O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador chanceler acidental. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador chanceler acidental. Mostrar todas as postagens

sábado, 28 de novembro de 2020

Reflexões sobre um personagem que anda à procura de um autor (com a devida licença de Pirandello) — Paulo Roberto de Almeida

 Reflexões sobre um personagem que anda à procura de um autor (com a devida licença de Pirandello)

Paulo Roberto de Almeida

O Josias de Souza chamou o patético personagem — a quem eu chamo de chanceler acidental — de “sub-chanceler”. 

Acho que faz sentido, mas não todo o sentido. Tem muito mais coisas atrás dessa pobre filosofia.

Lula já tinha inventado a figura do “sub do sub”, mas falando de ninguém menos do que o USTR de Bush, Robert Zoellick.

Bolsonaro queria um “sub do sub” no Itamaraty. Acabou achando, sem ser preciso ler “Trump e o Ocidente” (que, de resto, ele não entenderia nada).

O rapaz perdeu um tempo enorme fazendo um blog cheio de altas considerações metapolíticas e metahistoricas, para meia dúzia de leitores. Ignaros além de tudo.

É um escritor sem leitores, para gente que só queria um pau-mandado no Itamaraty.

Como aquele coronel do Garcia Marquez, que “no tenia quien le escribiera”, o rapaz não tem quem o leia. Está mais para mero escrevinhador das alucinações alheias.

Na verdade e de fato, acho que está mais para capacho de toda essa gente: do degenerado, do Rasputin OC, do Zero Três, do Robespirralho, do Trump e do Pompeo, de quem mais?

É o sub do sub do servilismo automático...

Acho que o cara deve se angustiar, na frente do espelho, antes de ir dormir, toda noite.

Aliás, deve ser difícil conciliar o sono, pensando e remoendo tanta humilhação diariamente, constantemente, cada uma pior que a outra. 

O Serviço Médico do Itamaraty vai ter de conseguir uma equipe inteira de conselheiros “espirituais”, depois que terminar o sofrimento: um psicanalista, um psiquiatra, um psicólogo, um neurologista, um curandeiro, das várias escolas combinadas: um freudiano, um outro junguiano, não pode faltar um lacaniano, talvez um reichiano, quem sabe um marcusiano? (êpa!), um umbandista, o pessoal da canabis recreativa, do Santo Daime, whatever, whoever...

Deve ser duro de aguentar ter de trabalhar para gente tão ignara, que o vigia de perto: ninguém ali leu Also Sprach Zarathustra no original, ninguém penetrou nos segredos da Imitação de Cristo, ninguém pensou na batalha de Salamina como a salvação do Ocidente antes do Ocidente vir a ser o Ocidente, nem o Trump, que nunca ouviu falar de Spengler, muito menos de Toynbee, que achava que os EUA já tinham entrado em decadência aí por 1947...

Deve ser duro para o rapaz: podia estar escrevendo novelinhas distópicas, mas foi se meter com um bando de bárbaros fundamentalistas. 

Será que já está arrependido?

Se não está agora, se sentindo todo poderoso, protegido pelo degenerado e seus rebentos, vai se sentir depois, quando a festa acabar.

Imaginem o “corredor polonês” virtual do Itamaraty, quando a luz apagar e os lambe-botas se afastarem? Como é que vai ser?

Amanhã vai ser outro dia, como diria o seu compositor favorito...

Pois é, agora é tarde para se arrepender.

Devia ter pensado antes.

Mas, sempre tem compositor com Réquiem já preparado: assim acaba uma carreira.

Não vou antecipar o julgamento da história. Eu mesmo vou fazer a crônica dos tempos presentes e passados: aliás, já está no quarto volume, só falta encontrar um título accrocheur, que não pode ser RIP evidentemente. Deve ter algum slogan latino apropriado. Preciso sacar o meu Cícero, o meu Virgílio, quem sabe até um Dante? Talvez encontre alguma sugestão no Metapolítica 17, alguma coisa com laivos wagnerianos...

Nada menos abaixo da sua desimportância para a história da diplomacia brasileira...

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 28/11/2022

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

"O projeto Pária" do chanceler acidental - Natalie Unterstell (Época)

 PROJETO PÁRIA OU UM PÁRIA ENTRE NÓS

Falta de pragmatismo na pauta ambiental custa caro e descredibiliza nosso país

Natalie Unterstell 

Revista Época, 26/11/2020, 7h

O mundo se prepara para uma maratona de longa duração rumo ao zero carbono. Há muitos desafios, já que em todos os países existem segmentos relutantes à transição para essa nova economia. No entanto, entre vanguarda e atraso, na somatória de forças, as nações parecem convergir para um novo capítulo da história.

É notável, por essa razão, a indisposição de um país que teria tudo para entrar na corrida e se sagrar campeão: o Brasil.

Nosso país tem se mostrado desinteressado e preguiçoso. Como se tivesse sido instalado em uma arquibancada, de onde pretende assistir os demais correrem, o Brasil no máximo esperneia.

E quem nos coloca neste lugar? As autoridades que adotaram o negacionismo como forma de governo.

Expoente da ala ideológica do governo, o Ministro das Relações Exteriores (MRE), Ernesto Araújo, é um exímio implementador desse método. Recentemente, ele se disse orgulhoso da posição de pária internacional. “É bom ser pária. Esse pária aqui, esse Brasil tem conseguido resultados”.

E como um terraplanista que usa GPS, na semana passada, o MRE sob Ernesto agiu para bloquear os trabalhos de 196 países envolvidos nas negociações da Convenção de Diversidade Biológica (CDB) da ONU.

A CDB busca adotar um novo marco geral para a biodiversidade. A tarefa deveria ser concluída em 2020 mas sofreu atraso, por conta da pandemia. O Brasil, país megadiverso, seria um dos maiores interessados em se beneficiar dessa estrutura.

Ao longo de 2020, o país já havia sido acusado de dificultar as negociações. Agora, paralisou os trabalhos opondo-se à aprovação do orçamento de 2021 do secretariado da Convenção. Os diplomatas buscam esclarecer o episódio - mas não há como dissociá-lo das declarações negacionistas e isolacionistas dadas pelas principais autoridades. A diplomacia brasileira está sendo vista com desconfiança, independente do assunto que esteja tratando.

O risco (e a probabilidade, eu diria) é que essa mesma tática (de bloqueio) seja repetida nas demais Convenções da qual o Brasil participa, especialmente da Convenção Quadro da Mudança do Clima. Assim, pode prejudicar uma a uma as arenas de diálogo e de construção dos padrões globais de sustentabilidade.

Ser pária custará caro e imporá prejuízos.

As negociações ambientais globais são essencialmente econômicas. Elas emanam compromissos e regras sobre como usar o ambiente para sustentar a economia, e vice-versa.

Não à toa, após a ratificação do Acordo de Paris, em 2015, os principais bancos centrais do mundo avançaram na discussão de padrões de informação sobre riscos climáticos no sistema financeiro - o Banco Central do Brasil (BCB), inclusive. Os padrões ambientais globais dizem respeito às nossas indústrias, à agricultura bem como às políticas monetária e fiscal.

Por isso, ao longo de décadas, nossos diplomatas vieram talhando sofisticadamente as Convenções do Rio - em alusão a terem sido assinadas no Rio de Janeiro em 1992 - para estabelecer normas boas para nós e para o planeta.

Instrumentos como o Acordo de Paris são frutos de negociações árduas em que nós buscamos benefícios concretos. Permitem por exemplo que o Brasil seja pago pela comunidade internacional por resultados alcançados no controle do desmatamento. Ou seja, temos o direito reconhecido de compartilhar os custos da proteção das florestas com o resto do mundo.

E esse direito, associado ao dever de proteger florestas, foi uma solução inventiva nossa.

Quando o mundo buscava uma forma de apoiar a mitigação de emissões de gases de efeito estufa, pesquisadores brasileiros como Márcio Santilli e Paulo Moutinho inventaram o mecanismo do desmatamento compensado. Da sociedade civil, essa proposta depois virou o Fundo Amazônia e, anos depois, virou uma decisão negociada da Convenção da Mudança do Clima.

O mecanismo vale para qualquer Presidente da República, seja ele negacionista ou protagonista. Razão pela qual o governo Bolsonaro poderá anunciar que fará o maior programa de pagamentos por serviços ambientais do mundo em seu mandato: graças aos pagamentos feitos via sistema ONU como recompensa pela redução do desmate, alcançado no passado e recebido neste governo.

O atual governo só não consegue mais recursos internacionais porque não mostra resultados de redução de emissões e porque, a despeito da urgência do tema e da potência brasileira, suas intenções e ações não inspiram confiança dos parceiros internacionais.

Sim, os tempos já são outros. Se durante décadas o Brasil foi um hábil e sofisticado construtor de soluções globais, no momento, opera uma política de desconstrução, também inventiva. Áreas antes arejadas ao debate com a sociedade brasileira, tornaram-se sistemas fechados ao diálogo.

Cabe perguntar: a quem de fato serve o isolacionismo e o negacionismo no comando do país mais megadiverso do mundo? Ficar na arquibancada da história não é nosso destino. Quando conseguiremos sair desta armadilha?

https://epoca.globo.com/natalie-unterstell/coluna-projeto-paria-ou-um-paria-entre-nos-24766126

Itamaraty diz em carta que reação da China a Eduardo foi ofensiva e desrespeitosa - Ricardo Della Coletta (FSP)

A manchete não está conforme à realidade: não é o Itamaraty que diz isso ou aquilo; é o chanceler acidental que apenas repete o que lhe foi ditado pelo aloprado 03, e que só pode contar com a aprovação do aloprado 00. Três aloprados...

Paulo Roberto de Almeida

Itamaraty diz em carta que reação da China a Eduardo foi ofensiva e desrespeitosa

Ministério comandado por Ernesto Araújo responde a mensagem da missão diplomática chinesa

Ricardo Della Coletta | 

Folha de S. Paulo, 26/11/2020, 15h11

BRASÍLIA - O Itamaraty repreendeu a embaixada da China pelas críticas contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e disse, em ofício, que a resposta da missão diplomática ao parlamentar traz conteúdo "ofensivo e desrespeitoso".

"Não é apropriado aos agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil tratarem dos assuntos da relação Brasil-China através das redes sociais. Os canais diplomáticos estão abertos e devem ser utilizados", disse o ministério das Relações Exteriores, em carta enviada aos representantes do governo chinês no Brasil na quarta-feira (25).

"O tratamento de temas de interesse comum por parte de agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil através das redes sociais não é construtivo, cria fricções completamente desnecessárias e apenas serve aos interesses daqueles que porventura não desejem promover as boas relações entre o Brasil e a China. O tom e conteúdo ofensivo e desrespeitoso da referida 'Declaração' prejudica a imagem da China junto á opinião pública brasileira", segue a mensagem da chancelaria brasileira.

A correspondência foi revelada pela rede CNN Brasil.

Com a carta, o Itamaraty responde à manifestação dos chineses contra uma publicação de Eduardo —filho de Jair Bolsonaro (sem partido) e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara— que associou o governo de Pequim à espionagem de dados. O deputado destacou em suas redes sociais na noite de segunda (23) que o Brasil endossou iniciativa dos Estados Unidos para manter a segurança da tecnologia 5G "sem espionagem da China".

"O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”, escreveu.

"Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China”, completou o deputado.

No dia seguinte, o parlamentar apagou a postagem. Ainda assim, a embaixada chinesa no Brasil respondeu e defendeu que Eduardo e outros críticos do país asiático deveriam abandonar a retórica da extrema direita norte-americana, para evitar "consequências negativas".

A embaixada disse que o deputado acusou a China de fazer espionagem cibernética e ressaltou que ele defendeu iniciativa que discrimina a tecnologia 5G chinesa. "Tais declarações infundadas não são condignas com o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados", afirmou a representação diplomática.

Na correspondência à embaixada, o Itamaraty classificou de "altamente inadequado" que a missão diplomática "se pronuncie sobre as relações do Brasil com terceiros países, tendo presente que a Embaixada do Brasil em Pequim não se pronuncia sobre as relações da República Popular da China com terceiros países".

A chancelaria brasileira também disse aos chineses que o governo toma decisões soberanas sobre temas de interesse estratégico do Brasil. "O respeito mútuos às respectiva soberanias é fundamental par as ótimas relações que temos desenvolvido", conclui a carta.

Depois da publicação de Eduardo nas redes sociais, a embaixada da China enviou uma reclamação ao Itamaraty. Esse primeiro documento não foi tornado público, mas o fato de a missão diplomática ter publicado uma declaração posterior gerou incômodo na equipe do ministro Ernesto Araújo.

Não é a primeira vez que Eduardo protagoniza um choque com a embaixada chinesa em Brasília. Em março, Eduardo comparou a pandemia do coronavírus ao acidente nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia, em 1986. As autoridades, à época submetidas a Moscou, ocultaram a dimensão dos danos e adotaram medidas de emergência que custaram milhares de vidas.

A associação feita pelo parlamentar em março gerou duras críticas do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/11/em-carta-itamaraty-repreende-embaixada-da-china-por-resposta-a-eduardo-bolsonaro.shtml  



quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O valor da cooperação global - Editorial Estadão (O que fará agora, o chanceler acidental?)

 O valor da cooperação global

G-20 mostrou que Trump já é passado, e não só pela menção ao esforço global contra a pandemia.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo | 25/11/2020, 3h

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-valor-da-cooperacao-global,70003526920


O mais recente encontro do G-20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, terminou com muitas incertezas acerca do combate à pandemia de covid-19 e dos devastadores efeitos econômicos por ela causados, mas ao menos serviu para recuperar a mensagem de que o mundo não superará a crise sem cooperação global.

“A inédita pandemia de covid-19 é uma poderosa lembrança de nossa interconectividade e de nossas vulnerabilidades”, diz a nota conjunta emitida ao final do encontro. E continua: “O vírus não respeita fronteiras. Combater essa pandemia demanda uma resposta transparente, robusta, coordenada, de larga escala e baseada na ciência, dentro do espírito de solidariedade. Estamos fortemente comprometidos em apresentar uma frente unida contra essa ameaça comum”.

Essa frente inclui a promessa de um esforço para fazer chegar a vacina aos países mais pobres, pois o grupo concluiu que não há como superar a crise causada pelo coronavírus sem que a doença esteja controlada em todo o mundo. Embora vago, esse compromisso é essencial e denota a conclusão, expressa pela primeira-ministra alemã, Angela Merkel, de que o desafio “só será vencido com um empenho global”.

O comunicado é chancelado por todos os chefes de Estado do G-20, inclusive Donald Trump, presidente dos EUA, e seu colega brasileiro, Jair Bolsonaro, ambos destacados líderes de um movimento irracional mundial destinado a minimizar a pandemia.

Se a assinatura de Bolsonaro vale o papel em que foi escrita, portanto, é lícito esperar que o presidente mude de atitude drasticamente e passe a entender a cooperação e a ciência como essenciais para enfrentar a crise. A esse respeito, o comunicado do G-20 é inequívoco: “Destacamos a urgente necessidade de controlar a disseminação do vírus, o que é a chave para a sustentação da recuperação da economia global”. Sendo assim, e ninguém de bom senso pode argumentar o contrário, Bolsonaro está obrigado a deixar imediatamente de lado sua campanha contra as medidas de prevenção destinadas a conter o coronavírus, a não ser que tenha assinado o comunicado sem o ter lido.

A participação de Bolsonaro na cúpula do G-20 não é por si mesma garantia de que o presidente compartilhe com seus colegas chefes de Estado o diagnóstico expresso no comunicado da reunião. Na sua vez de falar, o presidente brasileiro voltou a manifestar-se no conhecido tom defensivo e, como já se tornou habitual, esquivando-se de responsabilidades.

Depois, Bolsonaro faltou às sessões que discutiram a pandemia e as mudanças climáticas, os temas predominantes do mundo nos próximos anos, e não compareceu à sessão final. Seu mentor, Donald Trump, não foi muito melhor: fez apenas um discurso na abertura do encontro e foi jogar golfe.

De Trump não se esperava mesmo outra atitude, visto que se comportou dessa maneira desrespeitosa ao longo de todo o seu mandato e não seria agora, a semanas de deixar o cargo, que se emendaria. Mas Bolsonaro ainda tem dois longos anos de mandato pela frente, tempo mais que suficiente para ampliar ainda mais o isolamento brasileiro – agora sem o respaldo de um Trump derrotado pelas urnas.

A cúpula do G-20 mostrou que Trump já é passado, e não somente pela menção ao esforço global contra a pandemia. Além de enfatizar a necessidade de fortalecer a Organização Mundial da Saúde, tão vilipendiada por Trump e Bolsonaro, o grupo sublinhou que “o apoio ao sistema de comércio multilateral”, sabotado pelo atual governo norte-americano, “é hoje mais importante do que nunca”. Para completar, o G-20 reiterou os compromissos de proteção ao meio ambiente assumidos no Acordo de Paris, que Trump abandonou e Bolsonaro menosprezou.

Assim, soa cada vez mais caquética a campanha bolsonarista contra o “globalismo”, nome que o chanceler Ernesto Araújo dá ao multilateralismo, visto por ele como “estágio preparatório para o comunismo”. Como disse o premiê italiano, Giuseppe Conte, anfitrião do próximo encontro do G-20, “o multilateralismo não é uma opção”, mas sim “o único caminho sustentável” para o mundo.



sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro: o cronista misterioso sobre a vitoria de Joe Biden

 [Nota PRA: Uma curta nota do cronista misterioso para antecipar a previsível vitória do Joe Biden, mas não sei quando exatamente foi composta esta nota; nenhuma delas tem data de calendário e eu apenas recebo tardiamente esses petardos bem humorados (quase sempre). Em todo caso, o Trump é pior que um dragão da maldade, pois ele ainda não foi preso, o que pode ocorrer, assim como para a famiglia muy amiga, que também perpetra suas pequenas e grandes falcatruas. Em todo caso, o chanceler acidental está ficando órfão, de pelo menos um dos seus chefes, talvez o principal...]


O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (Semana 27)

Não sou muito afeito a futurologia, mas hei de me aventurar pela seara das moiras e farei uma previsão. O ex-vice-presidente americano, Joe Biden, sairá vitorioso da batalha contra o grande dragão vermelho (como saiu vitorioso Lincoln da batalha contra os Grand Dragons originais da Ku Klux Klan). 

Não significa, é claro, que adentraremos uma nova era de progresso e paz, mas significa, ao menos, que o Fog of war de fake news e anti-iluminismo, que a alt-right criou, tenderá a dissipar-se. 

Assim como no clássico de Glauber Rocha, de quem roubo o título desta crônica, lançado há mais de 50 anos, não há heróis claros nessa luta, mas, ao fim, o ódio que o grande dragão vermelho da maldade representa será vencido. Está decretado o fim da indivina trindade que Ernesto coloca em seu altar de cristão herege: Trump, Bolsonaro e o “Deus de Trump”.

Apesar de nosso ministro parlapatão e da aura de insensatez e delírio que ainda emana de nosso palácio, o novo sempre vem.

E amanhã vai ser outro dia.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN

O cronista misterioso comemora: “Oba! Somos párias!” (segundo o chanceler acidental)

 [Nota PRA: A despeito das citações pretensamente filosóficas do chanceler, não creio que ele tenha refletido adequadamente, ao preparar o seu desastroso discurso do Dia do Diplomata de 2020, talvez o PIOR, dos muitos piores que já lemos, ouvimos ou assistimos (com muito sofrimento) desde antes de 2 de janeiro de 2019 (quando começa o livro de discursos do chanceler acidental publicado pela Funag), e que está destinado a marcar época entre os episódios mais medíocres da vida política do Brasil e desse desgoverno (que já é campeão de mediocridades).

Ao confessar que sente orgulho de ter transformado o Brasil em pária internacional — with a big help from his masters —, o isolacionista chanceler estava mais sinalizando o seu próprio desequilíbrio pessoal, visível no vídeo, do que estabelecendo algum novo pensamento estratégico para a antidiplomacia que ele e seus chefes conduzem aos pontapés.

Em todo caso, o nosso cronista misterioso se diverte uma vez mais com as toscas palavras do PIOR chanceler em 198 anos, ou seja, desde José Bonifácio. Não existe quem lhe faça concorrência no prêmio IgNobel da diplomacia. Nosso cronista recomenda que, como pária, ele se recolha à sua própria insignificância.]


É bom ser pária (semana 26)

Escreveu o poeta que devemos ter nossos corações palpitantes de amor patriótico para enfrentar o dragão da mal. Não me refiro a nenhum conto infantil, mas a recente discurso de nosso chefe, que, falando para os formandos da turma João Cabral, convocou-os para uma “aventura nacional e mundial de proporções históricas”! “No sentido medieval” mesmo, como esclareceu. 

Não estou plenamente seguro de que os jovens formandos tinham a consciência de que ingressavam não em uma tradicional carreira de estado, mas em uma “aventura épica”, em um “combate de gigantes pela essência humana”! Pensando cá com meus botões, lutar contra dragões… Não tenho certeza se estava nos planos desses jovens.

No romance heroico de nosso chanceler, o globalismo e o politicamente correto, a mando “sabe-se lá de quem” - pois há de ter um toque conspiratório nisso tudo - construíram um ser humano artificial, sem sexo. Pois é, sem sexo - não atribua a mim esse recalque, leitor, foi ele quem disse. A propósito, todas essas referências lascivas a “orgias” e “acasalamento” podem até ser uma forma de agradar o chefe, é verdade, ou de “libertar a linguagem”, mas tenho cá pra mim que… Bom, tirem suas próprias conclusões; ainda me apego a esse incômodo “politicamente correto”. 

A saudosa Ms. Walker, professora de inglês de todos nós, proferiu, na mesma ocasião, discurso a um só tempo sóbrio e grandioso. Multilateralismo, democracia e redução das desigualdades sociais. Ah, que saudades que tenho de nossa real diplomacia, em que conceitos racionais estavam também na palavra do Ministro, em lugar de críticas fantasiosas a inimigos imaginários.

Mas a ele uma coisa não se lhe pode negar. Sabe que somos párias, objeto de desconfiança, descrédito e piada. Chacota mesmo. Chalaça. Sabe que cada vez mais nosso trabalho é dificultado no exterior e torna-se por vezes até perigoso. Reconhece, e com orgulho. Diz que é bom ser pária. Acredita que somos heróis virtuosos, lutando sozinhos para libertar o mundo “sabe-se lá de quem”. Só mesmo em seu mundo lírico e confuso, cheio de vilões, aventura e magia.

Se ser pária é tão bom, senhor Ministro, Vossa Excelência poderá ser pária dentro de seu próprio Ministério, recolhendo-se a sua aventura imaginária contra moinhos, orgias comunistas e dragões do mal. Poderá dedicar-se a sua poesia épica e deixar que os assuntos atinentes à realidade sejam conduzidos por embaixadores respeitáveis, enquanto ainda há tempo de salvar a dignidade de nossa Casa.

Para acordarmos desse romance épico de baixa qualidade, reflitam.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Sobre o "comunista" João Cabral de Melo Neto, segundo o chanceler acidental - Paulo Roberto de Almeida

O João Cabral "comunista" da era MacCarthy no Itamaraty:

 Muitos anos atrás, às vésperas de mais um funesto aniversário do AI-5 – o instrumento da ditadura que cassou meus professores no recém ingressado curso de Ciências Sociais da USP, em parte responsável por minha saída do Brasil um ano depois, para um longo autoexílio na Europa, onde dei prosseguimento a meus estudos –, fui contatado por professores do Rio de Janeiro para colaborar numa obra projetada em torno do fatídico instrumento da ditadura, especificamente seu impacto no Itamaraty.

Argumentei que eu pouco poderia oferecer, pois em 1968, quando foi editado o mais violento ato "jurídico" da ditadura, eu era um jovem estudante, recém aprovado no vestibular da USP, tendo ingressado no Itamaraty dez anos depois, sem muito conhecimento do que havia ocorrido na Casa durante os anos de chumbo do regime militar. Tentei sugerir outros nomes, e cheguei a contatar diversos embaixadores aposentados que haviam sido contemporâneos do arbítrio, alguns até vítimas dele. Nenhum quis aceitar. Sob insistência dos organizadores acabei aceitando colaborar, e fiz algumas pesquisas e recolhi alguns depoimentos sobre o assunto.

Mas, para isso, fui pesquisar alguns casos anteriores, inclusive o da funesta investigação em torno da "célula Bolivar", no Itamaraty dos anos 1950 (segundo governo Vargas, em plena Guerra Fria), quando João Cabral de Melo Neto e outros foram afastados do serviço diplomático, por medidas que depois foram corrigidas pelo STF. Mas eu apenas tratei perfunctoriamente do caso, como se poderá verificar pelo trabalho abaixo.

Transcrevi, na postagem anterior, o excelente artigo do embaixador José Augusto Lindgren Alves, "Religião e liberdades truncadas", que discorre sobre as muitas impropriedades do discurso do chanceler acidental na formatura da turma João Cabral de Melo Neto do Instituto Rio Branco, uma excelente peça analítica, da qual recomendo leitura atenta.

Meu ensaio histórico está disponível, e transcrevo abaixo apenas as partes pertinentes ao "comunista" João Cabral de Melo Neto, remetendo os interessados no AI-5 ao link para o texto completo.

Quanto ao medíocre, indigno e insultuoso discurso do chanceler acidental, ele está aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=eeEawfB7X-g

O anticomunismo no Brasil tem causas reais, em 1935, notadamente, mas muito do anticomunismo posterior é hidrofobia de fanáticos ignorantes que, como os canalhas de Samuel Johnson, se enrolam na bandeira da pátria para suas causas extremistas.

Paulo Roberto de Almeida

Eis a ficha de meu trabalho:

1847. “Do alinhamento recalcitrante à colaboração relutante: o Itamaraty em tempos de AI-5”, Brasília, 31 dezembro 2007, 32 p. Ensaio histórico sobre os efeitos institucionais e o impacto do AI-5 na política externa para colaboração a livro coletivo. Publicado em Oswaldo Munteal Filho, Adriano de Freixo e Jacqueline Ventapane Freitas (orgs.), 'Tempo Negro, temperatura sufocante': Estado e Sociedade no Brasil do AI-5 (Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, Contraponto, 2008; 396 p. ISBN 978-85-7866-002-4; p. 65-89). Relação de Publicados n. 866.


Eis o sumário:  

1. Introdução: uma Casa conservadora, dotada de pensamento avançado

2. Pré-história: o Itamaraty nos tempos da Guerra Fria

3. Política Externa Independente: uma vocação recorrente

4. O realinhamento de 1964 a 1967: um interregno incômodo

5. Revolução na revolução: o Itamaraty na tormenta

6. Segurança e desenvolvimento: colaboração, ainda que relutante

7. Pós-história: os efeitos de longo prazo 

Referências bibliográficas

Aqui o link para o ensaio na íntegra em Academia.edu:

https://www.academia.edu/44479134/Do_alinhamento_recalcitrante_a_colaboracao_relutante_o_Itamaraty_em_tempos_de_AI_5_2008_

Agora os trechos pertinentes ao João Cabral, nesta seção:

2. Pré-história: o Itamaraty nos tempos da Guerra Fria

O ambiente maniqueísta do pós-guerra, com a necessidade de posicionamento em favor do “Ocidente” na época da Guerra Fria, marcou várias gerações de intelectuais e de expoentes da classe ilustrada, entre os quais se situavam diplomatas e altos funcionários do Estado. Próximos dos intelectuais e acadêmicos progressistas, muitos diplomatas se identificavam com as teses “neutralistas” ou “não-alinhadas” defendidas pelos propugnadores de uma “política externa independente”, em voga no final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Tratava-se de uma ruptura com os princípios “tradicionais” da diplomacia conservadora dos anos de entre-guerras e do início da Guerra Fria, quando o alinhamento da política brasileira com os interesses americanos era, no entender dos historiadores, proverbial. O governo Dutra teria sido o protótipo do alinhamento subserviente, embora outras interpretações minimizem a substância mesma da convergência entre as posições diplomáticas do Brasil e as dos EUA. [Nota: Cf. Paulo Roberto de Almeida, “A diplomacia do liberalismo brasileiro”, in José Augusto Guilhon de Albuquerque, Ricardo Seitenfus, Sergio Henrique Nabuco de Castro (orgs.), Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990), 2a. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; vol. 1: Crescimento, Modernização e Política Externa, p. 211-262.]

Essa época, marcada pelo maniqueísmo da era McCarthy nos EUA, produziu efeitos no Itamaraty, onde alguns diplomatas foram acusados de serem simpatizantes do Partido Comunista e do bloco socialista, tendo sido objeto de inquérito sumário e sancionados abusivamente, antes de serem absolvidos pela ação da Justiça. Em 1953, com base em denúncia de colega de carreira, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Paulo Augusto Cotrim Rodrigues Pereira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Antonio Houaiss foram submetidos a processo administrativo no Itamaraty, ao passo que outro diplomata, João Cabral de Mello Neto, foi objeto de inquérito a cargo do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), como autor de crimes contra a segurança nacional. [Nota: O episódio teve início em 1952, com base em violação de correspondência pessoal por diplomata, que repassou o assunto ao jornalista Carlos Lacerda, o qual, por sua vez, denunciou a existência de uma célula comunista no Itamaraty, “Bolívar”, à qual estariam vinculados vários diplomatas, entre eles o ministro Orlando Leite Ribeiro: “Em inquérito presidido pelo embaixador Hildebrando Accioly, o Ministro Leite Ribeiro e os demais diplomatas foram inocentados da acusação pois se comprovou a inexistência da referida ‘célula’, fruto da maquinação de grupos anti-getulistas e do mesmo diplomata (...) que denunciou meu pai, Cotrim e outros colegas”; correspondência eletrônica do embaixador Guilherme Luiz Leite Ribeiro (Rio de Janeiro, 31/12/2007).]

Eles foram afastados do Itamaraty, sem qualquer defesa, pelo presidente Getúlio Vargas, que os colocou em disponibilidade inativa, não remunerada, com base em sumária “exposição de motivos” do Conselho de Segurança Nacional. A condenação dos quatro primeiros foi anulada em 1954 pelo Supremo Tribunal Federal, por vício de forma e cerceamento da defesa, “menos [João] Cabral, que teve de obter mandado de segurança separado, após o arquivamento do inquérito policial”.[Nota: Correspondência eletrônica do embaixador Amaury Banhos Porto de Oliveira (Campinas, 02/01/2008). Elementos da acusação de 1953 figuram no livro dedicado aos 80 anos de Antonio Houaiss, coordenado por Vasco Mariz: Antonio Houaiss: uma vida: homenagem de amigos e admiradores em comemoração de seus 80 anos, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995; ver, em especial, considerações de natureza jurídica sobre o processo no artigo de Evandro Lins e Silva, “Punições por convicção política”, p. 60-73; reproduzido em Comunicação & política, Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, vol. VIII, n. 1, nova série, janeiro-abril 2001, p. 197-206.]

Ler a íntegra do meu ensaio neste link: 

https://www.academia.edu/44479134/Do_alinhamento_recalcitrante_a_colaboracao_relutante_o_Itamaraty_em_tempos_de_AI_5_2008_


Religião e liberdades truncadas: sobre o discurso do chanceler acidental na formatura do IRBr - José Augusto Lindgren Alves

Importante artigo do embaixador José Augusto Lindgren Alves comentando os muitos equívocos, as impropriedades políticas, os desvarios intelectuais e os absurdos diplomáticos do estarrecedor discurso do chanceler acidental na formatura da turma do Instituto Rio Branco que tinha como patrono o grande poeta João Cabral de Melo Neto.

Paulo Roberto de Almeida


RELIGIÃO E LIBERDADES TRUNCADAS: política externa e direitos humanos refletidos no curioso discurso do chanceler aos formandos do Instituto Rio-Branco

J. A. Lindgren-Alves*

Foi muito comentado o discurso do ministro das relações exteriores na cerimônia de formatura do Instituto Rio-Branco, em 22 de outubro, pela revolta que causou. As críticas, todas pertinentes diante dos absurdos enunciados, foram provocadas sobretudo pelo abuso do nome escolhido pelos formandos como patrono da turma, João Cabral de Melo Neto, assim como pela interpretação positiva do fato de o Brasil se ter tornado um pária na comunidade internacional. A par da falta de autocrítica de um profissional inexpressivo, autor de livro desconhecido, ao se declarar “diplomata e poeta” como João Cabral, o personagem que ocupa a cadeira do Barão de Rio-Branco sem qualquer ponto notável na carreira, declarou não ver problema, mas virtudes, no presente isolamento diplomático do Brasil. Insistindo numa ideia sui generis de liberdade, afirmou que “o Brasil de hoje fala de liberdade através do mundo”, para assinalar que os Presidentes Bolsonaro e Trump haviam sido, talvez, os únicos chefes de Estado a tocarem no assunto na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas deste ano.

Não vou tratar aqui das referências descabidas a João Cabral de Melo Neto, nem analisar a situação de nosso país no exterior. Tanto o primeiro como o segundo aspectos do discurso foram examinados, com justa indignação, por órgãos de imprensa sérios e personalidades competentes de diversos setores. Atenho-me, pois, à acepção exposta de liberdade e aos efeitos que ela reflete na política externa, com foco na área dos direitos humanos.

O conceito de Liberdade

Para esse estranho titular de uma pasta política laica voltada para a ação no exterior, “liberdade” nada tem a ver com o direito de ser livre em condições normais, de pensar, de se informar, de agir, de viver dignamente, no sentido que todos conhecem. Tampouco são as liberdades fundamentais, definidas com os direitos essenciais de todos os seres humanos, que abarcam o trabalho remunerado, a educação, a saúde, a alimentação, a moradia e a segurança social, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Qualificando esse documento multilateralista basilar de “verdadeiro hino à liberdade”, o orador anti-multilateralista o cita com indicação de artigos escolhidos, que, isolados e simplificados na enunciação, escondem mais que revelam o que ele deseja. Nem mesmo a “liberdade religiosa” expressamente mencionada corresponde à “liberdade de pensamento, consciência e religião”, prevista no Artigo 18 da Declaração Universal, cujo espírito abrange necessariamente o direito de não ter ou não seguir qualquer religião.

Nas palavras do ministro:

“A liberdade do ser humano reside na sua espiritualidade. Sem ela o homem é escravo do ciclo inútil do viver e do morrer. Sem ela o intelecto torna-se puramente calculador desprovido de poesia e criatividade. Sem a espiritualidade o homem perde o bom-senso e a capacidade de navegar num mundo de difíceis julgamentos morais, caindo em um dos extremos: ou a permissividade absoluta ou esse estranho hiper moralismo da atualidade, muito mais restritivo que o da era vitoriana.”[1] 

Por mais que eu próprio critique os paradoxos da cultura contemporânea, de um lado libertária e provocativa, de outro intolerante e castradora, denunciando exageros contraproducentes com o  objetivo de garantir o desenvolvimento dos direitos[2], não sei bem a que se refere o hermético pregador como “hiper moralismo muito mais restritivo do que o da era vitoriana”. Quanto a sua obsessão transcendental, ela se encontra mais explicada alhures, em artigo arcano de sua autoria intitulado “Liberdade Religiosa, Religião Libertadora”, publicado em 2019 em seu pretensioso blog Metapolítica 17:

“No meu caso, já fui ateu: mas quando comecei a ler e estudar sobre religião (inclusive, mas não apenas, a cristã), quando comecei a entender, quando comecei a compreender a profundidade do incompreensível, quando um dia li que os monges do Monte Atos eram capazes de enxergar o brilho da luz incriada, foi aí que voltei a crer.”[3]

Quase “contracultural” no irracionalismo místico, reminiscente dos cultos orientais em moda no Ocidente desde os tempos dos hippies, a teosofia do chanceler, que tem horror à teologia da libertação, enquadra-se na vertente neointegrista atual do catolicismo, diferenciada do integrismo tradicionalista de Bento XVI pela assimilação de posições protestantes em áreas específicas[4]. Carolas que não seguem o Santo Padre, opositores do profundamente humano Papa Francisco, os neointegristas, pelo menos no Brasil, se assemelham e se associam sem pruridos ao neopentecostalismo evangélico para impor “fundamentos” de ambas as fés ao Estado. Para eles, a questão preocupante da liberdade religiosa é menos o problema real das perseguições a cristãos em sociedades de religião diferente do que aquilo que denominam “cristofobia”: aversão patológica a Jesus Cristo como divino redentor. Perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, esse “fenômeno psíquico”, mencionado pelo neologismo no discurso do ministro aos formandos, já havia sido abordado um mês antes pelo Presidente da República, que nunca sabe bem o que está falando. Em alocução formal redigida provavelmente pelo próprio chanceler, disse ele:

“Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia. (…) O Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família sua base.”[5]

De que o Brasil seja predominantemente cristão não há dúvida. Horror a Cristo não creio tenha tido em qualquer período da História. Que seja conservador é uma asserção recente, parcial, com generalização forçada. A inclinação pela sensualidade exuberante sempre foi cultivada como característica do povo brasileiro, alegre e desinibido. Os políticos de centro e de esquerda sempre foram eleitos com posições sociais relativamente progressistas. Quanto à família, reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos como “núcleo natural e fundamental da sociedade” com direito à proteção pelo Estado, no Brasil como em todo o Ocidente é, há anos, crescentemente unicelular, ou desfeita e recomposta por casamentos sucessivos. Tem sido valorizada também em formas heteróclitas, rejeitadas pelos evangélicos puristas, por católicos no estilo da Opus Dei espanhola e por falsos moralistas de formações variadas, em cuja rejeição agressiva a homossexuais em geral concentram seu excesso freudiano de frustações inseguras.

Embora Bolsonaro tenha lembrado mais tarde a expressão “cristofobia” ao condenar a recente queima de igrejas no Chile e os atentados terroristas na França, “cristófobos” para o chanceler são, em primeiro lugar, os compatriotas que não seguem posições da extrema direita. Considerados comunistas ateus, corruptos e impatrióticos, participantes de uma conspiração demoníaca do “marxismo cultural” para dominar o mundo por meio do “globalismo” sob controle da ONU, esses indivíduos “cristófobos”, responsabilizados pelo secularismo do Estado, seriam inimigos a ser exterminados. Isso se evidencia no discurso do chanceler aos formandos pela condenação insistente do marxismo como ameaça terrível. Curioso é que isso ocorra e seja assimilado com verdade num período histórico em que o projeto emancipatório comunista se apresenta, no máximo, como causa de nostalgia para os seguidores mais próximos de Marx.[6] Pensam e agem da mesma forma que o chanceler a ministra da mulher, família e direitos humanos e todos os atuais ocupantes de funções oficiais brasileiras na cultura, educação e políticas públicas. A eles se acrescem os “bolsominions” das redes sociais e os grupos violentos que se manifestam nas ruas e na internet contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, esteios institucionais necessários da democracia em qualquer parte do mundo.

Paranoia de fazer inveja ao teatro do absurdo, de Ionesco a Becket com toques de Campos de Carvalho, nosso surrealista tropical, essa teoria de conspiração como estratégia propagandística para semear o pânico tem figuras destacadas em pensadores da nova direita euro-americana Alt Right. Entre eles se pretende inserir o brasileiro Olavo de Carvalho, professor de invencionices eruditas pela internet, autor de best sellers demolidores de tudo e de todos, menos dele próprio, com palavrões e um lustro de sapiência cabotina. Entre seus seguidores se filiam o chanceler trumpista e o filho do Presidente quase embaixador em Washington, os quais, juntamente com um assessor presidencial evangélico de política externa, formam o núcleo duro de nossa atual antidiplomacia.

Exercida a contragosto por um Itamaraty em frangalhos, remanejado até no organograma interno para acomodar a ideologia e as características pessoais do profissional titular – mais moço e menos experiente que os chefes de departamentos antes existentes, hierarquicamente superiores, postos à disposição, como nem o regime militar cogitou fazer -, a nova política externa, inteiramente inspirada pela chamada franja lunática da direita norte-americana, reforçada pela arrogância de Donald Trump, absorve postulações de pastores fundamentalistas e católicos integristas, determinados a transformar o Brasil numa nação monolítica orientada pela religião. Tal orientação é implementada sub-repticiamente em inciativas domésticas, como a diretriz de educação em decreto de 27 de outubro sobre Estratégias de Desenvolvimento, que manda ensinar o direito à vida desde a concepção e os “direitos do nascituro”, ou as portarias do ministério da saúde que exigem comunicação constrangedora à polícia para quem precisa recorrer à prática legal de aborto em gravidez por estupro. Na área externa, ademais da participação do Brasil, como ouvinte, em comissão norte-americana criada pelo Secretário de Estado Mike Pompeo sobre “direitos inalienáveis” oriundos da história do país, destaca-se nossa ridícula rejeição a qualquer referência a “gênero” em resoluções sobre saúde ou direitos da mulher. Inflexível a críticas porque convicto – não sem razão – de que a popularidade do presidente se deve em grande parte às posturas agressivas contra o “politicamente correto”, o chanceler faz questão de afirmar, com frequência, ter sido para isso, para o desmonte de nossas posições estabelecidas, que o Governo foi eleito. 

Liberdade religiosa como regressão

No esforço para tornar o país uma utópica “cidade de Deus”, fundada na literalidade das Escrituras mais do que na obra de Santo Agostinho, era esperado que as prioridades se dirigissem à “esfera de valores”. Foi com esse objetivo em mente que o Presidente desde quando candidato anunciava uma intenção “revolucionária”, quase “leninista”: primeiro destruir tudo, ou seja, tudo o que foi feito nessa esfera depois do regime militar, para depois construir à sua maneira. Tal esfera, a par da questão do meio ambiente, internacionalmente prioritária por motivos de sobrevivência terráquea, é precisamente a outra em que o Brasil redemocratizado teve papel decisivo na diplomacia multilateral do final do Século XX: a dos direitos humanos. Falo dela, sem ânimo exclusivo, porque a conheço bem, consciente de que colegas coevos da carreira diplomática podem fazer o mesmo sobre as áreas onde atuaram.

Na esfera dos direitos humanos, ao contrário do que antes dizia a esquerda e hoje é dito pela direita, por conta da soberania nacional, temendo ou não intervenções armadas da “ingerência humanitária” que o Brasil sempre combateu, o máximo que se deseja é dispor de referências civilizadoras para todos os países. A responsabilidade por tais direitos foi e continua a ser dos Estados. Estes, quando retrocedem em posições previamente aceitas, fazem-no em desapreço pela credibilidade que tinham. A coerção é moral, não policial, muito menos bélica. A impossibilidade de intervenções externas pela força não elimina, porém, o acompanhamento internacional legítimo, nem a força moral das recomendações acordadas. Tampouco descarta a eventualidade de boicotes unilaterais de potências, ou sanções coletivas, como o embargo de armas, aprovadas pelo Conselho de Segurança.  

Fato pouco conhecido numa sociedade auto-despiciente como a brasileira, que atribui tudo de bom ao exterior, sobretudo aos Estados Unidos, foi a ação de nossa diplomacia que salvou a Conferência de Viena sobre direitos humanos, de 1993; que garantiu os estatutos do Tribunal Penal Internacional na Conferência de Roma, de 1998; que propôs na ONU, em 1994, uma conferência contra a discriminação racial na África do Sul, realizada em Durban, em 2001; que conseguiu a aprovação dos documentos finais de Durban, cujo Programa de Ação forneceu as bases da luta antirracista seguida no mundo inteiro até hoje. Foi também a atuação do Brasil que propiciou pontos de entendimento no Cairo, em 1994, sobre direitos reprodutivos e saúde da mulher, na conferência sobre população, assim como em Pequim, em 1995, para o reconhecimento dos direitos da mulher na categoria dos direitos humanos[7]. Tínhamos, portanto, importante soft power. Se os avanços doutrinários desse conjunto de eventos foram desvirtuados depois, e creio ter sido eu dos primeiros a expressar preocupação com isso, os atores principais foram outros, todos contrários ao Iluminismo e ao marxismo, em nome de um progressismo pós-moderno de matriz norte-americana.

Depreciar o que o Brasil soberano fez de positivo e orientar a política externa para destruir aquilo que se conseguiu em favor dos direitos humanos como fator indispensável ao progresso social, somente se pode explicar por um fanatismo semelhante ao que ameaçava as próprias conferências, associado em muitos aspectos às crenças do terror islâmico. Não surpreende, assim, que os aliados atuais desse Brasil dito “conservador” sejam líderes ocidentais de arrogância chocante. Ou Estados de religião historicamente antagônica ao cristianismo, com leis que desprezam a igualdade cristã divulgada pelo apóstolo São Paulo, e práticas cristianofóbicas frequentemente mortíferas. Nesses Estados cuja nacionalidade é construída a partir da religião pré-colonial monoteísta, liberdade religiosa inexiste, nem tem chance de existir. Tanto porque a fé dominante é excludente das outras, como porque os opositores aos governos, vistos como corruptos e vendidos ao Ocidente, são correligionários radicalizados contra tudo que não seja sua facção extremista.

Na medida em que os extremismos opostos se assemelham, as teocracias islâmicas mais medievalistas podem até servir de modelo aos ocidentais da extrema direita. Para o chanceler brasileiro, inimigo do Iluminismo desde Voltaire e do multilateralismo da ONU, nada parece melhor que a Idade das Trevas. Em sua linguagem labiríntica, supostamente translúcida, com citações em grego de fácil entendimento para o “povo que escandaliza os intelectuais prudentes e sofisticados”, brasileiros “severinos” que ele diz homenagear com o termo adjetivado de João Cabral, os formandos do Instituto Rio-Branco este ano não estariam entrando numa carreira, que ele chama de “burocracia”. Estariam ingressando numa cruzada, “numa grande demanda, no sentido medieval (sic), numa aventura nacional e mundial de proporções históricas” pela essência do Homem, da Pátria e da Civilização. Os “djihadistas” islâmicos, que derrubaram o World Trade Center, escravizam e estupram mulheres yazidis e esfaqueiam fiéis em igrejas da França, pensam da mesma forma. Com a diferença de que os “djihadistas” se consideram combatentes numa guerra cósmica. Nosso ministro é modesto. Fala apenas numa “batalha de gigantes” (sic).

O preço que pagamos

Na política externa brasileira quase tudo retrocedeu. Da independência mantida patrioticamente por várias décadas à submissão completa e voluntária, não aos Estados Unidos como potência, mas ao Governo de Donald Trump, passou-se num piscar de olhos. Na área dos direitos humanos, somos agora contrários aos direitos reprodutivos, rejeitamos a igualdade de gênero, demonstramos tamanha ojeriza pela possibilidade de aborto que tratamos como suspeitos os casos previstos em lei. Fazemos até vista grossa à mutilação genital feminina, quando a oposição a ela se insere em propostas de políticas que insinuem a prática disseminada do aborto como questão de saúde pública. Usamos os direitos civis para condenar a Venezuela de Maduro, mas não apoiamos monitoramento das Filipinas de Duterte. Ignoramos direitos de povos indígenas. Desconsideramos recomendações da Organização Mundial da Saúde sobre a pandemia, que minimizamos como “gripezinha” enquanto os contágios prosseguem. Rejeitamos preocupações da Alta Comissária da ONU com os direitos humanos no Brasil, e defendemos o regime instalado pelo golpe de 64 como movimento patriota, de salvação do país. Resta saber o que mais faremos. Já copatrocinamos com os Estados Unidos de Trump uma “Declaração do Consenso de Genebra”, formalizada em 22 de outubro com assinaturas de trinta e um Estados, entre os quais Arábia Saudita e Sudão do Sul, repressores aos direitos da mulher, um compromisso de atuação conjunta contra o aborto. Continuaremos seguindo a comissão dos direitos inalienáveis inventada pelo Secretário Mike Pompeo? Será que descartaremos a Declaração Universal laica de 1948 para abraçarmos uma eventual declaração religiosa de extrema direita? Imitaremos os Estados Unidos com seus habituais dois pesos e duas medidas na área dos direitos humanos e liberdades fundamentais, protegendo aliados violadores e condenando adversários? Continuaremos a funcionar como seus procuradores em Genebra desde que Trump decidiu, em 2019, retirá-los do Conselho de Direitos Humanos?    

O preço dessas reviravoltas, sem falar nas mudanças em outras áreas cruciais, foi o abandono da imagem do Brasil como país confiável, cumpridor das obrigações assumidas. O custo complementar deve parecer pequeno: o sacrifício de uma das instituições nacionais antes mais respeitadas, inclusive pelas Forças Armadas, e um enorme desgosto, que a maioria dos diplomatas brasileiros na ativa têm dificuldade de engolir. Numa carreira de Estado necessariamente hierárquica, sem órgão classista e com um único chefe poderoso, pensar em resistência sem punição arrasadora é mera ilusão de fora. Embaixadores de volta ao Brasil mais antigos que o ministro de Estado, antes aproveitados em chefias de departamentos importantes, passaram a ficar sem funções, nos corredores ou em casa, sem sequer serem claramente contrários às políticas correntes. Para a maioria dos profissionais em serviço restam o desgosto pessoal e a vergonha perante colegas estrangeiros. Assim como se exaspera o desespero inerme de aposentados que veem seu trabalho destruído.

Para justificar a política externa atual, o discurso do ministro, no dia 28 de outubro, lembrou, com enlevo agradecido, que seu chefe, presidente do Brasil “cristão e conservador”, na noite da vitória, em 2018, havia proclamado: “Vamos libertar o Itamaraty!” Parte dessa libertação escravista, na novilíngua de George Orwell às avessas, ocorreu. Os diplomatas formandos, que tiveram o bom senso de escolher um grande patrono, que se cuidem. O desafio mental e moral nas condições que já enfrentam é imenso. Só há um conselho a dar: resistam no que for possível! Quando o pesadelo passar, o trabalho de reconstrução será deles.

    Brasília, 31 de outubro de 2020

Notas:

[1] http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas

[2] v. meus livros “Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade, Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade, Cap.6, e É Preciso Salvar os Direitos Humanos, São Paulo, Perspectiva, 2005 e 2018 respectivamente.

[3]https://www.metapoliticabrasil.com/post/liberdade-religiosa-religiao-libertadora

[4] Para a definição do neointegrismo, baseio-me em Gabriela Arguedas Ramírez, “Ideologia de gênero, neointegrismo católico e fundamentalismo evangélico: a vocação antidemocrática”, Revista Rosa 2, série 1, São Paulo, 2020.

[5]https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/09/22/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-assembleia-geral-da-onu.htm

[6] V. Enzo Traverso, Melancolia de Esquerda: Marxismo, História e Memória, Belo Horizonte, Editora Âiné Aut-aut. Nr. 2., 2018. V. também os encontros, seminários internacionais e esforços pessoais variados de Slavoj Zikek, Alain Badiou e outros para definir o que pode ser comunismo na situação presente.

[7] Para a descrição desses fatos v. J.A. Lindgren-Alves, A Década das Conferências, 2ª Ed. Brasília, FUNAG, 2018. Especificamente sobre Durban, v.Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade, Cap.6.

Referência imagética:

Discurso do ministro Ernesto Araújo à turma João Cabral de Melo Neto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eeEawfB7X-g


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O Ocidente e seus salvadores (menos o Trump e o chanceler acidental) - Paulo Roberto de Almeida

 De "Trump e o Ocidente" a "Biden e o Ocidente" ? -...


Hi Paulo Roberto, 

Congratulations! You uploaded your paper 2 days ago and it is already gaining traction. 

Total views since upload: 

You got 60 views from Brazil, Italy, Canada, the Philippines, the United States, Germany, and Mozambique on "O Ocidente e seus salvadores: um debate de ideias, Miseria da Diplomacia (2019)". 

Thanks,
The Academia.edu Team

sábado, 7 de novembro de 2020

De "Trump e o Ocidente" a "Biden e o Ocidente" ? - Paulo Roberto de Almeida

 Tendo acompanhado a vida política do Brasil e dos Estados Unidos nos últimos anos, estava pensando em algumas coisas:

Imagino, por exemplo, que um oportunista conhecido pode tomar a decisão de "dump Trump", e se dispor agora a escrever um novo artigo:

Biden e o Ocidente

Explico: 

Quem publicou o tristemente famoso "Trump e o Ocidente" fui eu, ainda que a contragosto, nos Cadernos de Política Exterior, em 2017, do qual eu era o editor; não tinha porque fazer censura, a despeito de achar o artigo propriamente ridículo. 

Mas, quem olhar a página de expediente desse número 6, ("Coordenação editorial"), vai constatar que meu nome não figura ali, por essa única vez, pelo tempo em que estive na direção dos Cadernos. Achei melhor me dissociar desse número, mas não por causa desse patético artigo: todo mundo tem o direito de se mostrar ridículo. Só mais tarde, já em dezembro de 2018, foi que soube que o futuro chanceler acidental tinha pego vários número dos Cadernos n. 6 e levado pessoalmente, no primeiro semestre de 2018, para o seu guru da Virgínia, o Rasputin de Subúrbio; aí percebi, ex post, que o oportunista estava construindo sua candidatura. Conseguiu, pelo menos essa...

O que se pode dizer agora é que ele foi muito obediente a todos esses aloprados na tarefa de DESTRUIR o Itamaraty e a política externa brasileira.
Não passará impune no registro histórico, pelo menos não no que depender de mim.

Eu fiz uma análise detalhada desse artigo bizarro (ele nunca seria aceito por qualquer journal sério, com blind peer-review, pois não atenderia a critérios mínimos de um artigo acadêmico, scholarly work), num dos capítulos de meu livro Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019), como informo abaixo.

PS1: Quem quiser ler o artigo original do então "candidato clandestino" à chancelaria pode acessar aqui:

PS2: Quem quiser ler o meu capítulo 2, no livro Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, pode fazê-lo no livro completo, como abaixo, ou neste arquivo destacado:

2. O Ocidente e seus salvadores: um debate de ideias 

     1. A decadência e o Ocidente: algum perigo iminente?

     2. Quais são as “teses” principais de “Trump e o Ocidente”?

     3. O grande medo do Ocidente cristão: realidade ou paranoia?

     4. Contradições insanáveis no projeto de salvamento do Ocidente cristão


Coloquei o capítulo em minha página na plataforma Academia.edu, e quando fui dar chamada para o nome de chanceler acidental, descobri que ele tem "ZERO seguidores". Este é o link para o capítulo:


O livro completo está disponível nos seguintes links:

e

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O chanceler pária, num governo pária, se esforçando para transformar o Brasil em país pária - Editorial Estadão

 Editorial ESTADAO

Orgulho de ser pária


O Estado de S. Paulo, 26 Oct 2020


Sob as ordens de Jair Bolsonaro, e de Ernesto Araújo, guinada na política externa colocou o Brasil na inédita posição de pária.


Que o chanceler Ernesto Araújo é uma desonra para o Itamaraty não é novidade. No seu tresloucado discurso de posse no Ministério das Relações Exteriores, em 2 de janeiro de 2019, o ministro já dissera a que vinha e, desde então, tem trabalhado quase exclusivamente para transformar a Casa de Rio Branco em uma espécie de casamata da chamada ala ideológica do governo de Jair Bolsonaro. Em sua defesa, não se pode dizer que Araújo não esteja cumprindo bem a missão que lhe foi dada.

Sob as ordens do presidente Jair Bolsonaro e a diligente condução de seu chanceler, a guinada empreendida na política externa para “libertar” o País do “jugo esquerdista”, do “marxismo cultural”, do “globalismo” e, pasme o leitor, do “covidismo” colocou o Brasil na inédita posição de pária no cenário internacional. De dois anos para cá, o Brasil deixou de ser um interlocutor relevante em uma miríade de temas caros à comunidade das nações, como meio ambiente, cooperação científica, ações humanitárias e comércio.

Até aqui, Ernesto Araújo vinha, a seu modo, rebatendo as críticas à subversão da tradição diplomática brasileira e à nova e inglória condição de pária internacional do País aludindo à suposta resistência de alguns setores do Ministério das Relações Exteriores, que estariam “contrariados” com as mudanças que empreendeu na pasta, e às pressões de países não alinhados e organismos multilaterais, como a própria Organização das Nações Unidas (ONU), entre outras teorias conspirativas que servem mais ao anedotário do que à real compreensão da dimensão dos males causados à reputação do Brasil no plano internacional. De acordo com este obtuso raciocínio, o País não seria um pária, mas teria se posicionado, isso sim, no que Araújo classifica como “o lado certo da História”.

Esse discurso mudou. Ao que parece, o ministro Araújo decidiu assumir de vez que não só o País é um pária, como há razões para se orgulhar da condição.

Ao participar da cerimônia de formatura de diplomatas no Itamaraty, dia 22 passado, Ernesto Araújo afirmou que “é bom ser pária”. Colocando o Brasil como uma das únicas vozes a proclamar a liberdade no mundo, ao lado dos Estados Unidos, o chanceler afirmou que, “se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária, que sejamos esse Severino que sonha e essa Severina que reza”.

O chanceler aludiu a João Cabral de Melo Neto, poeta e diplomata que foi escolhido o patrono da turma de formandos. “Modestamente, eu também considero-me as duas coisas, poeta e diplomata.” Pobre João, logo em seguida atacado em sua memória pelo inacreditável chefe da diplomacia brasileira. Após dizer que João Cabral tinha “uma grande sensibilidade para o sofrimento do povo brasileiro”, Araújo afirmou que a resposta do poeta a este “gigantesco e premente problema” se dirigiu para o que chamou de “lado errado”, o “lado do marxismo e da esquerda”. Uma vez mais, a referência ao “lado certo da História” que tanto apraz aos liberticidas.

Entre referências supostamente eruditas e parvoíces como “todo ‘isentão’ é um escravo de um marxista defunto” que permearam o discurso, o ministro fez um balanço de sua gestão à frente do Itamaraty, enumerando o que, em sua visão, seriam conquistas advindas da inflexão na política externa. “Esta política externa Severina, digamos assim, tem conseguido resultados. Concluímos acordos comerciais com as maiores economias do mundo, como a União Europeia e os Estados Unidos, e restauramos as relações com países de alta tecnologia, como Israel e Japão.”

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul está ameaçado pelos desatinos do governo na condução da crise ambiental. Com os Estados Unidos, ainda não deixou o campo das intenções. E como se restauram relações que jamais foram rompidas permanece um mistério.

Oxalá a turma de formandos do Itamaraty inspire-se no tão atacado passado da instituição e um dia ajude a reconstruir a reputação do País.


Que os formandos do Itamaraty se inspirem no passado para reconstruir a reputação do País.