foi um passo muito curto, que devo ter ultrapassado antes mesmo do golpe militar de 1964, aos 14 anos, portanto. Antes disso eu já vinha me politizando, com a leitura de jornais, de Seleções (versão brasileira do Reader’s Digest), e de quaisquer outros materiais que viessem às mãos. Depois do Quarto Centenário da cidade de São Paulo, em 1954, e da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o que provavelmente mais marcou minha infância foi a campanha vitoriosa de Jânio Quadros, em 1960, sua renúncia, a seis meses do exercício do cargo (quando minha mãe foi me buscar na escola, talvez temendo uma guerra civil, ou pelo menos distúrbios nas ruas, como quando do suicídio de Getúlio), e a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, no ano seguinte. Foram episódios momentosos na vida do país e do mundo, que me levaram às páginas dos jornais, quando eu então passei a usar do meu pouco dinheiro para comprar o grosso Estadão de domingo, onde se podia aprender de tudo, naquela linguagem complicada para um garoto de doze anos.

Nessa altura eu já estava fazendo resenhas de livros para jornais escolares, e produzindo alguns textos “góticos” sobre o Brasil e o mundo, que se perderam todos, com uma ou outra exceção. No ginásio (Vocacional Oswaldo Aranha, entre 1962 e 1965) eu colaborar com “A Pequena Nação”, que tinha como dístico a seguinte frase, altamente pretensiosa: “um jornal que diz bem porque pensa no que diz” (sic). Sobraram como colaborações minhas um elogio pela vitoriosa conquista num torneio feminino de handball, e um poema chamado A Jangada, provavelmente inspirado nas leituras obrigatórias que tínhamos de fazer (nesse caso, José de Alencar, talvez). Mas o golpe militar, logo em seguida, me levou diretamente às leituras políticas, aos escritos na linha do marxismo e ao meu engajamento na “luta contra a ditadura”. A partir daí nunca mais deixei de escrever, compulsivamente, intensamente, aliás muita coisa sob algum nom-de-plume, que no caso era mais exatamente um nom-de-guerre. Mas esta já é outra história que pretendo contar um outro dia...

Termino respondendo à pergunta inicial: escrevo por necessidade. Em primeiro lugar para tentar explicar a mim mesmo as razões da desigualdade, e do nosso estatuto social inferior, e para os outros tentando convencê-lo de que é preciso mudar o país e mudar o mundo, para torná-lo mais justo para aqueles, como eu, que vieram de uma condição inferior e queriam ter acesso às bondades da sociedade de consumo. Quando comecei, a intenção era mais bem a destruir a sociedade capitalista e o mundo burguês, como ocorria com muitos jovens em minha época, e provavelmente de condição social bem superior: líamos Marx e Engels, obviamente, mas também Lênin, Marcuse, e toda a literatura especializada nos problemas sociais brasileiros, inclusive clássicos da teoria social, da história e do desenvolvimento econômico que só seriam recomendados vários anos mais tarde, já na Faculdade.

Depois de muitas aventuras, viagens, leituras e um itinerário de aprendizados constantes eu aprendi que era preciso transformar o mundo, não necessariamente no sentido pretendido na juventude, mas de uma forma mais racional, mais ponderada, menos radical, e certamente mais democrática e tolerante em relação às diversas orientações doutrinárias, políticas e econômicas. Mas, tudo isso foi sendo absorvido ao longo da vida, aos poucos, como acontece com todo mundo aliás. 

O que nunca deixei de fazer, sempre, foi ler e escrever, escrever e ler, e pensar, naturalmente. Ainda tenho cadernos e mais cadernos de notas de leituras e de trabalhos esquematizados. Continuo fazendo isso, agora guardando em pastas no computador. 

Por que eu escrevo? Por isso mesmo, por absoluta necessidade. Não creio que venha a mudar significativamente esse meu estilo de vida daqui para a frente, mas seria bom um pouco mais de organização: tenho dezenas de trabalhos e muitos livros para terminar. Paro por aqui, pois tenho outras coisas para escrever, no meu caos habitual...

 

Hartford, 6 de Junho de 2014

Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/por-que-escrevo-1-paulo-roberto-de.html).

Reproduzido novamente no Diplomatizzando em 2/01/2016 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/por-que-escrevo-1-retomando-minhas.html).



Por que escrevo? (2)

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Retomo a discussão suscitada pela questão do título, confessadamente inspirada em ensaio de título análogo (mas sem o sinal de interrogação) de George Orwell, em um texto elaborado em 1946, quando ele já tinha se tornado um escritor profissional, mas ainda enfrentando condições de vida bastante modestas, pois Animal Farm não havia conseguido encontrar, até aquele momento, algum editor disposto a desafiar o Big Brother soviético, e o próprio escritor ainda ruminava a possibilidade de escrever sobre o verdadeiro grande irmão, no romance que lhe trouxe fama universal: 1984. Em “Why I write”, Orwell dizia que existem quatro grandes motivos para escrever e estipulava que eles diferem em graus variados de escritor a escritor, sendo que, em cada um deles, os motivos assumem proporções variáveis ao longo do tempo, segundo a atmosfera na qual os escritores vivem. Vejamos quais são eles, e meus comentários sobre cada um.

 

(1) Egoísmo puro. O escritor, segundo Orwell, quer parecer inteligente, ser reconhecido como tal, objeto de comentários dos contemporâneos e ser relembrado após a morte. “Seria desonestidade não reconhecer que esse é um forte motivo”, disse ele, terminando esse tópico por um comentário vinculado às duas condições: “Escritores sérios... são, no conjunto, mais vãos e autocentrados do que os jornalistas, ainda que menos interessados em dinheiro” (p. 312, de A Collection of Essays, edição Harbrace, impressa nos EUA, em 1953). Não tenho certeza de que escritores estejam menos interessados em dinheiro do que os jornalistas; provavelmente o contrário, pois estes, supostamente, trabalham geralmente para algum veículo de comunicações, e dispõem de um rendimento regular, enquanto assalariados, ao passo que os primeiros são talvez um pouco como os artistas: só ganham dinheiro quando obtêm sucesso de mercado e quando conseguem vender suas obras em grande número, ou a preços altos. 

De minha parte, ainda que os motivos de orgulho e de reconhecimento pessoais possam ter contado em algumas fases de minha atividade de escrevinhador – jamais de escritor – não foi isso que essencialmente me levou a me dedicar à palavra escrita, tanto porque quase nunca pensei em publicar o que escrevo, até quando já não dependia em nada desses parcos rendimentos de uma atividade irregular. Obviamente, fama e glória só existem quando se é publicado – contra ganhos ou não, e no meu caso raramente a primeira hipótese esteve em jogo – e, do total de meus escritos, apenas uma ínfima parte encontrou o caminho da divulgação pública. A proporção cresceu, está claro, na era digital, quando o custo associado à divulgação eletrônica se tornou ínfimo, comparado às edições comerciais para o mercado de massa, mas ainda assim não posso dizer que escrevo com o objetivo de ser lido para obter reconhecimento público, ou em nome do egoísmo (ou vaidade) de que falava George Orwell.

 

(2) Entusiasmo estético, ou seja, percepção da beleza das palavras, de seu impacto no mundo circundante, ou desejo de expressar e partilhar uma experiência que é considerada relevante para si próprio e eventualmente para os demais. “O motivo estético”, reconhece Orwell, “é bastante fraco em muitos escritores, mas mesmo um panfletário, ou um autor de livros-texto, terá palavras ou frases que lhe são preferidas por razões não utilitárias; (...) Além do nível de um guia de trens, nenhum livro está desprovido verdadeiramente de considerações estéticas” (idem, p. 312) 

Acho que, sob esse critério, eu devo ser um desastre, pois meu estilo é pesado, prolixo, no mais das vezes descuidado na forma e desengonçado na composição das palavras, com uma redação tortuosa e torturada, que apenas reflete minha rebeldia inicial e constante em me dedicar às boas regras da gramática e à redação bem cuidada. Sou tão atento às palavras, pelo seu significado e conteúdo substantivo, quanto sou desatento à forma pela qual elas devem ser ordenadas no texto, sua correção formal: as frases se sucedem, longuíssimas. Trata-se de um defeito grave, eu sei, mas é um pecado original do qual nunca soube me desfazer quando realmente comecei a me dedicar de modo mais sistemático à palavra escrita, um refúgio ao qual recorremos quando estamos longe do ambiente natural em que nos movimentamos desde as primeiras letras. 

Essa fase correspondeu ao meu autoexílio voluntário, a partir dos 21 anos (e durante mais de sete anos), quando passei a ler, a estudar e a escrever em outras línguas, numa notável confusão de regras e de estilos. Minha língua de trabalho passou a ser preferencialmente o francês – que não difere muito, no estilo ou na gramática, do português, mas é altamente mais exigente no plano formal – mas também me exerci bastante em espanhol, com intensas leituras paralelas em inglês e em italiano, e breves incursões pelo alemão. Por outro lado, não creio que textos de natureza política, sejam especialmente favoráveis a um domínio erudito da palavra escrita, perdendo de longe, por exemplo, para a boa literatura, da qual estive infelizmente afastado, justamente em função de uma dedicação doentia às questões políticas. Tenho plena consciência de que minha estética das palavras é horrível, e não cultivo nenhum entusiasmo por isso.

 

(3) Impulso histórico, que é o mais curto dos motivos elencados por Orwell. Ele escreve apenas isto: “Desejo de ver as coisas como elas são, de descobrir os fatos verdadeiros e de guardá-los para uso da posteridade” (p. 312). Parece, dito assim, a mais desprendida das motivações, uma escrita voltada unicamente para a preservação dos eventos, vistos, ouvidos ou lidos, algo como uma vocação à la Ranke: contar os fatos como eles efetivamente aconteceram (wie es eigentlich Gewesen). Ainda que eu tenha sempre cultivado a história como a mais saborosa das literaturas, e a considere como a “mãe de todas as ciências”, como reza o famoso dístico – não sei se desde Heródoto ou Tucídides – não me dedico especialmente à escrita da história, tanto porque não possuo a necessária preparação metodológica para fazê-lo. Mas todos os meus trabalhos possuem forte inclinação histórica, no sentido em que procuro contextualizar os fatos ou eventos analisados em suas causas originais, em seu ambiente de formação e ulterior desenvolvimento, pois tudo se torna mais compreensível quando recolocamos quaisquer fatos ou processos históricos no ambiente que os viu nascer, levando em conta os vetores que os moldaram e as forças que continuaram influenciando seu itinerário. 

Espíritos simplórios, e burocracias sem memória, tendem a considerar tais fatos ou processos apenas como eventos ad hoc, como se eles surgissem de repente, e fossem originais ou inéditos. Não se poupam, assim, de cometer os mesmos erros ou equívocos a que estão condenados, segundo Santayanna (ou algum outro filósofo antes dele), todos aqueles que ignoram a história. É certo que a história nunca se repete, mas os espíritos despreparados tendem a cometer os mesmos erros que já ocorreram anos, décadas ou séculos antes, ainda que em circunstâncias diferentes. Não existe nenhuma novidade nas bolhas financeiras, nas valorizações exageradas das bolsas, na especulação com metais ou imóveis, mas aparentemente as gerações sucessivas acabam incorrendo nos mesmos desvios de comportamento que vitimaram os holandeses das tulipas, os franceses de John Law ou, modernamente, os deslumbrados das “ponto.com”. 

Mas eu também me desvio do principal nesta questão: escrever com finalidades ou propósitos históricos ou simplesmente pelo prazer da escrita. Creio ter esse impulso da escrita, e também o espírito histórico, o que torna essa escrita mais empiricamente fundamentada, mesmo sem pretender ser um fiel cronista dos eventos correntes. Deixo a história para os profissionais, mas não hesito em penetrar em seu território e roubar algumas de suas técnicas de investigação, questionando documentos de arquivos e consultando relatos de contemporâneos, tanto quanto lendo os historiadores que vieram depois, e que podem iluminar novos aspectos de eventos e processos passados. 

Minha escrita é histórica: não tenho nenhuma dúvida quanto a isso, e tal característica só se aprofunda com o tempo. Uma das vantagens de envelhecer – se é que se trata de uma “vantagem” – é a de poder escrever sobre fatos que nos foram contemporâneos, por assim dizer, eventos que depois se tornaram “históricos” e aos quais assistimos com os nossos olhos, ou que estiveram nas páginas de jornais que líamos todos os dias, hoje bem mais a televisão e a internet do que o papel impresso. Atualmente, posso falar com total domínio sobre o último meio século, e talvez até um pouco mais, dado que os livros “contemporâneos” do último meio século falam com grande domínio sobre o meio século precedente. 

Assim, o “breve” impulso histórico de Orwell pode ser lido de várias maneiras, ele que foi um homem profundamente marcado pelas tragédias dos anos 1930 e pela Segunda Guerra Mundial. Um de seus textos começa exatamente assim: “Enquanto eu escrevo, seres humanos altamente civilizados estão voando sobre minha cabeça, tentando matar-me” (p. 252 de A Collection of Essays). Se tratava do ensaio “England Your England”, escrito em 1941, quando o pico dos ataques aéreos nazistas contra a Inglaterra já tinha passado, mas a Luftwaffe ainda continuava a fazer incursões ocasionais sobre Londres, tentando quebrar a moral dos ingleses (bem antes que os americanos fossem obrigados a finalmente se envolver na guerra). 

O que mais marcou Orwell, entretanto, foi o totalitarismo dos regimes soviético e nazista, o que está muito evidente tanto em Animal Farm quanto em 1984. No mesmo ensaio que serviu de inspiração a este aqui, ele escreveu: “Cada linha de trabalho sério que eu escrevi desde 1936 [quando ele esteve na Espanha da guerra civil, do lado republicano, experiência relatada em Hommage to Catalonia] foi escrita, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, tal como eu o entendo” (p. 314, ênfases no original). É bastante provável que, se não tivesse morrido precocemente, Orwell continuasse um socialista democrático, na Grã-Bretanha dos anos 1950 e 1960, mas é altamente improvável que ele assistisse indiferente à decadência britânica que esse mesmo socialismo ajudou a aprofundar logo em seguida, até culminar nos imensos retrocessos sociais e industrial da fase imediatamente anterior à eleição de Margaret Thatcher. Mesmo continuando um socialista, e inimigo dos conservadores, Orwell provavelmente não discordaria das orientações libertárias dos novos tories, já que, entre sindicalistas estatizantes e defensores das liberdades individuais, ele sempre ficaria com estes últimos, contra o controle das vontades pelos novos totalitários. A história sempre tem algo a ensinar aos espíritos abertos como ele (eu também). 

 

(4) Objetivo político: Orwell usa o termo político no seu sentido mais amplo, como ele mesmo explica, complementando ao início de sua longa explicação sobre a motivação especificamente política dos escritores: “nenhum livro é genuinamente destituído de algum viés político. A opinião de que a arte não deve ter nada com a política é, ela mesma, uma atitude política” (p. 313). Concordo inteiramente, mas a dificuldade, aqui, está justamente em aceitar que nossas opiniões políticas constituem o reflexo de nossas leituras e experiência de vida anteriores, que refletimos o estado do debate político na sociedade e que podemos, e devemos aprofundar esse debate, e assumir novas posturas, à medida que aprendemos com o tempo, com as leituras, com pessoas mais experientes, com a observação honesta e objetiva da realidade.

Por observação objetiva da realidade, como condição inseparável da honestidade intelectual, eu quero me referir à minha própria trajetória política, iniciada sob o domínio do marxismo teórico e do leninismo prático, continuada sob o signo do socialismo democrático nos anos 1970 e 1980 – como Orwell, ao contemplar as misérias do nazismo e do stalinismo nos anos 1930 e 1940 –, e chegando a uma espécie de contrarianismo libertário nos tempos presentes, certamente mais liberal no seu conteúdo econômico, do que nos tempos socialistas, e mais anarquista nos domínios cultural e político. A migração não foi instantânea, nem desprovida de racionalizações justificativas, mas a recusa do totalitarismo bolchevique foi, sim, imediata, uma vez feito o confronto com a realidade.

Ao sair do Brasil, nos tempos mais obscuros dos chamados anos de chumbo da repressão política (e violenta) do regime militar contra os grupos de luta armada, eu fui direto para o coração do socialismo real, na Tchecoslováquia pós-invasão soviética, quando o socialismo à face humana de Dubcek estava sendo definitivamente enterrado pelas forças brejnevistas do sovietismo esclerosado. Mais do que a miséria material, imediatamente perceptível pelas estantes e prateleiras vazias das lojas e armazéns, o que mais me chocou foi constatar a miséria humana, moral e espiritual do socialismo, que também era perceptível pelo ambiente de vigilância policial, de autocensura mental, de contenção nas palavras e nas atitudes. O totalitarismo não era uma invenção da CIA, da revista Seleções (Reader’s Digest), nem da ciência política ocidental; ele era uma realidade perceptível nos olhares e nos gestos, nas pequenas misérias cotidianas que iam muito além da falta de carne ou de frutas nos mercados, de jornais nos quiosques, e se manifestava diretamente no vocabulário, que Orwell chamou de novilingua em 1984

Obviamente eu não dominava o tcheco para conversar com a população, mas podia conversar em francês com as senhoras idosas que frequentavam a biblioteca da Alliance Française, onde eu ia para ler o Le Monde – a única fonte de informação que eu tinha no socialismo real – e onde elas iam para se aquecer no inverno, já que o carvão custava caro e talvez fosse extremamente difícil subir tantos sacos em muitos lances de escada, em suas antigas casas patrícias transformadas em residências coletivas para seis ou sete famílias operárias. Aquelas senhoras vinham do capitalismo liberal e da Tchecoslováquia independente dos anos de entre-guerras, e ressentiam intensamente o descenso social que experimentaram a partir de 1948, mas sobretudo estavam profundamente deprimidas pelo clima de repressão policial e de controles do partido sobre a vida dos cidadãos, situação temporariamente flexibilizada durante os anos de Alexander Dubcek à frente do comité central do Partido Comunista. Foi apenas uma primavera, logo interrompida pelos tanques soviéticos e do Pacto de Varsóvia. 

Essa foi a miséria do socialismo que me foi dada contemplar nos curtos três meses que passei do outro lado da “cortina de ferro”. Logo em seguida fui trabalhar e estudar no capitalismo explorador, e me senti inteiramente à vontade com livrarias, bibliotecas, olhares desprovidos de medo, bem mais do que com as estantes cheias e a abundância dos supermercados. A partir desse momento, eu reforcei minha vocação de escritor político, profundamente político, sem qualquer resquício do fundamentalismo ideológico que me tinha aprisionado no pensamento único dos neobolcheviques nos anos anteriores. Orwell tinha razão: nenhum escritor, nenhum livro é desprovido de um viés político determinado. 

Como ele escreveu, mais para o final de “Why I Write”: “Animal Farm foi o primeiro livro no qual eu tentei, com plena consciência do que estava fazendo, fundir o objetivo político e o objetivo artístico em um único conjunto. (...) Todos os escritores são vãos, egoístas e preguiçosos e, bem no fundo de suas motivações, reside um mistério. (...) Eu não posso dizer com certeza quais das motivações são as mais fortes, mas eu sei quais delas merecem ser seguidas. E olhando retrospectivamente minha obra, eu vejo que foi invariavelmente quando eu não tinha uma motivação política que eu escrevi livros sem vida e fui traído por passagens obscuras, sentenças sem significado, adjetivos decorativos e, em geral, desonestidade” (p. 316).

 Cabe aos que cultivam um mínimo de honestidade intelectual ter consciência desse tipo de viés, inevitável na literatura política, passando então a imprimir o máximo de objetividade observadora, de fidelidade à realidade que nos cerca, e tratar de traduzir uma clara percepção dessa realidade nos escritos que produzimos. É o que eu tento fazer cada vez e sempre que busco um livro na estante, que seleciono minhas leituras de pesquisa, de estudo ou de lazer, e que tomo da pluma, ou que me sento em face do computador, para escrever alguma coisa, qualquer coisa, como esta agora, por exemplo. Sempre...

 

Hartford, 7 de Junho de 2014

Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/por-que-escrevo-2-paulo-roberto-de.html).

Reproduzido novamente no Diplomatizzando em 2/01/2016 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/por-que-escrevo-2-detalhando-as-razoes.html)

 

sábado, 22 de dezembro de 2018

A arte de escrever para si mesmo - Paulo Roberto de Almeida (2012)

Vivendo para os livros... e a escrita

A arte de escrever para si mesmo


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de julho de 2012.


No decorrer da maior parte da minha vida, talvez quatro quintos de uma existência dedicada à constante leitura de livros, à reflexão solitária e à redação regular de textos de diversos tipos, o que mais fiz, de fato, foi escrever para mim mesmo. 
Salvo no período mais recente, quando tenho aceito (talvez muito facilmente, e em excesso) compromissos de colaborar com revistas ou livros coletivos, a maior parte de meu tempo livre, durante os últimos quarenta anos, tem sido ocupada pela redação de textos que só tinham um único destinatário: eu mesmo. 
Não por outra razão, minha lista de originais é três vezes mais volumosa do que a correspondente aos trabalhos publicados. Na verdade, minha lista de originais cobre apenas uma parte modesta de meus escritos, aquela de trabalhos efetivamente terminados, com um ponto final, assinados, datados e localizados, e finalmente numerados na ordem sequencial de seu término, não importando quando e onde iniciados.
Os trabalhos apenas esquematizados, iniciados, mas não concluídos, comporiam uma lista ainda mais longa, se por acaso tal lista existisse. Eles estão dispersos, perdidos numa infinidade de pastas, guardadas por sua vez em outras pastas, sem muita ordem ou método, quase sem títulos evocativos, a não ser os de alguma inspiração momentânea. Em todo caso, essas centenas, talvez mais de um ou dois milhares, de working files compõem uma formidável armada – ou exército, como se queira – de reserva, aguardando retomada oportuna em algum tempo livre (que, sabemos todos, nunca virá). Só sei dizer que esses working files, escritos unicamente para mim, nunca entraram na pasta “PRAworks”, organizada em listas anuais (como para a lista de Publicados). Eles ficam simplesmente dispersos, por vezes sob títulos enigmáticos, em pastas dotadas de rótulos anódinos, o que dificulta sobremaneira sua recuperação ulterior para finalização. Muitos estão até esquecidos, coitadinhos, relegados a um limbo do qual até a intenção ou propósito iniciais também há muito se perderam. Esta é mais uma prova, além da quantidade enorme de inéditos, de que eu realmente escrevo para mim mesmo. 
Mas mesmo naqueles escritos “encomendados”, eu jamais aceitei qualquer sugestão de linhas “condutoras”, estilo discursivo ou orientação argumentativa, tanto porque sou eu mesmo quem decido como e com quais objetivos desenvolverei minha linha de raciocínio. Nisso sou absolutamente libertário, inclusive já o era mesmo nos textos oficiais, nos quais sempre escapei do diplomatês insosso no qual se deleitam tantos colegas de carreira. 
Estas são, finalmente, as características da arte de escrever para si mesmo: livre inspiração, total controle do estilo e do método de abordagem, independência de pensamento e plena autonomia argumentativa, decisão solitária sobre como e onde divulgar ( o que não é o mesmo que publicar, já que isto depende de algum editor de revistas ou livros).
Em todo caso, com uma dezena e meia de livros publicados em autoria solitária, meia dúzia de títulos editados por mim e várias dezenas de capítulos em livros coletivos, não posso dizer que eu esteja carente de editores. Recebi, é verdade, convites de editores para compor, ou seja, escrever eu mesmo, tal ou qual livro, mas declaro imediatamente que, a despeito de ter considerado certas sugestões, nunca levei adiante qualquer uma dessas demandas; tampouco ofereci projetos de livros a editores: faço apenas o que me dá vontade. Recém aceitei fazer um “sob encomenda”, sobre a integração regional, mas apenas porque eu teria total controle sobre o que e como escrever. 
Repito, e finalizo: eu escrevo para mim mesmo, leitores são apenas um detalhe do processo (com perdão dos próprios). Como não vivo do que escrevo – pelo menos ainda não – não preciso agradar qualquer público quanto à forma ou o conteúdo daquilo que produzo, em total autonomia. Se, ao cabo de alguns laboriosos exercícios de escrita, chego ao que considero a forma final de algum trabalho, e aprovei o que eu mesmo escrevi, coloco um ponto final, acrescento o local e a data (eventualmente consignando algumas etapas precedentes), registro, finalmente, na lista numérica dos originais e me dou por satisfeito. Quanto ao julgamento dos eventuais (e poucos) leitores, creio que eles devem dispor de tanta liberdade de avaliação quanto a que eu tive na concepção e redação desses meus textos. 
Ponto final, a mais um! Vale!

Brasília, 15 de julho de 2012.

sábado, 7 de junho de 2014

Por que escrevo? (2) - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida

Retomo a discussão suscitada pela questão do título, confessadamente inspirada em ensaio de título análogo (mas sem o sinal de interrogação) de George Orwell, em um texto elaborado em 1946, quando ele já tinha se tornado um escritor profissional, mas ainda enfrentando condições de vida bastante modestas, pois Animal Farm não havia conseguido encontrar, até aquele momento, algum editor disposto a desafiar o Big Brother soviético, e o próprio escritor ainda ruminava a possibilidade de escrever sobre o verdadeiro grande irmão, no romance que lhe trouxe fama universal: 1984. Em “Why I write”, Orwell dizia que existem quatro grandes motivos para escrever e estipulava que eles diferem em graus variados de escritor a escritor, sendo que, em cada um deles, os motivos assumem proporções variáveis ao longo do tempo, segundo a atmosfera na qual os escritores vivem. Vejamos quais são eles, e meus comentários sobre cada um.

(1) Egoísmo puro. O escritor, segundo Orwell, quer parecer inteligente, ser reconhecido como tal, objeto de comentários dos contemporâneos e ser relembrado após a morte. “Seria desonestidade não reconhecer que esse é um forte motivo”, disse ele, terminando esse tópico por um comentário vinculado às duas condições: “Escritores sérios... são, no conjunto, mais vãos e autocentrados do que os jornalistas, ainda que menos interessados em dinheiro” (p. 312, de A Collection of Essays, edição Harbrace, impressa nos EUA, em 1953). Não tenho certeza de que escritores estejam menos interessados em dinheiro do que os jornalistas; provavelmente o contrário, pois estes, supostamente, trabalham geralmente para algum veículo de comunicações, e dispõem de um rendimento regular, enquanto assalariados, ao passo que os primeiros são talvez um pouco como os artistas: só ganham dinheiro quando obtêm sucesso de mercado e quando conseguem vender suas obras em grande número, ou a preços altos.
De minha parte, ainda que os motivos de orgulho e de reconhecimento pessoais possam ter contado em algumas fases de minha atividade de escrevinhador – jamais de escritor – não foi isso que essencialmente me levou a me dedicar à palavra escrita, tanto porque quase nunca pensei em publicar o que escrevo, até quando já não dependia em nada desses parcos rendimentos de uma atividade irregular. Obviamente, fama e glória só existem quando se é publicado – contra ganhos ou não, e no meu caso raramente a primeira hipótese esteve em jogo – e, do total de meus escritos, apenas uma ínfima parte encontrou o caminho da divulgação pública. A proporção cresceu, está claro, na era digital, quando o custo associado à divulgação eletrônica se tornou ínfimo, comparado às edições comerciais para o mercado de massa, mas ainda assim não posso dizer que escrevo com o objetivo de ser lido para obter reconhecimento público, ou em nome do egoísmo (ou vaidade) de que falava George Orwell.

(2) Entusiasmo estético, ou seja, percepção da beleza das palavras, de seu impacto no mundo circundante, ou desejo de expressar e partilhar uma experiência que é considerada relevante para si próprio e eventualmente para os demais. “O motivo estético”, reconhece Orwell, “é bastante fraco em muitos escritores, mas mesmo um panfletário, ou um autor de livros-texto, terá palavras ou frases que lhe são preferidas por razões não utilitárias; (...) Além do nível de um guia de trens, nenhum livro está desprovido verdadeiramente de considerações estéticas” (idem, p. 312)
Acho que, sob esse critério, eu devo ser um desastre, pois meu estilo é pesado, prolixo, no mais das vezes descuidado na forma e desengonçado na composição das palavras, com uma redação tortuosa e torturada, que apenas reflete minha rebeldia inicial e constante em me dedicar às boas regras da gramática e à redação bem cuidada. Sou tão atento às palavras, pelo seu significado e conteúdo substantivo, quanto sou desatento à forma pela qual elas devem ser ordenadas no texto, sua correção formal: as frases se sucedem, longuíssimas. Trata-se de um defeito grave, eu sei, mas é um pecado original do qual nunca soube me desfazer quando realmente comecei a me dedicar de modo mais sistemático à palavra escrita, um refúgio ao qual recorremos quando estamos longe do ambiente natural em que nos movimentamos desde as primeiras letras.
Essa fase correspondeu ao meu autoexílio voluntário, a partir dos 21 anos (e durante mais de sete anos), quando passei a ler, a estudar e a escrever em outras línguas, numa notável confusão de regras e de estilos. Minha língua de trabalho passou a ser preferencialmente o francês – que não difere muito, no estilo ou na gramática, do português, mas é altamente mais exigente no plano formal – mas também me exerci bastante em espanhol, com intensas leituras paralelas em inglês e em italiano, e breves incursões pelo alemão. Por outro lado, não creio que textos de natureza política, sejam especialmente favoráveis a um domínio erudito da palavra escrita, perdendo de longe, por exemplo, para a boa literatura, da qual estive infelizmente afastado, justamente em função de uma dedicação doentia às questões políticas. Tenho plena consciência de que minha estética das palavras é horrível, e não cultivo nenhum entusiasmo por isso.

(3) Impulso histórico, que é o mais curto dos motivos elencados por Orwell. Ele escreve apenas isto: “Desejo de ver as coisas como elas são, de descobrir os fatos verdadeiros e de guardá-los para uso da posteridade” (p. 312). Parece, dito assim, a mais desprendida das motivações, uma escrita voltada unicamente para a preservação dos eventos, vistos, ouvidos ou lidos, algo como uma vocação à la Ranke: contar os fatos como eles efetivamente aconteceram (wie es eigentlich Gewesen). Ainda que eu tenha sempre cultivado a história como a mais saborosa das literaturas, e a considere como a “mãe de todas as ciências”, como reza o famoso dístico – não sei se desde Heródoto ou Tucídides – não me dedico especialmente à escrita da história, tanto porque não possuo a necessária preparação metodológica para fazê-lo. Mas todos os meus trabalhos possuem forte inclinação histórica, no sentido em que procuro contextualizar os fatos ou eventos analisados em suas causas originais, em seu ambiente de formação e ulterior desenvolvimento, pois tudo se torna mais compreensível quando recolocamos quaisquer fatos ou processos históricos no ambiente que os viu nascer, levando em conta os vetores que os moldaram e as forças que continuaram influenciando seu itinerário.
Espíritos simplórios, e burocracias sem memória, tendem a considerar tais fatos ou processos apenas como eventos ad hoc, como se eles surgissem de repente, e fossem originais ou inéditos. Não se poupam, assim, de cometer os mesmos erros ou equívocos a que estão condenados, segundo Santayanna (ou algum outro filósofo antes dele), todos aqueles que ignoram a história. É certo que a história nunca se repete, mas os espíritos despreparados tendem a cometer os mesmos erros que já ocorreram anos, décadas ou séculos antes, ainda que em circunstâncias diferentes. Não existe nenhuma novidade nas bolhas financeiras, nas valorizações exageradas das bolsas, na especulação com metais ou imóveis, mas aparentemente as gerações sucessivas acabam incorrendo nos mesmos desvios de comportamento que vitimaram os holandeses das tulipas, os franceses de John Law ou, modernamente, os deslumbrados das “ponto.com”.
Mas eu também me desvio do principal nesta questão: escrever com finalidades ou propósitos históricos ou simplesmente pelo prazer da escrita. Creio ter esse impulso da escrita, e também o espírito histórico, o que torna essa escrita mais empiricamente fundamentada, mesmo sem pretender ser um fiel cronista dos eventos correntes. Deixo a história para os profissionais, mas não hesito em penetrar em seu território e roubar algumas de suas técnicas de investigação, questionando documentos de arquivos e consultando relatos de contemporâneos, tanto quanto lendo os historiadores que vieram depois, e que podem iluminar novos aspectos de eventos e processos passados.
Minha escrita é histórica: não tenho nenhuma dúvida quanto a isso, e tal característica só se aprofunda com o tempo. Uma das vantagens de envelhecer – se é que se trata de uma “vantagem” – é a de poder escrever sobre fatos que nos foram contemporâneos, por assim dizer, eventos que depois se tornaram “históricos” e aos quais assistimos com os nossos olhos, ou que estiveram nas páginas de jornais que líamos todos os dias, hoje bem mais a televisão e a internet do que o papel impresso. Atualmente, posso falar com total domínio sobre o último meio século, e talvez até um pouco mais, dado que os livros “contemporâneos” do último meio século falam com grande domínio sobre o meio século precedente.
Assim, o “breve” impulso histórico de Orwell pode ser lido de várias maneiras, ele que foi um homem profundamente marcado pelas tragédias dos anos 1930 e pela Segunda Guerra Mundial. Um de seus textos começa exatamente assim: “Enquanto eu escrevo, seres humanos altamente civilizados estão voando sobre minha cabeça, tentando matar-me” (p. 252 de A Collection of Essays). Se tratava do ensaio “England Your England”, escrito em 1941, quando o pico dos ataques aéreos nazistas contra a Inglaterra já tinha passado, mas a Luftwaffe ainda continuava a fazer incursões ocasionais sobre Londres, tentando quebrar a moral dos ingleses (bem antes que os americanos fossem obrigados a finalmente se envolver na guerra).
O que mais marcou Orwell, entretanto, foi o totalitarismo dos regimes soviético e nazista, o que está muito evidente tanto em Animal Farm quanto em 1984. No mesmo ensaio que serviu de inspiração a este aqui, ele escreveu: “Cada linha de trabalho sério que eu escrevi desde 1936 [quando ele esteve na Espanha da guerra civil, do lado republicano, experiência relatada em Hommage to Catalonia] foi escrita, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, tal como eu o entendo” (p. 314, ênfases no original). É bastante provável que, se não tivesse morrido precocemente, Orwell continuasse um socialista democrático, na Grã-Bretanha dos anos 1950 e 1960, mas é altamente improvável que ele assistisse indiferente à decadência britânica que esse mesmo socialismo ajudou a aprofundar logo em seguida, até culminar nos imensos retrocessos sociais e industrial da fase imediatamente anterior à eleição de Margaret Thatcher. Mesmo continuando um socialista, e inimigo dos conservadores, Orwell provavelmente não discordaria das orientações libertárias dos novos tories, já que, entre sindicalistas estatizantes e defensores das liberdades individuais, ele sempre ficaria com estes últimos, contra o controle das vontades pelos novos totalitários. A história sempre tem algo a ensinar aos espíritos abertos como ele (eu também).

(4) Objetivo político: Orwell usa o termo político no seu sentido mais amplo, como ele mesmo explica, complementando ao início de sua longa explicação sobre a motivação especificamente política dos escritores: “nenhum livro é genuinamente destituído de algum viés político. A opinião de que a arte não deve ter nada com a política é, ela mesma, uma atitude política” (p. 313). Concordo inteiramente, mas a dificuldade, aqui, está justamente em aceitar que nossas opiniões políticas constituem o reflexo de nossas leituras e experiência de vida anteriores, que refletimos o estado do debate político na sociedade e que podemos, e devemos aprofundar esse debate, e assumir novas posturas, à medida que aprendemos com o tempo, com as leituras, com pessoas mais experientes, com a observação honesta e objetiva da realidade.
Por observação objetiva da realidade, como condição inseparável da honestidade intelectual, eu quero me referir à minha própria trajetória política, iniciada sob o domínio do marxismo teórico e do leninismo prático, continuada sob o signo do socialismo democrático nos anos 1970 e 1980 – como Orwell, ao contemplar as misérias do nazismo e do stalinismo nos anos 1930 e 1940 –, e chegando a uma espécie de contrarianismo libertário nos tempos presentes, certamente mais liberal no seu conteúdo econômico, do que nos tempos socialistas, e mais anarquista nos domínios cultural e político. A migração não foi instantânea, nem desprovida de racionalizações justificativas, mas a recusa do totalitarismo bolchevique foi, sim, imediata, uma vez feito o confronto com a realidade.
Ao sair do Brasil, nos tempos mais obscuros dos chamados anos de chumbo da repressão política (e violenta) do regime militar contra os grupos de luta armada, eu fui direto para o coração do socialismo real, na Tchecoslováquia pós-invasão soviética, quando o socialismo à face humana de Dubcek estava sendo definitivamente enterrado pelas forças brejnevistas do sovietismo esclerosado. Mais do que a miséria material, imediatamente perceptível pelas estantes e prateleiras vazias das lojas e armazéns, o que mais me chocou foi constatar a miséria humana, moral e espiritual do socialismo, que também era perceptível pelo ambiente de vigilância policial, de autocensura mental, de contenção nas palavras e nas atitudes. O totalitarismo não era uma invenção da CIA, da revista Seleções (Reader’s Digest), nem da ciência política ocidental; ele era uma realidade perceptível nos olhares e nos gestos, nas pequenas misérias cotidianas que iam muito além da falta de carne ou de frutas nos mercados, de jornais nos quiosques, e se manifestava diretamente no vocabulário, que Orwell chamou de novilingua em 1984.
Obviamente eu não dominava o tcheco para conversar com a população, mas podia conversar em francês com as senhoras idosas que frequentavam a biblioteca da Alliance Française, onde eu ia para ler o Le Monde – a única fonte de informação que eu tinha no socialismo real – e onde elas iam para se aquecer no inverno, já que o carvão custava caro e talvez fosse extremamente difícil subir tantos sacos em muitos lances de escada, em suas antigas casas patrícias transformadas em residências coletivas para seis ou sete famílias operárias. Aquelas senhoras vinham do capitalismo liberal e da Tchecoslováquia independente dos anos de entre-guerras, e ressentiam intensamente o descenso social que experimentaram a partir de 1948, mas sobretudo estavam profundamente deprimidas pelo clima de repressão policial e de controles do partido sobre a vida dos cidadãos, situação temporariamente flexibilizada durante os anos de Alexander Dubcek à frente do comité central do Partido Comunista. Foi apenas uma primavera, logo interrompida pelos tanques soviéticos e do Pacto de Varsóvia.
Essa foi a miséria do socialismo que me foi dada contemplar nos curtos três meses que passei do outro lado da “cortina de ferro”. Logo em seguida fui trabalhar e estudar no capitalismo explorador, e me senti inteiramente à vontade com livrarias, bibliotecas, olhares desprovidos de medo, bem mais do que com as estantes cheias e a abundância dos supermercados. A partir desse momento, eu reforcei minha vocação de escritor político, profundamente político, sem qualquer resquício do fundamentalismo ideológico que me tinha aprisionado no pensamento único dos neobolcheviques nos anos anteriores. Orwell tinha razão: nenhum escritor, nenhum livro é desprovido de um viés político determinado.
Como ele escreveu, mais para o final de “Why I Write”: “Animal Farm foi o primeiro livro no qual eu tentei, com plena consciência do que estava fazendo, fundir o objetivo político e o objetivo artístico em um único conjunto. (...) Todos os escritores são vãos, egoístas e preguiçosos e, bem no fundo de suas motivações, reside um mistério. (...) Eu não posso dizer com certeza quais das motivações são as mais fortes, mas eu sei quais delas merecem ser seguidas. E olhando retrospectivamente minha obra, eu vejo que foi invariavelmente quando eu não tinha uma motivação política que eu escrevi livros sem vida e fui traído por passagens obscuras, sentenças sem significado, adjetivos decorativos e, em geral, desonestidade” (p. 316).
 Cabe aos que cultivam um mínimo de honestidade intelectual ter consciência desse tipo de viés, inevitável na literatura política, passando então a imprimir o máximo de objetividade observadora, de fidelidade à realidade que nos cerca, e tratar de traduzir uma clara percepção dessa realidade nos escritos que produzimos. É o que eu tento fazer cada vez e sempre que busco um livro na estante, que seleciono minhas leituras de pesquisa, de estudo ou de lazer, e que tomo da pluma, ou que me sento em face do computador, para escrever alguma coisa, qualquer coisa, como esta agora, por exemplo. Sempre...

Hartford, 7 de Junho de 2014

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A arte de melhorar a escrita (se isso e' possivel, depois de certa idade)...

Um leitor frequente deste blog estava buscando umas recomendações minhas sobre a arte da escrita (como seu eu fosse modelo: posso ter ter escrita, mas certamente nenhuma arte) e não sabia onde encontrar. Enfim, acabou achando num texto do meu site em que eu fazia recomendações para os aluninhos desesperados com monografia de final de curso e um outro dirigido aos mestrandos alucinados com a preparação da dissertação.
Mas, no meio, acabou achando esta postagem, da qual eu mesmo já tinha esquecido.
Quem sabe eu ainda aprendo a escrever?
Um dia, talvez...
Paulo Roberto de Almeida 


Como escrever bem (e existem regras para isso) - Paulo Roberto de Almeida

Meus vícios de escrita (e algumas regras para melhorar...)
Paulo Roberto de Almeida

Eu escrevo mal, eu sei. Não tanto coisas absolutamente erradas, ou estúpidas (embora sempre se encontre quem ache isso), mas basicamente construções difíceis, frases muito longas, palavras inventadas (do que não me desculpo, aliás), rebuscamento e prolixidade na expressão de um pensamento (se é que tenho algum), enfim, diversos vícios de linguagem, ou seja, de expressão oral e de escrita, que foram se acumulando ao longo do tempo, e dos quais só posso me desculpar junto a meus (poucos) leitores com promessas (vãs?) de que vou me esforçar para escrever melhor da próxima vez.
A que posso atribuir essas deficiências na expressão escrita (já que falo muito pouco, fora das aulas que ministro regularmente)? Erros de origem, provavelmente, agravados pelo desleixo em corrigi-los, por certo descuido com os aspectos formais da escrita. Mas não é apenas pelo seu estilo capenga e descuidado que meus textos são ruins; é também pelo desenvolvimento deficiente dos argumentos, se ouso agora incriminar também a substância de meus trabalhos.
Como sempre estamos procurando bodes expiatórios para nossas deficiências, aqui vão os meus. Minha primeira infância transcorreu num lar quase sem livros, carente de revistas e jornais, na total ausência de volumes enfileirados em alguma estante ou num canto qualquer da casa. Meus pais nunca terminaram o primário: tiveram de trabalhar desde muito cedo, e por isso não se poderia esperar que, na idade adulta, se convertessem, não em intelectuais, mas em pessoas motivadas pela leitura. O meio de informação habitual era o rádio (a TV só apareceu muito mais tarde), ou o que vinha na ruas e nas conversas com vizinhos e conhecidos de trabalho. Só aprendi a ler, como já disse, na “tardia” idade de sete anos, como era o hábito no primário de antigamente. Desde então, tentei me corrigir, lendo tudo o que estivesse a meu alcance, mas talvez eu me tenha motivado mais pelas ideias, em si, do que por sua expressão formal. Enfim, seja como for, nunca deixei de ler, o que pode ser uma base excelente para a melhoria do estilo e da correção formal e substantiva dos meus textos, mas parece que nunca aproveitei a oportunidade (talvez porque eu tenha me concentrado mais em livros de estudo, com o seu jargão prolixo e especializado, em lugar da boa literatura).
Depois, como me politizei muito cedo, sem nenhum desdouro por quem faz isso também, isso me levou a ler uma faixa determinada da produção nas humanidades: história, política, marxismo, economia e coisas em torno desse universo restrito. Convivi, portanto, com os “escritores” desse ambiente cheio de slogans (ou conceitos) politicamente marcados e por vezes até maniqueístas. Como eu me dirigi também muito cedo para a chamada “escola paulista de sociologia”, adquiri o terrível (temível?) jargão desse pessoal, em especial do mestre Florestan Fernandes, prolixo como poucos, com longas frases cheias de apostos e complementos. Enfim, eu me contaminei com esse tipo de escrita, que “deformou” (não hesito em dizer) completamente meu modo de expressão.
Devo dizer, também, que durante toda a minha educação formal – que eu reduzo apenas ao primário e ao ginasial, ou seja, dos sete aos quinze anos – eu nunca gostei de gramática, ou de Português em geral (como também tropecei muito cedo na matemática). Eu gostava de ler, mas não tinha nenhuma paciência pelas regras gramaticais, pelas normas de linguagem que era preciso decorar, pelo respeito a certas concordâncias ou construções estilisticamente corretas. Para mim, o mais importante era absorver as ideias e retransmiti-las de alguma forma, sem maiores cuidados quanto à forma. Devo ter passado impune por algumas reformas ortográficas e como eu gostava de ler livros antigos, também devo ter confundido formas de escrita e normas cambiantes. Para agravar o meu caso, saí do Brasil com 20 anos e passei quase sete anos completos no exterior, estudando exclusivamente em francês, falando espanhol (ou ensaiando outras línguas), com pouco contato formal com o Português (a não ser pela leitura dos mesmos livros no meu mundinho das ciências sociais e do marxismo).
Pronto, estão aí meus bodes expiatórios, os que explicam, pelo menos parcialmente, algumas das razões de minha horrível expressão escrita (claro, boa em comparação com a miséria educacional dos nossos tempos, mas sempre deficiente com respeito às normas cultas e elegantes da linguagem). Que posso fazer, então? Talvez ler mais literatura de boa qualidade, dedicar mais tempo à revisão dos meus textos, tentar expressar minhas ideias de forma mais clara, usar frases mais curtas, concentrar-me no essencial e deixar o acessório de lado (nessa tentativa ilusória de abarcar um problema por todos os seus lados e aspectos), enfim, tentar melhorar aquilo que é primordial nesse tipo de ofício que é o meu: ser atraente, interessante, conciso (já que ninguém tem mais tempo, hoje em dia, para ler textos longos). Pensando em tudo isso, vou tentar melhorar meu desempenho na expressão escrita recorrendo a algumas regras muito simples, cuja inspiração me veio da leitura de um texto na revista Piauí, “Manual de estilo para cientistas”, de Bernardo Esteves (Questões de Ciência, 11/05/2011; link: http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/questoes-da-ciencia/geral/manual-de-estilo-para-cientistas), mas que remete a um artigo do respeitado biólogo Kaj Sand-Jensen, (http://www.fbl.ku.dk/ksandjensen/presentation.html) da Universidade de Copenhague, autor de um clássico instantâneo da estilística científica: “Como escrever literatura científica consistentemente chata”, publicado em 2007 na revista Oikos (“How to write consistently boring scientific literature”, Volume 116, Issue 5, pages 723–727, May 2007, link:http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.0030-1299.2007.15674.x/full).
Eu recomendaria uma leitura do seu original, mas vou aqui me contentar em retomar suas recomendações ao contrário, ou seja, invertendo o sentido original de suas recomendações – irônicas, por certo – para tentar apresentar algumas ideias positivas, quem sabe até úteis?, aos candidatos a uma boa escrita, a começar por mim mesmo. Portanto, ainda que eu me disponha a pagar copyright – ou talvez, mais apropriadamente, moral rights – ao cientista dinamarquês, eu tenciono converter suas regras da escrita chata em advertências ao projeto de escritor que pretende ser interessante (e lido).
Vejamos o que pode resultar.

1. Concentre-se no foco do problema
Vá direto ao assunto desde a primeira frase, eventualmente precedida de algum exemplo histórico (como é meu hábito) e literário que pretende realçar o problema a ser tratado. Diga logo de cara algo assim: “Este texto pretende abordar este problema e visa demonstrar esta coisa; meu método, ou meus procedimentos serão os seguintes: blá, blá curto”. Desenvolva a seguir seu argumento principal, mantendo o foco na questão que você de propôs tratar, fazendo eventualmente alguma alusão a questões paralelas que possam ter relevância para o problema central. Tire suas conclusões, dizendo claramente que é aquilo que você descobriu e faça algumas considerações finais sobre a importância desse tratamento para o estado da arte naquele campo (e sua contribuição para ele). Estaria bem assim, ou estou sendo muito elementar? Acho melhor ser simples e direto.

2. Tente ser original e demonstrar sua contribuição para o avanço da “arte”
Pessoas sem ideias se contentam em resumir contribuições alheias, no que não vai nenhuma grande tragédia. Se este for o caso, diga claramente: Fulano disse isto, Sicrano disse aquilo, e eu resumo o que disse Beltrano a respeito ou sobre os dois; mas tente, se possível, expressar uma opinião própria sobre a questão, ainda que seja a de dizer que você pretende apenas oferecer uma síntese que resumo o estado da arte dos outros. Se não tiver nenhuma ideia interessante ou inteligente para expressar sobre a questão, tente, pelo menos, formular algumas perguntas para pesquisa ulterior, mais ou menos neste sentido: seria útil pesquisar tal questão em sua aplicação ao caso brasileiro, ou então dizer que dados concretos sobre tais e tais manifestações do problema precisariam ser pesquisados com vistas a refletir sobre aqueles ensinamentos nesta ou naquela situação nova. Gostou?

3. Escreva contribuições concisas e objetivas, com frases legíveis e compreensivas
Tente seguir o estilo americano: frases curtas, muitos pontos, perguntas claras, afirmações diretas, sem rebuscamentos de linguagem, com eliminação de tudo que não seja absolutamente necessário para a compreensão do “seu” problema. Mesmo que tenha vontade de escrever um tratado erudito sobre o assunto, comece por expor o conjunto de forma breve, se possível com outlines prévios, enxugando tudo o que for secundário. Depois que terminar seu “mini-artigo”, você poderá se lançar na obra prima da sua carreira acadêmica, em algo que fique nos anos como o magnum opus daquela área; mas comece modestamente por favor, pois o efeito pode ser maior. Não é para ser curto e grosso, apenas conciso e objetivo. Pode até ter frases de efeito, mas apropriadas ao caso.

4. Explore implicações do seu problema e especule inteligentemente a respeito
Todo e qualquer problema humano está sempre relacionado a muitos outros, para frente, para trás, para os lados, em direção ao futuro, vindo de um passado mais ou menos próximo ou distante. Ou seja, você não está sozinho, e sua questão genial apresenta efeitos em cadeia ou impactos em outras áreas; portanto, explora essas possíveis interações e interdependências, visualize consequências desse problema para outras áreas, e até se permita digressões sobre os resultados de uma determinada ação naquele terreno (pode até ser a famosa lei das consequências involuntárias, mas sempre existo algo mais).

5. Mostre exemplos, casos análogos, dados concretos sobre o “seu” problema
Nada melhor para ilustrar uma digressão científica especialmente chata – e existem alguns filósofos franceses e sábios alemães que se especializam na chatice – do que mostrar exemplos concretos, casos reais, ações efetivamente perpetradas pelos agentes envolvidos no seu caso. Ser abstrato é vedado aos comuns dos mortais, e apenas autorizado a membros da academia e outras vacas sagradas. Como você tem de convencer pares, professores, curiosos em geral, que todos, em geral, sabem menos do que você naquela área específica (a menos que você esteja enganando todo mundo), você precisa ser o mais convincente possível. Nada melhor, portanto, do que trazer exemplos à colação (é assim que se diz nas teses jurídicas especialmente chatas?) para tornar sua demonstração perfeitamente clara e empiricamente verificável.

6. Exponha claramente o itinerário metodológico e demonstrativo do seu trabalho
Todo trabalho acadêmico apresenta uma estrutura muito simples, até repetitiva: geralmente ele tem uma pequena introdução, na qual se expõe o objeto a ser tratado, seguida da metodologia, ou das técnicas a serem seguidas no tratamento do problema; o argumento principal vai ser desenvolvimento no núcleo central do trabalho, em quantas partes forem necessárias para demonstrar, discutir, esquartejar um assunto determinado; finalmente se chegam às conclusões a serem tiradas do tratamento precedente; o resto é complemento (notas, bibliografia, anexos, etc.). O importante é que seu raciocínio seja muito claro quanto a essas diferentes etapas do trabalho de construção de uma explicação para o problema selecionado. Por isso, uma regra elementar deve ser seguida: antes de começar a escrever, pare e pense no seu problema. Quem não tem ideias claras, não pode, ou não consegue se expressar claramente, ou seguir um itinerário linearmente rigoroso de pensamento. Quando seu trabalho estiver suficientemente pensado, voilàzut!, ele já está pronto: só falta escrever, mas isso é o de menos quando se sabe onde se quer chegar...

7. Seja claro nas expressões, use uma linguagem a menos sofisticada possível
Não existe nada entre o céu e a terra, neste vasto universo que ainda não é o nosso, que não possa ser explicado em termos simples, inteligíveis, compreensíveis a um leigo no assunto. Pense que você vai ter de explicar aquele problema para uma criança de dez anos, ou um adolescente de quinze, que seja (no limite para a sua mãe, que não é do ramo, digamos assim). Portanto, escolha expressões comuns, e se tiver de empregar termos técnicos, ofereça uma explicação mais palatável se eles forem suficientemente obscuros, talvez entre parênteses. Coloque de lado aqueles filósofos franceses que se especializaram em enganar os trouxas com frases incompreensíveis (e elas são mesmo). Essa coisa de jargão sofisticado geralmente é para iludir os incautos, portanto não abuse de sua permissão para falar difícil. Claro, não precisa descer ao nível rasteiro de certo personagem que se vangloriava de nunca ter tido diplomas na vida, e que falava deliberadamente errado para encantar o povão; mas não tente fazer de seu trabalho um exemplo do barroco linguístico.

8. Evite adjetivos, exploração de emoções, subjetivismos dramáticos
A vida e o mundo já são suficientemente complicados como eles são, mas um trabalho acadêmico não é uma novela mexicana, nem um dramalhão daqueles antigos. Adjetivos de qualidade – estupendo, magnífico, único, etc. – devem ser evitados absolutamente (e lá vou eu com um...). De forma geral, adjetivos e qualificativos devem ser banidos do trabalho, embora ele possa ter evidências quanto ao impacto significativo de certos fenômenos sobre a ação humana. Mas como diria um personagem famoso, todos os seus gestos devem ser friamente calculados, ou seja: evite grandes explosões terminológicas, quando você pode expressar a mesma ideia em tom mais comedido e, sobretudo, mais objetivo e contido. Eu, por exemplo, costumo chamar muita gente de idiota – e existem, efetivamente, muitos idiotas no mundo – mas o que é aceitável num post rápido em blog de divertimento não cabe num paper supostamente sério. Em outros termos, não deixe transparecer sua emoção no tratamento de uma questão, ainda que ela o coloque em sérios dilemas morais e em angústias existenciais. Fique frio...

9. Tente quantificar fenômenos, use números, mas não abuse da estatística
Tudo, com a provável exceção do amor (e talvez do ódio), pode ser quantificado, medido, colocado em gráficos e comparado a outras situações (anteriores, de outros agentes em outros lugares). Os economistas são pródigos em usar e abusar de estatísticas e os economistas teóricos gostam de encontrar uma equação que traduza a realidade dos indicadores a uma fórmula de sua modelagem que sirva para prever ou antecipar processos similares, podendo, portanto, ser objeto de políticas públicas, na área macroeconômica ou setorial. Se pudessem, eles resumiriam toda a complexidade do mundo numa fórmula mágica, do tipo: E = mc2. Nos assuntos humanos – e isso inclui a economia também – fórmulas e números são úteis, mas apresentam limites efetivos para sua utilização contínua, pela simples razão que os homens estão sempre ajustando sua conduta para obter a maximização de seus fatores e ativos em face dos constrangimentos do real – que são as ações dos governos (geralmente em seu detrimento, caro leitor) e as de outros agentes da sociedade. Por isso, faça recurso dos indicadores quantitativos e tente medir, ou mensurar, os problemas que são objeto de sua análise, mas não confie demais nos procedimentos estatísticos como indicativos de tendências futuras. Nada é imóvel neste nosso mundinho tumultuado...

10. Demonstre conhecimento das fontes, mas não abuse das referências
Eu já li muita monografia de aluno que, mesmo para fatos históricos indiscutíveis – uma guerra, uma revolução, enfim, coisas objetivas –, se esmeram em juntar uma pletora de citações e de referências bibliográficas para dizer, finalmente, o óbvio: “nossa civilização tem bases greco-romanas” (bem, não precisa citar nenhum grande historiador para saber disso, pois não?). Não é preciso carregar um paper, um trabalho mais alentado ou até uma tese doutoral com centenas de remissões anódinas, ou seja, tratando daqueles casos que já pertencem ao estado da arte do problema tratado. Fatos são fatos, por mais que se desgoste deles, e eles não vão deixar de existir porque algum autor tem uma opinião mais negativa sobre esses mesmos fatos (a dominação perversa do capitalismo financeiro monopolista, por exemplo). Todos nós estamos cansados de ver o capitalismo condenado ao desaparecimento como resultado das últimas dez crises ocorridas em seu itinerário tumultuado, não é mesmo? Bem, sendo mais objetivo, a regra aqui, e a última desta série desorganizada, é muito simples: erudição não precisa ser medida em toneladas de bibliografia; ela pode ser medida com comentários inteligentes à obra de um autor consagrado, o que normalmente exige mais inspiração do que transpiração. Portanto, seja comedido no “ajuntamento” (esse é o termo) de sua bibliografia de referência e tente trabalhar com os autores essenciais ao problema que você escolheu. Se algum outro autor não tem nada de relevante a dizer sobre o problema selecionado, ignore-o solenemente. Mas, em sentido contrário, não tente a sorte pescando na internet coisas que depois você não vai citar devidamente e dar o crédito a quem merece: os instrumentos de busca que os professores utilizam estão cada vez mais sofisticados, e seria muito triste alguém perder uma bela carreira por acusações de plágio ou falsificação de trabalhos alheios.

Seja feliz em seu trabalho, melhore a sua escrita (o que eu mesmo vou tratar de fazer) e avance alguns degraus na ladeira do conhecimento: você vai se sentir muito melhor olhando o mundo do alto de sua capacitação intelectual. Escreva claro, escreva bem, trate dos problemas como eles devem ser tratados: objetivamente, concisamente, reflexivamente.

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 14 de maio de 2011)

domingo, 15 de julho de 2012

Vivendo para os livros... e a escrita - Paulo Roberto de Almeida


A arte de escrever para si mesmo

Paulo Roberto de Almeida

No decorrer da maior parte da minha vida, talvez quatro quintos de uma existência dedicada à constante leitura de livros, à reflexão solitária e à redação regular de textos de diversos tipos, o que mais fiz, de fato, foi escrever para mim mesmo.
Salvo no período mais recente, quando tenho aceito (talvez muito facilmente, e em excesso) compromissos de colaborar com revistas ou livros coletivos, a maior parte de meu tempo livre, durante os últimos quarenta anos, tem sido ocupada pela redação de textos que só tinham um único destinatário: eu mesmo.
Não por outra razão, minha lista de originais é três vezes mais volumosa do que a correspondente aos trabalhos publicados. Na verdade, minha lista de originais cobre apenas uma parte modesta de meus escritos, aquela de trabalhos efetivamente terminados, com um ponto final, assinados, datados e localizados, e finalmente numerados na ordem sequencial de seu término, não importando quando e onde iniciados.
Os trabalhos apenas esquematizados, iniciados, mas não concluídos, comporiam uma lista ainda mais longa, se por acaso tal lista existisse. Eles estão dispersos, perdidos numa infinidade de pastas, guardadas por sua vez em outras pastas, sem muita ordem ou método, quase sem títulos evocativos, a não ser os de alguma inspiração momentânea. Em todo caso, essas centenas, talvez mais de um ou dois milhares, de working files compõem uma formidável armada – ou exército, como se queira – de reserva, aguardando retomada oportuna em algum tempo livre (que, sabemos todos, nunca virá). Só sei dizer que esses working files, escritos unicamente para mim, nunca entraram na pasta “PRAworks”, organizada em listas anuais (como para a lista de Publicados). Eles ficam simplesmente dispersos, por vezes sob títulos enigmáticos, em pastas dotadas de rótulos anódinos, o que dificulta sobremaneira sua recuperação ulterior para finalização. Muitos estão até esquecidos, coitadinhos, relegados a um limbo do qual até a intenção ou propósito iniciais também há muito se perderam. Esta é mais uma prova, além da quantidade enorme de inéditos, de que eu realmente escrevo para mim mesmo.
Mas mesmo naqueles escritos “encomendados”, eu jamais aceitei qualquer sugestão de linhas “condutoras”, estilo discursivo ou orientação argumentativa, tanto porque sou eu mesmo quem decido como e com quais objetivos desenvolverei minha linha de raciocínio. Nisso sou absolutamente libertário, inclusive já o era mesmo nos textos oficiais, nos quais sempre escapei do diplomatês insosso no qual se deleitam tantos colegas de carreira.
Estas são, finalmente, as características da arte de escrever para si mesmo: livre inspiração, total controle do estilo e do método de abordagem, independência de pensamento e plena autonomia argumentativa, decisão solitária sobre como e onde divulgar ( o que não é o mesmo que publicar, já que isto depende de algum editor de revistas ou livros).
Em todo caso, com uma dezena e meia de livros publicados em autoria solitária, meia dúzia de títulos editados por mim e várias dezenas de capítulos em livros coletivos, não posso dizer que eu esteja carente de editores. Recebi, é verdade, convites de editores para compor, ou seja, escrever eu mesmo, tal ou qual livro, mas declaro imediatamente que, a despeito de ter considerado certas sugestões, nunca levei adiante qualquer uma dessas demandas; tampouco ofereci projetos de livros a editores: faço apenas o que me dá vontade. Recém aceitei fazer um “sob encomenda”, sobre a integração regional, mas apenas porque eu teria total controle sobre o que e como escrever.
Repito, e finalizo: eu escrevo para mim mesmo, leitores são apenas um detalhe do processo (com perdão dos próprios). Como não vivo do que escrevo – pelo menos ainda não – não preciso agradar qualquer público quanto à forma ou o conteúdo daquilo que produzo, em total autonomia. Se, ao cabo de alguns laboriosos exercícios de escrita, chego ao que considero a forma final de algum trabalho, e aprovei o que eu mesmo escrevi, coloco um ponto final, acrescento o local e a data (eventualmente consignando algumas etapas precedentes), registro, finalmente, na lista numérica dos originais e me dou por satisfeito. Quanto ao julgamento dos eventuais (e poucos) leitores, creio que eles devem dispor de tanta liberdade de avaliação quanto a que eu tive na concepção e redação desses meus textos.
Ponto final, a mais um! Vale!

Brasília, 15 de julho de 2012.