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terça-feira, 10 de novembro de 2020

Brasil longe da festa da eleição de Biden - Marcos Magalhães (Capital Político)

 Parece que quando o presidente Bolsonaro finalmente reconhecer a vitória (ugh!) de Biden e decidir apresentar seus cumprimentos, isso vai ser considerado totalmente inadequado e irrelevante.

Paulo Roberto de Almeida

 

Longe da festa

Marcos Magalhães

Capital Político, 10/11/2020


A primeira segunda-feira após o anúncio da vitória de Joe Biden amanheceu em festa. O fim da longa espera pelos resultados das eleições nos Estados Unidos e a notícia de que uma das vacinas em fase final de desenvolvimento demonstrou 90% de eficácia contra o coronavírus levaram o otimismo de volta aos mercados.

As bolsas subiram na Europa e na Ásia. No Brasil, o Ibovespa começou a semana em alta de 4%. O dólar, que andava arisco, caiu à menor cotação desde setembro. Tudo isso apesar do estado de negação do ainda presidente Donald Trump. E, no caso dos mercados brasileiros, do silêncio do presidente Jair Bolsonaro.

Durante o final de semana, líderes de várias partes do mundo enviaram mensagens de felicitação ao presidente eleito Joe Biden. A primeira-ministra Angela Merkel disse que os Estados Unidos e a Alemanha, como parte da União Europeia, devem enfrentar juntos “os grandes desafios do nosso tempo”.

De Tóquio, o primeiro-ministro Yoshihide Suga postou no Twitter que espera trabalhar com Biden para fortalecer as relações bilaterais e garantir “paz, liberdade e prosperidade” na região do Indo-Pacífico.

Os vizinhos argentinos também foram rápidos. “Saúdo Joe Biden, o próximo presidente dos Estados Unidos, e Kamala Harris, que será a primeira vice-presidente feminina daquele país”, escreveu o presidente Alberto Fernández em suas redes sociais. 

É bem verdade que o governo chinês optou inicialmente pelo silêncio. “Tomamos conhecimento de que Biden se declarou vencedor nas eleições”, disse o porta-voz Wang Wenbin. “Nosso entendimento é que o resultado da eleição será determinado de acordo com as leis e procedimentos dos Estados Unidos”.

Depois de experimentar um período de grande tensão no relacionamento com Trump, Pequim avalia o que esperar do novo momento político americano. “No curto prazo as relações serão menos tensas”, escreveu no Global Times o vice-diretor do Instituto de Estudos Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Yuan Zheng.

“Mas no longo prazo”, ressalvou o especialista, “os laços bilaterais deverão enfrentar maiores desafios, à medida que Biden ressalta a liderança americana, e ele não poupará esforços para se alinhar aos países aliados para conter a China, o que parece ser mais ameaçador para a China em comparação à administração Trump”.

Silêncio

Se o governo chinês ao menos apresentou uma declaração diplomática a respeito da eleição de Biden, Brasília permaneceu em silêncio. Apenas o vice-presidente Hamilton Mourão previu que, “na hora certa”, Bolsonaro transmitiria os “cumprimentos do Brasil a quem for eleito”.

Segundo Mourão, o presidente estaria apenas aguardando notícias sobre a possibilidade de serem detectados votos falsos nas eleições americanas. Uma precaução que não parece haver sido compartilhada pelos líderes das maiores democracias do mundo, que não só reconheceram os resultados das eleições como já enviaram saudações ao presidente eleito.

Sob o argumento do cuidado com possíveis fraudes eleitorais, Bolsonaro mantém a fidelidade a Trump e se cala. Seu silêncio serve como poderosa mensagem à sua base política, decepcionada com os resultados das urnas. Mas deixa todo um país refém dos sentimentos dos integrantes de seu núcleo duro de seguidores.

Ninguém duvida que o Brasil e os Estados Unidos manterão as suas tradicionais relações. Mas a postura inicial de Brasília em relação ao futuro governo americano pesará na hora de redefinir as bases desse relacionamento, agora sob uma administração democrata.

Prioridades

Na verdade, o governo brasileiro anda muito seletivo ao definir as suas prioridades externas. Até hoje Alberto Fernández espera uma mensagem de congratulações de Bolsonaro por sua eleição para a presidência da Argentina, há um ano. E a Argentina é a principal parceira do Brasil no Mercosul.

Fernández, por sinal, estava na cerimônia de posse no final de semana do novo presidente da Bolívia, Luis Arce. O governo brasileiro não enviou sequer um ministro a La Paz. Foi representado pelo embaixador na Bolívia, Octavio Cortes. Até mesmo o presidente da Colômbia, Iván Duque, politicamente próximo de Bolsonaro, esteve na capital boliviana.

O presidente brasileiro parece mais preocupado com as cores do redesenhado mapa político regional. Ele tem dito que anda atento à expansão do vermelho pela vizinhança.

Entre os motivos de sua apreensão estão as eleições de Fernández e Arce, além da recente decisão dos eleitores chilenos, em plebiscito, de convocar uma assembleia para dar ao país uma nova Constituição, que substitua o texto herdado do ditador Augusto Pinochet – que já foi elogiado publicamente por Bolsonaro.

O ambiente político na Bolívia ainda está longe da estabilidade. Houve manifestações na região opositora de Santa Cruz de la Sierra em defesa de uma auditoria das eleições presidenciais. Três dias antes da posse ocorreu um atentado contra o presidente eleito. Uma bomba de dinamite foi lançada contra o seu escritório de campanha.

Mesmo assim, Arce optou por um discurso de conciliação. “Iniciamos uma nova etapa em nossa História e queremos fazê-lo com um governo que seja para todos e para todas, sem discriminação”, disse o novo presidente da Bolívia.

A 6230 quilômetros dali o presidente Joe Biden também apostou na conciliação em seu primeiro pronunciamento após a divulgação dos resultados que lhe garantiram a vitória. “Precisamos parar de tratar os oponentes como inimigos”, recomendou. “É hora de deixar de lado a retórica inflamada, acalmar os ânimos, ouvirmos uns aos outros”.

Párias

Suas palavras espalharam uma sensação de alívio, que podia ser percebida em artigos, editoriais de grandes jornais e declarações de líderes de várias partes do mundo. Não porque se trate de um presidente mais liberal ou mais conservador, mas porque o presidente eleito indica preferência pelo diálogo e, sempre que possível, pela cooperação internacional.

O meio ambiente é um bom exemplo. Biden promete recolocar os Estados Unidos no Tratado de Paris sobre mudanças climáticas, em sintonia com aquilo que a atual liderança do Itamaraty vê como “globalismo”. E indica que terá atenção especial ao desmatamento da Amazônia, o que colocou o governo brasileiro em estado de prontidão.

Em discurso a jovens diplomatas, duas semanas antes das eleições americanas, o ministro Ernesto Araújo mostrou que não liga muito para os que acusam a sua gestão de ter promovido o isolamento do Brasil – com exceção, é claro, da aproximação com Donald Trump.

“Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas deste ano, os presidentes Bolsonaro e Trump foram praticamente os únicos a falar em liberdade”, disse Araújo. “Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

Para Araújo, “é bom ser pária”. Ele é visto como um dos integrantes do chamado grupo ideológico do governo, esse mesmo que Bolsonaro procura agradar ao retardar o envio de saudações a Joe Biden por sua internacionalmente reconhecida eleição.

Os “ideológicos” vibravam quando Bolsonaro falava publicamente de seu apoio à reeleição de Trump, integrante da mesma direita radicalizada que aposta no confronto como método político. E aplaudiram o presidente quando ele criticou os eleitores argentinos por suas escolhas.

O Brasil não pode ficar refém dos “ideológicos”. O país levou décadas para moldar a reputação de um parceiro confiável na construção de consensos. Poderá ter de dedicar anos para reconstruir a sua imagem junto à comunidade internacional.

Marcos MagalhãesMarcos Magalhães

Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ magmarcos@outlook.com