O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O palhaco Tirica e os Trapalhoes do Cerrado Central - Editorial Estadao

Reforma política e trapaça


Editorial O Estado de S.Paulo, 18/07/2013
Com o respeito que lhe é devido por ter na vida real a honesta profissão que não raros de seus colegas de Congresso Nacional enxovalham com sua conduta, registre-se o equívoco do deputado Tiririca ao lançar o bordão "pior do que está não fica". A mais recente prova de que, na política, tudo sempre pode ficar pior está nas gelatinosas movimentações dos partidos para apresentar em 90 dias um projeto de reforma política. Se o trabalho da comissão criada para esse fim for aprovado, o texto será submetido a referendo nas eleições de 2014. Os indícios apontam para o retrocesso.
A se consumar, deixará saudade de algumas das regras atuais, que a presidente Dilma Rousseff tentou alterar estabanadamente - primeiro, com a desatinada ideia de convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva sem a participação do Legislativo; depois, mediante um plebiscito irrealista em que o eleitor seria chamado às pressas a se servir de um bufê de propostas de duvidosa digestão, entrando em vigor as mais consumidas já no pleito do ano que vem. A Constituinte caiu por sua clamorosa ilegalidade. O plebiscito, por ter sido rejeitado pelo PMDB, valendo-se da avaliação da Justiça Eleitoral de que seriam necessários pelo menos 70 dias para realizá-lo, a contar da definição dos seus quesitos.
Ficou patente, de todo modo, que Dilma quis apenas mostrar-se antenada com a voz das ruas. Não estava. Embora os políticos e a corrupção se destacassem entre os variados alvos das jornadas de junho - motivadas principalmente pelo custo do transporte público e a percepção do descalabro dos serviços públicos em geral -, apenas uma parcela mínima dos manifestantes incluiu a reforma política no seu embornal de demandas. Só que o oportunismo da presidente produziu outras consequências, além de aumentar o seu desgate. No PT, assistiu-se à patética disputa entre os deputados Henrique Fontana, do Rio Grande do Sul, e Cândido Vaccarezza, de São Paulo, por uma vaga na citada comissão dos 90 dias, impedindo que o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, a instalasse na semana passada. Ficou para agosto.
Alves deu ao paulista a coordenadoria do colegiado. Amuado, o gaúcho foi-se embora. Como Henry Kissinger disse certa vez, as brigas por posições às vezes são inversamente proporcionais à sua efetiva importância. Para o PT, importante continua sendo o plebiscito, ainda que para vigorar só em 2016, mediante decreto legislativo. A sua primeira versão teve o mesmo destino dos lances de suposta esperteza de Dilma: foi rebarbada até pelos companheiros de viagem do petismo no Congresso, quando se deram conta de que o texto continha, camufladas, propostas de adoção do financiamento público das campanhas - a enganadora resposta petista ao escândalo do mensalão - e o polêmico voto em lista fechada para deputados e vereadores.
O rol dos quesitos, por sinal, discrepa das "sugestões" arroladas por Dilma na sua mensagem em favor do plebiscito. No fundo, tanto faz. É improvável que o PT consiga reunir as 171 assinaturas necessárias para a inclusão de sua proposta de decreto na pauta da Câmara. Já o que a cúpula do PMDB prepara é de levar a sério - e recear. O partido fala pela base aliada muito mais do que o seu rival no governo - ainda mais nestes tempos de queda da popularidade de sua titular. E o principal projeto peemedebista é um insulto ao clamor por transparência. Os seus caciques querem acabar com as doações diretas aos candidatos por pessoas físicas e jurídicas. Os interessados em patrocinar campanhas depositariam as suas contribuições na conta das respectivas siglas, que as distribuiriam entre os seus candidatos.
É uma trapaça. Antes da transferência, financiadores, partidos e candidatos terão se acertado sobre o destino da bolada. A armação convém ao doador, porque o seu nome não aparece; ao partido, porque é praticamente impossível rastrear o percurso do dinheiro que fez escala nos seus cofres; e ao candidato, porque dele não se poderá dizer, se eleito, que está a soldo de terceiros. Só o eleitor ficará no escuro. Isso já existe. Chama-se "doação oculta", contestada pelo Ministério Público. Só falta instituí-la, desmentindo o iludido Tiririca.

Diplomacia ativa, altiva e soberana, sempre que possivel... - Editorial Estadao

Evo, o travesso


Editorial O Estado de S.Paulo, 18/07/2013
A diplomacia companheira trata a Bolívia como aquele irmão menor que, por mais inconveniente que seja, deve sempre ser perdoado por suas traquinagens. Resultado: Evo Morales, o menino travesso, sente-se cada vez mais à vontade para afrontar o Brasil. Em sua última pirraça, o governo boliviano mandou seus agentes vistoriarem três aviões da Força Aérea Brasileira que estavam no aeroporto de La Paz - uma das aeronaves estava a serviço do ministro da Defesa, Celso Amorim, em viagem oficial.
Todos os casos ocorreram em 2011 - dois em outubro e um em novembro - e só agora vieram a público. Em nenhum desses episódios os agentes bolivianos pediram autorização a representantes do governo brasileiro. Simplesmente invadiram os aviões, em busca sabe-se lá de quê - os agentes eram da divisão antinarcóticos, mas há suspeitas de que as autoridades bolivianas estivessem à procura do senador Roger Pinto Molina, opositor que há mais de um ano está refugiado na Embaixada do Brasil em La Paz.
Tais atos de violência teriam tido uma resposta à altura se o país ofendido fosse governado por dirigentes cientes de suas atribuições primárias. Mas o Brasil sob o lulopetismo é um país prisioneiro da fantasia ideológica bolivariana, que manda fechar os olhos para o comportamento irresponsável, autoritário e errático de governantes como Evo Morales e o venezuelano Nicolás Maduro, para ficar somente nos personagens latino-americanos que mais amiúde frequentam o noticiário por seus atentados contra a democracia e as boas relações internacionais.
A diplomacia nacional limitou-se a advertir a Bolívia, em dezembro de 2011, de que poderia adotar o "princípio da reciprocidade" caso houvesse nova vistoria em aviões brasileiros. Foram necessárias nada menos que três violações de soberania - porque é disso que se trata - para que o Brasil governado por Dilma Rousseff afinal se abalasse a reagir.
Quando o fez, porém, usou o mesmo tom complacente adotado nas crises anteriores, nas quais Evo Morales, de peito estufado, bradou que suas decisões, mesmo as flagrantemente ilegais, só diziam respeito à Bolívia.
Os exemplos dessa assimetria se multiplicam. Em 2006, pouco tempo depois de ter assistido à ocupação militar boliviana de uma instalação da Petrobrás, e ainda ouvir Evo acusar a empresa de "atividades ilegais", sendo esta apenas uma entre tantas bravatas antibrasileiras na ocasião, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em vez de reagir com firmeza à humilhação pública, pediu orações à Bolívia, "um país muito pobre, que precisa de ajuda".
A genuflexão do Brasil não comoveu Evo. Ao contrário: estimulou-o a acreditar que teria sempre o respaldo do "irmão mais velho". No caso do senador Molina, o presidente Evo Morales negou permissão para que o opositor saia do país e ainda acusou o embaixador brasileiro, Marcel Biato, de trabalhar para a oposição boliviana.
Em vez de reagir, o governo brasileiro trocou de embaixador, segundo informa o jornal Valor. Além disso, o mesmo Evo que não pede permissão de ninguém para inspecionar aviões oficiais brasileiros foi objeto de ruidosa solidariedade do Mercosul por ter tido seu avião oficial retido na Europa, por suspeita de que estivesse transportando Edward Snowden, procurado nos Estados Unidos após vazar informações confidenciais.
A imagem altiva da diplomacia lulopetista - aquela que vive a dizer que seus diplomatas não se submetem a revistas nos aeroportos dos Estados Unidos - não condiz com a humilhação de ver cães farejadores bolivianos fuçando num avião oficial do governo brasileiro.
Agora que a imprensa revelou o caso, Amorim disse que foi um procedimento "lamentável", mas o entrevero estava sendo mantido em sigilo certamente para não expor em público mais um exemplo do mau comportamento do presidente boliviano, aquele que é um dos símbolos da chamada "revolução bolivariana".

Quantas paginas tem o Codigo Tributario federal? - Um anonimo da Receita me responde...

Addendum, mais abaixo: nosso simpático funcionário federal está habilitado a responder agora...
PRA
Addendum, 2Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, foram editadas no Brasil, desde a Constituição de 88, nada menos que 4,4 milhões de normas tributárias.

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Atendendo ao meu apelo, mas apenas parcialmente, formulado neste post:

quarta-feira, 17 de julho de 2013

um Anônimo (que muito provavelmente deve ser um zeloso funcionário da nossa ínclita Receita Federal) me envia a seguinte mensagem:

Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Quantas paginas tem o Codigo Tributario federal?": 
Basta acessar o site da Presidência da República. Você, como funcionário do Executivo, deveria saber disso:
O Código Tributário Nacional tem 218 artigos, o que não deve dar mais do que umas 100 páginas impressas. Agora quero vê-lo publicar essa informação no blog... 

Mas eles não se dá conta que eu não pedi o link do Código Tributário Nacional, mas indaguei sobre o volume total do conjunto das normas que infernizam a vida de todo e qualquer empresário neste país.
Reproduzo, simplesmente, a questão postada e formulo novamente o convite para que ele me detalhe o volume aproximado de normas literalmente dantescas:

"Mas eu posso apostar que o volume total das normas tributárias da Receita Federal supera, e de longe, esse modesto número do IRS."

Está aberta a temporada de caça ao volume de normas, instruções, circulares e outras regras emitidas pela Receita. O Código, como todos sabem, só pode ser um instrumento genérico. No caso dos EUA, ele consolida as informações de que necessita o contribuinte para se desempenhar com suas obrigações anuais junto ao IRS.

Aproveito para sugerir ao Anônimo contribuinte (deste post) que ele consulte o Doing Business Brazil do Banco Mundial para saber quantos homens/hora/ano são necessários na OCDE, na América Latina e no Brasil, para ficar quites com os órgãos de fiscalização tributária.
Aposto que ele vai se surpreender.
Pode colocar suas conclusões aqui, de forma anônima ou aberta (preferida, claro).
Paulo Roberto de Almeida
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OK, atualizado as 14h48.
O Juliano Bortolozzi saicou a minha curiosidade, e a de todos os brasileiros.
A resposta está abaixo:

Livro de 6,2 toneladas mostra o peso da carga tributária

Obra tem como resultado 43.216 páginas, cada uma delas com 2,2 metros de altura

A Gazeta online, 20/02/2011 - 22h00 - Atualizado em 20/02/2011 - 22h00

  1. NOTÍCIA
  2. Enviar por e-mail
 
foto: Washington Alves
Vinicios Leoncio, tributarista - Editoria: Economia AG - Foto: Washington Alves
Advogado tributarista Vinicios Leoncio reuniu todas as normas de 1992 a 2005

Abdo Filho
afilho@redegazeta.com.br

Que o brasileiro paga muito imposto e que as nossas regras tributárias são verdadeiros emaranhados, praticamente todo mundo sabe. Agora, você seria capaz de imaginar no que se transformaria toda essa burocracia colocada no papel, item por item, portaria por portaria? Pois foi isso que o advogado tributarista Vinicios Leoncio, de Belo Horizonte, fez. O resultado é um livro de 6,2 toneladas com 43.216 páginas, cada uma delas com 2,2 metros de altura por 1,4 metro de largura. A publicação, que recebeu o sugestivo título de "Pátria Amada", sai em junho.

"Todo brasileiro sabe que o peso da carga tributária é enorme, mas poucos têm a noção do que é a nossa legislação tributária, de como ela é complicada. Desde a Constituição de 1988, são editadas, em média, 35 novas normas por dia. Algo inacreditável. Cada município tem o seu código tributário. Minha intenção era mostrar isso, acho que vou conseguir", afirma o tributarista.

De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário, as cerca de 7 mil leis tributárias nas três esferas de governo obrigam as empresas a gastarem R$ 42 bilhões ano com burocracia. Em países "normais", a média de gastos com a burocracia tributária gira entorno de R$ 3 bilhões. Ainda segundo o levantamento, as empresas ainda perdem 2,6 mil horas por ano com o pagamento de tributos, enquanto a média mundial é de 280 horas por ano.

Leoncio iniciou seu projeto em 1992. Desde então, o advogado mineiro entrou numa cruzada para viabilizar a empreitada. Foram gastos cerca de R$ 1 milhão, 35% se foram com impostos. Além da dificuldade de imprimir o livro, nenhuma impressora do Brasil tem o padrão da publicação, o advogado viu-se num caminho pouco transparente e praticamente sem fim.

"A ideia inicial era por todas as normas no papel, mas imagina o que é fazer isso num país com 35 novas regras por dia. Por isso, meu limite foi o ano de 2005, tudo entre os anos de 1992 e 2005 está lá". Outro problema encontrado foi a precariedade dos municípios. "Dos mais de 5 mil municípios do Brasil, cerca de 700 acabaram de fora. Em muitos, o código tributária é manuscrito, era impossível reunir tudo isso, mesmo tendo 45 pessoas trabalhando no projeto".

Além do tamanho e do conteúdo, o livro também chama atenção por conta da tecnologia. Como o volume de páginas é grande (3,15 metros) e o peso é enorme (6,2 toneladas), foi desenvolvido um sistema semelhante ao da porta de avião para fechá-lo. Além disso, há amortecedores para regular a virada das páginas.


Mini entrevista
Vinicios Leoncio, advogado tributarista

De onde surgiu a ideia do livro?
Surgiu porque eu queria expor à sociedade o tamanho da nossa legislação tributária. A maioria não tem noção do quanto ela é grande e complicada. Fala-se muito de sua extensão, mas ninguém vê. Pensei que um livro poderia ser algo concreto de fácil visualização. O final disso é uma obra de 6,2 toneladas.

Pensava no Guinness?
Sabia da extensão do projeto, mas não me passava pela cabeça essa coisa de recorde, mas com o passar dos anos eu fui percebendo que o livro seria o maior do mundo. São 6,2 toneladas, hoje, o maior é um livro sueco, de 2,7 toneladas. Consegui chegar nesse tamanho todo mesmo deixando 15% dos mais de 5 mil municípios do Brasil de fora. Em vários municípios, o código ainda está escrito a mão.

Como o senhor fez para encerrar um livro sobre um assunto que tem 35 novas normas por dia?
Determinei que deveríamos ir até as regras estabelecidas em 2005, caso contrário, nunca terminaria. O livro já nasce defasado, mas tudo bem, qualquer livro tributário publicado no Brasil fica defasado depois de algumas semanas.

Como o livro foi impresso? 
O Brasil não possui impressora com esse padrão. Por isso, praticamente montei uma gráfica em Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Com ajuda de um amigo, adaptei uma impressora de outdoors. Alguns equipamentos foram comprados na China.

O que será feito agora?
Meu escritório não suporta o peso do livro. Minha ideia é deixar aberto para visitação, ainda não há nenhum lugar definido. Quero que esse livro circule por todo o Brasil para que as pessoas, principalmente as crianças, vejam o tamanho da nossa burocracia tributária.

Vai haver uma segunda edição?
Claro. Ainda não estabeleci o período que será estudado, mas quero lançá-lo até 2020.

Uma reforma tributária está sendo ensaiada. Qual a sua avaliação?
Olha, reduzir tributos eu acho bastante difícil, ainda mais com um Estado pesado como o nosso. Creio que o primeiro passo a ser dado deve ser a simplificação. Não podemos ter 5.565 códigos tributários diferentes, um para cada cidade, é preciso unificar isso aí. A simplificação também deve passar por Estados e União. Só cortando a burocracia, economizaríamos 1,3% do PIB por ano. É algo que precisa ser feito urgentemente.

Curiosidades

- O livro conta atualmente com cerca de 27 mil páginas impressas. Em junho, ele deve estar pronto

- Cada uma das páginas tem 2,2 metros de altura por 1,4 metro de largura

- Depois de pronta, a obra pesará 6,2 toneladas para um total de 43.216 páginas

- Se enfileiradas, as páginas do livro alcançariam uma distância de 95 quilômetros

Antes da diplomacia companheira eramos todos submissos ao imperio - a versao deformada da Historia

Então ficamos assim: antes do "nunca antes", antes da gloriosa era do guia genial dos povos, que conseguiu enterrar o ancien régime tucanês, o Itamaraty, e a maioria dos diplomatas, assim como todos aqueles que trabalharam ou foram responsáveis pela política externa do Brasil, eram todos uma tribo de submissos irrecuparáveis, servos fieis do Império, dispostos a vender a soberania da pátria no altar da integração subordinada aos interesses imperiais. Só depois é que conseguimos ter uma diplomacia "altiva e ativa", e mais adiante "soberana", como a indicar que havia algum desconforto psicológico em não sublinhar a soberania em qualquer ato de afirmação da sua autonomia, independência, afirmação, etc, como por exemplo não tirar os sapatos, mesmo quando a segurança assim o exige, pois a soberania está embutida nos calçados, etc., etc., etc.
Tem gente vibrando, com tudo isso, alguns de extrema satisfação, outros de indignação. Mas o mundo é assim mesmo: algumas versões da história tentam se fazer passar por toda a verdade, quando só revelam o caráter de quem as emite.
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia brasileira antes de Lula era excessivamente domesticada, afirma Celso Amorim

Ex-chanceler disse que não há indícios de que EUA tenham grampeado informações privilegiadas sobre compra de caças


Opera Mundi, 17/07/2013
O ex-chanceler e atual ministro da Defesa, Celso Amorim, classificou a diplomacia implementada pelo Brasil até o início do governo Lula, em 2003, como “excessivamente domesticada e facilmente domesticável”. Ovacionado por uma plateia formada basicamente por centenas de estudantes, Amorim contou uma série de casos para mostrar a maior autonomia da política externa brasileira nos oito anos em que esteve na chefia do Itamaraty.

Vitor Sion/Opera Mundi
“Antes do presidente Lula, havia uma concepção, que talvez tenha sido acertada em algum momento, mas não quando assumimos, de que Brasil não poderia tomar as decisões que queria por não ter excedente de poder. Era uma visão excessivamente domesticada e facilmente domesticável”, argumentou.

De acordo com o ex-chanceler, o objetivo da diplomacia brasileira sob o governo Lula era “contribuir para uma nova ordem política internacional”, sem se submeter a nenhuma potência. “Na política externa, você pode reagir com uma agenda dada ou criar uma agenda própria que influencie a comunidade internacional, o que foi uma das características do governo Lula”, explicou.

"Eleição do Lula em 2002 ocorreu com aquele sentimento na população de que 'é possível mudar o Brasil'. Usamos essa ideia para mudar a nossa atitude nas relações internacionais", analisou.

Uma das histórias lembradas pelo ministro diz respeito à criação do grupo “Amigos da Venezuela”, pouco depois da chegada do presidente Lula ao poder, para colocar fim à crise política no país vizinho, onde houve uma tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002.

“Até então, todas as soluções eram discutidas na OEA [Organização dos Estados Americanos]. Para mim esse processo tinha um gosto ‘monroísta’ [em alusão à norte-americana doutrina Monroe, cujo lema é ‘A América para os americanos’]. Os EUA defendiam eleições antecipadas, mas nós decidimos pelo referendo revogatório, que era uma ferramenta prevista na Constituição do país”, lembra Amorim.
Questionado por Opera Mundi sobre a possibilidade levantada pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, de que os EUA poderiam ter grampeado informação privilegiada sobre a compra de caças para a FAB (Força Aérea  Brasileira), o ministro da Defesa disse “os comandantes das Forças Armadas não detectaram nenhum vazamento de dados sigilosos” sobre o assunto. “Não detectaram, mas se houve ou não houve ninguém nunca vai saber com certeza.”

Amorim também disse que, até esta semana, não tinha conhecimento da vistoria realizada por autoridades bolivianas ao avião que o levou para o país vizinho, em 2011. O ex-chanceler participou da última mesa de debates desta terça-feira (16/07) da conferência “2003-2010: Uma nova política externa”, na Universidade Federal do ABC, e foi o palestrante mais aplaudido do dia. O evento continua hoje e amanhã, quando o presidente Lula fará parte do ato de encerramento. 

Um povo traido pelo "nunca antes" - Sebastiao Ventura

Um povo traído

Blog do Instituto Millenium, 18 de julho de 2013

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. Um povo traído
Sebastião Ventura
As comemorações dos 25 anos da Constituição de 1988 têm sido marcadas por intensa participação popular. Como há muito tempo não se via, as ruas brasileiras foram tomadas por um sem número de manifestações que, em suas múltiplas expressões, podem ser sintetizadas em um sentimento único: indignação democrática. O interessante é que o povo reclama dos políticos e esquece nossa parcela de culpa. Em outras palavras, o acesso ao poder nas democracias pressupõe o exercício do voto pelo cidadão, ou seja, ninguém vira presidente, governador, prefeito, deputado, senador ou vereador por hereditariedade. É claro que uns pensam que nasceram reis e houve, ainda, aquele que pensou que podia ir ao céu e tocar nas estrelas. Doce ilusão. Afinal, a estrela era cadente e, num instante, o céu ficou turvo com a lama de um malsinado processo de compra de consciências políticas venais.
Na verdade, o famigerado mensalão, em pese envolver o PT e a base de sustentação do então presidente Lula, representa um fenômeno político muito mais amplo e complexo. Sem cortinas, o julgamento da Ação Penal 470 pelo egrégio Supremo Tribunal Federal revelou, com crueza, a falência ética e moral do sistema partidário brasileiro. Infelizmente, os partidos estão plantados em uma terra podre, irrigada pelo esgoto do dinheiro sujo, corrupção e caixa 2. O problema disso tudo é que sem partidos não há representação democrática autêntica e, assim, sem o esteio partidário, os políticos viram ilhas de interesses pessoais, cegos pelo poder e surdos aos anseios do povo.
Nesse vácuo de representatividade, espraiaram-se protestos difusos e desencontrados que, na ânsia de externar um sonoro “basta!”, descambaram, em certos casos, para o caminho da violência e da baderna. A exacerbação dos ânimos é um claro sinal da angústia que sufoca a sociedade brasileira. Um povo que a cada R$100 trabalhados, entrega quase R$40 a um governo incompetente que sequer proporciona saúde, educação e segurança pública. Enfim, pagamos uma fortuna tributária e nem mesmo recebemos o básico dos básicos.
Seria muita tolice pensar que o povo iria se vender por alguns trocados de Bolsa Família e quejandos


Logo, seria muita tolice pensar que o povo iria se vender por alguns trocados de Bolsa Família e quejandos; mais do que tolice, seria virar as costas a um passado de ferrenha e combativa luta sindical que, se não teve estudo formal, foi rica na sensibilidade política, adquirida nas vivências do livro da vida. Eis, aqui, um dos aspectos históricos mais importantes do primeiro quarto de século da Constituição Cidadã de 1988: o povo acreditou e foi traído. 

Talvez, nesse ponto, o ex-presidente Lula tenha razão: nunca antes na história deste país houve tamanha traição democrática.
O mensalão foi uma punhalada nas costas de um povo que acreditou no líder popular e carismático que, se quisesse, poderia ter levado o Brasil a outro patamar moral e institucional. 
Ora, se tivesse havido um mínimo de sinceridade, é provável que a indignação das ruas não estaria tão inflamada. No entanto, a demagogia venceu a honradez, na tacanha visão de que o “eu” estaria acima da dignidade do povo. Não está. Mais do que sinceridade, o povo quer ser ouvido, quer ser olhado nos olhos, quer verdade na cara. 
Tudo isso faltou no Brasil que foi entregue à Dilma Rousseff. E, agora, que a inflação voltou, o câmbio subiu e o PIB caiu? Onde está o mundo encantado do ex-presidente Lula? Terá o país mergulhado em um desgoverno em apenas dois anos de sua festejada sucessora? Terá a atual presidente cometido tantas barbeiragens e outras sandices em tão pouco tempo? Ou será que a herança recebida era simplesmente maldita?
Enfim, as perguntas são muitas; as respostas, poucas e inconvincentes. Aliás, quem acredita neste governo?

Octavio Amorim Neto: De Dutra a Lula: a... politica externa brasileira (resenha de livro: Dawisson Lopes)

Uma excelente resenha de um mais que excelente livro, que também vou resenhar assim que me libertar dos trabalhos mais urgentes no meu pipeline.
Paulo Roberto de Almeida


Octavio Amorim Neto
(Rio de Janeiro: Campus, Konrad-Adenauer-Stiftung, 2011) 

Dawisson Belém Lopes
Professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte, MG). E-mail:dawisson@ufmg.br

Revista Brasileira de Ciência Política

versão impressa ISSN 0103-3352

Rev. Bras. Ciênc. Polít.  no.11 Brasília maio/ago. 2013

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-33522013000200009 


Em polêmico artigo recentemente publicado nos Estados Unidos, os professores John Mearsheimer (University of Chicago) e Stephen Walt (Harvard Kennedy School) foram taxativos no diagnóstico de que, no afã de testar as hipóteses da literatura por meio de ferramentas metodológicas e técnicas cada vez mais sofisticadas, os trabalhos acadêmicos sobre temas internacionais estão relegando para o segundo plano a preocupação com a teoria e os conceitos. Decorre daí que, se, por um lado, temos sido contemplados nas publicações especializadas com um grande número de "evidências" e "achados", lastreados em observação empírica e experiências, por outro, diminuiu ostensivamente a produção de grandes teses e narrativas com capacidade de redirecionar a discussão acadêmica. Ainda mais grave é o desdobramento qualitativo: segundo os autores, a atomização da produção resulta em crescente incapacidade de compreensão dos macroprocessos internacionais contemporâneos, já que estamos perdendo a habilidade de identificar boas variáveis explicativas, de fazer as perguntas de pesquisa relevantes e, ainda, de traçar as conexões entre a parte e o todo (Mearsheimer e Walt, 2013). Longe de ser consensual, a opinião reflete um foco de tensão no cânone da disciplina acadêmica de relações internacionais, o qual tem potencial para alastrar-se e influenciar as suas diversas subáreas.
Enquanto isso, no Brasil, a situação é distinta. A obra De Dutra a Lula: a condução e os determinantes da política externa brasileira, de autoria do cientista político Octavio Amorim Neto, foi saudada pela comunidade acadêmica como a primeira grande tentativa de aproximar, em termos metodológicos, a ciência política das relações internacionais. Amorim Neto tomou para si a empreitada de apontar quais teriam sido, entre 1945 e 2008, as variáveis determinantes para a condução da política externa brasileira, valendo-se intensivamente de estatística descritiva e inferencial. Uma das vozes a pronunciar-se sobre o livro foi a professora Maria Regina Soares de Lima (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), que assim descreveu o intento, no prefácio à obra:
Octavio [Amorim Neto] nos brinda com uma análise sistemática do alcance empírico de argumentos produzidos na literatura qualitativa - que tem sido o modo predominante dos estudos sobre a política externa brasileira. E o faz combinando o viés quantitativo com grande sensibilidade histórica (p. ii).
Também dão conta da boa acolhida que a obra recebeu as resenhas e notas publicadas em periódicos e na grande imprensa. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, "Octavio se ampara em dados estatísticos para criar um método de pesquisa quantitativa. Como resultado, o volume interessa a cientistas políticos, internacionalistas e historiadores" (Folha de S.Paulo, 2012). A revista Pesquisa, da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo, celebrou:
Se havia uma exceção gritante na crescente quantificação dos saberes, essa era a política externa, sempre analisada de forma qualitativa e, na maior parte dos casos, em um diapasão subjetivo. O estudo de Octavio Amorim Neto traz essa nova variável, objetiva, revertendo certezas e confirmando hipóteses (Carlos Haag, 2012, p. 91).
A culminância do processo foi a concessão do prêmio Victor Nunes da Leal, pela Associação Brasileira de Ciência Política, àquele que foi considerado por júri de especialistas o melhor livro científico em ciência política e relações internacionais do biênio 2010-2012.
Uma vez tendo sido feitos todos os reconhecimentos aos méritos de De Dutra a Lula - assim como às qualidades de pesquisador e escritor do seu autor - , talvez seja chegada a hora de avaliar mais criticamente o seu conteúdo e as prováveis consequências para o campo de estudos da Política Externa Brasileira (PEB). Não se pretende aqui repisar as apreciações prévias do livro (em sua maioria, francamente positivas). Antes, esta resenha pretende colocar em debate alguns pontos que, até onde conseguimos monitorar, ainda não passaram pelo devido escrutínio da comunidade acadêmica.
Recapitulando: De Dutra a Lula consiste, fundamentalmente, na tentativa de apreensão das principais linhas de força que modelaram a política externa ao longo de três grandes ciclos da política brasileira - o Interregno Democrático (1946-1964), o Regime Militar (1964-1985) e a Nova República (1985-2008) - por intermédio do método quantitativo.
No esquema explicativo de inspiração neorrealista, a convergência política entre Brasil e Estados Unidos significaria a capacidade deste país (considerado hegemônico na ordem global) de influenciar as ações daquele. Entretanto, a grande tese deixada por Amorim Neto ao fim do esforço argumentativo é que, a partir dos dados relativos ao período de 1946 a 2008, se teria tornado evidente o distanciamento do Brasil em relação às posições assumidas pelos EUA na política internacional. No contínuo que vai de 1946 a 2008 (vide o gráfico à página 69), a tendência que se depreende é de uma convergência cada vez menor entre os votos do Brasil e dos Estados Unidos, em diversas matérias, no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas. Donde a ilação, apresentada já na conclusão do texto, de que:
A partir da segunda metade do século XX, à medida que crescia e se industrializava a economia brasileira, se expandia a população, se urbanizava a sociedade, e aumentavam os gastos militares e o tamanho das Forças Armadas, o país foi se sentindo em condições de, passo a passo, se distanciar daquele que havia sido seu grande aliado na primeira metade do século passado (p. 171).
A passagem acima serve, deliberadamente ou não, de combustível para todos os que acreditam na existência de "antiamericanismo" na condução da política externa na última década. Impressão que fica reforçada com o trecho seguinte:
O aumento da participação ministerial da esquerda - isto é, justamente no centro de gravidade do sistema político brasileiro, o Poder Executivo - cria condições políticas excelentes para que partidos bem organizados e com intensas preferências a respeito da ação internacional do Brasil alterem a política externa, no sentido de distanciá-la dos Estados Unidos (p. 175).
Amorim Neto, contudo, confessa a sua perplexidade ao perceber que, mesmo no período em que a esquerda esteve completamente ausente do poder no país (1964-1985), ainda assim se alargou a distância de posicionamentos entre Brasil e EUA. O autor sai-se então com uma hipótese auxiliar ad hoc: a proximidade substantiva das agendas diplomáticas da esquerda e da direita durante a ditadura dos militares era, possivelmente, o que levava à suspensão temporária da lógica esboçada no parágrafo anterior.
Outra importante lição de De Dutra a Lula diz respeito ao papel inexpressivo (estatisticamente não significativo) desempenhado pelo Poder Legislativo na definição da política exterior a ser implementada pelo Estado brasileiro. O autor, não obstante, vai além das evidências encontradas, enunciando ao cabo uma nova hipótese que, claramente, não encontra arrimo nos números apresentados: "[U]ma razão para ossupostos excessos da diplomacia praticada entre 2003 e 2010 pode encontrar-se na falta de freios domésticos à ação do Executivo. A ausência de freios ao Poder Executivo remete imediatamente ao papel do Congresso na política externa" (p. 176). A proposição é feita na forma condicional - ex hypothesi - porque, afinal, como adverte Amorim Neto, não é propósito do livro "posicionar-se a respeito de a política externa de Lula ter sido ou não excessivamente ideológica" (p. 176).
Temo discordar da linha interpretativa explorada no livro em tela. Em primeiro lugar, por embutir uma falácia de dispersão na sua tese principal. A dificuldade deriva do recorte temporal do trabalho (1945-2008), que induz a uma distorção logo na origem da análise. Explica-se: Eurico Gaspar Dutra foi, provavelmente, ao longo de toda a história republicana da política externa, o presidente que mais resolutamente alinhou o Brasil às posições estadunidenses. Mais até que Castelo Branco ou Collor de Mello. O seu mandato corresponde ao que o historiador Gerson Moura (1990) tratou como "o alinhamento sem recompensa", uma vez que, embora o Brasil tivesse apoiado os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (a partir de 1943) e seguisse incondicionalmente associado àquele país (nos primeiros anos sob Dutra), pouco recebeu de concreto em contrapartida: não veio o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, tampouco um Plano Marshall para a América Latina. Dessa maneira, é natural que todos os sucessores de Dutra tenham se afastado de seu americanismo extremo e objetivamente malsucedido. Corresponde, por assim dizer, à normalização da curva da política externa.
Além disso, o recorte temporal de De Dutra a Lula peca por desprezar os antecedentes históricos do fenômeno do americanismo (e também do antiamericanismo) na PEB. Desconsidera, por exemplo, que o momento imediatamente anterior ao da adesão do Brasil ao bloco dos Aliados, na Segunda Guerra, com Vargas na presidência, acomodou lances explícitos de aproximação com a Alemanha nazista - e, por conseguinte, de afastamento em relação às posições diplomáticas dos EUA. Se retrocedermos até a geração que fundou a linhagem americanista da PEB, ainda assim notaremos que nem mesmo o Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa deixaram de divergir dos americanos em repetidas e cruciais oportunidades (como, por exemplo, na II Conferência da Haia, de 1907). Em suma: na história da República, o governo Dutra é um outlier da política externa - e isso torna enviesada a narrativa construída por Amorim Neto.
Na exposição dos motivos para o aumento das divergências entre Brasil e EUA, a partir da segunda metade do século XX, postula-se que o crescimento econômico e demográfico brasileiro, associado à urbanização e aos investimentos militares, fez o país "se sentir em condições de, passo a passo, se distanciar daquele que havia sido seu grande aliado na primeira metade do século passado [XX]" (p. 171). Alternativamente, ofereço a seguinte narrativa: não foi o simples acúmulo de atributos de poder ("capacidades", segundo o jargão da escola realista das relações internacionais) que levou ao afastamento brasileiro das posições estadunidenses, mas a progressiva autonomização do país em relação ao resto do mundo - entendida, na tradição da PEB, como a capacidade de gerar a própria norma de conduta na política internacional - que trouxe, como epifenômeno, a diminuição da taxa de convergência de votos Brasil/EUA na Assembleia Geral da ONU. É sintomático que, ao tempo do Brasil Império, não se falasse em americanismo na política externa. A tradição associativa (ou "reboquista", na estranha tradução de Amorim Neto) no século XIX era o europeísmo. Porém, desde sempre, associativistas foram desafiados por autonomistas - independentemente dos rótulos que as duas correntes receberiam dos historiadores e cientistas políticos ao longo dos anos: agraristas vs. industrialistas, entreguistas vs. nacionalistas, liberais vs. desenvolvimentistas, interdependentistas vs. soberanistas, americanistas vs. globalistas etc..
O alinhamento diplomático aos EUA há que ser compreendido não como essência ou ideologia perene da PEB, mas como opção pragmática dos formuladores da inserção internacional do país, passível de reavaliação contínua, conforme o cálculo estratégico dos homens de Estado de um determinado momento histórico. Essa marcha pela autonomização do Brasil ajuda a entender, por exemplo, por que os governos de dois presidentes comprometidos com ideais de esquerda na política externa - Jânio Quadros e João Goulart, artífices da "Política Externa Independente" - puderam apresentar índices de convergência de voto com os Estados Unidos consistentemente mais altos do que dois reconhecidos americanistas da Nova República - Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Aparentemente, portanto, o processo de ascensão e autoafirmação do Brasil no cenário internacional, transformado em orientação de política externa, guarda pouca relação direta com o (anti)americanismo.
Ao sobrestimar o peso da variável independente "composição ministerial" na formulação da política externa brasileira, além de sugerir nexo causal entre a tibieza da atuação do Legislativo na PEB e a execução de uma política externa (supostamente) "ideológica", Amorim Neto parece desconsiderar outros dois aspectos importantes do processo: a) o histórico insulamento burocrático do Ministério das Relações Exteriores, agência governamental que, por várias décadas, exerceu um virtual monopólio sobre as etapas de formulação e implementação da política externa brasileira, sob a delegação, tácita ou expressa, do chefe do Poder Executivo (Cheibub, 1985)1; e b) a tendência mundial - e não apenas brasileira - de concentração de competências sobre os atos internacionais do Estado soberano nas mãos do chefe do Poder Executivo, seja no presidencialismo, seja no parlamentarismo (Milner, 1997), contrastando com o papel secundário do Poder Legislativo na produção da política externa, inclusive nos Estados Unidos da América (Jacobs e Page, 2005). A insistência do autor em enxergar "ideologia excessiva" e "preferências partidárias fortes" na atual condução da política externa, sem oferecer ao leitor o devido suporte factual, poderá, antes, constituir um caso de raciocínio normativamente guiado (wishful thinking).
Adicionalmente, cumpre apontar a fragilidade do organograma elaborado pelo autor sobre a produção da política externa brasileira entre 1946 e 2008 (vide figura 3.1, à página 81). Amorim Neto confunde-se ao conceder enorme centralidade às Forças Armadas no processo decisório da PEB, numa presumível emulação do sistema estadunidense de formulação da política exterior. Em um país constitucional e historicamente vinculado ao pacifismo como o Brasil, em que a gestão política das questões de defesa doméstica e internacional está a cargo de um Ministério da Defesa comandado por servidores civis desde a sua criação, em 1999, há nítida superestimação do componente militar. Ademais, parece artificial a busca por uma síntese do processo decisório brasileiro em política externa ao longo de período tão dilatado de tempo, que comporta tantas e tão profundas mudanças nas estruturas institucionais do Estado. O autor também demonstra desconhecimento da "horizontalização da PEB", isto é, do cada vez maior compartilhamento das competências internacionais do Estado brasileiro entre os ministérios da Esplanada. Como apontam estudos recentes, mais de 90% dos ministérios (ou órgãos com estatuto de ministério) em Brasília já contam com departamentos, diretorias ou coordenações de assuntos internacionais. Alguns ministérios, como o da Cultura ou o dos Esportes, mobilizam intensamente as suas estruturas de atuação internacional, até mesmo à revelia do Itamaraty (Badin e França, 2010; Faria, 2012). Confinar a produção contemporânea da PEB aos ministérios das Relações Exteriores e da Fazenda é anacronismo, para dizer o mínimo.
As dificuldades de De Dutra a Lula não se circunscrevem ao campo de estudos da Política Externa Brasileira. Há evidentes problemas no método escolhido (monitoramento dos votos de Brasil e EUA na Assembleia Geral das Nações Unidas) e na principal variável proxy do trabalho. Inicio por chamar a atenção para a estrutura organizacional das Nações Unidas (ONU). Esta compõe-se de cinco órgãos principais - Assembleia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela e Secretariado - e de uma Corte Internacional de Justiça. Como corolário da diferenciação funcional das burocracias, cada órgão desempenha um papel específico e conta com uma composição diferente. O único desses órgãos com orientação universalista (tanto em termos geográficos quanto temáticos) é a Assembleia Geral (AG), a qual acolhe em suas plenárias todos os 193 países membros da ONU, em estrita igualdade de condições. Contudo, a Assembleia é incapaz de impor-se coercitivamente a seus membros. A prerrogativa de produzir normas imperativas é exclusiva do Conselho de Segurança (CS), órgão de acesso restrito, com participação limitada a 15 Estados membros da ONU - dos quais 5 são cativos2 e outros 10 são temporários.
E qual a consequência disso para a dinâmica da ONU? Apesar de a AG revestir-se de considerável legitimidade política, as suas decisões têm valor meramente simbólico. (Na mais otimista das hipóteses, juristas dirão tratar-se de soft law, isto é, de um conteúdo normativo com capacidade de influenciar os Estados, mas não de desencadear efeitos jurídicos propriamente ditos.) As decisões mais dramáticas a respeito da ordem internacional são, invariavelmente, tomadas no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Assim, embora a consulta à base de dados com os votos registrados desde 1945 por todos os países da ONU, acerca de uma ampla gama de temas, seja uma ação possível apenas no nível da Assembleia Geral, é lícito questionar: qual é o verdadeiro sentido atribuído pelos países a essas votações? Com que nível de seriedade e motivação esses debates são conduzidos? Efetivamente, o que está em jogo para os representantes dos Estados? Qual a mobilização de recursos de cada Estado para tais discussões?
Em certo sentido, é argumentável ser este o próprio espírito dos que conceberam a Carta da ONU: contrabalançar o idealismo da representação política universal (Assembleia) com o realismo militarizado das potências (Conselho). Uma linha de ação diplomática plausível - e já praticada anteriormente pelo Brasil - é fazer avançar determinadas posições na Assembleia Geral, mas não no Conselho de Segurança. O "pragmatismo responsável" - modo como ficou conhecida a política externa sob Médici e Geisel - conseguiu equilibrar-se entre as concessões ao terceiro-mundismo na AG e a não confrontação com as potências do CS (entre 1968 e 1988, o Brasil ausentou-se do fórum de segurança). Os Estados Unidos, na sua história diplomática recente, também expressaram diferentes atitudes e níveis de engajamento em relação às Nações Unidas. Depois de desfrutarem, entre 1945 e 1960, de hegemonia no interior da instituição, viram-se ameaçados pela independência política dos "satélites" soviéticos - ex-colônias europeias situadas na África, na Ásia e no Oriente Próximo. Michael Dunne notou que, a partir de então, "os americanos ficaram desiludidos com a ONU, onde o bloco 'afro-asiático' parecia representar um Terceiro Mundo pouco confiável politicamente e muito demandante economicamente, e os latino-americanos não mais eram dependentes [dos EUA]" (Dunne apud Lopes, 2012, p. 198). Japão e Europa Ocidental, elementos-chave da esfera de influência americana, passaram a discordar dos Estados Unidos em questões pontuais, no âmbito da ONU. Em 1971, a República Popular de China ingressou na organização, assumindo o lugar da representação de Formosa (Taiwan) no Conselho de Segurança. Crescentemente, como descreveu o embaixador Daniel Patrick Moynihan, a ONU se tornava "um lugar perigoso para os americanos". Assim sendo, por décadas a fio, os Estados Unidos viraram as costas para a instituição que eles não mais conseguiam controlar, até que, com o fim da Guerra Fria, ensaiassem um retorno triunfante (cf. Lopes, 2012).
Outro problema que distorce a análise empreendida por Amorim Neto é a reportada tendência de que temas comuns, debatidos originalmente na Assembleia, estejam migrando nos últimos tempos para o Conselho de Segurança. Hoje em dia, são recorrentes as deliberações no CS sobre tópicos de "segurança humana", "segurança alimentar", "segurança ambiental", "segurança energética" etc. - configurando o que se tem chamado de "securitização da agenda internacional". Evidentemente, isso também reflete a percepção dos atores de que o órgão da ONU que realmente importa é o Conselho de Segurança; o resto é "talk shop". Donde o referido deslocamento do eixo político da organização. Finalmente, é necessário ter em mente que, por toda a história da Organização das Nações Unidas, coexistiram dois registros - o formal e o informal. Isso é válido para praticamente toda organização política, não constituindo excepcionalidade da ONU, não fosse a constatação de, nos últimos 25 anos, ter-se dado a progressiva substituição da técnica de construção das maiorias (majoritarismo) pela de construção de consensos entre os Estados membros. Tal tendência é particularmente saliente no Conselho de Segurança, resultando na baixa utilização do expediente do veto a partir da década de 1990. Parte das divergências e convergências substantivas entre os países não chega sequer a se expressar formalmente, por meio do voto, dado que, de maneira informal, as diferenças são acomodadas e as contradições mais estridentes são dissipadas. Para além disso, as estruturas paralelas aos fóruns da ONU, tais como as coalizões intergovernamentais, interferem nos votos proferidos pelos Estados, pois induzem ao estabelecimento de posições de bloco e padrões de votação, aplainando (ou magnificando) diferenças entre países (Kahler, 1992; Prantl, 2005). Lamentavelmente, essa complexidade das votações não está problematizada em De Dutra a Lula.
Amorim Neto, enfim, encerra o seu texto com um eloquente parágrafo de disclaimer, no qual alega que o modelo de análise desenvolvido no livro é datado historicamente. No entendimento do autor, os seus supostos são desafiados pela "universalização das relações internacionais do Brasil", por sua "ascensão à condição de ator global", pela "emergência da China como principal parceiro comercial do país", pelo "declínio imperial estadunidense desde 2003" e ainda pela "multiplicação de atores envolvidos no processo decisório doméstico [da PEB]" (p. 177). É justo. E talvez fosse o caso de perguntar, mediante todas as ressalvas feitas, se De Dutra a Lula constituiria, ainda assim, uma leitura de referência para iniciantes e iniciados em política externa. Naturalmente, é cedo para responder convictamente à questão, ou para estimar o impacto do livro sobre a comunidade pensante das relações internacionais do Brasil. O tempo dimensionará a importância desse esforço inaugural.
Os reparos que lhe fazemos nesta resenha não devem, em absoluto, diminuir o tamanho da ousadia analítica do seu autor. Tampouco devem ser lidos como um manifesto antiempirismo e, muito menos, conduzir o leitor à conclusão de que a chegada dos quantitativistas ao campo de estudos da Política Externa Brasileira é evento indesejável e perigoso. Definitivamente, não se trata disso. O avanço do estado da arte pede mais e novas aproximações do objeto, preferencialmente com orientação empírica - sejam estudos de caso, sejam estudos comparativos. Todavia, resta patente, como saldo do empreendimento acadêmico de Amorim Neto, a necessidade de refinamentos conceituais e teóricos. Só um melhor equilíbrio entre as velhas e as novas abordagens da PEB poderá conduzir a um porto seguro.

Referências
BADIN, Michelle Sanchez & FRANÇA, Cassio (2010). A inserção internacional do poder executivo federal brasileiro. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert.         [ Links ]
CHEIBUB, Zairo (1985). "Diplomacia e construção institucional: o Itamaraty em uma perspectiva histórica",Dados, v. 28, n. 1, p. 113-131.         [ Links ]
FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (2012). "O Itamaraty e a política externa brasileira: do insulamento à busca de coordenação dos atores governamentais e de cooperação com os agentes societários", Contexto Internacional, v. 34, n.1, p. 311-355.         [ Links ]
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JACOBS, Lawrence & PAGE, Benjamin (2005). "Who influences U.S. foreign policy?". American Political Science Review, n. 99, p. 107-123.         [ Links ]
KAHLER, Miles (1992). "Multilateralism with small and large numbers". International Organization, n. 46, p. 681-708.         [ Links ]
FOLHA DE S.PAULO (2012). "'De Dutra a Lula' investiga meio século de diplomacia brasileira" (texto inserido na internet em 02.02.2012). Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/1043085-de-dutra-a-lula-investiga-meio-seculo-de-diplomacia-brasileira.shtml>. Acessado em 25 de mar. de 2013.         [ Links ]
LOPES, Dawisson Belém (2012). A ONU entre o passado e o futuro: a política da autoridade. Curitiba: Appris.         [ Links ]
MEARSHEIMER, John & WALT, Stephen (2013). "Leaving theory behind: why hypothesis testing has become bad for IR". Harvard Kennedy School (HKS) Faculty Research Working Paper Series, RW 13-001. Disponível em: <http://web.hks.harvard.edu/publications/getFile.aspx?Id=902>. Acessado em 16 jan. 2013.         [ Links ]
MILNER, Helen (1997). Interests, institutions, and information: domestic politics and international relations. Princeton: Princeton University Press.         [ Links ]
MOURA, Gerson (1990). "O alinhamento sem recompensa: a política externa do governo Dutra". Textos CPDOC, Rio de Janeiro: MRE, FGV/CPDOC.         [ Links ]
PRANTL, Jochen (2005). "Informal groups of States and the UN Security Council". International Organization, v. 59, n. 3, pp. 559-592.         [ Links ]

Recebida em 19 de janeiro de 2013
Aprovada em 9 de março de 2013

1 Insulamento que apenas recentemente começou a ser revertido. Ver Faria (2012). 2 Os vencedores da II Guerra Mundial: Estados Unidos, Reino Unido, França, República Popular da China e Federação Russa.

Pausa para... o hipocondríaco Nelson Rodrigues, segundo Otto Lara Resende

Trecho de uma crônica de Luís Schwarcz no blog da Companhia das Letras, transcrita no site do Observatório da Imprensa.

‘A testemunha silenciosa’ ou Otto Lara Resende

Por Luiz Schwarcz
Observatório da Imprensa, 16/07/2013 na edição 755
Nelson [Rodrigues] era muito hipocondríaco. Certo dia, [Otto Lara Resende] recebe um telefonema do dramaturgo – e... Otto imitava com perfeição a voz grave do autor de A vida como ela é
“Otto, estou muito mal, nas últimas. Internei-me na clínica São Vicente, não tenho muito tempo de vida. Venha me ver e traga um jornalista para fazer comigo a derradeira entrevista.” 
Ao chegarem, Nelson diz ao jovem jornalista: “Rapaz, você está com lápis e papel na mão?”
“Sim, estou pronto.” 
“Então anota aí: “Marx é uma besta!” 
Segue-se um longo silêncio. 
“Pois não, já anotei. Como continuamos?” 
“Não continuamos. Estou melhor. Não vou morrer mais.”

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Quantas paginas tem o Codigo Tributario federal?

Bem, a coisa foi evoluindo: cem anos atrás, em 1913, ele já tinha 400 páginas.
Em 1969, a coisa tinha progredido para 16.500 páginas.
Mas isso ainda era pouco para os burocratas vorazes do fisco nacional.
Em 2011, eles tinham conseguido engordar o monstro para 72.536 páginas (e contando...).

Calma, calma: não estou falando Brasil, mas dos Estados Unidos.
Está na Economist desta semana, uma matéria sobre a reforma necessária do Tax Code, administrado pelo Internal Revenue Service, o Leão deles.

Mas eu posso apostar que o volume total das normas tributárias da Receita Federal supera, e de longe, esse modesto número do IRS.
Querem apostar?
Eu não prometo pagar nada porque não sei, mas agradeceria se um tributarista bonzinho desse órgão fascista que é a Receita me trouxesse o número exato e atualizado.
Aposto como vocês vão cair para trás...

Paulo Roberto de Almeida

O Mercosul e' a mae de todos: Estado Plurinacional de Bolivia

Vão precisar de tradução agora?

Miércoles 17 de Julio de 2013, 08:21 am

Parlamento de Venezuela aprueba ingreso de Bolivia al Mercosur


La iniciativa contó con los votos favorables tanto de los diputados oficialistas, mayoría en el Parlamento, como de la oposición. (foto: Archivo/AVN)
La Asamblea Nacional (AN) de Venezuela aprobó este martes el protocolo de adhesión de Bolivia al Mercado Común del Sur (Mercosur) como miembro pleno, despejando el camino para que el país altiplánico pueda convertirse en el sexto integrante del bloque comercial suramericano.
En sesión ordinaria, los diputados aprobaron un acuerdo de apoyo a la presidencia pro témpore recientemente asumida por Venezuela en el ámbito de Mercosur y asimismo certificaron la Ley Aprobatoria del Protocolo de Adhesión del Estado Plurinacional de Bolivia a dicho ente.
La iniciativa contó con los votos favorables tanto de los diputados oficialistas, mayoría en el Parlamento, como de la oposición.
"Es para nosotros una satisfacción saber que estamos votando la incorporación del hermano Estado Plurinacional de Bolivia", manifestó durante el debate el diputado oficialista Saúl Ortega.
Asimismo, desde la bancada opositora, se sumaron al oficialismo en su apoyo a la incorporación de Bolivia."Nosotros creemos que es importante que Bolivia ingrese al Mercosur (...) desde el punto de vista de un hecho de integración", sostuvo el diputado opositor Leomagno Flores, del partido Acción Democrática.
Bolivia fue invitada en diciembre pasado por los presidentes del Mercosur a sumarse al bloque, del que ya es miembro asociado, pero su adhesión se hará efectiva una vez que los Parlamentos de los cinco países miembros ratifiquen su incorporación.
El país ya tiene voz en las cumbres del Mercosur, aunque no voto, el cual obtendrá cuando se complete formalmente su proceso de adhesión.
El Mercosur está formado por Argentina, Brasil, Uruguay, Venezuela y Paraguay, aunque este último país se encuentra suspendido desde hace un año tras el polémico golpe parlamentario contra el presidente Fernando Lugo.
Ecuador, que ya es miembro asociado del bloque, también está en conversaciones para ser acogido como integrante de pleno derecho.